UM PRIMEIRO-MINISTRO HIPNOTIZADO

Martinho Ndafa Cabi

Martinho Cabi Primeiro-Ministro da Guiné-Bissau

 

 

Por: Fernando Casimiro (Didinho)

didinho@sapo.pt

21.08.2007

 

Fui, assumo-o plenamente, dos poucos a dar o benefício da dúvida ao primeiro-ministro saído do Acordo Tripartido com base no Pacto de Estabilidade assinado entre os 3 maiores partidos políticos guineenses.

Fi-lo, tendo em conta ser a primeira vez que se estava perante um acordo de princípios com definições concretas que sustentavam uma estabilidade imediata e por largos anos, para o país.

Era e continua a ser preciso encontrar estabilidade para a Guiné-Bissau!

No dia da tomada de posse do actual governo, pude, por minha iniciativa pessoal, falar via telefone com o primeiro-ministro (entretanto empossado) Martinho Cabi.

Decidi falar com o primeiro-ministro para lhe manifestar a minha preocupação na demora da formação e tomada de posse do novo executivo, pois isso não ia de encontro aos pressupostos de estabilidade definidos pelo Acordo Tripartido. Era preciso mostrar aos guineenses e à comunidade internacional que podiam e deviam confiar no Acordo então assinado.

Satisfatoriamente, Martinho Cabi informou-me que a tomada de posse do novo governo estava prevista para às 20 horas desse mesmo dia, sendo que o elenco governamental já tinha sido anunciado.

Aproveitei então para felicitá-lo pelos posicionamentos de coragem nas primeiras intervenções que fez após a sua tomada de posse como primeiro-ministro.

Eu e o Martinho não nos conhecemos pessoalmente, mas ele reconheceu, na conversa que tivemos, acompanhar o trabalho que tenho feito através do Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO.

Eu também tenho acompanhado o percurso do actual primeiro-ministro e apesar de lhe ter manifestado apoio total na implementação dos programas que anunciou como prioritários para o seu período de governação, também deixei claro que, pelo país, e sempre que for necessário, exprimirei a minha opinião como tenho feito até aqui, independentemente do primeiro-ministro gostar ou desgostar!

Hoje achei que deveria exprimir a minha insatisfação perante um posicionamento lamentável do Sr. primeiro-ministro, que de repente se esqueceu do rigor e da transparência que me prometeu que o seu governo iria promover na Guiné-Bissau!

Que os cidadãos devem ser responsabilizados  pelos seus actos, sejam eles quais forem, o Sr. primeiro-ministro não precisa de dar lições sobre a matéria. Ao invés, deve aprender que não se deve distinguir e discriminar cidadãos e, por via disso, que o poder dos políticos e militares não os coloca acima da responsabilização que se deve aplicar a todos os cidadãos e não apenas aos que não fazendo parte de qualquer poder são, no entanto, a maioria do povo guineense!

O Sr. primeiro-ministro fala em anarquia tendo em conta denúncias de jornalistas e activistas guineenses sobre suspeições de figuras do Estado no tráfico de drogas na Guiné-Bissau.

Por acaso, o Plano de Emergência de Combate ao Narcotráfico recentemente anunciado pelo seu governo não faz referências à acção do narcotráfico na Guiné-Bissau com bases em denúncias da Comunicação Social? Será que o Sr. primeiro-ministro deve ser chamado a responder perante os tribunais, pelo facto do seu governo ter reproduzido (dando sinais que concorda)  relatos da imprensa estrangeira sobre o narcotráfico no país?

Porque será que, mesmo havendo necessidade de responsabilização das pessoas, o processo legal para isso não é tido em conta? Para um mandado de captura a um civil é preciso deslocar efectivos militares armados? A Guiné-Bissau não tem polícias?

Afinal, e tendo em conta a semelhança entre o que se passou em Dezembro passado com o ex-primeiro-ministro Carlos Gomes Jr. e a situação actual do activista Mário Sá Gomes, pergunto-lhe, Sr. primeiro-ministro: De que lado estava (ou está) quando o Presidente do PAIGC (partido a que o Sr. pertence) e ex-primeiro-ministro, Carlos Gomes Jr. foi obrigado a refugiar-se na representação das Nações Unidas em Bissau?

O Sr. primeiro-ministro é um dos Vice-Presidentes do PAIGC e ocupa o cargo de primeiro-ministro por indicação do próprio Carlos Gomes Jr. em nome do PAIGC.

Estava o Sr. Martinho Cabi contra o Presidente do PAIGC?

Hoje até pode estar, pois sendo o actual primeiro-ministro, também estará de todo interessado em liderar o PAIGC até para regozijo do general-presidente, ou não é verdade?!

Será que o Sr. Martinho Cabi também pensa que o Sr. Carlos Gomes Jr. devia ser responsabilizado pelas suas palavras sobre a questão do assassinato do Comodoro Lamine Sanhá?

Se achar que sim, estarei de acordo consigo, por todos terem que ser responsabilizados. Mas a responsabilização não é sinónima de intimidação e muito menos de que se está antecipadamente perante calúnias. A responsabilização visa esclarecer situações, por isso, não se pense que quem se exprime não estará disponível para colaborar com a Justiça em função das denúncias ou acusações que faz.

O que se lamenta e tem que ser condenado é a forma como se tem perseguido, intimidado e até assassinado pessoas que emitem opiniões ou denunciam casos que envolvem figuras ligadas ao poder.

Porque é que o Sr. primeiro-ministro defende a elite, os poucos que têm o poder, e não o povo, a maioria que não tem o poder?

Porque nega haver perseguições e intimidações a jornalistas e activistas guineenses quando há factos indesmentíveis que provam isso?

Só o Sr. primeiro-ministro está a par das verdades sobre os casos que refuta?

Acha que depois de morto, caso saia das instalações das Nações Unidas, é que se deve chegar à conclusão de que realmente o activista Mário Sá Gomes corria perigo de vida?

Caro Martinho Cabi,

Quando falamos naquela tarde, fiquei com a sensação de que a Guiné-Bissau poderia ganhar um novo alento com a sua nomeação como primeiro-ministro.

Acreditei sim, mas o Martinho deixou-se hipnotizar e agora está a mercê dos que vão conseguindo comprar tudo e todos com os seus milhões do narcotráfico. A mim não me comprarão de certeza, mas o Martinho já passou para o lado de lá, pois antevia-se desde a assinatura do Pacto de Estabilidade o seguinte: ou era o princípio do fim da ditadura e do seu principal impulsionador, o general-presidente (foi sempre esta a minha convicção), ou então, o "polvo" iria estender os seus tentáculos e dominar os que, à partida, se lhe apresentavam como incómodos. Infelizmente, é o que está a acontecer e as excelentes relações entre o Sr. primeiro-ministro e o general-presidente são disso prova evidente, senão, vejamos o que me chegou de Bissau:

" Alguém (fonte fidedigna) disse-me que no passado mês uma entidade missionária comprou num stand de Bissau uma viatura: Tendo pago tudo ficou à espera de levantar o carro! Acontece que o actual Primeiro ministro queria presentear a mãe do PR (O General) e foi ao mesmo stand. Como era o único carro que existia, apesar de já vendido, levou-o para o capricho, um  presente do PM à mãe do Primeiro magistrado!!!! A Pessoa que tinha comprado o carro ficou sem ele. Tem de esperar outra remessa!!!! " Abuso de poder ainda na Guiné de hoje!"

O que é que o Sr. primeiro-ministro tem a dizer sobre isto?

São calúnias, são difamações, onde estão as provas?

Não será essa a sua defesa?

Mas pergunto-lhe: quem apresenta provas de quem ou do quê na Guiné-Bissau?

Não sabemos todos o que acontece aos mais ousados?

É claro que se alguém divulgar situações do género ou outras mais, é logo visto como um irresponsável, um agitador, um desestabilizador, etc. por parte de quem é alvo da denúncia. Manda-se prender logo e se o caso for visto como gravíssimo, até se manda matar.

Mas será esta a forma correcta dos suspeitos se ilibarem das suspeições? Claro que não, mas o Sr. primeiro-ministro não quer saber disso para nada. Para o Sr. primeiro-ministro passou a haver uma só via: a lei da rolha! Para o primeiro-ministro só o Poder diz a verdade e só o Poder tem provas das verdades.

Aproveito para lhe dizer, Sr. primeiro-ministro, que as suas declarações servem para reforçar as ameaças contra vozes de jornalistas e activistas guineenses.

As suas declarações vão no sentido de afastar os cidadãos da luta contra o narcotráfico, quando na verdade, o governo deveria agradecer a colaboração de todos, ainda que lhe assista razão em pedir responsabilidade nessa colaboração.

As suas declarações também servem para confirmar o que escrevi recentemente no artigo "A INCONSISTÊNCIA DE UM PLANO REFÉM".

É claro que não é com este tipo de posicionamentos que o governo vai convencer a quem quer que seja, de que está interessado em lutar contra o narcotráfico.

É inglório o empenho, a dedicação e todo o dinamismo  da Sra. ministra da Justiça na luta contra o narcotráfico, quando o Sr. primeiro-ministro não tem sensibilidade nem noção do conceito de Justiça ou do papel da Justiça na matéria relativa ao narcotráfico. É realmente lamentável que isto esteja a acontecer!

Por outro lado, importa à Sociedade Civil reivindicar o seu estatuto, fazendo-se ouvir, até porque o governo, através do Sr. primeiro-ministro está a pôr em causa o seu papel, tentando descredibilizá-la com alegações de inverdades, pois negando intimidações e perseguições de jornalistas e activistas, o governo está a pôr em causa as constatações e denúncias da própria Sociedade Civil.

Haja paciência para lidar com politiqueiros!

Vamos continuar a trabalhar!

Bissau, 21 Agosto – Os jornalistas e cidadãos devem ser responsabilizados pelo o que dizem ou escrevem sobre o tráfico de drogas na Guiné-Bissau, afirmou ontem o Primeiro Ministro da guineense, Martinho N'Dafa Cabi: "Não pode haver anarquia no país, em que as pessoas dizem o que lhes apetece sobre o que quer que seja sem que sejam responsabilizados pelas suas afirmações".

Falando numa conferência de imprensa para balanço da sua recente visita à Africa do Sul e ao Botswana, N'Dafa Cabi negou que existisse perseguição ou intimidação aos jornalistas ou activistas dos Direitos Humanos sobre as suas posições em relação ao trafico de drogas no país. Respondia assim à Federação Internacional dos Jornalistas que alertara as autoridades guineenses para a necessidade de garantias de segurança e liberdade de expressão aos profissionais da comunicação social que denunciam o tráfico de drogas.

Martinho N'Dafa Cabi declarou na conferência de imprensa que "a liberdade de expressão é total, mas também não podemos admitir que haja a anarquia. Isso não podemos tolerar, o que não quer dizer que estamos a limitar os profissionais de comunicação social". E vincou: "quem quer que seja" que escreva ou faça acusações deve ser chamado pela justiça a provar o que disse sobre o tráfico de drogas ou outro assunto no país.

Em relação à situação do activista dos Direitos Humanos, Mário Sá Gomes, refugiado na sede das Nações Unidas, em Bissau, há duas semanas, o chefe do Governo guineense disse não compreender os motivos para esta situação. "Não compreendemos porque é que Mário Sá Gomes se mantém escondido na sede das Nações Unidas. Ele disse o que disse e agora tem receio para se apresentar à justiça onde deverá apresentar as provas das suas declarações". Mário Sá Gomes, presidente da Associação Guineense para a Defesa de Vitimas do Erro Judicial, exigiu a exoneração do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas , como forma de combater o narcotráfico no país. Desde há duas semanas que Sá Gomes se encontra refugiado na sede da ONU, em Bissau, de onde pretende partir para o exterior com o estatuto de exilado político por temer pela sua segurança.

Fonte: Liberal

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