PERSPECTIVAS DE 2021 FACE À GUINÉ-BISSAU?

Perspectivas de 2021 face à Guiné-Bissau?

A pandemia que assolou o nosso planeta terra, em 2020, provou a nossa fragilidade humana, tendo em conta que experimentamos os efeitos maléficos do vírus e vivemos às incertezas do futuro, mas aguardando a eficácia das vacinas.

No entanto, além do aspecto (sanitário) decorrente da pandemia, há-que ter em consideração os aspectos (económico e social) produzidos pela pandemia covid-19.

Segundo o grupo bancário privado J. MORGAN, há cinco questões-chave que podem marcar o ano 2021:

1 – Vírus

2 – Diplomacia Internacional

3 – Inflação

4 – Ações

5 – Dólar

Primeira questão:

Os efeitos do vírus serão incontornáveis e provavelmente farão parte ativa dos cálculos estatísticos mundiais nas próximas décadas, num universo de mais 7 mil milhões de pessoas, com implicações nas dinâmicas económico-comerciais a nível global.

A vacina, ou melhor, as vacinas anunciadas, recentemente, reavivaram os teatros da “guerra fria”, entre os aliados e os socialistas do período pós-segunda guerra de (1939-1945) aos finais dos anos (80), desta feita, sobre quem recai o ônus da eficácia das vacinas, o tempo dirá…

Segunda questão:

No que toca à diplomacia internacional, esta questão é deveras importante para países como nosso – Guiné-Bissau – na medida em que terão que fazer “das tripas o coração”, ou seja, devemos “lavar” nossa imagem “negativa” de instabilidade crónica; do narcoestado; da corrupção; de conflitos institucionais; e devemos apostar numa diplomacia económica e “agressiva”, como disse e bem a nossa chefe da diplomacia, Dra. Suzi Barbosa. Uma diplomacia voltada às questões económicas, (i.e promoção do Investimento Direto Estrangeiro; Promoção das Potencialidades Turísticas e da nossa Biodiversidade). Ora, inspirados na nossa localização geográfica privilegiada, tanto no quadro da CEDEAO, quanto na UEMOA, fazer dessas valências a causa estratégica da diplomacia comercial.

Terceira questão:

É verdade que, após a nossa adesão à UEMOA, a 2 Maio de 1997, conhecemos uma estabilização da IPC – inflação ao preço do consumidor, em grande parte, por causa da política de convergência cuja média anual não pode ultrapassar 3%. Por isso, não apresentamos uma “inflação galopante” devido aos efeitos da UEMOA e a estabilidade monetária do Franco da Comunidade Financeira Africana. Não obstante, sermos o país “menos produtivo” do espaço comunitário de origem francesa.

Quarta questão:

As ações das empresas nacionais, isto é, as ações das empresas que operam no território da Guiné-Bissau podiam ser “publicitadas” na Bolsa de Valores da UEMOA, com sede em Abidjan, tornando-as mais competitivas e atraentes a nível regional e internacional. Para que isso ocorresse, o governo, através do ministério das Finanças e da Economia, devia e podia promover o tecido do empresariado nacional voltado às exportações e à diversificação económica, sobretudo a hipotética exploração dos minérios (i.e petróleo, área pesada, bauxite e fosfato) o que poderia valorizar as ações (direitos e obrigações) das nossas empresas face ao comércio internacional e diminuir as assimetrias regionais e, quiçá, o défice crônico da nossa balança comercial.

Quinta questão:

A moeda internacional dólar poderá conhecer “ameaças” da pujança económica chinesa, se tomarmos em conta o dinamismo das suas empresas reveladas pela pandemia; a nova onda de 5G que não depende mais das empresas norte-americanas; a re-industrialização da Europa e propagada diversificação económica dos países emergentes, em África, colocarão em cheque a moeda norte-americana, no que tange à taxa de câmbio (regulador do comércio internacional); fala-se da moeda eletrónica; da ECO, etc.

Face à todas as expectativas ao ano 2021, vale reafirmar, por conseguinte, que “não há Estados pequenos”, por isso torna-se necessário traduzir de discurso à prática, e em algo concreto em prol da nossa Guiné-Bissau no concerto das nações.

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Santos Fernandes Lisboa, 30 de Dezembro de 2021.

CRÓNICA DO DIA

Crónica do dia:

“Produto e Serviço: suas manifestações”

Por: Santos FERNANDES

A palavra produto geralmente tem significado de um objeto físico oferecido para a venda. Todavia, a moderna abordagem de marketing considera o produto como algo mais do que simples objeto tridimensional. O produto deve ser concebido para satisfazer as necessidades do consumidor, através de uma lógica intangível e invisível, que leva o nome de padrão de referência. Tal padrão serve para melhorar a reputação do produtor ou vendedor, o estilo de embalagem, as mensagens de propaganda do produto e outras impressões e opiniões a seu respeito. Assim sendo, um produto é muito mais do que um simples objeto e torna-se, cada vez mais, um conceito rico em conotações para refletir uma imagem que envolve um conjunto total de satisfações.

O produto fabricado ou o serviço prestado constitui o resultado final de todas as operações internas duma dada empresa. A empresa – como uma totalidade – trabalha para produzir um determinado produto ou prestar um determinado serviço ou fabricar um determinado produto. Se entendermos a empresa como um sistema aberto, o produto e/ou serviço constitui a principal saída ou input deste sistema.

O produto ou serviço representa aquilo que a empresa sabe fazer e produzir. Constitui a vocação da própria empresa. Por esta razão, existe uma infinidade de produtos e serviços. Raramente a empresa e os empreendedores oferecem um único produto ou serviço ao mercado, pois isto limita as suas possibilidades de vendas. O que ocorre, com frequência, é a oferta de uma linha de produtos ou de serviços capaz de atender a uma gama enorme de necessidades de mercado e aproveitar as vantagens do esquema de produção e de comercialização.

Sistema Empresa

Entrada Saídas

Input Processo Output

Na realidade, cada produto ou serviço apresenta as suas características próprias, como a marca, a embalagem, o tamanho, a qualidade, o custo, o seu preço, as condições de venda e do financiamento, etc. O empreendedor (seja mulher, seja jovem) deve adaptar-se inteiramente às características do produto/serviço que pretende disponibilizar aos consumidores. Para facilitar essa tarefa de adaptação, existem algumas classificações de produtos/serviços que passaremos doravante a analisar:

1. O produto deve ter uma marca que lhe dê identidade própria. Suas características precisam ser bastante distintas das características dos produtos concorrentes para que possa ser aceite no mercado. O cliente precisa ter uma percepção do produto em sua mente. Identificar o produto entre os demais produtos oferecidos no mercado constitui o desafio principal.

CLASSIFICAÇÕES DE PRODUTOS/SERVIÇOS

Como os produtos e serviços são resultados heterogéneos, por isso costuma-se utilizar algumas classificações para facilitar a sua comparação. A classificação mais simples é aquela que distingue os produtos como bens (ou mercadorias) e serviços.

1. Bens e mercadorias: são os produtos físicos tangíveis e visíveis, como pão, uma lâmpada, um eletrodoméstico, uma mesa, um automóvel, uma máquina, etc. Quanto à sua destinação, os bens podem ser classificados em bens de consumo (quando destinados ao consumidor final) ou bens de produção (quando são destinados à produção de outros bens ou serviços).

2. Bens de consumo: quando os bens são destinados, direta ou indiretamente, ao consumidor ou usuário final, são os chamados bens de consumo. São as roupas, os produtos de higiene, os eletrodomésticos, os alimentos, etc. Os bens de consumo podem ser desdobrados em duráveis, semiduráveis ou perecíveis (não duráveis). Os bens de consumo duráveis são aqueles cujo consumo pode ser feito ao longo do muito tempo, ou cuja utilização possa ser feita regularmente, durante um prazo relativamente longo. Sua permanência em “stock” pode ser prolongada, pois em nada altera as suas características. É o caso dos eletrodomésticos, dos automóveis, dos móveis e utensílios domésticos, etc., que podem ser usados durante anos a fio. Os bens de consumo perecíveis (ou não duráveis) são aqueles cuja duração é restrita no tempo, na medida em que podem deteriorar. Geralmente, têm um prazo definido de vida útil e não podem permanecer guardados durante muito tempo. É o caso dos alimentos, que devem ser consumidos logo após a sua venda (como as frutas, as carnes, os legumes, os peixes, etc.) ou os produtos com vida útil predeterminada (como os lecticínios, os remédios, etc.). Logicamente, os bens de consumo perecíveis devem chegar rapidamente às mãos do consumidor para o seu uso imediato, antes que estraguem ou percam as suas qualidades básicas. Os bens semiduráveis são aqueles consumidos durante um prazo menor, pois o seu uso acarreta desgaste do produto. Seu processo de “stock” pode prolongado no tempo. É o caso, por exemplo, de vestuário e dos calçados.

3. Bens de produção: quando os bens são destinados à produção de outros bens e serviços são chamados de bens de produção ou bens de capital. Recebem também nome de bens industriais É o caso de máquinas operatrizes, prensas, tratores, computadores, empilhadeiras, etc.

Ninguém leva para casa uma prensa hidráulica para consumir. Quem deve comprá-la é uma empresa industrial para, através dela, produzir outros bens e mercadorias. Os bens de produção são utilizados para a produção de outros bens ou serviços, como as máquinas de escrever, de calcular, os camiões, as linhas de montagem, as máquinas e equipamentos industriais etc. Muitas vezes, o mesmo bem pode ser orientado para o consumo ou para a produção. Se uma pessoa compra um automóvel para o seu próprio uso, temos um bem de consumo; mas se o automóvel é utilizado como táxi, temos um bem de prestação de serviços.

Se uma pessoa compra uma máquina de escrever para escrever uma carta pessoal, estamos perante um bem de consumo; mas, se a mesma máquina de escrever for utilizada no escritório de uma empresa, temos um bem de produção, e assim vai.

Quando os bens de produção integram o património da empresa, ou seja, fazem parte do seu ativo fixo são chamados também de bens de capital. Todavia, nem sempre os bens de produção pertencem à empresa. Eles podem ser alugados ou arrendados (leasing), como é o caso dos prédios ou edifícios, dos computadores, de frotas de camiões ou de autocarros, de determinadas máquinas e equipamentos etc. É que, embora trabalhem no interior da empresa, podem não fazer parte do seu património ou do seu capital.

E qual é a importância dessa classificação? Simples. Vender um bem de consumo é diferente de vender um bem de produção. O cliente do primeiro é o consumidor final, enquanto o cliente do segundo é um cliente industrial.

As empresas que produzem bens ou mercadorias são geralmente denominadas de consumo (quando produzem bens de consumo) ou para o mercado industrial (quando produzem bens de produção). Além dos bens ou mercadorias existem os serviços. Os serviços são atividades especializadas que as empresas oferecem ao mercado. São produtos que nem sempre se podem manipular. Podem assumir uma enorme variedade de características e de especializações. É o caso da propaganda, da advocacia, das consultorias, dos hospitais, dos transportes, das financeiras, das escolas e universidades, dos clubes, dos transportes, da segurança, da energia elétrica, das comunicações, da emissora de rádio e da televisão, dos jornais e revistas, etc. Há uma variedade considerável de empresas prestadoras de serviços cuja missão é oferecer atividades especializadas ao mercado.

As empresas que prestam serviços são de uma forma geral, denominadas empresas não industriais. Para abranger a totalidade das empresas – sejam elas de produtos, sejam prestadoras de serviços – muitas vezes, referimo-nos aos produtos/serviços como resultante das operações das empresas.

Outra classificação bastante interessante procura separar os produtos concretos dos produtos abstratos.

1. Produto concreto: é o produto/serviço que pode ser descrito com grande precisão, identificado com grande especificidade, medido e avaliado. É o produto fisicamente palpável e tangível, como o automóvel, utilidades domésticas e a grande massa de produtos ou serviços fisicamente visíveis e identificáveis. É relativamente fácil mostrar e demonstrar um produto/serviço concreto por meio da imagem e do som, pois suas características físicas estão aparentes. O produto/serviço concreto pode ser comparado quanto à sua qualidade, quanto ao seu acabamento, sua cor ou textura, seu tamanho, sua embalagem, etc.

2. Produto abstrato: é o produto/serviço que não permite descrição precisa, nem identificação e especificação adequada. É o produto/serviço que não tem correspondente físico, como por exemplo, o ensino ou a educação, os serviços de rádio, informação e propaganda falada, boa parte da atividade política e a grande massa de serviços oferecidos de forma conceitual ou simbólica. É relativamente difícil mostrar ou demonstrar um produto/serviço abstrato, pois suas características nem sempre podem ser visualizadas ou percebidas com facilidade. O produto/serviço abstrato não pode ser comparado ou apreciado quanto à sua forma, cor, tamanho, características físicas, acabamento, etc.

Cada tipo de produto/serviço atende a um mercado específico e requer um tipo de estrutura e funcionamento. É o produto/serviço que determina como vai funcionar a empresa e qual será o seu ramo de atividade. É tão grande a influência do produto/serviço na vida de uma empresa, ou seja, podemos considerar o produto/serviço como missão da empresa – razão da sua existência.
O produto/serviço deve ser criado e desenvolvido no sentido de atender às expectativas e necessidades do mercado, ao mesmo tempo em que permita proporcionar lucros a empresa. As expectativas e necessidades do mercado estão constantemente se modificando, enquanto a concorrência pode trazer, com frequência, desafios que exigem modificações nas características que compõem os produtos/produtos existentes.

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Santos Fernandes

AUMENTO DA POBREZA – uma (des) vantagem ao crescimento económico guineense

AUMENTO DA POBREZA – uma (des) vantagem ao crescimento económico guineense

Por: Santos Fernandes

15.01.2020

Uma das mais importantes mudanças pelas quais a sociedade e a economia guineense vêm enfrentando nos últimos 20 anos é o processo de “aumento contínuo” da pobreza que atinge cerca de (67% da sua população). Essas transformações sociais e económicas deram-se de fato e confirmam a trajetória de queda iniciada em finais da década de 1990. Contudo, podemos notar que, apesar das transformações ocorridas, a corrupção é extremamente alta, encontrando-se a Guiné-Bissau entre os 10 países africanos com mais elevados níveis de corrupção, segundo “Transparency International, 2019”.

Ao analisar as relações entre os aspectos do crescimento económico e suas implicações na redução e superação das condições de desigualdade e pobreza, deve-se fazer um debate acerca das principais vertentes do pensamento económico relacionado a esta temática. Procura-se no debate superar a dicotomia “crescimento económico versus desigualdade de renda”, apoiada na ideia de que uma atuação política mais eficaz, voltada para o combate à desigualdade teria efeitos positivos e sinérgicos na redução da pobreza.

Outro aspecto relevante do debate sobre a relação entre desigualdade e pobreza, do ponto de vista teórico, refere-se às análises contemporâneas que têm tratado do tema da pobreza e da desigualdade em suas múltiplas dimensões. Para tal avaliaremos, de modo geral, a abordagem das capacitações de Sem (2000) como elemento de contraposição ao debate da desigualdade visto pelo ponto de vista exclusivo da renda (unidimensional), como será avaliado nesse artigo.

Mundialmente, o debate da relação entre crescimento económico e desigualdade de renda teve início com o artigo de Kuznets (1955), na qual esta relação dar-se através da forma de “U” invertido, na primeira fase de grandes taxas de crescimento de um país, ocorre um aumento na desigualdade de renda enquanto que na segunda fase grandes taxas de crescimento fazem com que haja uma redução na desigualdade de renda. O estudo teve por objetivo verificar se a desigualdade na distribuição de renda aumentava ou diminuía com o crescimento económico do país, assim como os fatores que determinariam tanto o nível de renda quanto a desigualdade.

O efeito da distribuição de renda sobre o crescimento económico em determinado momento é analisada, neste sentido, sobre a óptica do interesse político, sendo que uma distribuição de renda desigual imprime pressões na direção de se adotar políticas de alocação da redistribuição de recursos, na qual levaria a uma inibição da acumulação de capital, visto que, em longo prazo, se reduziria as taxas de crescimento económico.

Kuznets (1955) coloca a variável renda como principal parâmetro ao analisar a desigualdade de renda em função do crescimento econômico de um país, sem levar em consideração que há diversos outros fatores como os oriundos das diferenciações educacionais, saúde, tecnológicas, alimentares, ausência do estado em provir maior equidade e outras variáveis que estariam correlacionados com a disparidade da existência desta desigualdade faz com que haja um aumento da pobreza em seus mais diferentes aspectos.

Embora, o conceito de desigualdade esteja relacionado ao conceito de pobreza, como se viu anteriormente, estes não se confundem, pois a desigualdade caracteriza-se principalmente pela má distribuição dos recursos de um país entre as classes sociais; a pobreza, por seu turno, relaciona as necessidades básicas não atendidas de maneira adequada em função de diversos fatores, entre os quais a escassez do produto e a desigualdade na sua distribuição. Neste contexto, inclui-se o crescimento económico como possibilidade de redução da pobreza aliado à redução das desigualdades.

Para Sen (2000), a pobreza pode ser definida como privação das capacidades básicas individuais e não apenas como uma renda inferior a um patamar pré-estabelecido. Por “capacidades” se entende as combinações alternativas de “funcionamentos” de possível realização. Portanto, a capacidade é um tipo de liberdade: a liberdade substantiva de realizar combinações alternativas de funcionamentos ou a liberdade para ter estilos de vida diversos.

Para Comim e Bangolin (2002) é importante ter em mente que a redução da pobreza através da renda não pode ser o único objetivo de políticas de combate à pobreza. Seguindo as mesmas premissas de Sem (2000) em que a pobreza não se explica somente pelo fator renda, mais por diversos outros fatores: tais como, educação, saúde, alimentação e outros.

Tais privações de capacidades, como as citadas anteriormente, que permeiam a pobreza de forma mais abrangente, não desprezam o fato desta ser caracterizada como o de ter-se uma renda inferior estabelecida, e que a falta desta renda pode ser a primeira razão da privação de capacidade de uma pessoa. Sabe-se que não somente a renda impacta nas condições de pobreza da população e que outros fatores fazem-se presentes, pois se tem a noção das multidimensionalidades ocasionados por esta condição.

Para Diniz (2005), a evidência empírica internacional que afeta os países em desenvolvimento tem apontado uma correlação bastante forte entre a falta de um crescimento económico sustentado, em alguns casos, crescimento negativo, e o aumento do número de pobres de suas populações, seja está expressa em termos de uma renda monetária limitada (pobreza absoluta), seja esta encarada sob um enfoque multidimensional relacionada, por exemplo, os indicadores de desenvolvimento humano como o acesso à saúde básica, educação, serviços de água e saneamento, entre outros. Ainda, que existam certas diferenças entre os canais de transmissão, há certa clareza sob os seguintes pontos gerais:

  1. i) Nos países onde existe uma pobreza generalizada o crescimento económico tem um forte efeito positivo em reduzi-la;
  2. ii) A pobreza age como uma das principais restrições ao processo de crescimento económico continuado (UNCTAD, 2002). Assim, ao mesmo tempo, que a pobreza pode ser entendida como uma consequência da falta de crescimento, ela é um fator limitador para sua sustentação. Nessas condições, em que os países estão “presos” a certas dificuldades estruturais para sair dessa situação convencionou-se chamar na literatura de “armadilha da pobreza” (PNUD, 2003).

Mais recentemente, tem-se verificado que as experiências ao redor do mundo têm mostrado que os países e mesmo as regiões dentro deles crescem de maneira desigual. Do mesmo modo, a distribuição de renda dentro deles e entre eles não é homogênea, podendo beneficiar determinadas parcelas da população, impactando de modo diferenciado a sua população de pobres e não pobres.

Para Solon (2008) a quantificação da pobreza e da extrema pobreza a partir da noção de insuficiência de renda, geralmente é utilizada as linhas de pobreza e de indigência, a partir da qual são estabelecidos valores monetários mínimos observados, referenciados em certas cestas de bens capazes de atender as necessidades dos indivíduos, seja apenas para alimentação, ou que inclua outros conjuntos de bens. Todos aqueles que se auferissem renda abaixo daquele valor seriam considerados pobres ou indigentes. As linhas de indigência são calculadas com base em uma quantidade de calorias suficiente a reprodução do indivíduo e da sua família, baseado nas preferências de uma determinada região e, então, convertidas em unidades monetárias. Por sua vez, as linhas de pobreza são calculadas a partir das linhas de indigência, aplicando-se o “multiplicador de Engel”, àquelas como formas de incluir despesas com habitação, transporte, vestuário etc, ou seja, as necessidades não alimentares. Dessa forma, indivíduos que auferissem renda abaixo da linha de indigência não teriam recursos suficientes para atender suas necessidades nutricionais mínimas e os que estivessem abaixo da linha de pobreza não atenderiam a um conjunto mais amplo de suas necessidades.

O Banco Mundial adota em seus estudos e programas, comparações entre os países, baseadas na Paridade do Poder de Compra (teoria proposta no início do século XX por Cassel (1954) para calcular o poder de compra entre os países e medir o quanto uma determinada moeda pode comprar em termos internacionais, tendo em vista as diferenças de preço dos bens e serviços de um país para outro) quem vive com até US$ 1 per capita dia e pobre quem tem rendimentos acerca de US$ 1 e US$ 2 per capita dia.

O governo guineense não possui uma linha oficial de pobreza e, frequentemente, seus programas sociais utilizam a metodologia do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), do Banco Mundial de US$ 1 e/ou US$ 2 per capita ajustada pela paridade do poder de compra.

Para se mensurar o grau de desigualdade de renda existente nos países, e dentro das sociedades e entre indivíduos que delas fazem parte existem diversas metodologias, as mais utilizadas são o índice de Gini, que a seguir se procede com uma breve exposição. O Índice de Gini mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita e seu valor varia de zero (em que não há desigualdade) e um (quando a desigualdade é máxima). É formado a partir da Curva de Lorenz, como uma razão das áreas formadas pelo diagrama da referida curva.

Se a área entre a linha de perfeita igualdade e a curva de Lorenz é A, e a área abaixo da curva de Lorenz é B, então o coeficiente de Gini é igual a A/(A+B). O coeficiente de Gini pode ser calculado da seguinte forma:

G=1μ. N(N−1)ΣΣxi−xj

em que: 𝜇 : É a renda familiar per capita média de uma dada população;

N e 𝑥𝑖: Renda familiar per capita do indivíduo i.

Tabela – 1: UEMOA – Taxa de Crescimento do PIB per capita (1990 a 2015)

PIB PIB per capita Pop./

Nível pob.

1990 2000 2015 1990 2000 2015
Guiné-Bissau 622.007.475 661.730.564 1.057.415.318 614,46 532,27 545,90 67%
Costa Marfim 17.764.120.445 22.300.414.202 36.794.322.093 1.448,03 1336,43 1384,91 46,3%
Togo 2.064.662.775 2.563.068.020 4.245.259.745 545,21 515,67 531,16 55,1%
Burkina Faso 3.007.669.516 5.046.707.524 12.379.492.024 341,35 434,76 639,71 40,1%
Benin 3.033.624.751 4.766.643.562 9.103.831.278 609,35 694,24 833,66 36,2%
Senegal 6.398.540.802 8.668.335.875 16.833.353.304 846,86 877,00 1018,39 46,7%
Níger 3.064.806.712 3.657.358.998 8.085.878.853 382,49 322,15 386,73 45,4%
Mali 4.073.912.797 6.071.472.020 13.421.822.111 481,25 553,58 705,79 36,1%
UEMOA 40.029.345.273 53.735.730.765 101.921.374.726 477,62 658,26 755,78 46,61%

Percebe-se que todos os sete países da União já se encontravam com ritmo económico, mais ou menos, acelerado desde 1990, quatro anos antes da criação da UEMOA, apresentando o PIB acima de US$ 1 bilhão.

Fonte: Dados de pesquisa, BM (2018).

Entretanto, a Guiné-Bissau, nos anos 1990, ainda exibia um PIB equivalente a US$ 622 milhões. Apenas em 2015 que o nosso país logrou alcançar US$ 1 bilhão no seu PIB, período em que alguns países já haviam atingido dezenas de bilhões de dólares nos respectivos PIB.

Portanto, todos esses números demonstram o “atraso” da economia guineense em relação aos demais países membros da União, após 20 anos de sua adesão à UEMOA, mesmo considerando-se tratar-se da menor economia da região.

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Santos Fernandes

15.01.2020


Referências:

  • COMIM, F. BAGOLIN, I. Aspectos qualitativos da pobreza no Rio Grande do Sul. In Revista Ensaios, Porto Alegre, v.23, p. 467-490, 2002. Disponível em:<www.ppge.ufrgs.br/sabino/ecod03/asp-qualit-pob-reg-sul.pdf>.Acesso em Janeiro de 2020.
  • DINIZ, M. B. Contribuições ao estudo da desigualdade de renda entre os estados brasileiros. 2005. 209f. Tese (Doutorado em Economia) – Programa de Pós-Graduação em Economia – CAEN, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2005.
  • HOFFMAN, R. Estatística para economistas. São Paulo: Pioneira, 1980, 432p.
  • (3) KUZNETS, S. Economic Growth and Income Inequality. American Economic Review, n. 45, p. 1-28, 1955.
  • (4) SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, 422p.
  • SON, H. H. A note on pro-poor growth. Economic Letters, v. 82, p. 307-314, 2004.
  • Tópicos em Administração – Volume 22/ Organização Editora Poisson – Belo Horizonte – MG: Poisson, 2019.

“SITUAÇÃO ECONÓMICA e SOCIAL: uma pesada herança ao próximo executivo”.

“SITUAÇÃO ECONÓMICA e SOCIAL: uma pesada herança ao próximo executivo”.

A Guiné-Bissau cuja principal atividade económica é baseada no triângulo (Agricultura, Pesca e Pecuária), não obstante, a castanha de caju constituir cerca de 90% da pauta anual de exportação. Pelos dados do “Index Mundi” (2018), a Guiné-Bissau apresenta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,420, dos mais baixos do mundo. Tem, igualmente, o nível de pobreza que cobre cerca de 67% da sua população, conjugado a uma esperança média de vida ao nascer de 55,47 anos. Um país com cerca 64% de taxa de alfabetização e com a taxa de mortalidade infantil de 92/1000 nascidos. A   taxa de bancarização cobre apenas 12% da população. Estes indicadores estão aquém dos demais países da UEMOA. O PIB está avaliado em torno de 615,4 mil milhões de FCFA, equivalentes aos US$ 1.098.880.270, sendo que o setor primário responde por 270.941 mil milhões de FCFA, o secundário por 81.716 mil milhões de FCFA e o terciário por 237.803 mil milhões de FCFA do total da riqueza guineense. Ou seja, de 100% da produção da economia, os setores (primário, secundário e terciário) tiveram (44,02%, 13,27% e 38,63%), respetivamente (INE, 2015). O gráfico, abaixo apresentado, demonstra a evolução do PIB da Guiné-Bissau, a partir dos anos 1970, com o crescimento exponencial da série ao longo dos anos. No entanto, o nível de pobreza continua muito elevado, como, também, o PIB “per capita” continua abaixo de US$ 545,90, de acordo com os dados do Banco Mundial (2018). Estes dados são indicativos de que o rápido crescimento do PIB durante mais de quatro décadas, não se traduziram em investimentos voltados ao aumento da renda e, consequentemente, à riqueza da população, como um todo. De fato, a atividade económica predominante neste país, ao longo dos anos, está vinculada ao setor primário, sobretudo à agricultura de subsistência e à margem da pauta de exportação. Outro fator que pode sustentar este comportamento do PIB parece estar relacionado à produção, compra e venda de castanha de caju. Este produto contribui, enormemente, para a economia da Guiné-Bissau, sobretudo em relação aos choques externos: elevado volume de exportação “in natura”, apesar de ser prejudicial à economia guineense, tem contribuído, significativamente, para o crescimento do PIB do país, como foi destacado pelo economista guineense, Mamadú Alfa Djau (UFSC, 2019). Segue abaixo a evolução do PIB real de 1970 a 2015, a preço constante de 2010.

 

Gráfico 1 – Guiné-Bissau: evolução do PIB a preços de 2010 em milhões US$ (1970-2015)

Fonte: Dados de pesquisa, Banco Mundial (2018).

As informações apresentadas ilustram uma situação bastante desafiadora para o próximo executivo, nos próximos quatro anos, na medida em que se percebe que os setores (primário e terciário) constituem a “locomotiva” da economia do país, o que não é intrigante tendo em conta o potencial agrícola que o país tem. Mas, pelo menos o setor secundário deveria estar em condições de começar a contribuir com a maior parcela no PIB, com a agropecuária e a agroindústria impulsionando mais fortemente esta participação. De fato, desse percentual apresentado pelo setor agrícola, a produção da castanha de caju – que é considerada o “petróleo” da Guiné-Bissau – representa mais da metade do correspondente valor. Mais de metade da produção da castanha é exportada (170.000 tons, 2019), “in natura” para países asiáticos, onde se faz o processamento, com o produto retornando ao mercado sob outra forma: produto processado, com agregação de valor, para ser vendido, também, no mercado guineense. Por conseguinte, o comportamento da economia tem colocado o país numa situação complicada, acabando por ter o PIB e PIB per capita baixos, considerando-se a sua potencialidade. A evolução percentual do PIB per capita do país de 1990 a 2015, conforme indicado no relatório técnico do FMI. A série regista as consequências da guerra civil que ocorreu na Guiné-Bissau no ano de 1998, e também os dois últimos golpes de Estado, que aconteceram nos anos de 2003 e 2012 (FMI, 2017).

 

Gráfico 2 – Evolução do PIB Per Capita em percentagem (1990-2015)

Fonte: Relatório do FMI, 2017.

A análise geral da situação económica e política com base em indicadores macroeconómicos. Na verdade, a Guiné-Bissau enfrenta uma conjuntura de “constante instabilidade” política e económica desde a sua independência, ou seja, vive sob constante, e quase calendarizada, ocorrência de conflitos políticos e militares. Fenómenos esses que são desastrosos para qualquer economia, e isso levou a economia guineense a se ver arruinada cada vez mais.

Cumpre-nos, desde logo, subscrever que a trajetória económica da Guiné-Bissau está muito relacionada à própria caminhada política e social, no decorrer das quatro décadas que se passaram após a independência. Segundo alguns estudiosos da economia guineense, existem duas características marcantes e distintas na economia do país: esta pode ser classificada, num primeiro momento, como economia socialista (ou planificada), em período que perdurou dos anos de 1974 a 1981, um ano após o primeiro golpe militar, em 1980; já no segundo momento, verificaram-se os embriões da liberalização económica e a entrada na situação da economia do mercado (liberalismo económico), que seguiu nos períodos finais da economia planificada (SANGREMAN, et. al 2006).

Como construir novos caminhos face aos problemas sociais e económicos?

Outro elemento de uma visão alternativa é a convicção de que deverão existir alternativas para fazer face às mudanças (social e económica) no nosso país. Não há, na verdade, um caminho único, “one best way”, ou uma “receita de bolo” para enfrentar os desafios vários. É preciso, efetivamente, partir desta convicção profunda dos problemas económicos que têm impactado, negativamente, no campo social, para que se possa abrir espaços a outras possibilidades de mudança de paradigma.

Ao próximo executivo, recomenda-se que saiba, acima de tudo, analisar e diagnosticar, “tout court”, as condições objetivas impostas pelo sistema político guineense (e é, portanto, absolutamente necessário mudar a estrutura e o rumo dos acontecimentos), mas um desenvolvimento alternativo também, antes de mais, pela capacidade de imaginar coletivamente futuros alternativos em face à problemática do desenvolvimento que o país enfrenta. Portanto, se se considerarmos o hipotético “falhanço” do próximo executivo nesta “Xª LEGISLATURA”, em termos do diagnóstico do país, no que concerne à avaliação da real situação (social e económica) do sistema vigente da Guiné-Bissau, significa que estaríamos “minando”, “comprometendo” e/ou “adiando” os superiores interesses deste martirizado POVO e, decerto, assim iria prevalecendo o “status quo” da corrupção, de golpes e de contragolpes, do clientelismo e do nepotismo, do protagonismo a todo custo,  no qual haveria a “supremacia dos interesses individuais em detrimento dos interesses coletivos”, enquanto isso a vida e o nosso mundo iam seguindo seu rumo…!

Apenas uma opinião!

Santos Fernandes

14.06.2019

Referência:

DJAU, Mamadú Alfa (UFSC, 2019) apud SANGREMAN, Carlos et al (2006).

 

 

 

AS FINANÇAS PÚBLICAS AO SERVIÇO DO CRESCIMENTO ECONÔMICO DA GUINÉ-BISSAU

AS FINANÇAS PÚBLICAS AO SERVIÇO DO CRESCIMENTO ECONÔMICO DA GUINÉ-BISSAU

  • O rigor e a eficiência na gestão do dinheiro público, como forma de garantir a sustentabilidade económica e financiar o desenvolvimento.

Pretende-se com este artigo dar a conhecer a importância de uma gestão rigorosa e eficiente das finanças do Estado como forma de garantir a sustentabilidade económica e o desenvolvimento, assim como indagar os impactos das principais reformas financeiras.

Do ponto de vista económico, as finanças públicas é o sector vocacionado na captação e gestão de recursos financeiros com vista a facilitar o funcionamento das instituições do Estado e dinamizar os diversos sectores da actividade macroeconómica, tendo o bem-estar coletivo, como objetivo sagrado.

A Gestão das finanças públicas e a sua importância.

De uma forma bastante objectiva, pode dizer-se que Finanças é um ramo da ciência económica que tem como objecto de estudo o “dinheiro” e a sua circulação, ou seja, a sua origem e, consequentemente, a sua afectação. O termo público diz respeito ao que é comum a toda a sociedade ou Estado. Assim, “Finanças Públicas” trata de toda a circulação e gestão do capital público, desde a sua arrecadação, passando pelo planeamento e execução, até o controlo e fiscalização.

Num momento em que a economia mundial caracteriza-se sobretudo pela incerteza, onde as principais potências internacionais têm apresentado sucessivas quedas no crescimento económico, influenciando de uma forma directa a dinâmica económica a nível global, o rigor e a eficiência na gestão das finanças públicas, ganham cada vez mais importância para a sustentabilidade económico-financeira de qualquer país, tanto que, actualmente, se assumem como as únicas formas de estimular o crescimento e o desenvolvimento de um Estado, independentemente do nível de desenvolvimento deste.

Esta ideia ganha ainda mais força quando se trata de uma pequena nação, como a nossa, sem grandes capacidades financeiras, a iniciar a maratona do desenvolvimento, como é o caso de Guiné-Bissau, que se caracteriza notadamente pela sua vulnerabilidade económica e pelo constante défice financeiro. Hoje, podemos ver um pouco por todo o mundo, no seio dos países ditos desenvolvidos, a atenção que é dada à Gestão Financeira Pública, tanto pelas políticas financeiras que são adoptadas, como pelas medidas materializadas, sempre com o intuito de impulsionar a economia e banir ou minimizar o défice financeiro, tudo isso, em prol da sustentabilidade económica.

As consequências de uma má gestão do dinheiro público, como algumas práticas recentes demonstram, podem ser catastróficas, tanto do ponto de vista económico, como social, para qualquer país, independentemente do seu poderio económico. Podemos tomar como exemplo o caso da Grécia, que dispensa quaisquer comentários. Isso só para demonstrar a relevância de uma gestão financeira eficiente, sustentável e responsável, não só para o progresso de um Estado, mas também para a consistência económica mundial, visto que com a globalização e a internacionalização económica, as crises financeiras podem ser contagiantes. Neste sentido, a economia internacional pode ser vista como um grande sistema, composto pela economia de cada país, continente ou organização internacional, onde os erros de uns abalam o bom funcionamento de todo o sistema e afetam todos.

A gestão das Finanças públicas na Guiné-Bissau.

Como país jovem que é, a Guiné-Bissau vem ao longo do tempo tentando aprofundar as suas raízes nos terrenos da democracia e da boa governação, que são e têm sido a sua marca e cartão-de-visita no mundo. Independentemente das suas divergências, os sucessivos governos e forças políticas que vêm dirigindo o país até à data, não conseguiram construir um Estado transparente, justo e de oportunidades. Não obstante, os tempos, os intérpretes, as condições e as dificuldades são diferentes, o que faz com que os resultados sejam diferentes. Graças ao trabalho de todos, são visíveis os primeiros sinais de um país em plena evolução, apesar de tantos obstáculos na transparência, com oportunidades e com uma economia que apresenta muitas perspetivas, falta muito para fazer neste sentido.

Tem-se recorrido a empréstimos e contração de créditos, embora segundo os responsáveis, com um nível de juro baixo e a longo prazo, como forma de obter o meio de financiamento para os investimentos públicos necessários para a dinamização da economia, o que justifica a dívida pública da Guiné-Bissau, superior à nossa força produtiva. Esse facto torna imperativo que sejamos rigorosos e eficientes na forma como gerimos os nossos recursos, por dois motivos:

  1. Primeiro, porque com o elevado nível de endividamento já não temos muita margem para contrair mais créditos para possíveis necessidades, visto que existem imprevistos e situações de calamidade;
  2. Segundo, porque precisamos de meios para cumprir não só com os compromissos junto dos credores, mas também os compromissos internos, relativos ao funcionamento do estado e as necessidades do coletivo.

A melhor forma de garantir a sustentabilidade económica na Guiné-Bissau, isto é, ter capacidade financeira para fazer face aos compromissos e proporcionar o normal funcionamento do Estado, passa por ter como princípios fundamentais o rigor e a eficiência, quando se fala em gestão dos escassos recursos que temos. Nessa óptica, o governo tem entre vários desafios, dois principais, a saber:

  1. Garantir a melhor afectação possível dos recursos – de acordo com as necessidades, isto é, ter claro as prioridades relativamente aos investimentos públicos, levando em conta a relação entre o custo e a utilidade social, como forma de minimizar os desperdícios e investimentos não reprodutivos;
  2. Combater a corrupção e o esbanjamento de capital que é feito na função pública.

Na Guiné-Bissau, nos últimos tempos, tem sido bastante problemática a questão orçamental, que constitui um dos factores na origem das fragilidades institucionais do país, as políticas públicas inadequadas em diversos sectores da actividade do Estado e que conduziram a uma desestruturação do próprio Estado.

Sobretudo, num momento em que, com a adesão do país à UEMOA, se abdicou de alguns instrumentos da política económica, nomeadamente, as políticas monetária e cambial, restando-lhe tão-só a política fiscal, que tem sido o calcanhar de Aquiles de sucessivos Governos, cuja ausência de vontade política de se proceder a uma reforma fiscal profunda que permita arrecadar mais receitas para fazer face às suas despesas correntes ficou bastante patente. Eis as causas de um dos males actuais das nossas finanças públicas, que podem ser eliminadas com a promoção de reformas fiscais consistentes e coerentes. Fundamentalmente, executando políticas e práticas corretivas na nossa administração fiscal.

A Guiné-Bissau é o país membro da UEMOA, com menor execução fiscal (8,76%) em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), estimado em pouco mais de 500 mil milhões de FCFA.

O quadro das nossas finanças públicas é, deveras sombrio: as nossas receitas arrecadadas são insuficientes para cobrir as despesas correntes do Estado, nomeadamente, para pagamento de salários dos seus funcionários e servidores e, muito menos ainda, para o funcionamento mínimo do aparelho do Estado.

A captação de recursos pelas finanças públicas comporta duas vertentes:

  1. Arrecadação de receitas provenientes de taxas sobre bens e serviços e/ou imposto sobre rendimentos dos agentes económicos (salarios e/ou lucros de empresas);
  2. A dívida doméstica e a dívida externa, quer dizer, junto dos organismos de cooperação bilaterais e de instituições financeiras supra nacionais, como por exemplo, os parceiros da Bretton Woods.

A primeira vertente da arrecadação de recursos difere da segunda vertente, por ser a alavanca endógena do crescimento económico, sustentável, na medida em que ela é a resultante da dinâmica de produção interna – efeito indirecto positivo do mercado de trabalho.

O recurso à segunda vertente, da captação de recursos pode ser analisado em dois prismas, sendo o primeiro de dimensão complementar e, o segundo, de dimensão antagónica à primeira vertente da arrecadação de recursos.

Quando for necessário acelerar o crescimento económico porque a redução do gap (diferencial) entre o nível real do PIB e o nível potencial do mesmo for significativo, então, as duas vertentes de arrecadação e captação de recursos agem de forma complementar. Todavia, recorrer à segunda vertente de captação de recursos quando a primeira se revelar eficaz é como administrar antibiótico a um organismo humano livre de doenças, ou, proceder a transfusão sanguínea ao corpo humano que não padece de doença nenhuma, tão pouco de anemia.

No contexto da Guiné-Bissau, considerando o frágil dinamismo da actividade económica assim como o nível marginal dos principais indicadores macroeconómicos (emprego, inflação, consumo, investimento, balança comercial, etc.), consta não haver contradições, evidentes, quanto às duas vertentes (arrecadação e captação) de recursos financeiros, para alavancar a actividade económica com vista à melhoria do bem-estar colectivo.

Não obstante, sublinhamos a nossa preocupação quanto à gestão da dívida externa porque, só dela podemos falar, visto não existirem dados sobre a dívida interna. Numa economia de rigor e de comprometimento civico, a dívida, seja ela interna ou externa, orçamenta-se ao serviço do crescimento económico e do bem-estar do cidadão. Não adianta comprometer os desígnios da Pátria com a espiral da dívida externa improdutiva que compromete o futuro das gerações vindouras. Endividamento é sempre útil quando a sua gestão se revela eficiente e portadora de resultados tangíveis de crescimento económico e de melhoria do bem-estar do guineense.

Ainda estamos a tempo para que a dívida guineense seja o motor do crescimento económico e do bem-estar dos guineenses.

Sancum Camará Phd

 

FINANÇAS: RESGATE SELETIVO!

DomingosNhamaAo falar da nossa relação económica com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Acordo Trienal no Âmbito da Facilidade de Crédito Alargado (ECF[1]), é importante frisar que assinamos o primeiro acordo em 27 de Agosto de 1984 e o segundo em 18 de Janeiro de 1987 (Ajustamento Estrutural) com o intuito de financiar o balanço de pagamento (BTC+CCF+EO) e os sucessivos défices do Orçamento Geral do Estado. E para ter acesso aos financiamentos é recomendável cumprir regras relativamente rígidas (regras de condicionalidade), ou seja, empresta quem cumprir as “regras do jogo” e “quem não obedece as regras sofre”. Portanto, estamos a tratar de um contrato sensível que requer sacrifícios sociais e uma certa perda de autoridade na condução da política económica. Por esta razão, é necessário retidão na gestão dos recursos financeiros e fiscalização eficaz na execução dos empréstimos por parte dos Deputados da Nação e do Tribunal de Contas.

No dia 20 de Junho de 2015, ex- Ministro da Economia e Finanças, Sr. Geraldo Martins, solicitou um acordo ao abrigo da ECF de 36 meses, em apoio ao programa de reformas económicas e resolução das dificuldades em balanço de pagamentos e orçamentais. E no dia 10 de Julho de 2015, Sr. Mitsuhiro Furusawa[2], disse no Comunicado de Imprensa nº 15/331, o seguinte: “A decisão das autoridades de não utilizar seus recursos escassos para amparar bancos com problemas é uma medida bem-vinda e coerente com as boas práticas internacionais”. Mesmo perante este compromisso, Sr. Geraldo Martins afiançou que o governo efetuou resgate (bail-out) aos bancos em 2015, comprando “ativos tóxicos”, em outras palavras, fizeram uso supérfluo de dinheiro dos contribuintes que passaram a contrair dívidas dos bancos privados, contrariando por completo as orientações do FMI e do Memorando de Politicas Económicas e Financeiras (MPEF). Nesta senda, o Diretor-geral do Banco da Africa Ocidental (BAO), Rómulo Pires, afirmou categoricamente que a instituição que lidera não recebeu dinheiro de nenhum governo e que não houve resgate – esta declaração nega explicações do governo sobre bail-out. Com esta postura irresponsável os nossos principais parceiros financeiros cancelarem todas as ajudas prometidas para minimizar as nossas fragilidades económicas, o que compromete profundamente nossa capacidade de resolver os obstáculos inerentes ao balanço de pagamento e de honrar os compromissos basilares.

Assim, afirmo que os fundamentos utilizados para efetuar as operações de bail-out são irrealistas, uma vez que menos de 2% da população tem acesso aos serviços bancários. E, por serem bancos pequenos e com pouca capacidade financeira para custear projetos de grande envergadura económica no país, poderiam optar por bail-in e não bail-out, neste caso, os bancos insolventes seriam recapitalizados com recursos do seu próprio passivo, com intento de atenuar os riscos de contágio à economia, sem a necessidade de aportes do governo. Ou seja, deslocariam os encargos de salvar bancos falidos dos contribuintes para os investidores.

Por outro lado, na tabela abaixo, podemos ver que nos últimos anos apresentamos resultados deficitários nas contas de transações correntes que afetam diretamente a Renda Nacional (RN) – que é considerada a mais importante do Balanço de Pagamento – entretanto, isto implica a necessidade de contrairmos empréstimos no exterior (por exemplo: ECF do FMI, aumentando o endividamento do país) e diminuir as reservas do país. De uma forma geral, a decisão de comprar dívidas dos empresários é inapta para despertar “animal spirits” do nosso débil setor privado e, não ajuda estancar o constante financiamento do dificit público com a venda de títulos públicos ao setor privado e o Banco Central.

Tabela: Balanço de Transações Correntes da Guiné-Bissau (2012-2018)
Balança Comercial 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Exportação, FOB 67,1 75,5 85 114,5 122,2 127,1 132,5
Das quais: castanha de caju 60,9 63,1 67,5 97 101,6 105 108,8
Importação, FOB 92,8 90,3 112,5 144,7 159 171 182
Das quais: alimentos -32,2 -31,4 -38,9 -43,1 -45,9 -49,3 -53,2
Produtos petrolíferos -21,7 -21,5 -26,6 -29,5 -31,5 -33,8 -36,4
BC -25,7 -14,8 -27,5 -30,2 -36,8 -43,9 -49,5
    Déficit Déficit Déficit Déficit Déficit Déficit Déficit
Fluxo Real Ent Bens Ent. Bens Ent. Bens Ent. Bens Ent. Bens Ent. Bens Ent. Bens
Fluxo Monetário Saída de USD Saída de USD Saída de USD Saída de USD Saída de USD Saída de USD Saída de USD
Fontes: BCEAO. Estimativas e projeções do FMI
Autor tabela: Domingos NHAMA

 

Balança de Transações Correntes da Guiné-Bissau de (ano…. – ano…..

Na balança comercial podemos verificar que importamos quantidade elevada de alimentos que tem um impacto económico forte, pois, aumenta o nível da pobreza estrutural e da insegurança alimentar. Penso que é crucial reduzir deficit orçamentário por meio de cortes de gastos e avançar com uma reestruturação rápida e eficaz no funcionalismo público. Sou da opinião de que os gastos do governo bem articulados estimulam a demanda agregada e prosperidade no país, além de gerar maior demanda, mais produção, mais emprego e riqueza. Infelizmente, não estamos em condições de gastar de forma desarticulada. Com isto, neste momento, quero dizer que devemos viver dentro das nossas limitações económicas, gastando igual ou menos que a nossa capacidade de arrecadação. Neste sentido, entendo que os empréstimos da ECF poderiam ser canalizados prioritariamente para as atividades que resultem em aumento real de produção que busca garantir autossuficiência alimentar e investimentos produtivos:

  1. Criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Agrícola e do Microcrédito (BANDAM);
  2. Recuperação das estruturas de produção de Cumerê (economizaríamos divisas ao reduzir importações de alimentos) e;
  3. Criação de Instituto Nacional de Investimento Privado (INIP) – “braço” técnico para analise, avaliação dos projetos de investimento, acompanhamento e monitorização das atividades económicas.

Para finalizar, penso que é urgente livrarmos da nossa eterna miserabilidade politica que insiste em manter-nos totalmente dependente da ajuda externa, que em várias circunstâncias serve exclusivamente para multiplicar improdutividade que alimenta a corrupção e que sustenta a inercia da máquina pública, inibindo nossa capacidade de criar e conceber projetos de desenvolvimento racional a longo prazo. Este entendimento fundamenta-se no fato de o continente africano ter recebido nos últimos cinco décadas mais de 1 trilhão US$ em ajuda internacional e não conhecemos progressos substâncias. Por isso, devemos ter uma elevada dose de seriedade na gestão pública, maturidade politica e um excelente preparo académico para propor nova agenda de relações financeiras e definir pautas que visam as nossas vantagens comparativas.

É exatamente neste contexto que devemos concentrar as nossas energias e capacidades, em desenvolver o nosso potencial agrícola, em outras palavras, transformar o “MON NA LAMA” num projeto de desenvolvimento de curto, medio e longo prazo – como sendo, elemento dinamizador da indústria, serviços e de comércio internacional para financiar o nosso desenvolvimento. Nesta precária realidade, indubitavelmente, é incompreensível a compra da dívida dos devedores sem capacidade produtiva, sem condições de criar empregos e renda. Ou seja, com a extinção do “serpentî n´ghulî dinheiro”, surgiu o “resgate seletivo”.

 

Domingos NHAMA LACERDA VAZ COSTA

Economista

[1] A ECF proporciona assistência financeira a todos os países habilitados a receber apoio ao abrigo do Fundo Fiduciário para a Redução da Pobreza e o Crescimento (PRGT), do FMI, e que enfrentem problemas prolongados da balança de pagamentos (ou seja, quando existe a expectativa de que a resolução dos desequilíbrios macroeconómicos subjacentes se estenderia até o médio ou longo prazo). Apoia programas económicos formulados pelos próprios países que visam a avançar rumo a uma posição macroeconómica estável e sustentável, compatível com a redução da pobreza e o crescimento forte e duradouro. O acesso ao financiamento no âmbito da ECF é definido caso a caso, tomando em conta a necessidade da balança de pagamentos do país e o vigor do seu programa económico, e é orientado por normas de acesso.

[2] Director-Geral Adjunto e Presidente do Conselho de Administração do FMI em exercício