UMA CARTA DE BISSAU
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Óscar Barbosa (Cancan)*
Caro Didinho, 
Depois de ler o conteúdo do "chamamento à consciência" escrito pela Filomena 
Embaló, como cidadão consciente, como guineense responsável e assumidamente 
patriota, não posso deixar de tecer algumas considerações. 
Foi com muita atenção que li o artigo de Filomena Embalo sobre a saúde moribunda 
na Guiné-Bissau. Não pude, é certo, ver a reportagem na SIC por falta de meios 
(quem aqui escreve é um residente em Bissau). Todavia, não custa muito imaginar 
o que lá se terá reportado. As carências são gritantes a realidade é densamente 
cruel. Seja qual dos serviços o utente se dirigir: maternidade, pediatria, 
enfermaria, urgências... 
O cenário é aterrador desde o estado de completa degradação dos equipamentos e 
dos mobiliários, falta de higiene, etc. à revolta e desânimo estampados nos 
rostos dos servidores (médicos, enfermeiros, serventes) contrastando com o 
cheiro lento de penúria e de sofrimento que exala dos pacientes. 
Se é certo que como diz Filomena Embalo o estado da saúde revela o 
descomprometimento do Estado com o cidadão, a sua desresponsabilização tal, a 
verdade é que todos contribuem para este estado de coisas. 
O utente resignado com este “estado de coisas” que não reclama e aceita pagar 
“os honorários” exigidos pelos médicos, estes e os enfermeiros que desviam 
equipamentos, material e medicamentos para as suas clínicas privadas, facturam 
os seus serviços transformando os hospitais públicos como fonte de serviços 
lucrativos pessoais. Claro está o Estado, mais concretamente o Governo devido à 
obrigação constitucional que sobre ele recai de garantir o direito à saúde, que 
vê tudo isto e finge que não vê. 
Basta ver o alheamento total dos governantes deste sector que só aparecem 
publicamente para receber dons ou ofertas sem sequer mostrarem um mínimo esforço 
para mudar estruturalmente a situação vigente. 
É deprimente, este estado de coisas! Sobretudo como Filomena Embaló pretende bem 
ilustrar, é possível, querendo-se, mudar as coisas, dando o exemplo da CPLP como 
manifestação de um desígnio aglutinador de vontades e esforços nacionais. 
Sinceramente tenho muitas e fundadas dúvidas sobre o verdadeiro respaldo desta 
cimeira questionando a quem ela verdadeiramente serviu. Nem passaram três meses 
da sua realização e as parcas ruas asfaltadas da cidade já estão outra vez 
cheias de buracos, o comércio voltou a estagnar. Afinal ao que parece a Cimeira 
foi mera fachada de “esforço nacional” que serviu no essencial de instrumento 
ideal para reabilitar a imagem “muita gasta e embaciada” de alguém junto aos 
seus compares da Lusofonia. 
Vejo sim, mais carros (4x4) a circularem ostensivamente nas ruas sem matrícula 
dando a impressão de que vivemos numa terra sem dono e sem ordem. Se o problema 
do transporte pessoal dos dirigentes e “amigos” do regime parece assim ter sido 
resolvido subsistem tantos e tantos outros por solucionar sendo um dos mais 
candentes naturalmente a saúde pública. 
Pois é – Filomena Embaló e todos aqueles que têm participado neste fórum e 
contribuído assim para elevar a consciência dos guineenses, estas realidades não 
devem perdurar por serem chocantes e em nada nos dignificarem. 
Paira uma grande agitação, prepara-se o Governo para a tão famigerada “mesa 
redonda” pretende o governo mobilizar recursos financeiros junto da Comunidade 
Internacional. Mas com os dirigentes que temos tão insensíveis ao sofrimento 
humano, e que se descartam das suas responsabilidades básicas, que garantia 
temos, nós os humildes, os desprovidos, de que esses recursos tão necessários ao 
país serão efectivamente canalizados para superar os desequilíbrios 
financeiro-económicos que tanto têm impedido o nosso progresso e bem-estar 
social? 
Muito mais poderia ter sido dito, mas quedo-me ainda por aqui, contudo, atento 
ao que me cerca e vivendo a lenta agonia do povo guineense. Por isso decidi, 
doravante, dar a cara, para como tantos outros guineenses apelarmos à 
consciência dos que têm a obrigação, mesmo que moral, de velar para que os mais 
sagrados e elementares direitos sejam respeitados e cumpridos.