DA POLÊMICA DA INVESTIGAÇÃO DO IMPACTO DA VACINA CONTRA POLIOMIELITE SOBRE COVID-19 NA GUINÉ-BISSAU, ALGUMAS PALAVRAS.

DA POLÊMICA DA INVESTIGAÇÃO DO IMPACTO DA VACINA CONTRA POLIOMIELITE SOBRE COVID-19 NA GUINÉ-BISSAU, ALGUMAS PALAVRAS.

Confesso que apanhou-me de surpresa esta polêmica que veio à luz como uma acção menos responsável ou menos comprometida com a protecção das nossas populações, acção esta que estaria a ser contrariada pela vigilância e sentido de pertença de vários guineenses habilitados para tal.

A intensidade inicial das reações causou-me ainda mais perplexidade e ansiedade, que se juntaram à minha convicção de que haveria com certeza algo de errado, ou que se tratava de um mal-entendido, ou que alguma insuficiência de informação pudesse estar a condicionar toda a polémica.

A primeira questão que coloquei a mim mesmo é, como é possível que as partes envolvidas pudessem começar o jogo do bom e do mau da fita, na praça pública, com as consequência que daí pudessem advir? Isto porque tenho, de igual forma, as melhores impressões, tanto da excelência de como pensam, como daquilo que fazem, do nível de preparação que têm, seja no aspecto científico-académico como ético, além do elevado nível de empenho que têm mostrado, no que diz respeito a defesa dos guineenses e da sua saúde.

Esta polêmica envolveria necessariamente, de forma direta ou indireta e em campos opostos duas pessoas que merecem as minhas maiores estima e consideração, o Dr. Joaquim Silva Tavares (Djoca), médico guineense que vive e trabalha nos Estados Unidos de América e que dispensa por enquanto mais apresentações e Dr. Peter Aaby, antropólogo dinamarquês, perito em matéria de investigação em saúde, especialmente na área de imunização/vacinação, pioneiro nesta importante matéria na Guiné-Bissau, com desempenho e residência de mais de 40 anos no nosso país.

Confesso que fiquei mais baralhado quando vi o nome de Mouhammed Ahmed como secretário permanente do Comité de Ética, não sabia que assim se chamava o nosso estimado Djicó e julgava que foram buscar alguém, algures no médio oriente, para vir assumir responsabilidade desta natureza em matéria tão sensível como de investigações em saúde da população. Mas atenção, se fosse o caso não significaria necessariamente que não existissem guineenses preparados para assumir essa importante função. E que fique claro também, ninguém tem o direito de julgar o outro pela sua procedência, mas havendo necessidade de julgar seria pelo seu desempenho na matéria em questão.

Ainda bem que nos desenvolvimentos posteriores da polémica vieram os ganhos: troca produtiva de informações, oportunidade das partes se conhecerem melhor, descoberta de que afinal são todos da mesma equipa, e são todos bons, como era a minha convicção desde o início, baseado naquilo que conheço de ambas partes.

Curiosamente, e como o meu mano e amigo Djoca, (Dr. Joaquim Silva Tavares) se lembrou e já antecipou a dizer, fui eu pessoalmente que, na nossa companhia sempre agradável, decidi levá-lo a visitar o meu amigo dinamarquês Peter Aaby, atrevo-me mesmo a dizer dinamarquês-guineense, mentor do Projeto de Saúde de Bandim, com quem tive o privilégio de trabalhar e desenvolver relações cordiais de amizade de longa data, de mais de trinta anos, e de quem ainda guardo as melhores recordações. Tive nessa altura grande prazer em juntar estas duas excelências!

Como se desenvolveram as minhas relações fraternas com o Djoca?

Tudo começou com a minha relação de amizade com o seu irmão mais velho, o nosso saudoso Galileu, que era meu colega de turma na escola primária, “Escola Central” Teixeira Pinto, em Bissau. Estavamos no ano de 1965/66, tínhamos na altura 9 anos de idade, Galileu veio a falecer de doença repentina.

Foi um duro golpe não só para a família como para todos nós os colegas de turma e a nossa professora, D. Salomé, tuga (portuguesa) que era como uma mãe para todos nós, seus alunos. Para mim que era muito próximo de Galileu e nos intervalos de aulas, em sua companhia, andávamos frequentemente pela sua casa, que ficava mesmo junto à escola, o sentimento de perda foi muito grande e podem calcular o quanto me custou este acontecimento e a falta do colega e amigo.

Passaram os tempos e a dada altura, como se fosse uma forma de resolver a perda, encontrei naturalmente no Djoca o substituto do meu amigo, seu falecido irmão, ficando também eu disponível para que ele encontrasse em mim um substituto do seu irmão mais velho.

Ao longo da nossa convivência e proximidade, fomos descobrindo agradavelmente certas semelhanças em princípios de educação, que muito prezo, tanto quanto ele: o respeito pela pessoa humana, sem importar a idade, o género, a procedência, o parentesco, a origem ou estatuto social, isso para não falar do sentido de pautar a vida pela honestidade e de vencer pelo esforço próprio. Tudo isto foi-nos tornando espiritualmente ainda mais próximos.

Achei curioso em dada altura quando o Djoca deixou-me entender que seguia os meus passos como estudante, e eu que acredito ter conseguido de facto algum sucesso como tal, em condições e circunstâncias familiares muito difíceis, acredito igualmente que o meu irmão Djoca teve ainda mais sucesso enquanto estudante. Em todo o caso, ambos fomos bem sucedidos enquanto estudantes e éramos exemplos para os outros, de nunca confundir brincadeira com responsabilidade e de nunca ter sido preciso que os nossos pais nos indicassem as horas de estudar ou de brincar.

Ambos viemos a optar finalmente pela medicina, mas antes o meu irmãozito também seguiu os meus passos no futebol e chegamos a estar na mesma equipa vencedora, “Os Onze Africanos” onde fui sempre o capitão, (Caló “captain” como diz ele). Ele ingressou na equipa e conquistou o seu lugar por mérito próprio e nada tinha a ver com a nossa relação, porque além das suas qualidades técnicas, tinha dotações atléticas acima da média e disciplinarmente era um exemplo para todos. Jogava e não falava, até que alguns adversários chegaram mesmo a perguntar se o nosso defesa esquerdo era mudo. Não era não, e nem é, era sim muito fino a jogar nessa posição, não metia nem a mão na bola quanto mais a boca no jogo.

E não era fácil ser titular naquela nossa equipa de “Os Onze Africanos”, onde muitos bons jogadores conseguiam apenas chegar a ser suplentes, alguns até vieram depois mais tarde a jogar na 1ª e 2ª divisão em Portugal. Essa famosa equipa era temida por qualquer outra equipa adversária do seu nível em Bissau, e posso dizer mesmo em toda a nossa Guiné. Eu era então o capitão e líder dentro e fora do campo, numa liderança que se pautava pela camaradagem e solidariedade, pelo espírito de luta, pela disciplina, pelo exemplo, pela frontalidade e sentido de justiça. Para a primeira linha iam os melhores! Pergunto, onde estaria o nosso país se esse espírito fosse levado à política e à governação?

Há pouco tempo encontrei um outro nosso irmão/amigo, Huco Monteiro, que me surpreendeu quando recordava, dizia ele, “Caló tu me deixavas no banco e punhas o Djoca”, fez-me rir antes de lhe dizer: “porque ele era melhor!”; acabamos por rir-nos recordando aqueles tempos. A nossa concorrência era muito renhida em futebol e o Huco Monteiro depois inclinou-se mais para a guitarra, em vez da bola, não sei se alguma lesão o teria condicionado.

Acerca do que sei da contribuição dinamarquesa para a saúde na Guiné e de como se desenvolveram as minhas relações com Peter Aaby

Enquanto médico guineense, fui há 36 anos, o primeiro a ser colocado no Arquipélago dos Bijagós como Diretor do Hospital em Bubaque e responsável pela saúde de todas as Ilhas do Arquipélago. Nessa altura a Dinamarca já apoiava o nosso país significativamente, tal como o fazia Portugal, Itália, Holanda, Suécia, Cuba, China, Bélgica, França, entre vários outros países e organizações internacionais. Estes apoios eram concretizados de formas diversas, tais como através de formação de quadros, assistência técnica ao país, construção de infraestruturas, fornecimento de materiais, equipamentos e medicamentos, além de assistência médica direta.

Quando estava no final da minha missão nas Ilhas Bijagós e pouco tempo antes de ser chamado a assumir as responsabilidades de Director Regional de Saúde em Biombo, em 1985/86, fora conseguido importantes financiamentos dinamarqueses para construção de Centros de Saúde em várias Ilhas Bijagós.

Depois então quando fui assumir a Direcção de Saúde da região de Biombo, mais uma vez o primeiro médico nacional para esta função, encontrei uma região difícil, porque além de ser frequentemente fustigada por epidemias ou surtos epidêmicos (sarampo, cólera, anthrax, etc.), tinha carências de vária ordem, incluindo das vias e meios de comunicação; a maior parte das estradas da região era de terra batida e quase sempre em mau estado. De Bissau até Ondam apenas circulavam no período de manhã os famosos transportes superlotados e com tudo pendurado, eram sobretudo camiões a que davam o nome de “Air Biombo”. A estas circunstâncias se somavam as barreiras de ordem cultural-comportamental da etnia papel – a predominante de região.

Enquanto lá estive, além das funções administrativas inerentes à Direcção, tinha funções clínicas, sobretudo em Quinhamel, tanto no Hospital da Missão Católica onde juntamente com uma freira brasileira muito experiente e dedicada, a irmã Benedita, atendia essencialmente as crianças e grávidas, seguia actividades dos partos e pós-partos e outras questões de saúde materno-infantil, enquanto no Centro de Saúde atendia o resto da população adulta e restantes problemas de saúde. Ainda tinha que fazer intervenções de Saúde Pública em todas as localidades, tabancas, pontas e sectores da região, desde Prábis, Safim, Quinhamel, Clatlé, Ilondé, Bissauzinho, Bijimita, Blom, Dorse, Tôr, Ondam, etc.

Entre as diversas actividades que incluíam consultas externas e urgências, a organização/manutenção da luta contra as grandes endemias (malária, tuberculose, lepra) e a intervenção em surtos epidêmicos ou epidemias, a organização de campanhas de vacinação nas comunidades, em “Estratégia Avançada”, era das actividades que colocava maiores desafios, sobretudo em matéria de disponibilidade de meios de transporte, pessoal em número suficiente, disponibilidade de vacinas e sua manutenção em cadeia de frio, além de mobilização das populações.

Nas campanhas de vacinação contra o sarampo que afetava muitas crianças na altura, tivemos o privilégio de contar sempre com a colaboração de Peter Aaby e sua equipa, vinham desde Bissau, respondendo às nossas solicitações. É esta equipa que alguns anos mais tarde veio a dar origem ao Projeto de Saúde de Bandim. Eles não poupavam meios nem pessoal nessas intervenções em que conseguíamos juntar também o pessoal da missão católica, incluindo as freiras, irmã Beatriz, brasileira, e irmã Julieta, italiana, ambas que tinham idade de ser nossas mães, e que eram muito respeitadas e experientes na comunicação com as populações.

Também conseguíamos ter a participação de membros dos serviços de administração do Comité do Estado, todos apoiando o mesmo objetivo, desempenhando as tarefas que lhe eram indicadas, seguindo as instruções dadas por mim e pelos técnicos de saúde que me acompanhavam. As jornadas corriam com muito entusiasmo desde a manhã, até ao final da tarde, e se conseguia ampla cobertura vacinal.

A gratidão das populações e dos líderes comunitários eram tão evidentes ao ponto de organizarem espontaneamente agradáveis almoços para todo o contingente, onde não faltava carnes de galinhas ou cabritos. Lembro-me com saudades destas jornadas, sobretudo as da Ponta Cabral, onde Honofre Cabral era líder comunitário. Peter Aaby, o nosso amigo dinamarquês-guineense certamente também guarda essas recordações. Os meninos que foram vacinados nestas campanhas são hoje homens e mulheres com mais de 30 anos de idade.

A nossa amizade iniciada desde essa altura com Peter Aaby teve continuidade e mesmo depois que transitei para área de saúde mental, continuou, e através dele pude conhecer muitos dos seus discípulos dinamarqueses que cumpriam parte de seus estágios no Projeto Saúde de Bandim, em Bissau. Fui sabendo que este Projeto ia tendo novos e maiores desenvolvimentos, que proporcionou formações, incluindo mestrados e doutoramentos à muitos, hoje valiosos quadros guineenses que estão no terreno.

Soube com agrado que a Dra. Amabélia Rodrigues tinha integrado o Projeto como Diretora de Investigação, e sei agora que Mouhammed Ahmed (Djicó) integra o Comité de Ética como secretário. Ele era antes um alto quadro dos Recursos Humanos no Ministério de Saúde. Sempre que posso continuo a perguntar pelo meu amigo Peter Aaby, pelo trabalho que continua a desenvolver com a sua equipa. Soube também com muito agrado que em 2015 ele foi distinguido pela Universidade Nova de Lisboa com o título de Dr. Honoris Causa pelos excelentes trabalhos que tem realizado na Guiné-Bissau e não só.

Voltando à polêmica e para concluir

Podem assim compreender porque é que o tom inicial da polémica da investigação do impacto da vacina contra a poliomielite em COVID-19 na Guiné-Bissau não me podia ter passado ao lado, numa altura em que não estava disponível para intervir, e de só me sentir aliviado quando vi a comunicação a entrar no caris acertado e sentir finalmente que todos ficamos a ganhar.

Tendo em conta que problemas desta natureza tem vários ângulos de visualização e questionamento que podem ser ponderados, considerando que a situação de emergência mundial que ainda se vive neste momento em relação ao coronavírus de COVID-19, pairando ainda incertezas várias, todas as linhas de investigação plausíveis, podem ser importantes e urgentes, até se demonstrar o contrário.

E se da nossa Guiné puder sair alguma contribuição, teremos todos nós, sem dúvida, muito orgulho nisso. Porque se recebemos muito do mundo e com satisfação, teremos a mesma satisfação quando formos capazes também de dar alguma coisa ao mundo. Pessoalmente, e consciente dos argumentos prós e contra, se estivesse em condições de o fazer, não me importaria de participar no estudo em questão.

Uma vacina ou um medicamento eficaz contra o COVID-19 são sem dúvida neste momento as soluções mais desejadas. Mas suponhamos que possam vir mesmo a surgir à curto-prazo, presentemente ninguém pode assegurar que não poderiam vir a ser rapidamente ultrapassados ou limitados; no caso da vacina, por eventuais mutações do vírus, e no caso sobretudo do medicamento, pelo eventual efeito adverso, de riscos que não justificam os benefícios, coisas que geralmente só ficam mais claros quando é utilizados em larga escala. Vemos isso frequentemente com medicamentos que num tempo são introduzidos no mercado e noutros tempos são excluídos para tal uso ou mesmo retirados do mercado.

Todas estas incertezas podem ter influências na ponderação dos esforços de investigação, numas e noutras linhas, e mais vale tentar várias opções que limitar as possibilidades nesta luta contra o tempo, mesmo estando consciente de que nem todas as linhas de investigação podem ter o sucesso esperado. O acautelar e resolver questões protocolares prévias, assim como questões de segurança, é sempre uma tarefa obrigatória em qualquer investigação. É tudo que tenho a dizer.

Parabéns e muito obrigado a todos!

Carlos A. Gomes

carlosagomes66@gmail.com

05.07.2020

Um Tributo da Guiné-Bissau a Eugénio Tavares

Um tributo da Guiné-Bissau à Eugénio Tavares

Semente de amor da Ilha Brava de Cabo Verde para o mundo

Se me perguntassem porquê um tributo da Guiné-Bissau à Eugénio Tavares e estivesse mal disposto responderia, porque quero! E se apenas não quisesse entrar em muita conversa, responderia, porque o amor é universal!. Mas na verdade não é apenas por estas duas razões,  é também porque é um tributo merecido àquele que também foi um dos nossos, como poderão compreender mais adiante. Da minha parte apenas quero cumprir o sagrado dever de explicar o que sei e entendo que deve ser do conhecimento de todos aqueles que ainda não o soubessem, sobretudo os mais novos.  Vou então por isso tentar contar esta história para aqueles que ainda não tinham ouvido falar dela e nunca tiveram oportunidade de conhecê-la.

Eis que, nas proximidades da década de sessenta  do século XVIII, um italiano chamado Geovanni Battista Nozolini, casou-se com uma espanhola das Ilhas Canárias, de nome Barbara Riam; tiveram um filho a quem foi posto o nome de André Joseph Nicolas Maria de Candelária de los Santos Nozolini  (André Nozolini), nascido em Tenerife em 1761.  André Nozolini, estando já em Cabo Verde, casou-se com Gertrudes Maria Livramento Henriques (Gertrudes Henriques), nascida em 1775 na Ilha de Fogo (Cabo Verde)

Gertrudes Henriques era filha  do Capitão-Mor da Ilha de Fogo, Marcelino José  Jorge Távora  Henriques, natural de Aveiro (Portugal) e de Maria do Monte Fortunata da Fonseca Mendes Rosado (1749-1842), natural da Ilha do Fogo.  Esta Maria do Monte Fortunata da Fonseca MendesRosado erafilha de José  Cláudio Mendes Rosado (que era administrador da Companhia Grão Pará e Maranhão ) e de Isabel Caetana da Fonseca; ambos eram naturais de Algarve.

André Nozolini e Gertrudes Henriques geraram 5 filhos:Maria Soledade (de nome completo Maria Soledade Nozolini) (1791), José  Marcelino (1792), Maria Ascensão (1793), Maria das Dores (1796), e Caetano (de nome completo Caetano José Nozolini) (1801). Este último viria ser um histórico da Guiné como veremos mais adiante.

Maria Soledade Nozolini, irmã portanto de José Marcelino, Caetano José  Nozolini e de mais outras duas irmãs, iria casar-se com D. Juan José  Roiz (de Espanha) com quem gerarou também 5 filhas: Isabel, Maria Ascensão, Maria Soledade, Gertrudes e Eugênia (esta última de nome completo Eugênia Nozolini Roiz).

Eugênia Nozolini Roiz, também natural de Fogo, casou-se com Francisco de Paula Tavares, natural de Santarém (Portugal) pelo que foi-lhe acrescentada o apelido Tavares do marido e passou a chamar-se assim Eugenia Nozolini Roiz Tavares.

Francisco de Paula Tavares que fora um abastado comerciante em Cacheu e Geba na Guiné e sua mulher Eugênia Nozolini Roiz Tavares tiveram 2 filhos naturais da Guiné, Henrique (1863) e Henriqueta (1866). E quando Eugênia Nozolini Roiz Tavares estava grávida do terceiro filho que ira chamar-se Eugénio de Paula Tavares (Eugénio Tavares) começa o drama familiar.

A mãe  Eugênia Nozolini Roiz Tavares adoece e a família decide que fosse ela e a pequena Henriqueta para Cabo Verde junto dos demais familiares na Ilha de Fogo, enquanto o marido, Francisco de Paula Tavares ficou na Guiné com o mais velho dos irmãos, o Henrique. Mas o drama não larga a família, a mãe Eugênia não melhora na Ilha do Fogo e vai para a Ilha Brava que era considerada mais salubre e onde residia João José de Sena e outros familiares Bravenses. Este João José de Sena é um dos descendente de José Pedro de Sena que fora Capitão-Mor da Ilha Brava enviado pelo rei de Portugal, D. José (1750-1777), para administrar os negócios do reino.

Chegado o momento do parto, nasceu Eugénio Tavares mas morre a mãeEugênia Nozolini Roiz Tavares, deixando o recém-nascido, órfão de mãe, aos cuidados do médico José Martins de Vera Cruz e da irmã deste, D. Eugênia  Martins Vera Cruz Medina e Vasconcelos. Os irmãos Vera Cruz  seriam assim os pais adotivos do recém-nascido, enquanto a irmã deste, a pequena Henriqueta, continuaria sob custódia de João José de Sena.

Pouco tempo depois também morre na Guiné o pai dos menores e o Henrique, mais velho de Henriqueta e Eugénio, é  mandado para Portugal. O drama familiar culminou assim com os pais falecidos e os irmãos menores dispersos. E não podia ter sido pior! Mas como se costuma dizer na Guiné sufridur ta padi fidalgo (do sofrimento nasce o fidalgo), assim mesmo vai ser.

Na sequência deste percurso dramático logo no início de sua vida, Eugénio Tavares iria ter a oportunidade de ser educado pelos Vera Cruz, e desde cedo aprendeu a chamar à D. Eugênia Martins Vera Cruz Medina e Vasconcelos, sua mãe adotiva e madrinha de (Badinha), e foi dela que recebeu o maior afeto e foi à ela que dedicou esta belo poema:

 

És maravilha de Mulher duplamente Mãe;

Não mais santa mãe do fruto do seu ventre, que no sentimento da sua alma

Não mais amorosa mãe dos próprios filhos, que mãe sublime dos filhos alheios

Amo-te ó  minha mãe

E bendita seja a fonte inexaurida de bondade maternal que emana do seu espirito

Tudo com origem no amor, nada com origem no sangue.

 

D. Eugênia Martins Vera Cruz Medina e Vasconcelos, a (Badinha) de Eugénio Tavares era viúva do poeta madeirense Sérvulo de Paula Medina e Vasconcelos que se tinha exilado em Cabo Verde por oposição ao rei de Portugal. Terá  isto a ver com a inclinação poética e contestatária de Eugénio Tavares?

Onde não restou dúvida fio na influencia que tiveram também tiveram  na educação de Eugénio Tavares algumas personalidades do meio intelectual bravense como Guilherme Dantas, um intelectual muito admirado, Augusto Barreto, um respeitado poeta lírico e romântico e Maria Luísa Sena Barcellos conhecida como a primeira poetisa de Cabo Verde, e que é irmã de Cristiano José de Sena Barcellos, autor de “Subsídio para a história de Cabo Verde e Guiné”, além de outros temas na mesma linha.

Tendo sido concebido na Guiné, nascido na Ilha Brava (Cabo Verde) e passado pelo pior e o melhor dos períodos da vida, a Guiné esteve muitas vezes presente na trajetória dos antepassados de Eugénio Tavares em pelo menos 4 gerações:

Marcelino José  Jorge Távora Henriques (a quem os populares do Fogo batizaram como “Nho Capitão), trisavó  de Eugénio Tavares do lado materno, e que era  natural de Aveiro Portugal, antes de chegar a Capitão-Mor na Ilha de Fogo, fora Alferes-Tenente na praça de Cacheu (Guiné) quando o seu irmão José Távora  era Capitão-Mor da mesma praça.

Seu tio-avó  Caetano José Nozolini, natural de Fogo e que fora militar que atingiu a patente de Tenente-Coronel, adotou definitivamente a Guiné como sua terra e ali casou-se com Nhara Aurélia Correia ou “Mãe  Aurélia Correia”, fidalga conhecida e trada como rainha bijagó de Orango. Ambos tiveram 4 filhos, todos nascidos em Bissau: Eugénia Aurélia Nozolini (1823), Gertrudes Leopoldina Nozolini (1827),  Gertrudes Aurélia Maria Correia  Nozolini (1835) e José Caetano Nozolini (1836).

Caetano José  Nozolini chegou a assumir altos cargos na Guiné, tais como os de Capitão-Mor e de Governador, além de ter sido um grande comerciante que no seu tempo dominou o comércio  de Geba, Bissau e Bolama, assim como de outras feitorias e outros rios da Guiné.

Seria ele Caetano José Nozolini o indicado pelo então e único Governador natural da Guiné, Honório Pereira Barreto, para  fundar a povoação  de Bolama em 1838, a partir da localidade batizada com o nome de Novo Mindelo, na ponta oeste da ilha). Bolama viria a ser capital da Guiné após uma longa disputa entre Portugal e Inglaterra, disputa que iria ser definitivamente encerrada com a arbitragem e sentença de Ulisses Grant, então presidente dos Estados Unidos de América. A nova capital da Guiné iria receber por isso uma estátua deste presidente americano.

Um primo de segundo grau de Eugénio Tavares também chamado Caetano José Nozolini (1850),   (mesmo nome do tio-avó de ambos), e que é 8 anos mais velho que Eugénio Tavares, seguindo também carreira militar, teria igualmente prestado serviços militares na Guiné por volta de 1880, como oficial do exército português. Este seria filho de Roberto José Nozolini (1820) e neto direto de José Marcelino Nozolini (1792).

O pai adotivo de Eugénio Tavares, o médico José Martins de Vera Cruz, que era também militar, proprietário, empresário e armador, nasceu e morreu na Ilha Brava (1828-1920).  Diplomou-se como médico na Escola Médico-Cirurgica de Funchal, exerceu clinica na Ilha Brava e na Ilha do Sal e prestou serviços na Guiné onde se distinguiu no combate à cólera e febre amarela, merecendo por tais serviços as honras de Primeiro Grau de Torre e Espada, em Junho de 1870.

Este seu pai adotivo mereceu ainda outras honras, tais como a de Cavaleiro da Ordem Militar de S. Bento de Aviz, de Medalha de Prata de classe de Comportamento Exemplar, além de Comenda de Ordem Militar do Nosso Senhor Jesus Cristo.

Na sua ilha natal, Brava, chegou a ser presidente de Camara sucessivamente eleito até 1901, e nesta função consta que foi ele que idealizou muitas das infraestruturas que deu à Ilha Brava as feições que chegaram aos nossos dias, inclusive o Jardim da Praça que recebera mais tarde o nome do Jardim Eugénio Tavares em honra a este seu filho pródigo.

Casado com a mulher da sua vida, Guiomar Leça Tavares, o nosso poeta, compositor e  jornalista  Eugénio Tavares, não deixou descendentes mas deixou sementes de amor, porque nele o amor encontrou um terreno fértil onde germinou e por isso a sua vida deve ser celebrada. Esta celebração não deve pertencer só a Ilha Brava ou Cabo Verde, mas deve também pertence à Guiné, à Portugal às Ilhas Canárias ou Espanha, à Itália  e ao mundo, porque o amor é universal, e é acima de tudo, uma dadiva de Deus.

Amor é  a virtude de não discriminação, é o prazer de querer e ser querido ou de amar e ser amado, é o espirito de solidariedade, de tolerância, de paz e reconciliação, de dedicação à  causa do combate à fome, à miséria, à doença, à ignorância, à marginalização, à ambição desmedida; é enfim a dedicação à causa de entendimento entre os homens, preservação da natureza e da vida na terra.

Amor é precisamente o segredo de Deus para a proteção da vida, basta ver que é por ele que as mães suportam e toleram os choros e cheiros dos seus bebés. E quando o amor escasseia como acontece no mundo de hoje, o primeiro que se deve fazer é procurar a sua semente, multiplicá-la e distribuí-la.

O nosso poeta Eugénio Tavares, tendo merecido muito elogios, como o de ter sido poeta lírico e suavíssimo, prosador elegante em português e crioulo, filólogo da língua crioula, entre outros adjetivos elogiosos,  deixou este poema que é um verdadeiro hino de amor, escrito na língua crioula que nos e comum, poema esse que foi cantada e imortalizada numa monumental morna cabo-verdiana intitulada “força de cretcheu”.

Estas são as razões do porquê do tributo da Guiné-Bissau à Eugénio Tavares.

 

(Agradeço desde já as informações disponibilizadas em vários sites dedicados à vida e obra de Eugénio de Paula Tavares e peço desculpas antecipadas para quaisquer eventuais imprecisões  ou lapsos no conteúdo ou na forma de apresentação pela qual optei.)

 

Carlos António Gomes (carlosagomes@iol.pt)

30.10.2017

Para que não falte bom senso

 
“Ninguém está acima da lei”. É esta afirmação um axioma, um teorema, um dogma, um princípio ou apenas enunciado de um desejo? Não sei! Mas tenho a convicção de que ninguém deve estar acima da lei, de que a lei deve estar acima de muitas coisas, mas nunca acima de tudo, nem deve ultrapassar certos limites. Pode-se perguntar então quem ou o que é que pode estar acima da lei? Que limites a lei não pode e não deve ultrapassar?

Chamamos-lhe por convenção “bom senso”. É o único que deve estar acima, em cima e por cima de qualquer lei e que pode e deve definir os seus limites. Porquê? Porque foi ele quem gerou/criou todas as leis, quem as alimenta e deve continuar a alimentar e orientar. Ele criou inclusive a lei de todas as leis a que se convencionou chamar Constituição, lei magna para dar ordem à relação entre os cidadãos e instituições de um país, reino, Estado, Nação ou República, lei magna com a qual nenhuma outra lei deve entrar em contradição, no mesmo espaço político. É ele também, bom senso, o único que tem autoridade moral para alterar ou manter qualquer lei ou Constituição, até mesmo suspendê-la quando entender necessário.

Mas o que é afinal bom senso, o criador de todas as leis? Qual é a sua natureza? Onde reside ele? Quais são as suas relações? O que é que nos aconselha e recomenda?

É difícil senão impossível definir com precisão o bom senso em toda a sua plenitude, dimensão e grandeza, porque ele é consciência, é humanidade, é moral, é ética, é inteligência, é solidariedade, é compaixão, é autoridade, é força, é elegância, é muito mais que tudo isso.

Mas não querendo deixar-nos sem resposta à muitas das nossas questões e curiosidades, o bom senso além de nos responder a estas nossas inquietações, ele nos fala humildemente da sua natureza, da razão da sua existência, de suas relações, de suas ideias e intenções, das suas preocupações, suas preferências e seus hábitos versus comportamento dos seus inimigos, de suas armas e formas de cuidarmos e defendermos, e vai mais longe ainda dando-nos alguns conselhos e recomendações que entende vantajosos para a nossa vida.

Da sua natureza e essência explica que tanto ele como o mau pensamento, o instinto do mal e o instinto do bem, eles os quatro, foram criados juntos pelo mesmo Deus criador de todas as coisas; mas que eles, não sendo deuses nem espíritos, vivem bem perto destes e podem estar em todas as almas viventes, influencia-las na suas emoções e orientá-los nos seus comportamentos.

Que ele bom senso e o instinto do bem dão-se maravilhosamente bem, mas que não se podem ver com o mau pensamento e o instinto de mal, porque estes ao contrário deles andam sempre a intrometer-se onde não devem e onde não são chamados; e que fazem isso porque são muito mal educados e assustadoramente oportunistas.

Que o mau pensamento e instinto do mal adoram o mau comportamento e locais onde há inimizades e ódios, onde ninguém se entende um com o outro, onde há intrigas e cenas de pancadarias, onde ninguém trabalha nem deixa trabalhar, onde todos se atrapalham uns com os outros, onde finalmente todos sofrem, ninguém tem razão e ninguém vale nada.

Conta também que o mau pensamento e o instinto do mal declarou-lhes guerra até a eternidade, dizendo que irão persegui-los em todos os lugares da face da Terra, e se necessário mesmo fora dela. Que estes seres dormem pouco e têm uma força descomunal. Mas que apesar de serem também muito inteligentes, são muitas vezes sejam distraídos, além de terem má memória. E como se isso não bastasse têm ainda graves defeitos de serem ambiciosos, teimosos e gulosos de forma desmesurada.

Explica-nos que a razão da inimizade do mau pensamento e instinto do mal contra ele bom senso e instinto do bem é que eles pensam e sentem que Deus dá mais atenção a ele bom senso e instinto do bem, porque gosta mais de seus modos e de seus comportamentos. Explica-nos ainda que é movidos por esta convicção de que Deus não gosta tanto deles que o mau pensamento e instinto do mal entendem que têm de contrariá-los em tudo o que podem, só com o objetivo de os castigar para se vingarem.

Que ele bom senso, acompanhado sempre pelo instinto do bem é que preside a criação de todas as leis e códigos e que fá-lo com intuito de dar ordem e harmonia à vida nas sociedades humanas. Mas que nem ele nem o instinto do bem conseguem saber exatamente quais são as missões dos seus inimigos, embora tudo lhes indica que, esses seres que andam à deriva, por não terem missões definidas, escolheram a estratégia de não fazer, nem deixar fazer, e mesmo de destruir o que outros fazem ou tentam fazer, para assim não ficarem, nem se sentirem inferiorizados.

E que ainda também sabem que tanto o mau pensamento como o instinto do mal, vivem, sobrevivem e se alimentam de confusões, de desentendimentos, de restos e despojos das guerras; que enriquecem à custa de taxas e juros destes problemas que causam. Que são eles autênticos professores doutores na economia das confusões e conflitos, e experts em tirar lucro destas situações.

Com ânimos de nos confortar, bom senso conta ainda que o mau pensamento e o instinto do mal sendo muito arrogantes, egoístas, invejosos, rancorosos e traiçoeiros, eles apesar de se unirem sempre para causar problemas e perturbações, quase sempre depois de alcançarem os seus objetivos, são capazes de entrar em querelas entre eles mesmo para mostrar quem teve mais “mérito” nos malefícios causados, e chegam muitas vezes a entrar em guerras muito feias, guerras que são tão terríveis, onde nem fica ileso quem tentar se aproximar para os separar, nem quem simplesmente por perto passar.

Bom senso remata a sua conversa dizendo que é por causa de tudo isto que já explicou e também porque o mau pensamento e o instinto do mal juraram levar desordens, desentendimentos e tensões por todo o lado para causar guerras, destruição e mortes só porque sabem que ele bom senso e o instinto do bem se alegram com a ordem, a paz, a tranquilidade e a solidariedade social, que quer alertar e despertar a atenção de todos para terem muito cuidado com estes dois monstros irresponsáveis.

Mas que também não queria deixar de nos advertir de que estes seus inimigos, tanto o mau pensamento como o instinto do mal usam muitas armas e se valem de muitas malícias, malefícios e maldições, astúcias, artes e manhas para alcançar os seus objetivos, desde a má fé, passando pela mentira, a intriga, a burla, a calúnia, a maledicência, a trapaça e prevaricações, até aos falsos testemunhos. Mas que no que lhes dizem respeito, ele bom senso e o instinto do bem, humildes como são e respeitando a vontade do Deus que os criou, vão continuar apenas a se valerem das armas da verdade, da honestidade da transparência e da isenção, para se defenderem, e que nunca vão deixar de ser como são por causa daqueles seres maquiavélicos.

Que é importante conhecer e compreender o mecanismo de todas estas armas que usam estes seres, porque são armas muito perigosas e são em muitos casos capazes de tirar alegria a quem for alvejado com qualquer uma delas, armas capazes de estragar-lhe a vida, quando não causar a morte de alguém ou fazer que alguém deseje a morte à outro.

Que aquela arma que tem o nome de intriga é uma das mais perigosas, e não se sabe como foi inventada, mas que atinge sempre mais de uma pessoa de cada vez. Mas também que aquela chamada burla não é menos perigosa, porque mesmo que não mata, provoca na vítima um estado de arrependimento e é capaz de tirar prazer e alegria de viver a quem for atingido com ela, porque o veneno que ela cospe é parecido à um remédio. Você vai aceitar tomá-lo acreditando que vai curar o seu mal, porque pensa que é mesmo o remédio que precisa, mas só depois vai compreender que é outra coisa pior que o mal que tinha.

Que aquela que se chama calúnia também é muito perigosa, porque transforma a tua cara e as tuas palavras aos olhos e ouvidos de outros de tal maneira que já não gostam tanto de ti. E passas a  ficar como aquele que tem um cheiro que as pessoas não gostam de sentir, e assim sem saberes, e sem compreenderes porquê, a tua ausência fica mais desejada que a tua presença.

Bom senso diz-nos ainda que, embora só deu o exemplo do efeito de algumas destas armas porque são muitas e é aborrecido falar de todas, um à um, quer recomendar para ter muito cuidado também com todas aquelas outras armas do mau pensamento e instinto do mal de que não falou, porque são todas muito perigosas. Que acha melhor agora e quer chamar a atenção para a tática que usam estes seres cobardes e maldosos, porque preferem sempre atacar pela calada da noite e pelas costas; e só excecionalmente, em muito raras situações, atacam pela frente, quer dizer, olho nos olhos, e que só o fazem quando sabem que estão em vantagem e muito seguros. Eles são mesmo cobardes e miseráveis!

Que ele bom senso não sabe guardar rancor e que por isso queria também deixar uma palavra à todos aqueles que, ainda que seja uma única vez que tenham sido enganados por aqueles monstros sedutores e incorrigíveis a usarem uma de suas armas, como à todos aqueles inocentes que se tenham deixado cair nas malhas destes seres maquiavélicos, que abandonem as suas companhias e seus conselhos, que os denunciem mesmo que seja só no pensamento, porque eles, traiçoeiros que são, não garantem à ninguém um futuro com dignidade e amparo.

Bom senso diz que nos queria ainda aconselhar e recomendar muitas coisas mais, mas que como não o poderá fazer tudo de uma só vez e entende que nem deve ser assim, que desta vez vai falar só do exemplo da justiça, porque desde que o mundo é mundo, desde que existiram famílias e comunidades, não importa onde, pôs-se sempre o problema daquilo que deve e aquilo que não deve ser feito, de como proceder para que não se faça o que não deve ser feito. Que entende por isso que a justiça é um dos ossos mais importante da coluna vertebral de qualquer sociedade, além de ser o maior campo de batalha entre ele bom senso e o instinto o bem, por um lado, contra o mau pensamento e o instinto do mal, por outro lado.

Por isso ele, bom senso, quer-nos aconselhar de que devemos evitar que haja incongruência dentro do sistema de justiça, porque isso só dará prazer e gozo aos inimigos do bem, seus inimigos eternos. Que pede mesmo, por um lado, que tudo seja feito para não haver contradições, nem incongruências, entre a Constituição, as leis a ela subordinadas e os códigos, e por outro lado, para tudo ser feito para que não haja incongruências entre estes instrumentos de justiça e os dispositivos, instituições e recursos para garantir e fazer cumprir essas leis e Constituições (tribunais, prisões, juízes, advogados, procuradores, promotores, polícias, fiscais, guardas, etc. ). Que também pede para ser evitada quaisquer contradições muito graves entre as outras partes que acabou de referir com aqueles dispositivos para assegurar a proteção dos direitos dos cidadãos (ligas e associações protetoras dos direitos dos cidadãos, provedores, grupos de solidariedade e proteção de direitos dos cidadãos, etc.), porque todas estas partes são necessárias para assegurar que não haja falta de justiça, mas também para não haver graves erros ou excessos de justiça, porque a justiça também não está acima da lei.

Que devemos estar atentos a estes problemas que contrariem a ele bom senso e instinto do bem, como por exemplo: se houver polícias coniventes com ladrões, mafiosos ou criminosos, se houver fiscais que recebem “suco di bás”, se a razão sempre está do lado do dinheiro (o mesmo é dizer, o pobre nunca tem rezão), se desaparecem processos ou parte dele nos tribunais, se faltam transportes ou materiais essenciais aos trabalhos nos tribunais, se faltam laboratórios de investigação forense ou técnicos especializados para estas tarefas, se falta luz, água, dinheiro ou outras condições de trabalho nos tribunais, nas prisões, nos laboratórios ou noutras instituições de justiça, se juízes e outros funcionários de justiça são mal pagos, se o sistema judicial estiver sobrecarregado ou o subsistema prisional estiver sobrelotado, se faltar prisão de alta segurança, se são registados frequentemente casos de justiça pelas próprias mãos, se o cidadão desconhece as leis, se se registar lentidão da justiça, se houver demasiados processos crimes complexos por resolver, se abundarem casos como de “polícia prende e juiz manda logo soltar” ou “juiz manda prender, guarda prisional deixa fugir”, se o ladrão cumpre a pena de prisão mas fica com o produto do roubo, se o  cidadão comum tiver a perceção que o crime compensa, se os juízes são frequentemente ameaçados, se o poder político ou os militares interferem com a justiça, se o direito moderno colide com o direito consuetudinário, etc.

Que nestes casos, ele, bom senso recomenda o seguinte: se os problemas registados forem apenas alguns poucos, significa só uma parte de casa da justiça está afetada, pode-se continuar a caminhar enquanto se pensa na solução; mas que se se registarem muitos destes problemas, significa que toda a casa está afetada, é preciso reunir a família para pensar e decidir como resolver. Mas que se forem registos demasiados destes problemas é porque o problema, além de atingir toda a casa até os alicerces, não é apenas desta casa, e há que tratá-lo junto com outras casas e bom senso recomenda, neste caso, parar para pensar a solução todos juntos para cada uma e para todas as casas. Parar para pensar!

Pensar o quê então? Pensar não só no problema mas também nas suas raízes e em todas os seus ramos, porque será necessário identifica-los todos, antes de ser possível encontrar remédios eficazes que não tenham efeitos contraproducentes. Para este exercício, bom senso recomenda que seja convocada e auscultada e assim envolvida toda a comunidade, através dos seus representantes.

Em relação à revisão das leis, bom senso nos diz-nos que elas podem e devem ser revistas quando se justifique, porque as leis também podem estar sujeitas à lei geral do tempo que envelhece tudo, porque nada e ninguém pode estar acima desta lei, salvo o próprio Criador. Que quer nos lembrar que à esta lei do envelhecimento e do tempo não pode fugir nem as ideias, nem os conhecimentos e muito menos as leis criadas pelos mortais.

Justificando assim esta possibilidade de revisão das leis dos homens, bom senso adverte que as revisões nunca devem ser feitas nas suas ausências, dele bom e do instinto do bem, e que embora essas revisões possam ocorrer quando se registarem problemas que o justifique, que será sempre melhor que essas revisões aconteçam de forma a antecipar tais problemas.

Que as revisões não devem ser feitas nunca para castigar nada que tenha sucedido antes do nascimento da nova lei, seja esta lei recente ou proveniente da uma anterior revista e modificada. Recomenda também que a revisão não seja feita à pressa, só porque é preciso castigar alguém; que nem deve ser feita de maneira a parecer algo que se assemelha a isso, porque senão o mau pensamento e o instinto do mal vão quase de certeza intrometer-se, e vão procurar fazer de pequenas diferenças, grandes desentendimentos para causar outros problemas e tensões que só eles podem saber até onde pode levar.

Ainda acerca da revisão das leis ou Constituições, bom senso diz-nos que queria também recomendar que quando há problema e divisão por causa da necessidade e urgência da revisão de uma lei ou Constituição para não haver precipitação nem demasiada pressa, que nestas circunstâncias ele aconselha que primeiro seja feito um apelo à paciência e ao diálogo, e se trabalhe até se chegar a um entendimento, para evitar o que acabou de dizer sobre o oportunismo do mau pensamento e de instinto do mal.

Que para terminar desta vez, quer-nos lembrar que nenhuma lei ou Constituição, que qualquer lei ou lei das leis dos homens, pode ser adequada ou servir os seus propósitos, onde a ausência deles forem notória, dele bom senso e instinto do bem. Mas que onde eles estiverem bem presentes e na maioria das almas, tudo acontecerá em paz, com a ordem devida e sem quaisquer sobressaltos.

Da nossa parte damos graças à Deus por esta oportunidade de escutar as palavras do bom senso, e queremos desejar o melhor a todos e em todos os domínios da nossa vida, nós criaturas inocentes, sem deixar de aproveitar esta oportunidade para pedir a todos que repitamos em conjunto e em silêncio este “pensamento-oração”:

Queira Deus que nunca falte o bom senso! Que não falte na justiça, na saúde, na educação, nem no trabalho, e que esteja sempre presente na solidariedade social; que não falte nas famílias, nas comunidades e nas relações entre os países; que não falte na informação (nem na rádio, na televisão, nos jornais, e muito menos nos conteúdos, sites ou blogs de internet); que não falte na política e entre os políticos, os militares e os governantes dos países; que não falte e que vença e prevaleça sempre nas relações entre as religiões e dentro de cada religião; que não falte aos nossos amigos, nem aos nossos inimigos; e que tenha em nós uma morada permanente, que ilumine o nosso caminho e nos proteja sempre, em cada pensamento, em cada atitude e em cada comportamento nosso. Ámen!

Obrigado pela vossa paciência e atenção! Abençoados sejam!
Carlos A. Gomes
carlosagomes@iol.pt
21.12.2015