A EDUCAÇÃO E CONSCIÊNCIA: uma reflexão crítica entre fazer ser igual e sentir igual na construção da cidadania[1].

 

                                                                                                 Mamadu Lamarana Bari[2]

 

 

 

Prof. Mamadu Lamarana Bari

mlbarry1@gmail.com

25.01.2008

 

 

  1. Introdução

A educação, ao longo da história, tem sido usada como fator de transformação e de manutenção de valores que interferem sobremaneira na dinâmica social. Durante décadas, sobretudo no final do século passado, foi dado maior realce a educação com viés para a formação profissional do que a educação calcada em valores éticos e morais e, includentes. Dada a importância que o conhecimento - no sentido de aquisição de habilidades profissionais para transformar e gerar produtos – assumia na sociedade capitalista, para dar resposta ao aceleramento da política de industrialização, a necessidade de capacitação e de treinamento de profissionais reascende no cenário internacional e, a partir de então o investimento na educação passou a ser calculado em termos de retorno econômico e financeiro, e não pelo interesse de formar cidadãos capazes de serem agentes multiplicadores da dinâmica social e de mudanças de paradigmas. Baseado nos princípios que ditam a lógica do mercado (mais-valia), a política educacional passa a ser direcionada aos moldes de um modelo político concentrador e cada vez mais excludente. Nesta base, toda a política do investimento na educação passa a apresentar um viés materialista e pragmático, útil e rentável ao mercado e por sua vez desprovido de ética, moralidade e solidariedade (Lampert,1995).

Neste sentido, apela-se para a revisão não apenas do conceito, mas também do verdadeiro paradigma da educação contextualizada política e socialmente. Ou seja, como reflete Lampert (1995) “... rever a educação - o paradigma transnacional sem fronteiras que inocenta o Estado de suas obrigações sociais. Salvar o bem mais precioso da humanidade - a educação em todos os níveis e complexidades”. Conclama-se nesta base, aos poderes constituídos, no sentido de darem maiores ênfases ao investimento em programas educacionais que atendam o social em detrimento do capital e da internacionalização de interesses econômicos – a Globalização.

 Só desta forma é que se espera atingir a plenitude da vontade da nação expressa na maioria das cartas constitucionais, onde declaram a educação como um direito universal, e que cabe ao estado assegurar a sua implementação de forma ampla através de suas políticas públicas.

 

  1. Educar não é apenas ato de informar, mas também de compartilhação de saberes.

 

Educar é acima de tudo um ato de doar a si mesmo para trabalhar o que o Divino Mestre colocou no Homem, para que possa o distinguir dos demais seres vivos por ELE criados, ou seja, a linguagem. E, em prol do desenvolvimento dela se cultiva o Conhecimento, que nada mais é que a compartilhação de Saberes oriundos de diferentes modos de pensar dos povos de distintos matizes sociais, políticas e econômicas. Sem essa base de entendimento sobre o que é educar, este termo acabará se transformando num mero ato de doutrinação e de domesticação do conhecimento em prol de objetivos políticos traçados. Portanto, associar o verbo educar, o ato de ensinar, com o substantivo educação, a materialização dessas ações que se realizam a cada momento na vida, direcionada para um fim justificado, seja ele fruto de atitudes espontâneas de um mundo com vontade de fazer ser igual, seja ele um determinismo do mundo de negócios, onde os interesses econômicos moldam os perfis das pessoas à eterna busca pela sobrevivência fazendo-as parecerem iguais em vez de se sentirem ser iguais, é no meu entender - pelo que se constata na atualidade - a tentativa de postular um princípio educacional sobre a formação do cidadão sem a criticidade. Esta falta de criticidade atinge sobremaneira não apenas o saber do senso comum como também a formação ética profissional das pessoas, e, como conseqüência, a falta de humanismo no lidar com coisas públicas, ou seja, o egocentrismo urbano-industrial combatendo a estética social. A decência e a beleza que faz os cidadãos humanos e civilizados (elegância educacional) sendo confundido com a estética visual (beleza e elegância urbana). Quando Freire (1996) defende que ensinar exige estética e ética, ele entende que não seria possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. A ausência da ética, da moral e da solidariedade, num sistema educacional excessivamente materialista e prático, concorre indiscutivelmente para o aumento de riscos e de incertezas nas sociedades que adotam ou estão submetidas a essas regras. E quanto à estética entendo que o educador deve ilustrar com exemplos ou mostrar o que há de belo e emocionante quando o educador e o educando concluem que valeu a pena essas troca de saberes em prol de consolidação do Conhecimento.

O egocentrismo, o estímulo à competição sem limites e o pragmatismo, no sentido de só dar valor ao que é produtivo e rentável, conduz a caos social gerando instabilidades político-sociais como: desemprego, aumento de violência urbana, sem contar com a impunidade, fato marcado pelo cultivo de indiferença ao próximo. Por isso, no artigo que escrevi para o Editorial da página Educação da home-page www.didinho.org  em certo parágrafo realço a educação como um bem social, cujo investimento tem como retorno à prática da cidadania, a tolerância democrática, o cultivo da verdade, enfim, a edificação do templo da virtude humana que vencerá o mal de todos os males - o vício, por ser deste mal que se atrai o culto da mentira, da corrupção e da desonestidade. Em síntese, o vício conduz à falta do compromisso cidadão. Portanto, o dever cidadão é combatê-lo com a arma do Saber municiada de Consciência.   Nesta base, promover a educação sem a ela estar associada à conscientização de que a missão institucional é formar cidadão responsável e compromissado com os objetivos sociais e na formação do valor humano, todo o esforço caminhar-se-á para o vazio social que acabará ampliando nas pessoas aquele sentimento do vazio existencial e o descrédito pelas coisas públicas, mais concretamente à falta da cidadania. Por isso no meu entender distanciar o ensino da realidade e da experiência comunitária seria como que uma transgressão aos princípios da estética e da ética social. Em certos momentos da sua reflexão acerca de saberes necessários à prática educativa, Freire (1996), comenta que transformar a experiência educativa simplesmente em treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo que é o seu caráter formador, porque entende que para se respeitar à natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não poderá dar-se alheio à formação moral do educando.

Por estas razões compartilho a idéia de que a educação é uma importante ferramenta para a assistência, que pode ser utilizada para favorecer o processo evolutivo das consciências.

A consciência se aperfeiçoa no momento em que ela supera suas próprias limitações, principalmente as limitações de ordem mental. Como afirma Candido (2008), a educação não é uma parte da vida de um povo, pelo contrário, ela é o centro, o coração de uma civilização, da qual indica o nível. Por isso, entendo que pensar em educação sem a consciência da cidadania não há como reconhecer e assumir a identidade cultural que se faz presente entre quem transmite e quem recebe o conhecimento. 

Sanha (2008), na sua análise sobre a educação e a formação profissional como pólos do desenvolvimento sócio econômico define-a como um dos pilares indiscutíveis do desenvolvimento econômico, social e cultural das nações. Para ele, quanto mais culto for um povo melhores condições ele reunirá para conceber, criar, planejar e executar com elevada precisão os projetos nacionais, nos mais diversos sectores que compõem as sociedades.

Nesse sentido, a educação permite que se amplie a percepção da realidade sem a qual todo o sistema do ensino se resumirá a uma ideologia de ilusões do discurso de mercado, com intuito de oferecer um leque de opções que nada tem a ver com a formação integral do cidadão, mas sim, apenas preparar os jovens para assumirem o papel de conformismo em um mundo do progresso técnico.

Para que o professor possa ensinar seus alunos a pensar de maneira mais ampla, ele primeiro terá quer realizar uma auto-educação. Ou seja, primeiro ele desenvolve a sua flexibilidade mental, para depois ser um elemento facilitador da flexibilização do pensamento de seus alunos. Agindo dessa forma, estará negando o que Freire (1996) chamou de “forma farisaica do faça o que eu digo e não o que eu faço”. O professor, por viver em um meio científico, tem ainda mais responsabilidade na tarefa de favorecer a flexibilização do pensamento do aluno, já que o paradigma científico não admite verdades absolutas.

A educação contemporânea, moldada nos ditames da lógica capitalista, incentiva a concorrência em busca de sobrevivência do que ser solidário buscando a consolidação do saber para melhor servir a sociedade. Ou seja, a preocupação está em adquirir conhecimento para garantir a vaga no mercado, sinônimo de empregabilidade, do que trabalhar o saber para compartilhar com a comunidade – a inserção social do ensino.

Quando não se tem essa idéia global sobre a Educação e a Consciência, a prática do ensino acaba se reduzindo em um descompasso entre Educar e Ensinar, baseados meramente na etimologia da palavra, relegando para o segundo plano os conteúdos verdadeiros destes termos. Cria-se em volta do conhecimento uma religiosidade do tipo, “titular da área ou da disciplina”, Esta singularidade no modo de tratar o problema educacional leva os professores a se transformarem em agentes depositários de conhecimentos, que Paulo Freire denomina de “Ensino Bancário”, acompanhado de doses de autoritarismo, preconceitos, dogmas e pontificadores da verdade. Esta atitude denota uma postura muito mais religiosa do que científica. É comum ver estes professores fazendo vista grossa para conhecimentos que diferem dos já estabelecidos, por se julgarem “o Papa do assunto ou da área de conhecimento”. Esta falta de criticidade no ensino enseja um descompromisso com respeito aos saberes dos educandos, frutos de heranças culturais das comunidades nas quais estão inseridos, esquecendo-se de que ensinar é, antes de tudo, também, aprender com o diferente, de que as diferenças não traduzem o distanciamento entre o ensino e a aprendizagem, mas sim uma aproximação de saberes, uma cumplicidade da vontade de se conhecer e conhecerem-se mutuamente.    

Freire (1996) defende que Ensinar exige risco de aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação. O que pensar então do professor que a todo custo se mantém na zona do conforto do conhecimento já estabelecido. Ou seja, aquele que utiliza diversos artifícios para rejeitar a idéia nova que está sendo proposta, quando se vê questionado ou propõe idéias que vão contra as que ele defende. Naturalmente foge dos debates abertos ao deparar-se com uma idéia que vai além dos conhecimentos já estabelecidos, utilizando-se de sua posição de autoridade em sala de aula para impor sua opinião. Ou muitas vezes utiliza-se da ridicularização do conhecimento diferente que está sendo proposto.

 

3. Conclusão

No meu entender a falta de criticidade no ensino que enseja o professor a se manter a todo o custo na sua bolha do saber, inflexível a tudo que possa propor mudanças para o melhor em detrimento do antigo e defasado cria um campo de rejeição a mudanças que podem trazer melhorias para políticas educacionais. Atitude como essa se associa à falta da consciência sobre os princípios da educação que devem nortear uma sociedade no que tange a construção do conhecimento. Neste contexto, é a carência da consciência da cidadania que está sendo confundida ou quem sabe até camuflada pela postulância da sobrevivência profissional.

Portanto, conclui-se que a Consciência só melhora sua manifestação a partir da decisão e do esforço pessoal. Não é o simples fato de estar no meio acadêmico que fará com que o professor-pesquisador supere seus preconceitos e limitações mentais. Só conseguiremos ser educadores mais assistenciais a partir do momento que nos esforçarmos para superarmos nossas próprias limitações pessoais. Toda a educação começa pela auto-educação.

 

Referências Bibliográficas

 

BARI, M. L.. Educação:  reflexão para o debate inevitável na projeção do desenvolvimento. www.didinho.org. Projeto Guiné-Bissau: Contributo, 2007.

CANDIDO, Matteo. A Educação: Preliminares  www.didinho.org. Projeto Guiné-Bissau: Contributo, 2008

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo. Paz e Terra, 1966.

LAMPERT, E. A problematização da pesquisa na universidade. Perspectiva, Erechim, v. 19, n. 68, p. 57-69, dez. 1995.

_________. A globalização e os desafios da universidade pública. Universidade e Sociedade, São Paulo, v.8, n.15, p.94-9, fev. 1998.

MIRANDA, M. G. Novo paradigma de conhecimento e políticas educacionais na América Latina. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n.100, p.49-56, mar. 1997.

PASSOS, Elizete (org) e outros. Ensaios sobre a ética e responsabilidade social. Salvador. Os autores, 2005.

SANHÁ, Filipe. A Educação e a formação profissional como pólos de desenvolvimento social e econômico. www.didinho.org. Projeto Guiné-Bissau: Contributo, 2008.

 

 


[1] Artigo encomendado pela Associação Portuguesa de Investigação Educacional – APIE para ser apresentado no Seminário Internacional da Educação Virtual. Aproveito para penhorar os meus agradecimentos a Acadêmica de Psicologia, Ninevah Câmara Barreiros pela correção e comentários pertinentes feitos ao texto.

[2] Professor e Titular da Cátedra no. 335 da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais. Natural da Guiné-Bissau.

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