« Feed-back » sobre os comentários do « Liberal »

 

 

 

 

Por: Norberto Tavares de Carvalho, « O Cote »

 

 

02.11.2006

 

 

 

Após os comentários emitidos à volta da publicação, no Jornal cabo-verdiano « Liberal » [1], de dois dos meus textos, (« A instrumentalização da « Segurança do Buscardini » e « Resistência e morte de António Alcântara Buscardini »), achei correcto fazer um retorno em relação às questões levantadas pelos leitores(as) do jornal. Mas antes de tudo, tendo em conta algumas solicitações que me foram feitas, de apresentar outras situações, impõe-se um pequeno esclarecimento quanto às minhas atribuições e responsabilidades no dispositivo da segurança nacional da Guiné-Bissau de 1974 a 1980.

 

Ficha pessoal : Inspector (patente precedendo o polícia básico e o 1° Sargento e antecedendo o Oficial, o Comissário Divisionário, o Comissário da Polícia e o Comissário de Estado) e Comandante do Departamento Central da Migração (função essencialmente administrativa mas quão cobiçada!).

 

 Quero dizer que no meu escalão e nas minhas atribuições, não tinha acesso nenhum aos órgãos de decisão (nunca tive na minha posse « dossiers» secretos), situando-me por conseguinte a uma certa distância das esferas de decisão ou de concertação. Compreendo e concordo com a sede da verdade manifestada, mas a minha posição limitava-se mais à escala subalterna, mesmo se participava, de maneira selectiva, em certas missões, às vezes controversas, admito, de contra-espionagem. 

 

Creio que (modéstia à parte) a « fama » que herdei depreende-se mais da minha natureza carismática do que de depositário do regime. (Fantoche também não era.) Por isso, nos meus testemunhos, separo o que sei, porque assisti e vi, do que me transmitiram fontes dignas de crédito (sobretudo « colegas » de prisão  com os quais partilhei dois anos e meio de isolamento marcados por uma certa relação de confiança).

 

Depois deste esclarecimento, passo ao anunciado « feed-back » :

A Senhora Carolina Pina Moreno interpela as « pessoas que integraram a máquina repressiva da segurança do Estado de Cabo Verde » a fazerem o mesmo tipo de depoimento (que eu fiz). Deixo a sua questão a quem de direito.

 

Quanto à « máquina repressiva » em si, sei que a segurança da Guiné-Bissau importou o « choque eléctrico » … de Cabo-Verde ! A segurança cabo-verdiana daquela época, chamava-lhe mesmo « N’kré vivé ! », do lamento dos prisioneiros submetidos a esse tipo de tortura. Tratava-se do velho sistema de telefonia que se utilizava na construção e que consistia em fazer girar uma manivela que transmitia a energia eléctrica necessária à comunicação. Só que o « N’kré vivé ! » não dispunha de auscultador e conservava unicamente a caixa energética que impulsionava a manivela activando o fio eléctrico que transmitia a corrente…

 

Mas como diz a Senhora Carolina Pina Moreno, « a diáspora cabo-verdiana » quer também a verdade sobre as exacções em Cabo-Verde. A quem de direito, neste caso.

Senão, a Sra Eva Miranda interroga as actividades dos dirigentes cabo-verdianos na Guiné, como os camaradas Julinho de Carvalho, José Araújo, Honório Chantre e outros . Ao que me foi dado constatar na altura, os dirigentes cabo-verdianos, mantinham uma determinada discrição em relação aos acontecimentos.

 

Se tomarmos o exemplo do grupo dos camaradas Manuel Saturnino da Costa, João da Silva, João da Costa, Abdulai Seck, etc., que se acomodavam na « boa vai ela » (o próprio « Lay » Seck [2] mo lo confiou : mandavam-lhe buscar, de helicóptero, de Gabú onde exercia as funções de Presidente do Comité do Estado, para Bissau, a fim de participar nas orgias que começavam com o pequeno almoço às 11h00 e terminavam às tantas da madrugada - entre álcool, sexo, fanfarronices,  etc. ),  não se via esse tipo de comportamento do lado caboverdeano.

 

Talvez por isso se disse no 14 de Novembro que os cabo-verdianos é que mandavam na Guiné. Há motivo : os dirigentes guineenses desertavam os Comissariados …!

 

Não sei onde é que o « Buruntuma Tchuda » conseguiu os dados acerca do número de fuzilamentos que avança (« Entre 500 a um milhar … entre 1974 e 1976 »,).

 

Apesar de tudo, arrisco-me a considerar o volume impressionante, pois quereria dizer que na Guiné não se fazia outra coisa ? No meu entender a declaração do« Buruntuma Tchuda » teria mais efeito e utilidade se pudesse ser mais explícito … citando as suas fontes por exemplo…

 

Entretanto, este leitor põe o dedo num assunto que se manifestou « tabou » até hoje : cito parte do seu comentário : « O Exército Português, como instituição castrense (…) envergonhou os seus soldados. Virou a cara para o lado até hoje … » (Fim da citação). O que equivale a dizer que os Comandos Africanos foram abandonados no terreno, à mercê da outra força beligerante, o PAIGC.

 

Li uma vez um argumento português, onde se dizia que eles é que não quiseram ir para Portugal pois decidiram ficar na Guiné para trabalhar para a reconstrução. Isto soou-me na altura como se os colaboradores directos do exército americano no Vietnam oferecessem os seus serviços ao General Giap ou ao Ho Chi Minh, depois de todos os massacres que aí perpetraram.

 

 O que acho interessante no comentário do « Buruntuma Tchuda » é a sua clarividência, a  de se referir  ao problema de maneira objectiva. Creio que, normalmente, esses soldados deveriam beneficiar do tratamento dispensado aos prisioneiros de guerra, segundo as convenções internacionais.

 

O Governo português, mais uma vez, não assumiu, quanto a mim, a sua responsabilidade. E aqui, é legítimo falar de uma descolonização muito atrapalhada. Senão, porque é que os Almeida Bruno, Alpoim Calvão e mesmo o General Spínola não pensaram nas consequências do abandono dos seus homens no terreno face ao temido vencedor ? 

 

Constou ao leitor  « Um amigo do Buscardini » que Buscardini « vinha na rua e foi morto por um tiro disparado de um tanque (blindado) que lhe cortou a cabeça (…) ». Pergunta se « Será esta versão verdadeira ? » Sinceramente, creio que não. Expliquei este assunto no breve texto que intitulei « Resistência e morte de António Alcântara Buscardini » [3]. Da casa da rua Eduardo Mondlane  onde formou naquela noite do 14 o seu « estado maior », só ficaram destroços. Eu não me situava longe e ouvi a intensidade do tiroteio.  Os meus sogros moravam imediatamente ao lado. O cadáver do « Chefe » foi retirado dos escombros.

 

 O que eu não disse no meu texto, foi o comentário de um oficial das FARP, (creio ter sido o Capitão Duarte Cabral, informação a tratar com precaução), que participou nas operações de retaliação na noite do 14 e que, no rescaldo, veio a ser preso semanas mais tarde, que me confiou de que os cadáveres dos camaradas Buscardini e do Otto Schat foram lançados, à priori,  na mesma cova… Impossível ???

 

O Pericles O. Tavares questiona :  os « Algozes do Renato Cardoso, quem são eles e quando serão denunciados? » Só me cabe deixar aqui o seu apelo à justiça.

 

Por fim, o « Joangopy » aparece de novo a tentar amordaçar-me em nome duma « legalidade democrática » onde eu deveria ser excluído. Mas quando é que democracia rima com exclusão ? Isto é do obscurantismo ! Este leitor-actor deixa-me a clara convicção de que se serve de mim para tentar denigrir o empenho colossal investido no « CONTRIBUTO » [4] em prol da verdade e da justiça.

 

 Francamente, acho que, o « Joan »   é capaz de assumir um perfil mais produtivo, aliás, já o demonstrou em algumas intervenções suas. Mas por um árbitro que foi, está apitando « penalty » (para me excluir) quando se trata de um « off side » (do Sr. João Bernardo Vieira).  Isto merece a expulsão do árbitro!

 

Que saiba que a característica da postura « bulldozer» (ataques pessoais permanentes, trabalho de « sapa »), é, nada mais, nada menos do que servilismo. Cego !

Optar por se alinhar ao lado do « Nino », nada de mais legítimo, mas que deixe os que não querem mais presidentes incapazes na Guiné, promover a dialéctica que deverá conduzir-nos ao franco debate de opiniões, à razão relativa e à paz da verdade. Disto, creio também eu, depende a maturidade política guineense e africana.

 

Eis o « feed-back »  que queria dar aos comentários emitidos no « Liberal. Agradeço a todos os  intervenientes o interesse manifestado ao tema. Até breve.


 

[1] www.liberal-caboverde.com

[2] Abdulai Seck morreu na prisão, na mais cruel das agonias …Um testemunho o será consagrado brevemente.

[3] www. didinho.org/nodjuntamom.htm.

[4] Idem.

 

 

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