GUINÉ:          

 GADAMAEL, GUIDAJE E GUILEDJE

OS G’s  que decidiram o final do Império colonial 

 

Por: Leopoldo Amado*

*(Historiador guineense)

Dr. Leopoldo Amado

Agosto de 1972, Agosto de 2002, exactamente trinta anos passados sobre o começo da longa e acelerada agonia do Império colonial português em África, de cujo fim, aliás, o 25 de Abril, com toda a simbologia que representa, não foi senão um mero corolário.

 

Há trinta anos que o General Spínola, velho cabo de guerra, via cair-lhe em catadupa, gradativamente, as hipóteses – todas! – de ganhar a guerra colonial na Guiné e, com ela, assumir o destino político de Portugal, mormente através da assunpção da sua indisfarçavel pretensão em jogar a cartada de aceder ao cargo de Presidente da República, logo ele que, em 68, na cerimónia solene da sua tomada de posse como Governador da Guiné – após o insofismável falhanço militar dos seus predecessores –, afirmara, que "a guerra não se ganha só com armas".

 

À guerra psicológica do Spínola, Cabral contrapôs uma metódica e deliberada mobilização política; À política de reordenamentos populacionais, Cabral contrapôs uma forte consolidação organizacional e política das regiões libertadas; À política de obras sociais e dos Congressos do Povo, Cabral socorreu-se da ajuda internacional e, numa certa altura, das próprias agencias especializadas da ONU;

 

À invasão da Guiné-Conakry e ao Senegal como retaguarda do PAIGC, Cabral contrapôs com a eminente internacionalização da guerra e o isolamento diplomático de Portugal; À estruturação operacional e à africanização da guerra, Cabral contrapôs com a eficaz restruturação do dos corpos do exercito das FARP; Com a intensificação das acções helitransportadas, Cabral contrapôs uma intensa campanha internacional que resultou na superioridade bélica do PAIGC.

 

Aos bombardeamentos a longa distância às regiões libertadas, Cabral contrapôs os ataques aos centros urbanos, incluindo Bissau, com foguetões e artilharia do mais moderno. Aos bombardeamentos das FAP (força Aérea Portuguesa), PAIGC contrapôs os mísseis terra-ar que tornaram inoperacionais a FAP, passando desta feita a fazer ataques de dia, o que não faziam antes por receio aos bombardeamentos da FAP.

 

À intransigência em sentar-se na mesa das negociações e a introdução da autonomia progressiva como isco, ao mesmo tempo que, por um lado, se exploravam as diferenças étnicas entre os guineenses, e, por outro, entre estes e os caboverdianos, Cabral contrapôs com uma intensificação do caudal ofensivo que, cumulativamente, transformou a Guiné num inferno para o exercito português, enquanto se acelerava resolutamente o plano em marcha de proclamação do Estado da Guiné-Bissau, visando colocar o Governo colonial português – e colocou –, num autentico imbróglio sem saída, imbróglio esse que, de resto, custou-lhe própria vida.

 

Em Agosto de 1972, a situação era tal que a delegação da PIDE de Bissau infiltrou a rede clandestina do PAIGC através do qual recebiam os engenhos explosivos que com que o PAIGC pretendia abrir a frente da guerrilha urbana; Em Agosto de 1972, Guiné foi a única Província Ultramarina que não festejou a reeleição do Almirante Américo Tomás para Presidente da República, mal o General Spínola conseguia disfarçar a sua insatisfação por ter sido excluído a possibilidade de se candidatar ao cargo.

 

Em Agosto de 1972, a delegação da PIDE, com conhecimento do director-geral daquela polícia política, desencadeou, na Guiné, um golpe de mão que tinha por objectivo a compra dos temíveis foguetões de 122 mm que faziam parte do moderno arsenal bélico do PAIGC; Em meados de 73, já após o assassinato de Cabral, mas sob as orientações por ele deixadas, o PAIGC desencadeou, com objectivos de evacuação dos aquartelamentos portugueses ao longo da fronteira Sul, visando não somente obrigar o Governo português a sentar-se a mesa das negociações como também garantir condições para que os trabalhos de preparatórios da proclamação do Estado possam ocorrer em ambiente de relativa segurança em território sob o seu controle, ao mesmo tempo que o acto daria ao PAIGC, como se provou mais tarde, uma confortável posição internacional.

 

Em meados de Maio, Guiledje, localidade sita na fronteiriça do Sul, estava isolada sem comunicação, sem agua e sem artilharia que ficou danificada com os intensos ataques da artilharia e infantaria do PAIGC. Spínola ordenou uma vasta operação ao largo da fronteira Sul, ao que o PAIGC, com objectivos evidentes de dispersão dos efectivos no Sul, desencadeia novamente em Guidadje, Bigéne e Binta, na fronteira Norte, uma operação de vulto que isolou durante todo o mês de Maio, obrigando o exercito português ao balanceamento de efectivos para o Norte.

 

A 21 de Maio de 1973, PAIGC conquista a povoação estratégica de Nahacobá na fronteira Norte. No dia 22 de Maio de 1973, Spínola envia correspondência, com caracter de urgência para o Ministro do Ultramar, a quem informava, a titulo de exemplo, que entre as 18.oo H do dia 20 as 08.30 do dia 21, Guiledje sofreu 32 ataques, e que estavam cercados por todos os lados. Dizia ainda que Guiledje era de importância estratégica para a manobra militar e para os abastecimentos do PAIGC no Sul, pelo que era vital a sua defesa, no qual, aliás, não acreditava porque após a ocupação de Nhacobá, ficaram livres os corredores de abastecimentos às bases do PAIGC no Sul.

 

No dia 23 de Maio de 1973, o PAIGC decidiu atacar Guiledje em máxima força, tendo a guarnição sofrido expressivas baixas e ficado sem transmissões, pelo que o Major, posteriormente preso, comandante da guarnição, composta de uma companhia de europeus e mais um pelotão de artilharia decidiram abandonar o aquartelamento, tendo destruído todo o material de guerra e recolhendo-se a Gadamael. Nos finais do mês de Maio de 1973, o PAIGC flagelava Catió, principal centro urbano do Sul da Guiné, sem que a respectiva guarnição ripostasse com artilharia, porque, perante a exiguidade de meios, estas tinham sido concentradas em regiões fronteiriças.

 

O Comando-Chefe, em desespero de causa, decidiu nomear o temível Coronel Durão, para assumir o comando da região Sul, com mandato para recuperar Guiledje, quando, a 4 de Junho de 1973, o aquartelamento de Gadamael que vinha ininterruptamente sendo atacada com novo armamento desde a segunda quinzena de Julho, com baixas significativas, pediu autorização ao Comando-Chefe, através do seu comandante de guarnição, para evacuar as suas tropas, alegando como motivo a baixa moral combativa dos seus homens que não se alimentavam e nem dormiam fazia dias.

 

Recebeu, todavia, ordens expressas para moralizar os seus homens e garantir Gadamael porque tinha efectivos suficientes, não tendo tido, porém, nem tempo, nem possibilidade real, de cumprir as ordens porque os tropas, incluindo oficiais, puseram-se em fuga em botes de borracha quando foram interpelados pelo General Spínola que, indo a Gadamael, sobrevoou os trânsfugas ordenando-os a regressarem, sob pena de serem afundados com heli-canhão.

 

Já em Gadamael, enquanto o General falava duro à guarnição, é informado da fuga de outros elementos para Cacine, para onde se dirigiu imediatamente. Ali, mandou formar o pessoal, entre os quais havia um alferes miliciano, e intimou-os a regressarem sob ameaça de que seriam imediatamente fuzilados. Seguidamente, ordenando a concentração de efectivos, Spínola ordenou uma vasta operação ao largo da fronteira Sul, ao que o PAIGC, com objectivos evidentes de dispersão dos efectivos no Sul, desencadeia novamente em Guidadje, Bigéne e Binta, na fronteira Norte, uma operação de vulto que isolou esses aquartelamentos durante todo o mês de Maio e Junho, obrigando novamente o exercito português ao balanceamento de efectivos para fronteira Norte, não obstante as operações de relativo sucesso levadas a cabo pela Companhia dos Comandos Africanos a base do PAIGC em Cumbamory e Hermancono.

 

Na fronteira norte, os constantes reforços de reabastecimento que saiam de Farim via Binta para tentar socorrer os aquartelamentos isolados eram emboscados por grupos itinerantes apeados ao longo do percurso, quando não eram surpreendidos por minas anti-carros, acarretando toda essa situação enormes baixas ao exército português. Dos despachos da delegação da PIDE a Lisboa, no tocante aos ataques a Gadamel referia-se sistematicamente a situação critica e a evidente falta de meios e a falta de determinação dos tropas europeus, incluindo oficiais, solicitando mais pilotos e aviões que pudessem, a alta altitude, bombardear a base de fogos dos "turras" uma vez que a artilharia da guarnição está completamente danificada e que, se assim não fosse, estaria na mesma fora do alcance da base de fogos do PAIGC.

 

A situação era tão critica que os G’s indiciavam já a atrapalhação em que mergulhara os centros decisores de Lisboa, se atentarmos num rádio que Silva Pais, director-geral da PIDE, enviou, com urgência, à delegação de Bissau onde dizia "a fim de informar S. Ex.a o Ministro do Ultramar, rogo esclarecer se estão em curso neste momento fortes ataques terroristas a Guidadje no Sul", quando Gudadje fica no Norte e não no Sul, trocando e confundindo, obviamente o topónimo de Gudadje com o de Guiledje, que já havia sido ocupado pelo PAIGC há muito.

 

Entretanto, durante o mês de Junho, Spínola efectua pelo duas viagens secretas a Lisboa onde expusera ao Governo a situação critica perante a crescente concentração de efectivos e material de guerra nas fronteiras Sul e Norte. Na exposição verbal que fizera ao Governo disse taxativamente que a situação era de tal forma critica que previa dentro de quatro meses um verdadeiro colapso militar na Guine, razão, aliás, porque, tentara entabular negociações com o PAIGC, justificando-se ante a intransigência de Marcelo Caetano em aceitar o principio de negociações.

 

Efectivamente, já circulavam rumores em Lisboa e em todo o Império colonial de África de que a Guiné era um caso perdido, rumores esses de resto reforçados com a recusa do General Spínola em completar um novo mandato em que tinha sido investido e o regresso compulsivo de centenas de mulheres dos oficiais cujos maridos se encontravam na Guiné a cumprir serviço militar.

 

Os G’s – Guiledje, Gadamael e Guidadje, na Guiné, –– se não foram determinantes para a agonia do sistema colonial, pelo menos, catalisaram a interiorizacão da ideia de que, afinal, o Império, tinha pés de barro.

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