Saúde moribunda

 

Filomena Embaló

 

fembalo@gmail.com

 

16.10.2006

 

 Filomena EmbalóO peito arfante da menina revelava o bater descompassado do seu coração… Mais um fôlego, outro ainda, num lento subir e descer, marcando o compasso da sua nítida arritmia. Pum-pum-pfffpum-pum-pum-pfffpum-pum-pum... Cada pulsação uma vitória, uma esperança que o olhar já não consegue mostrar porque se encheu de resignação há tantas chuvas... que a memória já se esqueceu de quando foi... Uma vida condenada perante o olhar impotente do médico, que chegou aos limites da capacidade de intervenção dos meios de que dispõe. E agora a menina está só na sua luta pela vida, por mais um bater do seu coração! Não acredita, mas no fundo deve sonhar com um amanhã diferente, um amanhã risonho, o amanhã que povoa os sonhos de todas as crianças do mundo. Pum-pum-pfffpum-pum-pum-pfffpum-pum-pum... Tomara que ele não pare, tomara que ele resista, tomara que ele seja mais forte que a incúria humana! Tomara que nesse rosto de criança inocente e triste volte a pairar um sorriso, um sorriso de esperança. Tomara que a vida a bafeje com um novo sopro...

 

Esta é a imagem forte que me ficou da reportagem que vi ontem na SIC Internacional sobre a saúde na Guiné-Bissau. Pondo de parte eventuais clichês que possam ter colorido os comentários da jornalista, as imagens falam por si. Não tenho palavras para qualificar o que vi!

 

A saúde na Guiné-Bissau está moribunda e a única explicação possível que encontro é que o Estado se demitiu! Não há meios e as prioridades são muitas, clamam os decisores políticos. Mas o que pode ser mais prioritário num país do que a Vida dos seus cidadãos? Como pode o sector da saúde funcionar com um orçamento que apenas comporta os salários dos funcionários? Como pode um hospital “nacional” funcionar apenas com a boa vontade dos seus médicos e pessoal para-médico, sem material ou com material em estado de completa deterioração? É a pobreza que explica essa miséria? Não creio, pois a ter que falar de pobreza falarei em “pobreza de espírito”! Isso sim! Porque o Estado já mostrou que, quando quer, consegue responder a um desafio. A recente cimeira da CPLP em Bissau foi bem uma prova dessa capacidade, de que o governo se orgulhou, mesmo se isso tenha custado sacrifícios à população. Era a “honra” nacional que estava em jogo, alegou-se... e tudo se fez para que o país saísse de cabeça erguida desse desafio. E ainda bem que conseguiu, o que prova que querer é poder e que quando o governo se empenha encontra os meios para levar avante o seu combate. 

 

Pergunto se o estado actual da saúde no país também não põe em jogo a honra da Nação ou não denigre a imagem do governo, para que este lhe dê atenção e o mínimo de meios indispensáveis? Os meios já são escassos e, os poucos que há, ainda são desviados para “fins obscuros”, porém publicamente conhecidos, como é o caso das bolsas (nome demasiado pomposo para o que elas compreendem...) de saúde para evacuação para Portugal dos casos clínicos que não podem ser solucionados em Bissau, em que uma parte é destinada a pessoas que não respondem aos critérios de selecção por não haver “transparência” na sua atribuição, como explicou na reportagem um dos médicos entrevistados. 

 

O Estado demitiu-se porque os políticos estão mais interessados em lutar pelo poder do que pelo desenvolvimento do país e bem estar da sua população!

 

O Estado demitiu-se porque os seus dirigentes e familiares podem recorrer a clínicas privadas ou a tratamentos no estrangeiro quando estão doentes.

 

O Estado demitiu-se porque os seus dirigentes ainda não compreenderam que a maior riqueza que o país tem é o seu Povo.

 

O Estado demitiu-se porque os seus governantes se esquecem que é o povo sadio e instruído o único capaz de produzir a verdadeira riqueza da Nação. Aquela que jamais poderá ser transferida para os cofres dos bancos no estrangeiro. Aquela que todos os cidadãos poderão usufruir, por ter sido criada com o suor dos seus rostos. Aquela que vai impedir que o coração de crianças continue a bater compassadamente num descompasso agonizante!

 


 

Nota complementar: Após a leitura deste interessante artigo, nada melhor que seguir o link que dá acesso à reportagem ontem transmitida pelo canal português de televisão SIC, isto para aqueles que por uma razão ou outra, não puderam acompanhar a reportagem em directo.

Basta clicar no link e esperar pelo início da reportagem audiovisual da SIC

 

Fernando Casimiro (Didinho)

16.10.2006

 

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