JOSÉ MARIA NEVES E A POLÍTICA EXTERNA CABO-VERDIANA

AFINAL, o que o novo Presidente de Cabo Verde sinaliza ao Jornal Folha de São Paulo, em termos de política externa cabo-verdiana?

Por Ricardino Dumas Teixeira [Prof. Universitário no Brasil]

Sua excelência Dr. José Maria Neves, dirigente do PAICV [Partido Africano para a Independência de Cabo Verde] tomou posse do cargo de presidente no dia 9 de Novembro de 2021, após o embate eleitoral com Dr. Carlos Veigas, do MpD [Movimento para a Democracia]. No mesmo dia, concede uma longa entrevista a Fabio Zanine, jornalista do Folha de São Paulo, jornal de maior circulação do Brasil. Contudo, a entrevista concedida pelo recém-empossado Presidente de Cabo Verde, apesar da sua relevância, como expressão da vontade política de afirmação de Cabo Verde no mundo, poderá produzir, entre muitas interpretações possíveis, quatro efeitos diplomáticos, no âmbito da política externa, como expressão da política interna nas ilhas de cabo Verde.

O primeiro é o contexto da entrevista. Fora concedida em um momento de acirrada disputa política no Brasil, com aproximação do novo pleito presidencial, agendado para 2022. A manchete de entrevista do jornal, em letras grandes e vistosas, além de revelar uma determinada linguagem “O Brasil se isolou do mundo, depois de Lula” [Folha, 9 nov. 2021], pode ser interpretado como visão do Governo e do povo cabo-verdiano sobre a política brasileira. Embora o Presidente José Maria Neves tenha afirmado que “as relações são entre Estados, independentemente dos governos que estejam no Brasil ou em Cabo Verde”, presume-se, também, que tais relações independem de figuras políticas que estejam à frente do Estado. Aqui, há uma nítida diferença entre os agentes do Estado no campo administrativo e o Estado como expressão de uma comunidade política. Esta distinção não ficou clara na entrevista, quando parece confundir o Estado e o Brasil com determinada figura política, identificado com a pessoa de Lula da Silva.

Eu gosto do ex-Presidente Lula e nutro certa simpatia com outro ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, como sociólogo, mas já mais, enquanto cidadão, confundiria os dois com o Estado. A entrevista parece mais um olhar individual do Presidente José Maria Neves do que a posição de um Chefe de Estado. Posso até acreditar que houve um afastamento do Brasil com a África e com o mundo, de forma generalista, ou aproximação tímida com os países africanos num determinado contexto com a mudança de governo no Brasil, mas já mais diria isto, muito menos um presidente no mesmo dia de sua investidura que se refere à sua visão sobre a política interna de um determinado país: o contexto em que vive o Brasil atualmente vive compete única e exclusivamente ao seu povo. A expressão utilizada não comunga com a diplomacia e o juramento presidencial no ato de posse. Mas essa não é a preocupação, felizmente.

A preocupação me parece outra. Ela consiste na expressão de um sentido em como supostamente o presidente da República de Cabo Verde Dr. José Maria Neves tenha interesse que o povo brasileiro compreenda que quem realmente projetou a imagem positiva do Brasil no mundo e na África, por meio de sua fala. Isto não acrescenta em nada para a política externa cabo-verdiana. Não é a primeira vez que agora presidente José Maria Neves deixa em aberto uma série de questões que pode colocar os esforços do governo cabo-verdiano em uma situação de contingência, relativa à política externa.

Todos nós assistimos sua intervenção no processo eleitoral guineense, como político, disponível na internet, apoiando publicamente o candidato do PAIGC no processo eleitoral para o cargo de presidente da República de Guiné-Bissau. Esse fato, objeto de interpretações, revela muito do significado das intervenções do agora Presidente Dr. José Maria Neves para com a Guiné-Bissau sobre a decisão de queda de governo guineense decretado pelo então Presidente da República José Mário Vaz, eleito democraticamente e, por isso, tomou determinadas decisões que muitos de nós descordamos sobre os sentidos que ele queria repassar para a sociedade guineense e para o mundo em geral. Porém, o discurso usado, na rede social, não me parece razoável, pois, poderia ter consequências mais graves, caso a presidente Dr. Jorge Carlos Fonseca não imprimisse um sinal claro na retoma de cooperação com o novo governo guineense.

O segundo efeito, para um Presidente, que acabou de assumir o cargo, e que já passou por várias experiências de governação em Cabo Verde por quinze anos, como Primeiro-Ministro, tem a ver com reais interesses da entrevista à Folha. Isto é, para quem a entrevista foi dirigida? Qualquer cidadão cabo-verdiano ou não, pertencente ou não à fileira bipartidária em contenda política em Cabo Verde, precisa saber o repertório para qual seu Presidente se dirige em uma determina circunstância. Pode-se supor, por exemplo, que o público da entrevista não seja o povo brasileiro e nem tão pouco o povo cabo-verdiano, a que o Presidente José Maria Neves representa, nos termos da Constituição, tanto nas ilhas quanto em suas diferentes diásporas espalhadas ao redor do mundo, com forte presença acadêmica e profissional no Brasil.

Além disso, a circulação e a direção da entrevista em um determinado meio e possíveis grupos políticos ideológicos, para o qual a entrevista pode estar direcionada e o meio em que foi produzida, há que considerar o que diz a própria Constituição da República de Cabo Verde, em termos de Relações Internacionais, em relação à figura e função do Presidente da República. No seu artigo 11º, a Constituição diz que “O Estado de Cabo Verde rege-se, nas relações internacionais, pelos princípios da independência nacional, do respeito pelo Direito Internacional e pelos Direitos do Homem, da igualdade entre os Estados, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados, da reciprocidade de vantagens, da cooperação com todos os outros povos e da coexistência pacífica”.

A fala do Presidente pode agradar certos grupos à esquerda política brasileira, do qual eu faço parte, mas não parece ajudar consolidar as relações diplomáticas entre os dois povos, que ele jurou respeitar perante à Constituição da República, e apontou na sua entrevista, que, infelizmente, deixou muito ruído, diferente do rumo que o atual governo vem tomando. Não foram poucos os sinais do reforço da cooperação bilateral com o Brasil, que o próprio Dr. José Maria Neves contribuiu para sedimentar. O ex-presidente Jorge Carlos Fonseca que o diga, aquando de sua recente visita ao Brasil. Foram vários acordos rubricados entre o governo cabo-verdiano e o governo brasileiro, que exige a meu ver, ponderação, pois, na atualidade, com a crise sanitária global, Cabo Verde não contará com o apoio externo que contava, quando o presidente era Primeiro-Ministro.

Cabo Verde sempre exaltou e promoveu os valores da boa vizinhança, aparentemente sem conflitos entre as instituições da República. Sempre procurou inspirar outros países, positivamente, de maneira respeitosa, evitando posicionamentos excessivamente ideológicas em matéria da sua política externa, desde a proclamação da sua independência nacional em 1975 e o momento da criação de suas instituições democráticas, administrativas e representativas nos anos 1990 em diante. A tradição da diplomacia e da política externa cabo-verdiana é muito exemplar até o presente momento. É por isso que a fala do Presidente tem peso e consequências políticas diplomáticas em qualquer meio de circulação que se utiliza para a sua difusão externa.

No campo da política brasileira, há que que considerar a crise que o PT [Partido dos Trabalhadores] enfrenta com impeachment da Dra. Dilma Rousseff, ex-presidente do Brasil, ainda não resolvido, que exige máxima consideração, para evitar lógicas distintas de interpretações, não àquelas que supostamente o presidente José Maria Neves quis dizer, daí a minha inquietação. A razoabilidade representa um vigoroso ativo das lideranças cabo-verdianas e da própria trajetória governativa e interventiva do Dr. José Maria Neves em Cabo Verde, na África e no mundo, há décadas de vida pública. Ampliar esse ativo político-diplomático no contexto atual que o mundo e Cabo Verde vive é globalmente recomendável e politicamente harmoniosa nas relações internacionais.

O terceiro efeito, no âmbito da governação em Cabo Verde, parece apontar possíveis tensões entre o Presidente e o Governo. Quando o presidente fala “impõe-se criar mais oportunidades para as Mulheres, em especial para as Mulheres Chefes de Família, uma realidade que não pode ser escamoteada, antes deve ser respeitada e valorizada como um dado da nossa História, da sociologia da família, da economia e das relações humanas no nosso país” [site Mercado Africano, 11, 2021], pergunta-se: quem vai criar tais oportunidades? Quem estaria a escamotear a realidade cabo-verdiana? Quem estudou a Sociologia da Família cabo-verdiana e qual foi a conclusão do seu estudo em relação ao perfil das mulheres?

Quando o Presidente da República, recém-empossado, promete o reforço da cooperação com os quinze Estados-Membros da CEDEAO [Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental], e faz a sua primeira deslocação política para Gana para o encontro particular com o Presidente da CEDEAO, antes mesmo da tomada de posse [A Semana, 28 out 2021], está-se, de alguma maneira, a demostrar a sua preocupação com o reforço da inserção regional africana de Cabo Verde, enquanto novo Chefe de Estado, mas pode ser interpretado como se ele quizesse assumir a função do Executivo, nos rumos da política externa regional e política doméstica das famílias cabo-verdianas em Cabo Verde e em suas diferentes diásporas.

Isto seria muito delicado para as funções do Presidente da República, pois, tais atribuições, constitucionalmente, são de exclusiva responsabilidade do Executivo, nos termos do artigo 184º, da Constituição e das leis, independentemente da vontade política e desejo do Presidente. Ele pode até usar a sua magistratura para sensibilizar o Governo, num diálogo interno interinstitucional para influenciar ação governativa, mas nunca pretender assumir ou tentar assumir as rédeas da política externa e interna e, por isso, não acredito que ele queira assumi-las por mais que sua fala possa ser objeto de análise sobre os significados reais de suas intensões no uso de uma determinada linguagem, que, por sinal, apelativa para o grosso da sociedade civil cabo-verdiana.

O quarto efeito está relacionado à Guiné-Bissau. O fato do Presidente da República de Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, e o seu principal opositor, Eng. Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC, tenham sido convidados simultaneamente para a mesma investidura do Presidente de Cabo Verde, pode não parecer problemático, à primeira vista, mas abre espaço para possíveis interpretações que pode reforçar o nível de desconfiança entre os dois Estados. Sobretudo, considerando o apoio explícito do agora Presidente José Maria Neves ao candidato líder do PAIGC, na última eleição presidencial na Guiné-Bissau. E, de igual modo, o apoio do Presidente guineense ao candidato do MpD, Dr. Carlos Veiga, que estive de visita à Guiné-Bissau, mantendo encontro presidencial.

Isto ficou também evidente durante os momentos que antecederam a tomada de posse. Enquanto o MpD, em sua tendência política partidária, deu total cobertura governamental e assistência midiática ao Presidente de Guiné-Bissau [Veja-se Programa de TV TIVER 24, desta semana], o Presidente do PAIGC, Eng. Domingos Simões Pereira foi recepcionado pela líder licenciada do PAICV, Dra. Janira Hoffer de Almada, no mesmo contexto de posse do Presidente José Maria Neves. Isto abre espaço para fissuras bipartidárias, em Cabo Verde, mas sobretudo, com aplicações na Guiné-Bissau, não muito diferente a maneira como ela vem ocorrendo nas relações entre as lideranças dos dois países. Às vezes fica difícil separar a esfera do Estado e a esfera da aliança partidária, mas presente na Guiné-Bissau do que em Cabo Verde, mas ambos vivem essa realidade política em democracia.

A interpretação que se possa fazer é de que as lideranças cabo-verdianas, cientes da situação política precária guineense, preferiram manter uma relação de “solidariedade” com o presidente do PAIGC, e de promoção de “cooperação” com o Chefe de Estado guineense durante a posse presidencial. Desta forma, espera-se garantir espaços políticos futuros com duas figuras centrais que disputam o poder atualmente na Guiné-Bissau, mas igualmente, possíveis apoios de qualquer figura guineense que venha assumir o Estado e o Governo para eventualmente garantir os legítimos interesses de Cabo Verde.

Quando isto acontece, em instância em que ocorre e com o público nela representado na posse, indica, claramente, que os rumos da política externa cabo-verdiana, em relação à Guiné-Bissau, não serão claros para os próximos cincos anos em Cabo Verde, com José Maria Neves, do PAICV, na presidência, e o Governo, do MpD, no Executivo. Embora tenha afirmado que não seria primeira vez que o José Maria Neves coabita com os presidentes de Cabo Verde, e por essa razão, não haveria preocupação para uma nova coabitação, a fala do Presidente, apontadas acima, não parece clara, nesse sentido.

No caso brasileiro, a fala do presidente José Maria Neves na entrevista à Folha parece apontar para o cenário político pré-eleitoral. Ele parece dirigir-se para os grupos à esquerda da política brasileira, inserindo-se na disputa ideológica ao mesmo tempo que sinaliza o seu desejo pessoal de afirmação no contexto mais amplo da política internacional a partir do Brasil [robusto membro da Comunidade dos Países da Língua Oficial Portuguesa – CPLP]. Cabo Verde estaria a caminhar para uma política externa presidencialista? Haveria várias respostas para as declarações públicas do Presidente cabo-verdiano. Uma possível resposta dependerá do cenário que o Presidente parece apontar na relação com o Executivo para a promoção ou não harmoniosa e realista de cooperação institucional entre os órgãos da soberania e da representação política em Cabo Verde, que vão para além da promessa política durante a campanha eleitoral.

11.11.2021

Um Tributo da Guiné-Bissau a Eugénio Tavares

Um tributo da Guiné-Bissau à Eugénio Tavares

Semente de amor da Ilha Brava de Cabo Verde para o mundo

Se me perguntassem porquê um tributo da Guiné-Bissau à Eugénio Tavares e estivesse mal disposto responderia, porque quero! E se apenas não quisesse entrar em muita conversa, responderia, porque o amor é universal!. Mas na verdade não é apenas por estas duas razões,  é também porque é um tributo merecido àquele que também foi um dos nossos, como poderão compreender mais adiante. Da minha parte apenas quero cumprir o sagrado dever de explicar o que sei e entendo que deve ser do conhecimento de todos aqueles que ainda não o soubessem, sobretudo os mais novos.  Vou então por isso tentar contar esta história para aqueles que ainda não tinham ouvido falar dela e nunca tiveram oportunidade de conhecê-la.

Eis que, nas proximidades da década de sessenta  do século XVIII, um italiano chamado Geovanni Battista Nozolini, casou-se com uma espanhola das Ilhas Canárias, de nome Barbara Riam; tiveram um filho a quem foi posto o nome de André Joseph Nicolas Maria de Candelária de los Santos Nozolini  (André Nozolini), nascido em Tenerife em 1761.  André Nozolini, estando já em Cabo Verde, casou-se com Gertrudes Maria Livramento Henriques (Gertrudes Henriques), nascida em 1775 na Ilha de Fogo (Cabo Verde)

Gertrudes Henriques era filha  do Capitão-Mor da Ilha de Fogo, Marcelino José  Jorge Távora  Henriques, natural de Aveiro (Portugal) e de Maria do Monte Fortunata da Fonseca Mendes Rosado (1749-1842), natural da Ilha do Fogo.  Esta Maria do Monte Fortunata da Fonseca MendesRosado erafilha de José  Cláudio Mendes Rosado (que era administrador da Companhia Grão Pará e Maranhão ) e de Isabel Caetana da Fonseca; ambos eram naturais de Algarve.

André Nozolini e Gertrudes Henriques geraram 5 filhos:Maria Soledade (de nome completo Maria Soledade Nozolini) (1791), José  Marcelino (1792), Maria Ascensão (1793), Maria das Dores (1796), e Caetano (de nome completo Caetano José Nozolini) (1801). Este último viria ser um histórico da Guiné como veremos mais adiante.

Maria Soledade Nozolini, irmã portanto de José Marcelino, Caetano José  Nozolini e de mais outras duas irmãs, iria casar-se com D. Juan José  Roiz (de Espanha) com quem gerarou também 5 filhas: Isabel, Maria Ascensão, Maria Soledade, Gertrudes e Eugênia (esta última de nome completo Eugênia Nozolini Roiz).

Eugênia Nozolini Roiz, também natural de Fogo, casou-se com Francisco de Paula Tavares, natural de Santarém (Portugal) pelo que foi-lhe acrescentada o apelido Tavares do marido e passou a chamar-se assim Eugenia Nozolini Roiz Tavares.

Francisco de Paula Tavares que fora um abastado comerciante em Cacheu e Geba na Guiné e sua mulher Eugênia Nozolini Roiz Tavares tiveram 2 filhos naturais da Guiné, Henrique (1863) e Henriqueta (1866). E quando Eugênia Nozolini Roiz Tavares estava grávida do terceiro filho que ira chamar-se Eugénio de Paula Tavares (Eugénio Tavares) começa o drama familiar.

A mãe  Eugênia Nozolini Roiz Tavares adoece e a família decide que fosse ela e a pequena Henriqueta para Cabo Verde junto dos demais familiares na Ilha de Fogo, enquanto o marido, Francisco de Paula Tavares ficou na Guiné com o mais velho dos irmãos, o Henrique. Mas o drama não larga a família, a mãe Eugênia não melhora na Ilha do Fogo e vai para a Ilha Brava que era considerada mais salubre e onde residia João José de Sena e outros familiares Bravenses. Este João José de Sena é um dos descendente de José Pedro de Sena que fora Capitão-Mor da Ilha Brava enviado pelo rei de Portugal, D. José (1750-1777), para administrar os negócios do reino.

Chegado o momento do parto, nasceu Eugénio Tavares mas morre a mãeEugênia Nozolini Roiz Tavares, deixando o recém-nascido, órfão de mãe, aos cuidados do médico José Martins de Vera Cruz e da irmã deste, D. Eugênia  Martins Vera Cruz Medina e Vasconcelos. Os irmãos Vera Cruz  seriam assim os pais adotivos do recém-nascido, enquanto a irmã deste, a pequena Henriqueta, continuaria sob custódia de João José de Sena.

Pouco tempo depois também morre na Guiné o pai dos menores e o Henrique, mais velho de Henriqueta e Eugénio, é  mandado para Portugal. O drama familiar culminou assim com os pais falecidos e os irmãos menores dispersos. E não podia ter sido pior! Mas como se costuma dizer na Guiné sufridur ta padi fidalgo (do sofrimento nasce o fidalgo), assim mesmo vai ser.

Na sequência deste percurso dramático logo no início de sua vida, Eugénio Tavares iria ter a oportunidade de ser educado pelos Vera Cruz, e desde cedo aprendeu a chamar à D. Eugênia Martins Vera Cruz Medina e Vasconcelos, sua mãe adotiva e madrinha de (Badinha), e foi dela que recebeu o maior afeto e foi à ela que dedicou esta belo poema:

 

És maravilha de Mulher duplamente Mãe;

Não mais santa mãe do fruto do seu ventre, que no sentimento da sua alma

Não mais amorosa mãe dos próprios filhos, que mãe sublime dos filhos alheios

Amo-te ó  minha mãe

E bendita seja a fonte inexaurida de bondade maternal que emana do seu espirito

Tudo com origem no amor, nada com origem no sangue.

 

D. Eugênia Martins Vera Cruz Medina e Vasconcelos, a (Badinha) de Eugénio Tavares era viúva do poeta madeirense Sérvulo de Paula Medina e Vasconcelos que se tinha exilado em Cabo Verde por oposição ao rei de Portugal. Terá  isto a ver com a inclinação poética e contestatária de Eugénio Tavares?

Onde não restou dúvida fio na influencia que tiveram também tiveram  na educação de Eugénio Tavares algumas personalidades do meio intelectual bravense como Guilherme Dantas, um intelectual muito admirado, Augusto Barreto, um respeitado poeta lírico e romântico e Maria Luísa Sena Barcellos conhecida como a primeira poetisa de Cabo Verde, e que é irmã de Cristiano José de Sena Barcellos, autor de “Subsídio para a história de Cabo Verde e Guiné”, além de outros temas na mesma linha.

Tendo sido concebido na Guiné, nascido na Ilha Brava (Cabo Verde) e passado pelo pior e o melhor dos períodos da vida, a Guiné esteve muitas vezes presente na trajetória dos antepassados de Eugénio Tavares em pelo menos 4 gerações:

Marcelino José  Jorge Távora Henriques (a quem os populares do Fogo batizaram como “Nho Capitão), trisavó  de Eugénio Tavares do lado materno, e que era  natural de Aveiro Portugal, antes de chegar a Capitão-Mor na Ilha de Fogo, fora Alferes-Tenente na praça de Cacheu (Guiné) quando o seu irmão José Távora  era Capitão-Mor da mesma praça.

Seu tio-avó  Caetano José Nozolini, natural de Fogo e que fora militar que atingiu a patente de Tenente-Coronel, adotou definitivamente a Guiné como sua terra e ali casou-se com Nhara Aurélia Correia ou “Mãe  Aurélia Correia”, fidalga conhecida e trada como rainha bijagó de Orango. Ambos tiveram 4 filhos, todos nascidos em Bissau: Eugénia Aurélia Nozolini (1823), Gertrudes Leopoldina Nozolini (1827),  Gertrudes Aurélia Maria Correia  Nozolini (1835) e José Caetano Nozolini (1836).

Caetano José  Nozolini chegou a assumir altos cargos na Guiné, tais como os de Capitão-Mor e de Governador, além de ter sido um grande comerciante que no seu tempo dominou o comércio  de Geba, Bissau e Bolama, assim como de outras feitorias e outros rios da Guiné.

Seria ele Caetano José Nozolini o indicado pelo então e único Governador natural da Guiné, Honório Pereira Barreto, para  fundar a povoação  de Bolama em 1838, a partir da localidade batizada com o nome de Novo Mindelo, na ponta oeste da ilha). Bolama viria a ser capital da Guiné após uma longa disputa entre Portugal e Inglaterra, disputa que iria ser definitivamente encerrada com a arbitragem e sentença de Ulisses Grant, então presidente dos Estados Unidos de América. A nova capital da Guiné iria receber por isso uma estátua deste presidente americano.

Um primo de segundo grau de Eugénio Tavares também chamado Caetano José Nozolini (1850),   (mesmo nome do tio-avó de ambos), e que é 8 anos mais velho que Eugénio Tavares, seguindo também carreira militar, teria igualmente prestado serviços militares na Guiné por volta de 1880, como oficial do exército português. Este seria filho de Roberto José Nozolini (1820) e neto direto de José Marcelino Nozolini (1792).

O pai adotivo de Eugénio Tavares, o médico José Martins de Vera Cruz, que era também militar, proprietário, empresário e armador, nasceu e morreu na Ilha Brava (1828-1920).  Diplomou-se como médico na Escola Médico-Cirurgica de Funchal, exerceu clinica na Ilha Brava e na Ilha do Sal e prestou serviços na Guiné onde se distinguiu no combate à cólera e febre amarela, merecendo por tais serviços as honras de Primeiro Grau de Torre e Espada, em Junho de 1870.

Este seu pai adotivo mereceu ainda outras honras, tais como a de Cavaleiro da Ordem Militar de S. Bento de Aviz, de Medalha de Prata de classe de Comportamento Exemplar, além de Comenda de Ordem Militar do Nosso Senhor Jesus Cristo.

Na sua ilha natal, Brava, chegou a ser presidente de Camara sucessivamente eleito até 1901, e nesta função consta que foi ele que idealizou muitas das infraestruturas que deu à Ilha Brava as feições que chegaram aos nossos dias, inclusive o Jardim da Praça que recebera mais tarde o nome do Jardim Eugénio Tavares em honra a este seu filho pródigo.

Casado com a mulher da sua vida, Guiomar Leça Tavares, o nosso poeta, compositor e  jornalista  Eugénio Tavares, não deixou descendentes mas deixou sementes de amor, porque nele o amor encontrou um terreno fértil onde germinou e por isso a sua vida deve ser celebrada. Esta celebração não deve pertencer só a Ilha Brava ou Cabo Verde, mas deve também pertence à Guiné, à Portugal às Ilhas Canárias ou Espanha, à Itália  e ao mundo, porque o amor é universal, e é acima de tudo, uma dadiva de Deus.

Amor é  a virtude de não discriminação, é o prazer de querer e ser querido ou de amar e ser amado, é o espirito de solidariedade, de tolerância, de paz e reconciliação, de dedicação à  causa do combate à fome, à miséria, à doença, à ignorância, à marginalização, à ambição desmedida; é enfim a dedicação à causa de entendimento entre os homens, preservação da natureza e da vida na terra.

Amor é precisamente o segredo de Deus para a proteção da vida, basta ver que é por ele que as mães suportam e toleram os choros e cheiros dos seus bebés. E quando o amor escasseia como acontece no mundo de hoje, o primeiro que se deve fazer é procurar a sua semente, multiplicá-la e distribuí-la.

O nosso poeta Eugénio Tavares, tendo merecido muito elogios, como o de ter sido poeta lírico e suavíssimo, prosador elegante em português e crioulo, filólogo da língua crioula, entre outros adjetivos elogiosos,  deixou este poema que é um verdadeiro hino de amor, escrito na língua crioula que nos e comum, poema esse que foi cantada e imortalizada numa monumental morna cabo-verdiana intitulada “força de cretcheu”.

Estas são as razões do porquê do tributo da Guiné-Bissau à Eugénio Tavares.

 

(Agradeço desde já as informações disponibilizadas em vários sites dedicados à vida e obra de Eugénio de Paula Tavares e peço desculpas antecipadas para quaisquer eventuais imprecisões  ou lapsos no conteúdo ou na forma de apresentação pela qual optei.)

 

Carlos António Gomes (carlosagomes@iol.pt)

30.10.2017