POLÍTICA EXTERNA DO GRANDE BRASIL DE PEQUENAS RELAÇÕES COM OS PALOP: uma resenha crítica da tese  

POLÍTICA EXTERNA DO GRANDE BRASIL DE PEQUENAS RELAÇÕES COM OS PALOP: uma resenha crítica da tese  

RIZZI, Kamilla Raquel. O grande Brasil e os pequenos Palop: política externa brasileira para Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe (1974-2010). Tese de Doutorado em Ciência Política, UFRGS, Brasil, Porta Alegre: 2012, pág. 301.

Ricardino Jacinto Dumas Teixeira

Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira

Avenida da Abolição, CE 62790-000, Brasil

ricardino@unilab.edu.br

Introdução

Esta resenha buscou dialogar com a tese “o grande Brasil e os pequenos PALOP: a política externa brasileira para Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe”, apresentada pela pesquisadora brasileira Kamilla Raquel Rizzi ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no Brasil.

A análise foi estruturada em três momentos: (I) o contexto da pesquisa e o caminho metodológico seguido para a construção do corpus; (II) a análise da política externa do Brasil para Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe e (III) as considerações finais sobre questões analisados, a fim de proporcionar um espaço para o estreitamento de diálogo entre os pesquisadores e tornar a tese acessível ao público leitor.

Contexto e o caminho metodológico

Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tome e Príncipe são países ex-colônias de Portugal em África, recentemente independentes (anos de 1970), com uma longa história de relacionamento comum com o Brasil, marcado, particularmente, pela presença portuguesa. No contexto apresentado pela autora, o Brasil emerge como estado central na tese, enquanto Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, em conjunto, foram considerados “pequenos Palop” ou Estados periféricos na dinâmica da política externa.

Conceitualmente, a política externa foi assumida como resultado de uma combinação das necessidades internas com os interesses externos que definem uma configuração particular, onde os Estados promovem suas alianças e influem, de modo distinto, no sentido de preservar ou equilibrar seu status quo na arena internacional (pág. 15). Aqui, a unidade de análise foi a geopolítica do sistema-mundo, de acordo com a configuração das necessidades do sistema capitalista vivenciado pelos Estados em suas políticas externas. Foram configuradas três formas de uma política externa: a) a primeira forma é a cooperação; b) a segunda é a coerção; e a c) terceira é a integração ou intercâmbio entre Estados, com os quais um Estado central estabelece com outro Estado periférico.

A tese seguiu uma linha cronológica: anos de 1974 a 1990, marcado pela bipolaridade; anos 1990 a 2002, caracterizado por mudanças na conjuntura global e anos de 2003 a 2010, marcados por multilateralismo, reforçado no âmbito das relações do Sul.

Para coletado de dados, foram consultados o Arquivo Histórico do Centro de Documentação oficial do Itamaraty e da Embaixada de Cabo Verde, ambos em Brasília, no Brasil. Levou-se em consideração a identificação de discursos, acordos, tratados e visitas relacionados à rotina burocrática do serviço diplomático. Os dados foram ampliados com entrevistas ao representante brasileiro, em Praia, embaixador Vitor Candido Pain Gobato, e ao representante cabo-verdiano, em Brasília, embaixador Daniel Pereira e através de contatos por e-mail com os encarregados de negócios. Os quais, suponho, sejam os de Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe que, por alguma razão, seus depoimentos não apareceram na tese.

Da bibliografia utilizada, periódicos, documentos oficiosos, acordos, tratados, discursos, visitas, comunicados, telegramas e entrevistas, resultou no corpus da tese, que serviu se de base para a análise a partir da identificação de pautas diplomáticas, demandas, exportações e importações que pareceram na análise da política externa entre esses países.

Análise da política externa brasileira para Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe

A análise de dados se iniciou no contexto do chamado “mundo lusófono”, cujo eixo articulador foi o comércio, aliado à escravização, à evangelização e à colonização,

no contexto do tráfico transatlântico de pessoas e migração forçada de africanos, tendo o Brasil como seu principal destino.

Cabo Verde e São Tomé e Príncipe emergiram como Estados a partir de um projeto colonial, baseado no discurso da mestiçagem e da criolização, com forte tendência cristã. Em Cabo Verde, à época, os principais produtos de exportação foram urzela, coros, algodão, aguardente, sebo e açúcar, sustentados por uma economia de exportação controlada por proprietários de terra, geralmente, portugueses e seus descendentes.

Em São Tomé e Príncipe se predominou a produção de cana-de-açúcar e cacau, introduzidos no país pelos portugueses. Já em Guiné-Bissau distinguiram-se os lançados e grumetes, grupos envolvidos no comércio e nos movimentos cívicos, além de grupos étnicos, cuja mão-de-obra foi introduzida no trabalho forçado e na produção do amendoim, arroz, algodão e a entrega coercitiva das colheitas e melhores terras ao Estado colonial.

A busca pelo “desenvolvimento” foi a base sobre a qual se assentou a política externa do Brasil para África. Em Cabo Verde (anos de 1974 a 1990) as relações com o Brasil acentuaram-se na formação de quadros da Administração Pública, cuja “falta de quadros qualificados nas instituições públicas eram um dos principais empecilhos para o fortalecimento de Cabo Verde” (pág. 181).

Outro setor priorizado foi o de transporte aéreo, tendo em conta as condições geográficas do país, constituído por dez ilhas. “Cabo Verde chegou a oferecer ao Brasil um entreposto no Aeroporto Internacional de Sal para a Embraer” (um conglomerado transnacional brasileiro), para a criação de uma linha área regular que recolhesse cargas no Brasil para vários destinos, incluindo destinos africanos, passando por Cabo Verde.

No campo do comércio exterior, nas relações entre o Brasil e Cabo Verde, destacou-se o refino de petróleo de Angola, por parte da empresa brasileira de combustíveis (Petrobras). Com a democratização (anos de 1990), a pauta de demanda se intensificou, na qual “a eficácia da gestão da ajuda pública e privada para o desenvolvimento permitiu que Cabo Verde figurasse entre os países que receberam mais ajuda per capita (pág. 159), reforçando, assim, sua inserção no mercado. “A valorização do mercado, presente no III Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), de Cabo Verde, foi o instrumento dessa dinamização de gestão de recursos para seu desenvolvimento”. Da parte brasileira, a pauta do Atlântico Sul sempre foi um ativo da política externa do Brasil para Cabo Verde. Houve que considerar a localização estratégica de Cabo Verde, como ponto nodal no comércio transatlântico.

Distintamente de Cabo Verde, a política externa do Brasil para Guiné-Bissau esteve diretamente vinculada à instabilidade política, em decorrência de sucessivos golpes de Estado. Enquanto Cabo Verde priorizou a formação dos seus funcionários da administração pública e investimento em transporte de navegação aérea, Guiné-Bissau, sob o risco de perpetuar a política de golpe de Estado, privilegiou, nas relações com o Brasil, a formação militar no âmbito das reformas das Forças Armadas e das Forças Polícias.

No campo de ensino superior, Guiné-Bissau compartilhou com Cabo Verde algumas similitudes. Suas demandas pelo Programa de Estudantes Convênio de Graduação (PEC-G) e Pós-Graduação (PEC-PG) nas relações de cooperação com o Brasil. Outro ponto comum entre Cabo Verde e Guiné-Bissau foram as linhas de créditos liberados por instituições financeiras brasileiras (a exemplo do Banco do Brasil), por intermédio da Agência Brasileira de Cooperação. Contudo, a política de cooperação externa com Brasil revelou problemas estruturais de dependência externa. Isso porque a política de linha de crédito beneficiava literalmente o Brasil, enquanto país central, reproduzindo, em outras formas, a cooperação tradicional.

Por exemplo, a empresa brasileira Yamaha se beneficiou do crédito para exportar quatrocentos motos RX-80 para a Guiné-Bissau”. No que se refere às relações comerciais guineenses, apenas nos anos de 1990, houve as primeiras importações por parte do Brasil, num “valor muito simbólico”. Contudo, anos 1990, ainda que residual, o comércio exterior da Guiné-Bissau para o Brasil era muito significativo, em comparação com o período atual. Os principais produtos importados de Guiné-Bissau pelo Brasil foram cerâmicos e derivados de alumínios, caldeiras e reatores para uso industrial, plásticos e, em menor grau, importação de produtos básicos, bem alimentícios, como açúcar, arroz, café e carnes (pág. 164).

Bastante semelhante foi a média de exportações do Brasil para África, também considerado residual do ponto de vista comercial: oscilou se de 4,9% (anos 1974 a 1979) para 6,7% (anos 1979 a 1985). Desse porcentual, depreendeu-se duas consequências da política externa brasileira: sua natureza precária, dada pela incipiente presença nas relações com África; e sua natureza contraditória, na medida em que, discursivamente, a política externa brasileira fundamentou-se, ao longo dos anos, nos pressupostos da cooperação do Sul, mas com pouco resultado em suas relações externas de cooperação.

Em Cabo Verde, a presença de Portugal foi mais significativa. Isso se deveu a experiência colonial no arquipélago e, mais recentemente, da diáspora cabo-verdiana em Portugal que fez com que o governo português usasse dessa presença como um instrumento de pressão política nas negociações com Cabo Verde, com mais de trinta mil cabo-verdianos em território português, cujas remessas financeiras contribuíram para o sustento de quase cem mil famílias cabo-verdianas que vivem nas diversas ilhas.

Em São Tomé e Príncipe (de 1975 a 1990) se privilegiou as relações com Brasil no setor da agricultura e pecuária, em especial na produção de cacau, centrada até então na monocultura de uma economia de plantation, em que o Estado se assumiu como empresário. A questão militar aproximaria São Tomé e Príncipe de Guiné-Bissau, mais acentuada no caso guineense, marcado por sucessivos golpes de Estado. Outra característica foi a centralização do poder na figura do presidente Manuel Pinto da Costa e tentativas de golpes de estado na construção de sua nacionalidade e no processo de transição política para a democracia, em que a África reassumiu a importância para a defesa e segurança do Atlântico Sul.

Também foi um período no qual se verificou uma forte retração econômica, na América Latina, no governo Sarney e Collor (no Brasil), anos de 1980. Com a crise dos anos de 1980, na América Latina, com implicações em África, o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP, hoje partido) reorientou, gradualmente, sua política externa, deslocando-a do antigo bloco soviético para Ocidente (p.195). Isso resultou “em empréstimos com o Banco Mundial (BM) e com o Fundo Monetário Internacional (FMI), principalmente para reabilitação das plantações de cacau santomense, através de gestão estrangeira por créditos multilaterais de financiamento”.

O Estado brasileiro, em função da crise, foi obrigado a redirecionar a base de sua política externa para o setor de educação para África, por meio de concessão de vagas e bolsas de estudos de ensino superior para formação de uma elite nativa africana que pudesse ser favorável às relações com o Brasil.

A análise que se possa fazer dessa política externa brasileira teve duas implicações substantivas. Em primeiro lugar, foi com base na política educacional de ensino superior que o Brasil encontrou justificativas para reforçar sua influência político, através de discurso do “destino comum” e “fundamentos históricos”, em detrimento de relações comerciais e políticas efetivas.  Em segundo lugar, foi através da política de cooperação de ensino superior que o Brasil encontrou os “fundamentos ideológicos” de sua política externa na arena internacional e no âmbito da cooperação do Sul, em que o discurso de “solidariedade” e da “horizontalidade com a África ganhou centralidade nesse período.

Houve um elemento contraditório introduzido nessa política externa, que tem a ver com o descompasso entre o discurso de “horizontalidade” e de “responsabilidade” pelos fracassos de acordos de cooperação. Isso porque na documentação diplomática da representação brasileira, em São Tomé e Príncipe, aliada aos fracassos, foram frequentes expressões como “desorganização do governo santomense” e “inexistência de profissionais aptos para finalizar os projetos”, que nunca saíram do papel. Entendeu-se, então, que a responsabilidade pelo fracasso da política externa brasileira foi estritamente do governo santomense, pela ausência de condições técnicas, não do governo brasileiro.

Essa responsabilização, unilateral, tem algumas consequências: a primeira se houvesse sucesso da cooperação seria atribuído a liderança brasileira no âmbito da cooperação do Sul, mas, como houve fracasso, a responsabilização pendeu-se sobre os ombros de “um estado disfuncional santomense”; já a segunda implicação é o fato de que o discurso da desresponsabilização tentou negar o próprio fundamento da “cooperação solidária” a partir da qual o Brasil baseou discursivamente sua política externa para África em geral e São Tomé e Príncipe, em particular. Observou-se, aqui, uma outra contradição: a “horizontalidade” foi utilizada para depois negá-la, sobretudo, em casos em que ações externas da cooperação brasileira se fracassaram.

Nesta ótica, o discurso de uma comunidade de sangue, da cultura e da história, supostamente compartilhada pela presença portuguesa, passou a ser um significante vazio, sem correspondência em ações concretas no encaminhamento de soluções adequadas, efetivas e urgentes nas relações entre o Brasil e a África para resolução de problemas. Caberia perguntar até que ponto a fraca presença brasileira em ações substantivas de sua política externa nos “pequenos Palop” dificultou sua inserção na arena internacional. Isto porque a redução de cooperação Sul-Sul com os países africanos acabou por reforçar a dependência do Brasil da cooperação Norte-Sul.

Entendo que a justificativa que o Brasil pode ter encontrado para se afastar da África e aprofundar relações Norte-Sul se justificaria por razões políticas e econômicas, nesse período. No primeiro caso – razões políticas – tem a ver com a visão hegemônica que se tinha/tem da África no Brasil, marcado pela lógica escravista, ditada por um contexto de marginalização. No segundo caso – razões econômicas – a crise de 1980 na América-latina, com repercussões mundiais, resultou na diminuição de exportações e importações do Brasil com países objetos de analise nessa tese. A saída encontrada pelo Estado brasileiro foi a de reforçar a política de solidariedade com África e de cooperação com os países de Norte para tentar superar a crise.

No caso da política externa de São Tomé e Príncipe para o Brasil, houve que realçar o centralismo em que o poder político e administrativo foi aglutinado na figura do ex-presidente santomense Manuel Pinto da Costa, que liderou seu país de 1975 até 1991 e de 2011 até 2016. Embora São Tomé e Príncipe tenha sido o primeiro país ex-colônia de Portugal em África a iniciar o processo de transição política para a democracia, com a realização de suas primeiras eleições multipartidárias em 1991, o processo de democratização ficou solapado pela ingerência militar na política doméstica, através de sucessivos tentativas de golpes de Estado registrados no país: as de 1995, 1998, 2003 e 2009, o que distanciaria São Tomé Príncipe de Cabo Verde, sem experiência de intervenção militar no seu processo de transição política.

Uma análise da postura centralizadora adotada pelo então presidente santomense Manuel Pinto da Costa aproximaria da postura assumida pelo então presidente guineense, João Bernaldo Vieira, tanto no regime de partido único oficioso, quanto no processo de transição política para a democracia.

Também o Estado de Cabo Verde procurou redimensionar sua política externa de cooperação internacional para dar respostas imediatas a crise financeira, através de promoção de investimento da China na construção de infraestruturas: construção da Assembleia Nacional Popular, barragens, pontes, estradas, promoção de turismo e desenvolvimento marítimo e, recentemente, construção da Universidade Pública de Cabo Verde. A Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China, um importante entreposto comercial chinês, tem servido de ponto nodal da presença chinesa em África, cujos países contaram, há décadas, com o apoio da China para suas independências. Relações com a China não foram objeto da tese, mas me pareceu oportuno aponta-las, para se demarcar da presença brasileira.

A recuperação econômica, nos anos 1990, tanto no Brasil, quanto nos países africanos, beneficiou uma retomada gradativa nas relações entre o Brasil e a África, também no que se refere a política externa, em que o Brasil procurou se adaptar à nova geopolítica internacional, em nome daquilo que se convencionou chamar de “multilateralismo” da política externa brasileira.

Anos de 2003 a 2010 ficaram marcadas por uma nova guinada na política externa do Brasil para Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, em um contexto internacional de democratização dos Estados nacionais, altamente competitivo do ponto de vista político e econômico. Outro dado ausente na tese, no caso africano, entre 2000 e 2016, houve forte crescimento econômico no Continente, em média 4,6% ao ano, superior à América Latina e Caraíbas, em média 2,9% (base de dados de UNDESA, 2017). Isto possibilitou novas reconfigurações da política externa brasileira, pois, foi à luz desse crescimento da África, que o Brasil renegociou sua posição e discurso com o Continente.

O governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (de 2003 até 2010), em seus dois mandatos, imprimiu, sem dúvida, um novo conteúdo à política externa do Brasil, diferentemente dos governos antecedentes e precedentes. Considerado pragmático, carismático e nacionalista (pág. 260), suas ações basearam-se no entendimento de uma ordem mundial multipolar, fazendo alianças no nível dos países do Sul e contestando a hegemonia dos países centrais desenvolvidos. Segundo Kamilla Raquel Rizzi (pág. 209), em política externa, Lula reintroduziu o Estado como negociador, incorporando, deste modo, alguns instrumentos introduzidos em segundo plano durante os dois mandatos do governo de Fenando Henrique Cardoso, tanto do ponto de vista econômico quanto político. Aqui, haveria uma aproximação com São Tomé e Príncipe, quando o Estado assumiu o papel de empresário, centrada na figura do presidente Manuel Pinto da Costa.

No campo econômico, houve um crescimento exponencial: um crescimento médio de 325% entre o início e o final dos dois mandatos do presidente Lula. A nível mundial, com 0,99% das exportações, em 2003, esse percentual aumentou para 1,35%, em 2010 (pág. 214). Um elemento importante aqui foi uma tentativa de diminuir a dependência externa do Brasil da cooperação Norte-Sul.

No campo da cooperação técnica, base da política brasileira para os países africanos, houve um visível crescimento em todas as áreas, com uma atuação mais concreta da agência Brasileira de Cooperação (ABC), coadjuvado pelo Ministério das Relações Exteriores. As principais áreas de cooperação com o Brasil foram educação, cultura, comércio exterior, agricultura, pecuária, ciência e tecnologia. A capacidade de Lula da Silva representar as diretrizes da política externa fez com que ele conseguisse transitar livremente em vários países africanos. Como destacou Kamilla Raquel Rizzi (215) “nenhum governo na história do Brasil tenha empreendido qualitativamente e quantitativamente sua ação externa dessa maneira para África, como ocorreu no governo do ex-presidente Lula, em questões multilaterais”.

No setor da educação de ensino superior, por exemplo, no final do ano de 2010, havia aproximadamente cinco mil alunos estrangeiros em instituições brasileiras, incluindo, principalmente, os estudantes da África e da América-Latina. No caso especifico dos países africanos, especialmente Palop, houve ampliação de formação de quadros nacionais, forjados no campo ideológico brasileiro. Um dos instrumentos dessa ampliação foi a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). “A Unilab caracterizou sua atuação na cooperação internacional e intercâmbio acadêmico e solidário com os Estados membros da Comunidade dos Países da Língua Oficial Portuguesa (pág. 209). Com a finalidade de realça-lo, aprofundou-se o discurso de “solidariedade”, um conceito de valor político que reforçou a inserção de Lula em África e no cenário internacional.

Embora possuísse presença em África em diversas esferas de sua política externa, o governo Lula manteve relações estreitas de cooperação com países centrais, como Estados Unidos, Europa e antiga metrópole, como foi indicado na tese.

Na atualidade, a posição brasileira no cenário internacional, no sentido de garantir sua autonomia, ficou comprometida com as mudanças de governo assumidas por Jair Bolsonaro, eleito presidente do Brasil em outubro de 2018. A marginalização do Brasil no exterior, a exemplo de sua política externa para África, recuou em todos os aspectos.

Embora, teoricamente, se tratasse de uma política externa de Estado, o distanciamento do Brasil nas relações diplomáticas com os países africanos foi condicionado pela dinâmica governamental e partidária, com implicações substantivas na mudança de governo. Houve, assim, condicionamentos políticos com implicações econômicas do Brasil para Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, vice-versa, que vão para além de questões meramente técnicas da cooperação internacional no âmbito da política externa do grande Brasil, mas de pequenas relações com os Palop.