REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO: ALGUMAS SUGESTÕES

REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO: ALGUMAS SUGESTÕES

Alfredo Handem

O debate e as iniciativas a volta da revisão nossa Constituição não são recentes. Cada vez que as crises políticas e institucionais se agudizam mais são as opiniões a volta da pertinência ou não do nosso regime político. E o mais interessante, é constatar, uma constante teimosia, da nossa classe política, em querer sempre deitar as culpas para a cima das leis, da Constituição, como se elas (as leis) sozinhas decidissem maltratar as nossas instituições e os relacionamentos entre os cidadãos dentro da sociedade. Eu sou daqueles que acredita, que o problema não está na Constituição, mas sim no comportamento das pessoas, ou melhor no comportamento daquelas pessoas que são chamadas legitimamente a darem corpo aos textos jurídicos.

Provavelmente, a nossa Constituição tem “algumas zonas opacas” que precisam ser clarificadas ou melhoradas, nomeadamente no que toca a força (ou excesso de poder atribuído) do Presidente no relacionamento com Governo (podendo assistir ou dirigir as reuniões do Conselho de Ministros quando assim o entender, demitir o governo face a incapacidade deste em gerir crises sociais e políticas que afetam grandemente a vida das populações, entre outros).

Porém, e, independentemente de quem tem a legitimidade de chamar para si o protagonismo de iniciar um processo de revisão da Constituição, gostaria de chamar a atenção para certos aspetos que julgo serem importantes.

1. A começar pela criação e composição da comissão. Não sei de onde veio a ideia de que a feitura da Constituição, ou sua revisão, é uma propriedade exclusiva de juristas ou indivíduos formados em direito. Não está em causa, a competência ou idoneidade intelectual das personalidades que integram a Comissão, longe disso. A Constituição é um conjunto de princípios ou normas fundamentais de acordo com os quais um Estado é regido. O papel dos juristas é dar corpo aos anseios, expetativas e desejos das populações, transformando as suas preocupações em textos jurídicos, eles decidem sobre a forma e não sobre os conteúdos dos textos jurídicos. Por isso qualquer iniciativa desta recente comissão só poderá ter legitimidade se o processo que leve a proposta de revisão seja precedido de uma ampla consulta popular, onde os guineenses (desde o agricultor, passando por comerciante, estudante, professor, desportista, vendedor, enfermeiro, sociólogo, jornalista, médico, engenheiro, empreendedor, etc, etc) possam de forma inclusiva participar com a sua opinião sobre o conteúdo da Constituição. A Comissão devia no mínimo ser interdisciplinar e heterogéneo em termos de especialização e expertise técnico. Nesta perspetiva, sugiro que um trabalho de casa seja previamente definido, de forma a que, em cada momento e em cada fase do processo, as pessoas que serão consultadas saibam do que se trata, e recomendo que não seja apenas para perguntar sobre que tipo de regime político gostariam que vigorasse na Guiné-Bissau, pois isso seria induzir os cidadãos ao erro e a opinarem sobre algo que apenas favoreça a vontade de personalidade A ou B, ou a interesses particulares de algum grupo. A constituição da República não pode ser um instrumento que satisfaça a vontade de minorias.

2. Em relação ao regime político em vigor no nosso país. O fato de estarmos rodeados de países (no quadro da CEDEAO) onde vigora o presidencialismo faz com que qualquer conflito político-institucional seja visto (por essa Comunidade) apenas do ponto de vista da eficacidade da nossa Constituição. É bom não perder de perspetiva que há um debate muito intenso nas diásporas do Senegal e Costa de Marfim exatamente sobre o aquilo que se chama o “check and balance” das suas instituições, muitos senegaleses e costa marfinenses acham que falta um maior equilíbrio de poder nos seus países, consideram mesmo que há demasiado poder concentrado nas mãos do presidente da República fato que explica, em parte, tantos desmandos e conflitos internos. Ora se eles que conhecem e vivem a situação (o de um regime presidencialista), o contestam, e acham que o regime em vigor dos seus respetivos países devia ir a consulta popular para o povo fazer a melhor escolha, então fica o aviso! Em geral, o que acho é que devemos tentar evitar a arrogância do poder, a legitimidade constitucional, muitas vezes, leva a repressão ou recalcamento das minorias.

3. Não inventar a roda. Já houve no passado, várias iniciativas de revisão da Constituição, e para a qual também haviam sido criadas comissões para conduzirem o processo. Seria importante que a atual comissão possa ir revisitar todo o trabalho produzido anteriormente e capitalizar tudo o que de positivo tenha saído de várias consultas realizadas a volta da melhoria da nossa Constituição, acho que teríamos muito mais a ganhar adotando uma atitude humilde (a retórica socratesiana “…só sei que nada sei”, é um bom ensinamento, apenas nos leva a reconhecer o valor e o conhecimento dos outros).

4. Temos agora uma excelente oportunidade para que, em vez de nos concentramos apenas na revisão do regime político, procurarmos democratizar os textos da Constituição trazendo-os mais perto dos cidadãos e dos seus interesses e anseios. Por exemplo, o regime jurídico das cooperativas, das organizações da sociedade civil, e outras formas de organização de cidadãos que contribuem para a implementação das políticas públicas em complementaridade às ações do governo, deviam ser bem revistos e melhor enquadrados na (nova) Constituição. As questões das pensões, segurança social, a velhice, os lares dos idosos, a economia informal que contribui enormemente para a luta contra a pobreza e para o consumo interno, são questões pertinentes que deviam ser analisadas e tomadas em conta.

5. Por fim, por mais pressa que possamos ter, não creio que seja este o momento oportuno para conduzir um processo de revisão da constituição. As nossas populações já têm preocupações e dificuldades acrescentadas às suas vidas devido a crise sanitária e ao afastamento social e geográfico a que são obrigadas em consequência. Poder-se-ia fixar um timing, por exemplo até ao fim do ano, que a Comissão entregue um produto final construído a partir de uma base legitima, inclusiva e participativa (consulta popular).

Alfredo Handem – 15.05.2020