Carta
aberta a Sua Exa. o Senhor General João Bernardo "Nino" Vieira
De: Fernando Casimiro (Didinho)
didinho@sapo.pt
23.05.2006

Assunto: Reconciliação nacional
1- A VERDADE como alicerce e
referência para o debate Nacional
2- Da proclamação da Independência Nacional aos dias de
hoje
3- Comissão de Verdade e Reconciliação - Experiências
de outros países
1- A VERDADE como
alicerce e referência para o Debate Nacional
Sua Exa. Senhor General,
Pela primeira vez achei por bem dirigir-me directa e
objectivamente a si, tendo em conta a urgência do Debate Nacional sobre a
Reconciliação Nacional que V. Exa. tem suscitado, sendo que prometeu
organizar ainda este ano de 2006 uma conferência sobre a matéria.
Esta minha carta aberta é, antes de mais, um convite a
V. Exa. e, consequentemente, a todos os guineenses, para uma reflexão sobre o
país, no intuito de se criar uma plataforma construtiva para o Debate Nacional
tendo a VERDADE como alicerce e referência
primeira a considerar.
Pela VERDADE decidi
parar para pensar.
Pela VERDADE, decidi questionar a mim mesmo sobre o papel que quero e posso desempenhar em prol de
um CONTRIBUTO positivo na Reconciliação entre todos os guineenses.
Entre o parar para pensar e as questões que coloquei a
mim mesmo, achei que havia e há uma necessidade imperiosa de esclarecimentos
para podermo-nos situar no tempo e na
História recente da Guiné-Bissau, por forma a sabermos melhor por onde começar.
V. Exa., Senhor General, sabe à partida que lhe sou um
acérrimo crítico, porém, devo dizer que lhe guardo respeito, independentemente
das interpretações que possa ter em relação ao que tenho escrito sobre o seu
estatuto político e suas consequências para a Guiné-Bissau. O simbolismo desse
respeito regista-se no facto de nunca ter referenciado a sua família nas
questões que coloco à sua pessoa e o carácter das minhas críticas se revestirem
única e exclusivamente de revolta perante a forma como V. Exa. se tem
comportado ao longo dos anos, dando azo a especulações e suspeições sobre a sua
pessoa, sem nada ter feito para esclarecer essas especulações e suspeições.
Como disse no início desta carta, pela
VERDADE decidi parar para pensar e essa paragem
foi benéfica porque me trouxe a certeza de onde poderei encontrar as respostas
para as minhas questões que, naturalmente, serão questões da maioria dos
guineenses.
V. Exa., Senhor General é hoje, o promotor da
Reconciliação Nacional, como foi em 1980, promotor da Concórdia Nacional.
A minha missão no trabalho de reflexão, sensibilização e
debate de ideias junto dos meus irmãos guineenses é uma missão de espírito e
objectivo construtivos.
É uma missão que me orienta sempre pelos caminhos da
VERDADE, uma missão em que vejo a Paz, a
Estabilidade e o Desenvolvimento como consequências da Reflexão, da
Sensibilização e do Debate de Ideias.
Excelência, Senhor General,
Como pode constatar, esta carta contém 3 temas.
O tema 2 constitui o
"ponto-chave" desta carta.
Antecipadamente peço a V. Exa., Senhor General, o favor
de analisar e interpretar este tema de forma "privada", pessoal, sem a
interferência de nenhum conselheiro. Depois de estar certo sobre a sua análise e
interpretação, deve necessariamente comentar com alguém a que conclusões chegou.
As questões que levanto neste tema, são questões que a
sua consciência tem por direito e dever libertar em nome da
VERDADE, que tenho designado como alicerce e referência para o
Debate Nacional sobre a Reconciliação Nacional.
2- Da
proclamação da Independência Nacional aos dias de hoje
Excelência, Senhor General,
Aquando das eleições presidenciais do ano passado e em
que o resultado da votação lhe conferiu a vitória para o cargo de Presidente da
República da Guiné-Bissau, fui a primeira pessoa a contestar a abrangência do
seu estatuto de Presidente da República da Guiné-Bissau como sendo o de
Presidente de todos os guineenses.
Uma contestação pessoal e coerente que os
desenvolvimentos deste tema irão dar a conhecer e que, pese embora ter tido
aproveitamento político, se distancia de qualquer conotação com posteriores
contestações fundamentadas com motivos puramente de recusa em aceitar os
resultados eleitorais.
Amargos de
boca
Por:
Fernando
Casimiro (Didinho)
28.07.2005
Parafraseando Nino Vieira: "A Guiné-Bissau é um país
de traições".
O povo guineense desta vez não traiu Nino Vieira,
traiu-se a si próprio e às gerações vindouras.
O povo guineense mostrou nas urnas o porquê do país
estar no estado em que se encontra!
O povo guineense, uma vez mais, traiu a pátria mãe.
O povo guineense, uma vez mais, optou por continuar a
dividir-se, pensando que se está a unir.
O povo guineense, uma vez mais, confundiu a Justiça
como sendo inimiga da reconciliação.
O povo guineense, uma vez mais, pensou que a cabeça
serve mais para pôr o chapéu do que para reflectir.
O povo guineense, uma vez mais, trocou os seus
passos pelos de um caranguejo.
O povo guineense, uma vez mais, deu mostras de
precisar de acompanhamento, de ser sensibilizado e de ser esclarecido.
O povo guineense, uma vez mais, deu mostras de não
saber o que realmente quer tanto para o seu presente como para o seu
futuro.
Nino Vieira nunca foi, não
é, nem nunca será meu presidente! |
As presidenciais
hipotecaram a Guiné a interesses externos
Por: Fernando
Casimiro (Didinho)
17.09.2005
É ao presidente eleito, no caso, "Nino" Vieira, que se exige ser
presidente de todos os guineenses!
É ao presidente eleito que se exige o exemplo máximo de cidadania!
A presidência é um cargo, uma função no Estado, remunerado e com
múltiplas regalias, sendo por isso exigível com um desempenho cabal
conforme o estipulado pela Constituição da República.
Ao cidadão comum deve-se "libertar" o julgamento sobre o reconhecimento
em alguém por quem votou ou não, para ser presidente do país e, portanto,
seu presidente!
Quem votou em "Nino" Vieira queria-o como presidente da Guiné-Bissau e
quem não votou, é porque não o queria como presidente. Portanto, ainda que
o espírito de cidadania incline para uma concertação de posições, neste
caso, que passe por uma aceitação e reconhecimento de Nino Vieira como
presidente de todos os guineenses, não se pode desconsiderar o sentimento
de pessoas que não votando nele queiram manter-se fiéis aos seus ideais,
não o reconhecendo como seu presidente.
Esta legitimidade aplica-se porquanto a cidadania ser um dever e não
uma obrigação ou imposição.
João Bernardo Vieira "Nino", eleito presidente da República da
Guiné-Bissau na segunda volta das eleições presidenciais, não reúne
condições para exercer uma presidência de consenso e, por conseguinte, o
seu mandato é antecipadamente sinónimo de adiamento das mudanças
estruturais de que a Guiné-Bissau necessita.
O país tropeçou uma vez mais ao dar os seus próprios passos na busca de
soluções para a tão pretendida reconciliação nacional, cujas fórmulas
apresentadas pelos principais interlocutores continuam a defender pessoas
em vez do país. A defender a impunidade em vez da Justiça.
É num clima de divisão social nunca antes visto que"Nino" Vieira se
prepara para a tomada de posse agendada para 1 de Outubro próximo.
"Nino" Vieira que já foi presidente da Guiné-Bissau durante 18 anos,
sabe que as concertações que fez com outros candidatos para ganhar votos e
por assim dizer: a presidência, será o seu primeiro factor de pressão, ou
seja: dor de cabeça na definição de directrizes para o seu mandato.
Uma das suas apetências que se concretizará com o tempo e após a tomada
de posse, será certamente o derrube do governo em funções e a formação de
um governo tipo: Unidade Nacional, que será formado por pessoas próximas a
ele, tanto da ala fraccionista do PAIGC, como de outros partidos que o
ajudaram na sua eleição, destacando-se o PRS através de Kumba Yalá e o
PUSD através de Francisco Fadul.
Outra das apetências de "Nino" Vieira é o reassumir da liderança do
PAIGC, que posteriormente sofreria um reajustamento considerável numa
visão de reforço de poder da sua liderança.
Em ambas as situações, o favorecimento de posições como cumprimento de
promessas na campanha eleitoral, é por si só prejudicial ao critério de
rigor e de isenção que se pretende na atribuição de cargos,
particularmente públicos, na direcção dos destinos do país.
A atribuição de cargos públicos será igualmente um ponto de discórdia e
de divisão dos que apoiaram "Nino" Vieira, porquanto cada um ir
reivindicar a importância dos votos que angariou para a sua eleição com a
atribuição de lugar e privilégio pretendido na estrutura dirigente do
Estado. Ora aqui o "bolo" torna-se pequeno para tantas bocas à espera...
O futuro governo a ser formado por "Nino" Vieira, será um governo de
total submissão ao "Chefe", que por sua vez será um fiel submisso dos
interesses de países vizinhos: Senegal e Guiné-Conacri, que apoiaram a sua
eleição, em detrimento da afirmação e valorização dos interesses da
Guiné-Bissau na região.
Tudo isto é previsível se tomarmos em conta que a Guiné-Bissau foi
hipotecada com estas eleições presidenciais a interesses externos.
Interesses externos que irão permitir que "Nino" Vieira volte a fazer
da Guiné-Bissau a sua propriedade, ainda que num contexto político social
diferente de há uns anos atrás, pois a mudança de mentalidades é uma
realidade presente e a considerar.
A divisão entre guineenses como factor real de desestabilização na
presente conjuntura da Guiné-Bissau é um rastilho que perigosamente
continua exposto.
Os guineenses esperam para ver a actuação de "Nino" Vieira, mas
fazem-no de forma reservada, pois não esquecem o passado triste de 18 anos
da sua anterior presidência.
A Guiné-Bissau, o país, já está a perder com a eleição de "Nino" Vieira
para o cargo de presidente da República e o tempo encarregar-se-á de o
confirmar. |
Hoje, continuo a contestar essa abrangência, continuo a
ser um crítico à sua pessoa e governações. Hoje, vou-lhe explicar o porquê,
porém, antes das minhas explicações e esclarecimentos, faço questão de recordar
a V. Exa. 2 reivindicações suas, importantíssimas, ou
melhor dizendo; Vitais, para a busca e o encontro da
VERDADE, alicerce e referência para o Debate Nacional sobre a
Reconciliação Nacional.
Ambas as reivindicações manifestavam a sua vontade em
regressar à Guiné-Bissau para ser julgado e foram feitas durante o período do
seu exílio em Portugal, sendo a primeira numa entrevista radiofónica à Rádio
Renascença e concedida ao jornalista guineense Hélmer Araújo, numa transmissão
feita a 18 de Junho de 2003 e outra numa carta endereçada à Liga Guineense dos Direitos
Humanos e recebida pela Liga a 10 de Outubro de 2003.
"Como cidadão, tenho direito ao bom-nome e boa reputação e é óbvio que
ela tem estado a ser posta em causa pelo poder político da Guiné-Bissau e pelos
"media" que reproduzem as acusações sem fundamento que me são feitas, com graves
prejuízos morais para a minha família e para mim próprio".
"Nino" Vieira
em carta enviada à Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH) a pedir para
regressar ao país, onde, afirma, quer ser julgado.
|
S. Exa., Senhor General,
Recuando no tempo, recordo-me da entrada triunfal do
PAIGC em Bissau. Recordo-me da forma como os guerrilheiros eram idolatrados.
Recordo-me da forma aparentemente cívica e responsável
como todo o processo de transição da governação colonial para o PAIGC se
procedeu.
Aparentemente, porque na VERDADE
assim não foi!
Recordo-me que V. Exa. era das referências em vida a
mais solicitada.
Recordo-me que foi o Senhor General quem proclamou
solenemente a Independência Nacional em Madina do Boé a 24 de Setembro de 1973,
na qualidade de primeiro Presidente da Assembleia Nacional Popular.
As recordações são tantas que gostaria de poder
enumerá-las todas, mas umas são mais importantes do que outras para o assunto
que me fez dirigir-lhe esta carta.
Das recordações mais importantes e que faço questão de
registar, lembro-me de V. Exa. ter desempenhado sempre lugares de relevo na
governação do PAIGC até ao primeiro golpe de Estado por si dirigido a 14 de
Novembro de 1980 e que depôs o primeiro Presidente do Conselho de Estado da
República da Guiné-Bissau, Luís Cabral.
V. Exa. foi Comissário (ministro) das Forças Armadas e
posteriormente Comissário Principal (primeiro-ministro), até à data do golpe de
Estado.
O Senhor General justificou aos guineenses e ao Mundo que
havia necessidade de se acabar com as matanças, prisões arbitrárias, corrupção,
nepotismo etc.
O Senhor General fez questão de apresentar provas e, por
assim dizer, condenar um regime de que também fazia parte, mas de que se
distanciou, ao ilibar-se com o golpe do chamado "Movimento Reajustador de 14 de
Novembro".
Os guineenses e o Mundo ficaram incrédulos com as provas
apresentadas.
Valas comuns com ossadas de ex. comandos africanos que
lutaram do lado português e de outros cidadãos guineenses suspeitos de terem
pertencido à PIDE/DGS.
Afinal a passagem de testemunho da administração
colonial para o PAIGC não salvaguardara a vida de quem esteve do lado da
administração colonial portuguesa.
O PAIGC dava-se a conhecer pelos horrores praticados.
Luís Cabral, Presidente do Conselho de Estado tinha que
ser responsabilizado, pois era ele a figura número 1 do aparelho do Estado.
O Senhor General assumiu o Conselho da Revolução até ser
designado Presidente da República.
Para além de exibir as provas das valas comuns e de ter
acusado Luís Cabral, o que é que o Senhor General fez para justificar o golpe de
Estado?
É aqui que começam as minhas inquietações!
1- Se o Senhor General descobriu todo o mal que o regime de
Luís Cabral estava a praticar, porque não foi capaz de accionar a Justiça no pós-golpe de Estado
para que o exemplo da impunidade não proporcionasse
situações idênticas no futuro?
2- Porque será que deixou partir Luís Cabral para o
exílio sem se formalizar uma acusação de crime que permitisse à Justiça criar
uma comissão de inquérito que fosse capaz de elaborar um relatório que
sustentasse as acusações ao seu regime?
3- Porque será que o Senhor General não fez questão de se
inteirar das mágoas das pessoas que perderam os seus familiares e ver como
poderiam ser apoiadas essas famílias psicológica e financeiramente para fazerem
face aos sofrimentos causados pela barbaridade cometida pelo PAIGC ou ainda, o
que essas famílias tinham para dizer de suas justiças em relação a toda a
situação?!
4- Porque será que o Senhor General se esqueceu de que a
Concórdia Nacional que posteriormente tentou promover também passava pelos
familiares das vítimas do regime de Luís Cabral?
Postas estas 4 questões, digo-lhe sinceramente que me
decepcionou, eu que hoje confesso, também o tive como referência na minha
juventude por tudo quanto ouvi dizer da sua participação na luta de libertação
nacional!
Decepcionou-me porque, na minha óptica, o Senhor General foi o impulsionador da
impunidade no país, pelos motivos que acima referi.
V. Exa. foi igualmente o impulsionador da solução
militar, recurso à força, para a resolução de problemas de foro
partidário/governativo no país.
Como lhe disse no início desta carta, a minha missão é
uma missão que me orienta sempre pelos caminhos da VERDADE,
uma missão em que vejo a Paz, a Estabilidade e o Desenvolvimento como
consequências da Reflexão, da Sensibilização e do Debate de Ideias.
As minhas preocupações são legítimas, como são legítimas
as reivindicações do Senhor General em relação à defesa do seu bom nome e
reputação.
De 14 de Novembro de 1980 a 7 de Junho de 1998, o Senhor
General foi dono do poder absoluto na Guiné-Bissau.
Gostaria de lhe facultar alguns registos sobre várias
opiniões a seu respeito, por parte de políticos e juristas influentes na Guiné-Bissau e que
são testemunhos da vivência do seu regime de 18 anos, catalogado de ditadura.
Referenciar esses registos como testemunhos da memória
dos guineenses e não como factor de incentivo à vingança, não se pode levar a
mal e aqui volto a dizer que são legítimas as suspeições e especulações, tanto
quanto a vontade de V. Exa. em querer ser julgado nas 2 reivindicações que fez
em 2003.
Legítimas as suspeições e especulações porquanto,
durante o seu regime presidencial, muitos foram os assassinatos e fuzilamentos
ocorridos.
Muitos guineenses foram perseguidos, presos e torturados
sem terem sido condenados e sem direito a nenhuma defesa.
Fomos todos testemunhos de uma forma ou de outra destes
acontecimentos.
Recordo-me do fuzilamento do grupo do chamado "caso 17
de Outubro".
O Mundo pediu clemência, mas não houve resposta do
Senhor
General, que quando confrontado com a notícia dos fuzilamentos, respondeu
simplesmente que estava ausente do país.
V. Exa. regressou ao país e não criou nenhuma comissão
para averiguar em que medida seus antigos camaradas de armas tinham sido
fuzilados e a mando de quem!
Algumas pessoas da sua relação mais próxima, quer no
aspecto profissional, quer pessoal, foram mortas e, da parte do Senhor General não
houve esclarecimentos condizentes no sentido de evitar suspeições e
especulações.
O Senhor General estava a cultivar a intolerância, a semear
o medo, a criar o ódio e a divisão entre os guineenses.
A par disso, as estruturas económicas do país estavam a
ser delapidadas, tendo grandes investimentos do país sido reduzidos a simples
paredes e terrenos baldios. Estava-se perante crimes de natureza económica numa
governação que não tinha contas a apresentar, visto tratar-se de uma governação
com poder absoluto.
A corrupção generalizou-se na sociedade guineense,
levando a que o Tesouro Público fosse o baú das negociatas do regime.
As suspeições e especulações foram-se acumulando na
mente dos guineenses.
Por pressões internacionais, V. Exa. aceitou abrir o
país ao multipartidarismo em 1991, um facto digno de registo, pese embora nada
se ter alterado na forma como dirigia o país.
Organizou e venceu as primeiras eleições presidenciais
no país em 1994 e continuou a sua caminhada até ao levantamento militar de 7 de
Junho de 1998 que projectou o país para a guerra civil tendo como consequências
a morte de um número indeterminado de pessoas, a destruição de infra-estruturas
do país e, igualmente, o seu derrube do cargo de Presidente da República.
Tal como sucedeu no passado em relação a Luís Cabral, os
que o derrubaram também fundamentaram a necessidade de o derrubarem tendo como
argumento: fuzilamentos, assassinatos, perseguições, prisão e tortura de
cidadãos nacionais e estrangeiros.
Tal como quando derrubou Luís Cabral, a Comunicação
Social nacional e estrangeira serviu de ponte de comunicação com o Mundo para
justificar a acção do seu derrube.
O país assistiu a acusações e denúncias particularmente
dirigidas à sua pessoa, pese embora estar em causa todo um regime.
5-DEZ-98
Francisco Fadul, novo primeiro-ministro da Guiné-Bissau
«Nino Vieira devia ser julgado»
SEIS meses depois do início da guerra, a Guiné-Bissau tem um novo
primeiro-ministro. Francisco Fadul, de 44 anos, foi o nome acordado entre
as delegações da Junta Militar e do Presidente da República. Irá chefiar
um gabinete de «unidade nacional», cujos contornos foram definidos no
acordo de Abuja, rubricado a 1 de Novembro. A escolha de Fadul surpreendeu
os observadores e dá bem a ideia da relação de forças existente. Principal
assessor civil da Junta Militar e amigo pessoal de Ansumane Mané, Fadul
terá sido um nome imposto pelos rebeldes.
Militante do PAIGC durante 21 anos, foi assessor de Nino durante quatro
anos, antes de entrar em ruptura com o regime, de que é um crítico
frontal. Nascido em Mansoa, filho de pai libanês e de mãe guineense,
estudou direito em Lisboa e Coimbra, mas não concluiu o curso. A
entrevista foi concedida na Guiné, antes de ter sido indigitado para chefe
do Governo - era, apenas, o mais influente assessor da Junta e autor da
maior parte dos seus textos programáticos.
EXPRESSO - O levantamento militar deu lugar a um levantamento
nacional. Quais as razões?
FRANCISCO FADUL - A justeza do levantamento era tal que a
identificação das populações não tardou. E digo justeza porque, em termos
constitucionais, compete às Forças Armadas (FA) a defesa da independência,
da soberania e da integridade do território, e da ordem pública.
EXP. - Mas essa questão só se colocou a partir da intervenção
militar do Senegal e da Guiné-Conacri.
F.F. - Antes mesmo já teria havido motivações suficientes para
que as FA assumissem esse papel. O levantamento militar não deve ser
entendido como um golpe de força, de subversão da ordem constitucional, de
desagrado da cúpula das FA. O levantamento produz-se em resposta a duas
tentativas de homicídio de Ansumane Mané.
EXP. - Isso está absolutamente comprovado?
F.F. - Perfeitamente. Só depois se produziu o que hoje se chama
o levantamento de 7 de Junho, como medida de autodefesa legítima contra um
acto a todos os títulos criminoso.
EXP. - Em tudo isto, há uma questão de fundo: a utilização de um
golpe de força contra um poder legítimo e eleito democraticamente.
F.F. - O Presidente Nino Vieira, que devia ser o garante da
Constituição, é o seu primeiro e maior violador. É o que acontece, por
exemplo, com o artigo 59º, que diz que a nossa democracia assenta na
separação dos poderes. E com o artigo 65º, que diz que o exercício da
função de Presidente é incompatível com qualquer outra função pública ou
privada. Ele não poderia continuar a ser, entre outras coisas, presidente
do PAIGC. Nino Vieira tem todos os poderes dos órgãos de soberania nas
mãos, continua a ser o chefe único que tinha sido durante o tempo do
partido-Estado.
EXP. - Estamos perante um caso de concentração e abuso de
poderes. Nino é um ditador?
F.F. - Sim, sim. Quando o poder está concentrado, daí ao abuso
de poder, daí à tirania, ao despotismo, à ditadura, é uma questão de
passos, de interesses e de oportunidade. Todos nós não erraremos muito se
culparmos o senhor Nino Vieira de assassínios, de espancamentos, de
calúnias, de difamações e indignificação de dirigentes.
EXP. - Acha que ele deve ser julgado por essas práticas?
F.F. - Acho que sim. Como exemplo de imparcialidade do Estado.
Nino Vieira entende que está acima da lei, que não está ao alcance da lei.
As leis foram feitas para os homens - e ele não é homem, é semi-Deus.
Talvez até se considere Deus, quem sabe...
EXP. - Você esteve ao seu serviço...
F.F. - Efectivamente estive quatro anos ao serviço pessoal,
directo, dele, enquanto assessor jurídico e social. Assumo as minhas
responsabilidades. Já o vinha apoiando muito antes do 14 de Novembro de
1980, como a personalidade que poderia ajudar a resolver os problemas da
sociedade.
EXP. - Está arrependido?
F.F. - Francamente estou. Porque o Nino Vieira permitiu-me que o
conhecesse bem. Logo no dia 15 de Novembro escrevi-lhe uma carta de
encorajamento, felicitando-o, mas pedindo que governasse democraticamente,
porque o nosso povo é humilde e trabalhador, desejoso de emancipação, de
dignificação. Dizia-lhe que, caso não o fizesse, alguém com menos
pergaminhos do que ele viria a ser chefe de Estado.
EXP. - É o que está a acontecer?
F.F. - Ainda não, porque a comunidade internacional tem estado a
suavizar a escalada política na Guiné-Bissau. Por isso é que, no dizer de
um amigo meu, Nino Vieira saiu da Guiné no dia 29 de Outubro como exilado
e voltou de Abuja como Presidente...
Há exemplos na História do uso da força revolucionária, legitimada
pelos interesses e aspirações do povo e da sociedade, para erradicar um
outro tipo de força - força ilegítima, violenta, reaccionária (no sentido
de contrária ao movimento da história, à vontade popular e aos anseios da
sociedade). Quero com isto dizer - e assumo - que, mesmo perante um
derrube militar de Nino Vieira, eu estaria a dizer: graças a Deus fez-se
justiça. Ainda que pela força, mas uma força legitimada. E não nos
esqueçamos que ele chegou ao poder pela força.
EXP. - A melhor solução seria a sua renúncia?
F.F. - Seria uma solução digna. Pela primeira vez, Nino Vieira
se apaziguaria com a história. Seria um acto de consciência, de ombridade.
EXP. - O futuro da Guiné passa pelo afastamento de Nino?
F.F. - Ele é o factor número um de desestabilização, de
inimizade entre irmãos guineenses. Ele entende o Estado como um
instrumento pessoal - e não como um instrumento da sociedade e dos
cidadãos. Ele entende que é «o dono do chão», o dono do país. Seria muito
bom que ele renunciasse.
EXP. - A essa luz, o derrube de Luís Cabral foi um desastre...
F.F. - Acho que sim. Até aí, houve descalabros, morticínios,
abusos no tocante aos direitos humanos, mas nessa época o Estado
funcionava. É certo que com uma filosofia especial: era um Estado
«libertador», ainda um pouco guerrilheiro. Mas quando Nino Vieira assumiu
o poder, havia paz. Prometeu a paz e a concórdia. Só que fez da concórdia
nacional a concórdia do cavalo e do cavaleiro - sendo ele o cavaleiro e a
sociedade o cavalo...
EXP. - Luís Cabral tem algum lugar no futuro da Guiné?
F.F. - É um cidadão da Guiné, um combatente da liberdade da
pátria. Quem o pode impedir de assumir cabalmente os seus direitos? Se ele
entendesse voltar para a Guiné hoje, eu seria capaz de ir esperá-lo ao
aeroporto, para lhe dar as boas-vindas.
EXP. - Ele poderia candidatar-se a Presidente?
F.F. - Eu gostaria de ver na Guiné um chefe de Estado parecido
em certos aspectos com Luís Cabral. Ele não roubou o Estado, não foi
corrupto e na sua presidência nenhum dirigente se atreveu a ser corrupto.
Gostaria não só de o ver voltar como de se candidatar à Presidência.
EXP. - Apoiaria?
F.F. - Não teria dúvidas, se as outras candidaturas não me
sugerissem a necessidade imperiosa de votar noutra personalidade.
EXP. - Não concordou muito com o acordo de Abuja.
F.F. - Há razões objectivas que me levam a discordar. Limitou-se
a aflorar algumas questões de ordem militar, enquanto deixa em silêncio as
questões fundamentais de ordem política, institucional e social, que foram
as causas mediatas do levantamento.
EXP. - O acordo foi uma derrota política da Junta?
F.F. - Não diria tanto, porque quando a supremacia militar é da
Junta, não haverá derrotas políticas significativas. Retrocedemos alguns
pontos no nosso posicionamento político.
EXP. - Ansumane Mané tem craveira para ser Presidente?
F.F. - O brigadeiro é tão humilde e honesto que já disse por
várias vezes que nunca será Presidente. Ele tem repetido que vai deixar as
responsabilidades políticas nas mãos dos mais novos, porque já chegou o
tempo de ir tratar da família e dos filhos.
EXP. - Não há o perigo da Junta se perpetuar no poder?
F.F. - Não. A Junta quer levar o país à normalização política,
no respeito rigoroso pela Constituição.
EXP. - O programa da Junta é o estabelecimento da democracia?
F.F. - Absolutamente. Com a completa despartidarização e
despolitização das Forças Armadas e de segurança, a abolição da polícia
política e a moralização das instituições públicas.
EXP. - Não poderá haver uma certa sedução face à experiência
militarista da vizinha Gâmbia?
F.F. - Penso que não. A sedução não será tanto pela eventual
militarização que tenha existido nos primórdios do regime do Presidente
Yahya Jammeh (porque ele, depois, sujeitou-se a eleições democráticas) mas
pelas realizações que ele conseguiu realizar em quatro anos. É patente o
esforço desse homem, que não tem pejo nenhum de dizer a outros chefes de
Estado que a razão directa do subdesenvolvimento se situa na incompetência
e na corrupção dos dirigentes africanos.
EXP. - Vide o caso da Guiné...
F.F. - Exactamente. Nino Vieira, que nunca recebeu herança que
se conheça, que nunca recorreu a um crédito bancário significativo, hoje é
um dos homens mais ricos do mundo.
EXP. - Do mundo?
F.F. - Sim. E Presidente de um dos países mais pobres do mundo.
A sua fortuna está avaliada num montante aproximado ao da dívida externa
da Guiné-Bissau.
EXP. - Essa acusação é pesada. Dispõe-se a prová-la em tribunal?
F.F. - Já escrevi um livro sobre isso, mas ninguém o imprimiu.
Se for o caso, garanto que me defenderei.
EXP. - Não teme por si e pela sua família?
F.F. - Olhe, eu estou a correr riscos desde os 16 anos, quando
decidi aderir ao PAIGC.
José Pedro Castanheira
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Tal como sucedeu com Luís Cabral, V. Exa. também teve
direito a partir para o exílio em Portugal, sem que alguém tivesse accionado o
poder judicial para o processar por todas as acusações de que era alvo.
Tal como sucedeu com Luís Cabral, V. Exa. também
beneficiou da impunidade.
Tal como sucedeu com Luís Cabral, ninguém se preocupou
em saber o que os familiares das vítimas do seu regime tinham para dizer.
Tal como aconteceu com Luís Cabral, ninguém se lembrou
de questionar o pedido de exílio, justificado por razões humanitárias pela
comunidade internacional e que punha em causa a existência do Poder Judicial
como órgão de soberania consagrado na Constituição da República.
Será que o acto de exercer a Justiça não é por si só uma
questão humanitária?
O Senhor General partiu para o exílio, deixou o país
mergulhado na miséria, os guineenses divididos e resignados à dor.
Tal como aconteceu com Luís Cabral, os que o derrubaram
não foram capazes de fazer algo para justificarem realmente a guerra que
envolveu irmãos de parte a parte.
Tal como aconteceu com Luís Cabral, só as provas das
valas comuns com ossadas do suposto fuzilamento do grupo " Caso 17 de Outubro"
foram apresentadas na pessoa do Procurador Geral da República de então, Amine
Saad.
O mesmo Procurador Geral fez diligências no sentido de o
Senhor General ser julgado em Portugal, tendo para isso solicitado ao governo
português de então, o levantamento do seu estatuto de exilado, o que não
conseguiu do governo português.
Excelência, Senhor General, antes de continuar a minha carta,
deixo à sua consideração alguns registos do que se disse em relação à sua
vontade expressa de regressar à Guiné-Bissau para ser julgado.
A
entrevista do ex-presidente João Bernardo "Nino" Vieira à Rádio
Renascença (de Portugal), retransmitida em Bissau pela RDP-África, está
também a dominar as atenções na Guiné- Bissau.
A intenção de "Nino" Vieira de regressar a Bissau, depois de cinco anos
de exílio em Portugal - para onde se deslocou após o fim da guerra de 07
de Junho de 1998/99 - com garantias de ter um julgamento justo, é
encarada pelos populares com quem a Lusa falou hoje de manhã como
"aceitável" e "legítima", porque "esta é a sua terra".
Nos cafés e nas ruas da capital, as conversas giram invariavelmente em
torno da pretensão do ex-chefe de Estado, embora a preconização de uma
"reunificação das Forças Armadas" seja um assunto quase "tabu" que
afasta as pessoas do assunto.
O jurista Carlos Vamain, questionado pela Lusa sobre a pretensão de
regresso de "Nino", defendeu que o ex-presidente, "se o Estado guineense
quiser, pode ser julgado em Portugal", isto "à luz dos acordos judiciais
existentes entre os dois países".
O jurista entende que "esta solução facilita mesmo o preenchimento das
condições impostas - um julgamento justo e com acompanhamento de
instâncias internacionais - pelo ex-chefe de Estado".
"Mas não nos podemos esquecer que, no passado, quando João Bernardo
Vieira, na condição de presidente, mandou julgar oposicionistas, não
lhes concedeu tais privilégios, não podendo, por isso, fazer exigências
agora", disse, adiantando que "isso não significa que a justiça
independente não seja um direito de todos os cidadãos".
Fonte: Agência Lusa |
Regresso de «Nino» desvia atenções do
essencial para acessório
A assumida vontade do ex-presidente guineense João Bernardo "Nino"
Vieira de regressar à Guiné-Bissau "pode desviar o centro das atenções
do essencial para o acessório", disse hoje à Agência Lusa Hélder Vaz, da
Plataforma Unida (PU, oposição).
Hélder Vaz, candidato a primeiro ministro pela coligação PU entende que
"o problema da Guiné-Bissau é hoje Kumba Ialá - actual presidente da
República - e não João Bernardo Vieira".
"O país atravessa uma profunda crise económica, social e política, com
as eleições em bolandas, sem que se saiba a data da sua realização e,
por isso, não pode desviar as atenções do fundamental para uma questão
que, sendo relevante, deve ter o seu tempo", adiantou.
Vaz defende, todavia, que "depois de cinco ano no exílio - em Portugal,
para onde foi depois da guerra de 07 de Julho de 1998/99 - o antigo
presidente pode desejar regressar com legitimidade e para ser julgado".
"Até porque o país tem necessidade de exorcizar todos os seus fantasmas,
incluindo o fantasma `Nino´ Vieira, mas, neste momento, é essencial
repor o debate no que é mais importante para a Guiné-Bissau",
sublinhou, adiantando que, "mais tarde, será preciso encontrar uma
solução para o regresso" de Nino.
Em contrapartida, Idrissa Djaló, do Partido de Unidade Nacional (PUN,
oposição), entende que "este é o momento ideal para discutir o problema"
do regresso de "Nino" Vieira, porque "julgar este homem significa julgar
todo um regime e isso pode ser fundamental para a discussão política
eleitoral".
"Nino" Vieira governou a Guiné-Bissau em regime de partido único desde o
golpe de Estado de 1980, depois de derrubar Luís Cabral, até 1994, tendo
ganho as primeiras eleições "livres" realizadas no país. Foi derrubado
em 1999, depois de um conflito de 11 meses, iniciado a 07 de Junho de
1998.
"É bem vindo para ser julgado no seu país, porque o governo tem a
obrigação de criar condições para a aplicação da justiça com rigor a
todos os cidadãos sem excepção. Enquanto problema pendente, já deveria
estar resolvido há muito tempo e em nada colide com o essencial em
discussão no âmbito das eleições que se avizinham", disse Idrissa Djaló.
O eventual regresso do ex-presidente guineense está, entretanto, no
centro das atenções do país político, com muitos populares a apoiarem
inequivocamente a vinda de "Nino"..
Depois da entrevista concedida à estação portuguesa Rádio Renascença e
retransmitida em Bissau pela RDP-África, "Nino" Vieira saltou do
"esquecimento" para a boca do povo com consequências, em ambiente
eleitoral, ainda dificilmente mensuráveis.
Fonte: Agência Lusa |
O ex-presidente da Guiné-Bissau João Bernardo "Nino" Vieira enviou uma
carta à Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH) a pedir para
regressar ao país, onde, afirma, quer ser julgado, informou hoje o líder
da organização.
Em declarações à Agência Lusa, Luís Manuel Cabral sublinhou que a carta
foi-lhe enviada "recentemente" e que, nela, "Nino" Vieira afirma a sua
disponibilidade para ser julgado na Guiné-Bissau.
"Nino" Vieira presidiu a Guiné-Bissau a partir de 14 de Novembro de
1980, depois de liderar um golpe de Estado que destituiu o regime de
Luís Cabral, até 7 de Maio de 1999, altura em que foi também derrubado
após 11 meses de conflito político-militar.
A carta, explicou Luís Manuel Cabral, foi recebida pela Liga a 10 de
Outubro de 2003, mas acabou por ser "metida na gaveta", dado que o
momento político da altura, "não era consentâneo com a divulgação" do
pedido de "Nino" Vieira.
"Acabávamos de sair de um golpe de Estado (três semanas e meia antes),
não havia poder judicial nem um governo. Por isso, em concertação com as
autoridades da transição, resolveu-se congelar a carta até à existência
de um governo legítimo e de um poder judicial independente", explicou.
Na missiva, a que a Agência Lusa teve acesso, "Nino" Vieira diz estar
disposto a ser julgado em Bissau "ou por qualquer outra instância
judicial da UEMOA (União Económica e Monetária Oeste- Africana), CEDEAO
(Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) ou da UA (União
Africana)".
Como contrapartida, o antigo chefe de Estado guineense, actualmente
exilado em Vila Nova de Gaia, junto ao Porto, norte de Portugal, pede
que lhe sejam "dadas garantias de um julgamento imparcial, não submetido
a quaisquer pressões políticas".
"Como cidadão, tenho direito ao bom-nome e boa reputação e é óbvio que
ela tem estado a ser posta em causa pelo poder político da Guiné-Bissau
e pelos "media" que reproduzem as acusações sem fundamento que me são
feitas, com graves prejuízos morais para a minha família e para mim
próprio", escreve "Nino" Vieira na carta.
"No meu entender, só há uma maneira de limpar o meu nome e destruir a
falsa reputação de criminoso que tem sido atribuída: é ser julgado
publicamente pelos meus actos como homem e como governante", acrescenta
o antigo presidente guineense.
No missiva, "Nino" Vieira lembra que, em 1999 (7 de Maio), renunciou ao
cargo de Presidente da República "em condições por todos conhecidas",
tendo o poder político de então tomado o compromisso de respeitar os
seus direitos de cidadão e de Combatente da Liberdade da Pátria.
"Apesar desse compromisso, o poder político não se coibiu em,
reiteradamente, produzir acusações falsas e sem provas a meu respeito,
tendo inclusivamente retirado os passaportes à minha família e a mim
próprio", sublinha o ex-chefe de Estado guineense.
O antigo presidente realçou que o poder político de então, garantido
pelo na altura primeiro-ministro do Gverno de Unidade Nacional,
Francisco Fadul, lhe ter confiscado os seus bens e os da família da
mulher, Isabel Romano Vieira, "sem sequer ter em conta o recurso às
instituições judiciais".
"Para cúmulo, o então Procurador-Geral da República (PGR), Amine Saad,
actual líder do partido União para a Mudança (UM), permitiu-se lançar
contra a minha pessoa gravíssimas acusações que iam do tráfico de armas,
à corrupção e ao múltiplo assassinato. Acusações essas feitas sem provas
e completamente falsas", acrescenta.
"Na altura, o governo português (então liderado por António Guterres),
de acordo com a lei, recusou-se a levar em conta as acusações então
proferidas pelo Procurador-Geral Amine Saad, já que estas não tinham a
menor prova", frisa "Nino" Vieira.
A carta, de apenas uma página e dirigida a Luís Manuel Cabral, termina
com "Nino" Vieira a solicitar os "bons ofícios" do presidente da Liga,
de forma a que possa "ter alguma paz e respeito" pelos seus direitos de
homem e de cidadão da Guiné-Bissau que afirma ser e que continuará a
ser.
Em declarações à Lusa, Luís Manuel Cabral sublinhou que a carta foi já
por si entregue ao Ministério Público, ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ)
e ao próprio governo, lembrando que cabe agora às autoridades judiciais
resolver a questão.
"Nino" Vieira é um cidadão como outro qualquer e a Liga tem por
obrigação defender todos os cidadãos da Guiné-Bissau", afirmou Luís
Manuel Cabral, acrescentando que a missiva foi também entregue aos
embaixadores em Bissau de Portugal, França e Brasil.
"Recebemos a carta numa altura em que o país estava numa situação
conturbada e não a podíamos divulgar. Depois fizemos uma reunião da
direcção nacional, em que entendemos por bem haver a necessidade de a
divulgar. É uma carta de um cidadão nacional que já foi presidente da
República, sublinhou Luís Manuel Cabral.
Segundo o presidente da Liga, "Nino" Vieira "está a pedir" que seja
julgado no país, razão pela qual "cabe ao poder judicial ver o que vai
ou pode fazer".
"Nino" Vieira diz na sua carta que houve acusações falsas contra a sua
pessoa, o que põe em causa o seu bom nome, reputação e dignidade como
homem. Pediu que a Liga intervenha, como organização credível que é e de
carácter humanitária", acrescentou.
Para Luís Manuel Cabral, é "óbvio" que a embaixada portuguesa em Bissau
teria de receber uma cópia da missiva, pois Portugal, disse, "é a porta
da Guiné-Bissau para a comunidade internacional".
"Reconhecemos o papel que Portugal teve durante a crise de 07 de Junho
(de 1998) e agora na fase de normalização do país. Mas também porque
pertencemos a CPLP", concluiu.
Fonte: Agência Lusa |
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Juristas guineenses defendem o regresso de Nino Vieira |
O ex-presidente da República da Guiné-Bissau, João Bernardo
Vieira (Nino) manifestou desejo de regressar ao país para ser
julgado pelos crimes que supostamente é acusado. A intenção
consta numa carta endereçada ao presidente da Liga Guineense
dos Direitos Humanos, no mês de Outubro passado. |
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Esta questão faz parte do dia-a-dia e gera a divergência das
opiniões. Entre o simples cidadão, existem os prós e os contras.
Para os juristas (conhecedores da matéria), Nino Vieira deve
regressar para ser julgado enquanto cidadão deste país.
"Não deve haver obstáculo quanto ao regresso de Nino Vieira"
Silvestre Alves é de opinião que não se deve ser criado nenhum
obstáculo para o regresso do ex-presidente Guineense, desde que
manifeste disponível para tal.
De acordo com Silvestre Alves, “a impunidade deve ser combatida
neste país”, e assegurou que valeria a pena que o cidadão Nino
Vieira seja julgado por aquilo que fez e não fez e aquilo que
tenha possibilidade de fazer.
Mas, avisou que não é um processo fácil que se faz de um dia para
o outro. Explicou que a sua presença até certo ponto pode
dificultar a instituição do seu processo, porque vai perturbar as
diligências necessárias a levar a cabo.
Afirmou que o país teve muitos exemplos no passado com o
julgamento de várias figuras do regime que não deram em nada.
Porque os magistrados do Ministério Público ou foram incompetentes
para fazer um trabalho como deve ser ou não tiveram vontade ou
então foram corrompidos no sentido de alguém interessado tirar
proveitos, sublinhou.
O jurista diz isso com toda a certeza porque enquanto presidente
da Ordem dos Advogados, na altura, foi abordado nesse sentido,
pelo que não admira nada e nem das pessoas que tenham feito a
mesma coisa ou prestado a este tipo de serviço. Quer a nível dos
tribunais, quer a nível da Ordem dos Advogado ou quer a nível da
Procuradoria Geral da República.
Silvestre Alves disse que esse tipo de actos não abonam para a
solução dos problemas dos guineenses, que carece hoje mais do que
nunca da verdade para que saibamos a responsabilidade de cada um a
partir da qual procurarmos um verdadeiro caminho de reconciliação,
na base da verdade e da justiça.
Nesta perspectiva, Silvestre Alves concorda com a solicitação do
ex-presidente da República para vir ser julgado. Mas avisou que é
preciso preparar o processo devidamente.
Aliás, disse que até exigiria que o Nino fosse julgado mas com as
devidas cautelas. Porque há matéria suficiente para julgar Nino,
sublinhou, apontando alguns exemplos como o caso da morte do Major
Robalo de Pina, Paulo Correia, Viriato Pã, Jorge Quadros entre
outros.
Concluiu que Nino é a pessoa mais indicada para explicar isso,
mas, são precisos profissionais juristas, capazes e à altura para
fazer um trabalho bem feito.
“É preciso ter em conta a manifestação da vontade de Nino Vieira”
Opinião idêntica foi defendida pelo advogado Dr. Vicente Fernandes
que considera de boa mensagem a solicitação de Nino Vieira,
porquanto para a estabilidade e a reconciliação nacional. Disse
que João Bernardo Vieira não deixa de ser um cidadão nacional,
apesar de todas as acusações feitas contra a sua pessoa,
nomeadamente de tráfico de armas, corrupção e outros. Contudo,
enquanto cidadão, ele tem o direito de defender-se, porque
acusações sobre acusações não condenam ninguém, ou seja, como se
diz em direito, até que alguém seja condenado presume-se de
inocente.
Por isso, disse que se pode dizer que só pode ser acusado de algo
após a decisão.
Vicente Fernandes considerou de salutar que os responsáveis da
área jurídica, nomeadamente o Ministério da Justiça como da
Procuradoria Geral da República, devem tomar em conta esta
manifestação de vontade porque só assim podemos trazer de facto a
tal reconciliação e paz necessária e descobrir muitos outros
segredos que até aqui estejam ocultos e os que estão a ser
amputados, se calhar, exclusivamente a Nino Vieira.
Questionado se há matéria suficiente para acusar Nino Vieira,
Vicente Fernandes deixou a questão à consideração dos responsáveis
jurídicos que entenderam que havia matéria.
Disse que enquanto cidadão e jurista, estando à margem deste
processo, simplesmente todas as informações que teve foi através
dos órgãos de informação, não tem argumento suficiente para dizer
se há ou não matéria, sublinhou.
O advogado entende que a Procuradoria da República, na altura,
teria analisado e pesquisado e proferido tais acusações; portanto
são estas pessoas que podem pronunciar se há ou não matéria
suficiente para acusação. Mediante isso, pode analisar de acordo
com as leis em vigor no país para ver se este comportamento
coaduna com um dos crimes tipificados na lei.
Assegurou que até lá não tem nada a dizer e nem pode dizer nada
por quanto é cidadão como outro que tem de aguardar para deixar as
instituições funcionarem.
“Que Nino deixe de chantagear o país”
A única opinião pouco diferente dos outros juristas foi de Amine
Saad que, embora não recusa o regresso de Nino, mas está bastante
chocado não pelo pedido do ex-PR, João Bernardo Vieira, de
regressar ao país para ser julgado mas sim, pela acusação de que
foi alvo por parte deste. Entende que está a fingir de inocente e
passa o tempo a chantagear o país.
Para Amine Michel Saad, ex-Procurador Geral da República no
Governo de Unidade Nacional, a anunciada intenção do ex-presidente
da República, João Bernardo Vieira ‘Nino’ de ser julgado mediante
a presença de organismos internacionais e sub-regionais, não passa
de uma mera hipocrisia.
Em declarações à Imprensa, a propósito, Amine Saad disse que
existem motivos suficientes para Nino Vieira ser julgado, porque a
acusação existe e factos que alimentam essas acusações também
existem.
“Se é que ele quer ser julgado na realidade, que peça ˆs
autoridades portuguesas que lhe retirarem o estatuto de exilado
político”, aconselhou.
Bastante irritado com as acusações de Nino Vieira, Amine Saad
disse que o ex-chefe de Estado deve estar a padecer de “amnésia”.
“Se ele está a fingir que esqueceu tudo aquilo que fez no país,
talvez esteja a sofrer de amnésia em Vila Nova de Gaia”, rematou.
Conforme as suas declarações, as acusações mais sonantes contra
Nino Vieira, estão ligadas ao caso 17 de Outubro, 17 de Março,
morte do jornalista português Jorge Quadros nos meados da abertura
democrática e a vinda das tropas estrangeiras durante o conflito
político militar de 7 de Junho de 1998. “Jorge Quadros foi
assassinado ou não em Bissau, degolado. É verdade ou mentira? O
processo existe ou não existe? Isto aconteceu em Março de 1993 na
Guiné e Nino Vieira era Presidente da República e do Partido
único. Vai dizer que estes factos não existem ou que não têm a sua
comparticipação?!”, questionou o jurista.
Em relação ao caso 17 de Outubro onde morreu o coronel Paulo
Correia, que Nino Vieira acusou de ter tentado o golpe contra a
sua pessoa; ele (Nino Vieira) não tem memória do trabalho que me
causou para procurar as valas comuns (o maior segredo do seu
regime) dos outros militares igualmente acusados e mortos na
aludida intentona”, salientou para advertir as autoridades do país
que os constantes pedidos de Nino Vieira para ser julgado não
passam de simples chantagem. “Se ele e os seus comparsas na Guiné
sabem que a questão das valas comuns fazem parte dos crimes contra
a humanidade e que não estão prescritos ou seja não existe prazo
para recusar o processo, estaria calado lá em Vila Nova de Gaia
para que as pessoas lhe esquecessem”, acrescentou.
“A questão do tráfico de armas foi votado maioritariamente na ANP”
Sempre com palavras duras contra o ex-chefe de Estado, Saad
sublinhou ainda que se Nino tivesse a noção do sofrimento dos
familiares dos militares que mandou fuzilar (cujas mulheres e os
filhos não são viúvas nem órfãos porque não receberam os
documentos nesse sentido) não precisava de estar a pedir
julgamento, porque são crimes autênticos.
Quando referia ao caso 17 de Março que entre outras ditou a morte
do Major Robalo de Pina o ex-PGR tem a seguinte explicações: “As
pessoas foram detidas e torturadas, mas posteriormente o Tribunal
disse que não estavam a tentar nenhum golpe de Estado. Em relação
à guerra de 7 de Junho, a pergunta que se faz é de saber quem
mandou vir a tropa estrangeira para a Guiné-Bissau? Quem causou
morte aos guineenses? Será que o Nino Vieira faz ideia do número
de guineenses que morreram no conflito de 7 de Junho? Será que não
são humanos? E o Nino ainda acha que tem motivos para estar a
dizer que foi acusado falsamente?”
O seu discurso deixa entender que se a decisão de julgar Nino
Vieira dependesse dele, só restava a este último sentar-se no
banco dos réus para responder. Pois, segundo ele, matéria
acusatória existe até sobrar. A questão do tráfico de armas para
os independentistas de Casamansa também mereceu a atenção de Amine
Saad com a seguinte explicação: “Nino esqueceu que para averiguar
o processo de tráfico de armas houve uma resolução da ANP. Mesmo
com o estatuto de presidente da República e do PAIGC (partido que
tinha mais número de deputados na ANP) a resolução foi votada
maioritariamente pela Assembleia. O processo foi para a
Procuradoria e consta que Nino Vieira foi implicado no caso de
tráfico de armas, mas quem acusou Nino Vieira afinal?”.
Importa sublinhar aqui que no período de Transição, depois da
guerra de 7 de Junho, Amine Saad foi quem exerceu o cargo de
Procurador Geral da República durante um ano. E nesse período
organizou uma operação pelas matas de Mentem, cujo objectivo era
descobrir as valas comuns alegadamente abertas durante o regime de
Nino Vieira.
Fonte:
guine-bissau.com
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Excelência, Senhor General, paralelamente a estes registos, não
posso deixar de citar o recado que Kumba Yalá, Presidente da República da
Guiné-Bissau à data do seu pedido em regressar e ser julgado lhe enviou a 19 de
Junho de 2003:
" Nino Vieira só voltará à Guiné-Bissau quando
ressuscitar todas as pessoas mortas no caso 17 de Outubro"
Depois da guerra civil de 98/99 e do período de
transição cuja presidência esteve a cargo de Malam Bacai Sanhá e a chefia do
governo a cargo de Francisco Fadul, foram realizadas eleições presidenciais e legislativas que deram vitórias a Kumba Yalá e ao PRS.
No entanto, o clima político e social continuou a ser um
cliché de anteriores regimes.
Foi durante a presidência de Kumba Yalá que o General
Ansumane Mané foi morto em condições até hoje não esclarecidas.
Alguns militares e civis foram presos arbitrariamente, torturados e
mortos.
A sustentação do poder a qualquer preço, reforçou a
promiscuidade com o poder militar, fazendo com que as Forças Armadas se
tornassem num foco de instabilidade permanente no país.
Kumba Yalá contornou inclusivamente um outro órgão de
soberania, o poder judicial, para melhor se orientar nas suas estratégias e
decisões.
Crimes de natureza económica lesivos aos interesses
nacionais foram uma constante.
Uma vez mais, o facto de não se prestar contas a ninguém
foi crucial na derrapagem do Tesouro Público.
A liberdade de expressão foi duramente penalizada,
principalmente no tocante à Comunicação Social.
Foi derrubado a 14 de Setembro de 2003, por um golpe de
Estado que mais parecia um golpe de teatro e no qual os principais
intervenientes eram seus amigos!
O golpe foi justificado como uma necessidade para repor
a ordem constitucional.
Não foi criada nenhuma comissão para avaliar o exercício
da sua presidência, ficando por isso impune às acusações e suspeições de que era
alvo.
Tal como com Luís Cabral, tal como com o Senhor General, o
uso da força era uma vez mais aplicado.
Uma vez mais as causas apresentadas para justificar o
uso da força não tiveram o efeito prático através da Justiça, pois a impunidade
continuou a prevalecer e ninguém foi processado por nada!
Um Comité Militar para a Reposição da Ordem
Constitucional e a Democracia assumiu o poder. O General Veríssimo Correia
Seabra, líder do golpe, autoproclamou-se Presidente da República.
Pressões internacionais levaram no entanto a que o
Comité Militar aceitasse a formação de um governo de transição, bem como a
nomeação de um Presidente interino.
Apesar disso, o Comité Militar é que detinha o poder na
Guiné-Bissau.
A 6 de Outubro de 2004 uma revolta militar provocou as
mortes do General Veríssimo Correia Seabra, Chefe do Estado-Maior General das
Forças Armadas e do Coronel Domingos Barros.
Nada se fez para que se apurassem responsabilidades
sobre o ocorrido.
Uma vez mais a impunidade prevalecia no país, tendo o
Secretário Geral das Nações Unidas, Koffi Anan, no seu relatório apresentado ao
Conselho de Segurança a 22 de Dezembro de 2004 alertado para o seguinte:"
Forças Armadas são obstáculo à paz"
Texto da resolução 1580 (2004) do
Conselho de Segurança das Nações Unidas
22.12.2004
Relatório do Secretário Geral
Kofi Annan: Forças Armadas são obstáculo à paz
Na sequencia da revolta militar de 6 de Outubro, existe agora a "percepção
fortalecida" de que as forças armadas da Guiné Bissau são "o maior obstáculo à
consolidação da paz e democracia" no país, segundo o secretário geral da ONU.
Num relatório que foi hoje alvo de análise por parte do Conselho de
Segurança, Kofi Annan adverte ainda que o fundo de emergência das Nações Unidas
usado para o "funcionamento mínimo" do Estado está esgotado.
Os 15 membros do Conselho de Segurança mantiveram "consultas" à porta fechada
sobre o relatório de Annan, mas desconhecem-se pormenores das discussões.
O mandato da missão da ONU de apoio à construção da paz na Guiné Bissau (UNOGBIS)
termina no final do mês, e Annan propôs que o mesmo seja prolongado com um
mandato "revisto" tendo em conta "as diversas tarefas que se avizinham e a
importância de fortalecer a capacidade dos intervenientes nacionais de
confrontar esses desafios".
No seu relatório, o secretário geral da ONU faz notar que antes do motim de 6
de Outubro "a situação politica na Guine Bissau mostrava sinais de progresso e
promessa", mas, "lamentavelmente", a revolta militar pôs em perigo os sucessos
alcançados e "demonstrou a fragilidade do processo de transição e da sociedade
como um todo".
Depois de recordar os assassinatos de diversos destacados oficiais das forças
armadas pelos revoltosos, Annan fez notar que o novo chefe de estado maior das
forças armadas, o General Tagme Na Waire, foi proposto pelos revoltosos, pelo
que a sua nomeação "foi largamente vista como uma cedência por parte das
autoridades civis às pressões dos militares e como um sinal de mais erosão da
autoridade do governo constitucional e das suas instituições".
O relatório observa ainda que, além de muitos intervenientes políticos e "da
sociedade civil" terem expressado as suas dúvidas sobre "a impunidade" dada aos
revoltosos, o motim contribuiu também para "aumentar o perigo de polarização da
sociedade da Guiné Bissau em linhas étnicas, especialmente tendo em conta a
percepção generalizada de que a revolta foi inspirada por elementos Balanta das
forças armadas que tencionam assumir controlo das instituções militares".
Kofi Annan disse que a situação sócio-económica da Guine permanece em estado
"crítico".
O Fundo de Emergência de Administração Económica, criado por iniciativa do
Conselho Económico e Social da ONU e administrado pelo Programa de
Desenvolvimento das Nações Unidass e que "tem estado a fornecer financiamento
para necessidades sociais criticas e para o funcionamento mínimo do Estado em
sectores prioritários, incluindo o pagamento dos salários dos funcionários
públicos, esgotou-se e deixará de estar operacional no final do ano".
O governo poderá contudo ter acesso a uma segunda prestação de 5,3 milhões de
euros, de um pacote de 17,2 milhões de euros acordado com a União Europeia em
2001, desde que haja "um acordo de parâmetros macroeconómicos com o FMI".
Para Kofi Annan, a situação de direitos humanos na Guiné Bissau é
"preocupante", "especialmente tendo em conta que não foi feita nenhuma
investigação oficial" aos assassinatos dos oficiais mortos pelos revoltosos no
motim de Outubro.
"Como consequência da revolta, os trabalhadores do sector publico (...) estão
a tornar-se mais agressivos na defesa dos seus direitos económicos e sociais, o
que faz aumentar as tensões existentes", aponta o relatório.
Kofi Annan propôs ao Conselho de Segurança que prorrogue o mandato da UNOGBIS,
revendo no entanto o seu mandato "para ter em consideração as diversas tarefas
que se avizinham e a importância de fortalecer a capacidade dos intervenientes
nacionais em confrontar esses desafios".
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O ano de 2005 foi de agitação para a Guiné-Bissau e V.
Exa. contribuiu para isso.
Em Abril, ainda com o estatuto de exilado em Portugal
regressou à Guiné-Bissau a bordo de um helicóptero militar da Guiné-Conacri,
violando o espaço aéreo de um país soberano!
V. Exa. com essa atitude demonstrou ter força e poder
para fazer o que bem entendesse.
Chegou pediu perdão e em simultâneo disse que perdoava
também a todos que o tinham prejudicado...
Num ápice tornou-se candidato às presidenciais previstas
para 19 de Junho.
O Sistema possibilitou a sua candidatura e a memória do
passado recente foi abafada e manipulada por várias conveniências no intuito de
servir interesses pessoais em detrimento dos interesses nacionais.
O Senhor General que em 2004 fez questão de ser julgado em
defesa do seu bom nome nunca mais falou sobre o assunto. Mas será que esse
assunto é um assunto que só diz respeito ao Senhor General, ou é antes de mais
um assunto de interesse nacional e como tal deve ser esclarecido?
Das presidenciais de 2005 escrevi o suficiente para
mostrar os meus pontos de vista sobre a questão.
Hoje mantenho tudo o que escrevi na altura.
V. Exa. foi dado como vencedor das eleições, portanto,
foi eleito Presidente da República da Guiné-Bissau. Respeito a vontade popular,
pois não tenho argumentos para contrariar os resultados, mas como lhe disse no
início desta carta, não o sinto como meu Presidente!
Quando O Senhor General fizer questão de limpar o seu
bom nome e reputação em relação às questões que lhe coloquei e às exposições que
lhe apresentei, então poderei rever essa definição, isto, numa iniciativa
meramente pessoal, pois é ao povo guineense que o Senhor General deve
explicações!
O povo guineense quer a Reconciliação Nacional, mas é
preciso sabermos onde e como começar. Penso que esta carta é oportuna para o
efeito.
Sobre a Reconciliação Nacional quero relembrar-lhe o seu
discurso de 20 de Fevereiro de 99.
Bissau, 20 Fev (Lusa) - A reconciliação
nacional e a consolidação da paz na Guiné-Bissau foram hoje os temas
dominantes dos discursos proferidos na cerimónia de posse do
governo de unidade nacional.
O presidente Nino Vieira, o primeiro-ministro
Francisco Fadul, o secretário executivo da CPLP e o chefe do governo
togolês, em
representação do presidente do seu país, foram os oradores da
cerimónia, enaltecendo os valores da paz e da reconciliação do povo
guineense.
Nino Vieira, num discurso de 14
páginas, declarou que a tomada
de posse do governo de unidade nacional deverá constituir motivo de
reflexão sobre todo o conflito, por forma a que haja uma
"reconciliação nacional efectiva, justa e duradoura".
Considerando que o governo hoje empossado é "um passo
determinante para que o processo de reconciliação seja dotado de um
instrumento institucional capaz de conduzir a esse objectivo", Nino
Vieira fez questão de alertar para o facto de o processo de
transição que agora se vai viver ser "duma extrema complexidade".
"Devemos neste momento
crucial questionar as nossas
consciências", disse, acrescentando mais adiante que é absolutamente
necessário "evitar os erros, as atitudes de desconfiança e a
agressividade que podem adiar ou comprometer a reconstrução do
estado e da nação".
Por isso, Nino Vieira sublinhou
que uma das primeira tarefas
prioritárias do governo de Francisco Fadul terá que ser "contribuir
para preservar o clima de concórdia e de confiança".
Ainda no mesmo espírito, o
presidente guineense realçou a
importância do cumprimento do acordo de Abuja no que se refere ao
desmantelamento do dispositivo militar resultante do conflito,
chamando particular atenção ao processo de repatriamento das forças
senegalesas e da Guiné-Conacri.
"Essa operação deverá
continuar a processar-se com a dignidade
de que são tão altamente merecedores os contingentes desses países
irmãos", afirmou Nino Vieira no que pode ser entendido como a
delicadeza de que se reveste esta questão.
Falando ainda sobre os aspectos
prioritários do novo governo,
visando a consolidação da paz, o chefe de estado guineense chamou a
atenção para a delicadeza de que se reveste igualmente a
reunificação das forças armadas nacionais, considerando determinante
e incontornável o acantonamento e o desarmamento das forças em
presença sob o controle da Ecomog.
Numa perspectiva de
reconciliação nacional, Nino Vieira falou da
"reestruturação do aparelho administrativo e da reanimação do
sistema produtivo, sem que tal implique o esquecimento de medidas
imediatas de apoio às populações deslocadas".
Outra das tarefas apontadas ao
novo governo diz respeito à
organização das próximas eleições legislativas e presidenciais que,
segundo Nino Vieira, deverão ser organizadas com eficácia e
transparência e na mais rápida oportunidade.
Durante a sua intervenção, o
chefe de estado guineense lançou um
apelo às forças independentistas de Casamança, em particular àquelas
que alegadamente teriam lutado ao lado da Junta Militar, para que
"se inspirem na reconciliação guineense e promovam as vias do
diálogo como única e justa forma" de solucionar o conflito nesta
região senegalesa.
"Só com esse espírito é que se
poderá viabilizar a urgente e
absolutamente necessária saída do território da Guiné-Bissau das
forças rebeldes de Casamança", afirmou Nino Vieira, sublinhando que
o regresso daquelas forças ao Senegal "deverá, pois, inserir-se num
processo de paz e entendimento e não transformar-se numa operação de
guerra".
Falando sobre a situação na
Guiné-Bissau, o primeiro-ministro
guineense, Francisco Fadul, afirmou que o país se encontra
"gravemente doente" com o tecido social em rotura e a honra, o
orgulho e o patriotismo ensombrados e entristecidos.
Francisco Fadul considerou, por
esse motivo, a missão do actual
governo "tão difícil e delicada quanto gratificante, pois que lhe
incumbe promover a restauração da unidade nacional".
O primeiro-ministro abordou no
seu discurso quatro áreas que
considera prioritárias na sua acção governativa, a primeira das
quais assenta na cultura da paz, tendo em vista a consolidação da
unidade nacional e o reencontro da família guineense.
Para o cumprimento desse
objectivo, Francisco Fadul defendeu a
existência na Guiné-Bissau de um estado de direito democrático e de
pluralismo político-partidário, outra área que constitui prioridade
do seu executivo.
O relançamento do sector
macro-económico, a luta contra a
pobreza e a reinserção social são outras áreas assinaladas por
Francisco Fadul, que pretende desenvolver acções profundas no
regresso dos guineenses deslocados durante a guerra e dos quadros
especializados e operadores económicos que igualmente abandonaram o
país.
O desenvolvimento de uma
política externa que salvaguarde os
laços de boa vizinhança e cooperação com o Senegal e a Guiné-Conacri
foi outra das matérias versadas por Francisco Fadul, que sublinhou a
propósito o facto dos povos dos três países nunca terem declarado a
guerra.
Por último, o primeiro-ministro
dirigiu palavras de agradecimento à comunidade internacional pelo
seu contributo "para aproximar e reconciliar as partes guineenses
antes em conflito", acrescentando estar ciente de que "o mundo vai
orgulhar-se da nossa reconciliação".
Nas outras duas intervenções
efectuadas, quer a do primeiro-ministro togolês, Kwassi Klutse, em
nome do presidente da
CEDEAO, Gnassingbe Eyadema, quer do secretário executivo da CPLP,
Marcolino Moco, ouviram-se palavras de apelo à reconciliação dos
guineenses e ao termo da guerra como meio de resolução dos
conflitos.
Kwassi Klutse chamou, a
propósito, a atenção para as crises com
que se confronta toda a África, salientando a necessidade dos
dirigentes africanos meditarem profundamente sobre todo o trabalho
que fizeram para garantir o futuro aos jovens.
"Os nossos problemas são os
conflitos, são as questões
fratricidas e a miséria que provocam às nossas populações", disse o
chefe do governo togolês, manifestando a sua satisfação pela
reconciliação na Guiné-Bissau.
Marcolino Moco, secretário
executivo da CPLP, realçou na sua
intervenção o empenhamento dos países de língua portuguesa na
solução do conflito da Guiné-Bissau, realçando que foi através deles
que se conseguiu obter o primeiro cessar-fogo entre as partes
beligerantes no país.
Lusa/fim |
Aproveito ainda, Senhor General, para lhe fazer
referência a mais 3 registos sobre o que a Sociedade Civil e a Igreja católica
pensam sobre a Reconciliação Nacional.
REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU
ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL
CARTA ABERTA
A S. Exa. o Sr. Kofi Annan, Secretário Geral das Nações
Unidas
Excelência,
A Guiné Bissau conquistou a sua independência nacional em 1974 a custo de muitos
sacrifícios. A luta de libertação nacional, estrategicamente conduzida por
Amílcar Cabral e pelos combatentes da liberdade de Pátria, havia criado enormes
expectativas junto das populações ansiosas por viverem num país independente,
soberano e com garantias de justiça e bem estar social.
Infelizmente, as conquistas da luta de libertação nacional não foram devidamente
seguidas e reformuladas, frustrando as expectativas das populações ao longo dos
tempos, tendo como principal consequência as sucessivas intervenções dos
militares na vida política do país.
Nessas condições, tornam-se cada vez mais evidentes as dúvidas dos cidadãos
sobre a capacidade efectiva dos actores políticos guineenses e da estrutura das
forças armadas em poderem encontrar soluções perante a ameaça eminente da
desintegração social, da identidade e da estabilidade nacional e regional.
Sua Excelência Senhor Secretário Geral das Nações Unidas,
Eis aqui e nos capítulos que se seguem, o espírito que moveu as Organizações da
Sociedade Civil a tomarem a iniciativa de endereçar esta Carta Aberta à V. Exa.
em nome dos superiores interesses da Nação e do respeito pelos valores da
democracia que são hoje um imperativo universal, com vista a tomada de medidas
cautelares que permitam evitar o arrastamento do país à uma derrapagem política,
económica e social.
O período pós independência foi marcado ao longo de 30 anos por vários
acontecimentos violentos - golpes de estado militares(1980 - 1999- 2003 ),
violação dos direitos humanos mais elementares, impunidade, corrupção, não
respeito pela constituição e regras democráticas;
A pobreza extrema a que a Guiné-Bissau foi encaminhada pelos sucessivos
governos, provocou uma falta de perspectiva dos vários sectores que compõem a
sociedade guineense, em particular a juventude, sem esperanças e caracterizada
pela luta pela sobrevivência, no dia a dia.
Sua Excelência Senhor Secretário Geral das Nações Unidas,
Estando profundamente preocupados com a evolução negativa da situação do país,
marcada por constantes reincidências de revoltas militares e instabilidade
política.
Cientes de que, se não forem tomadas medidas de fundo que visem corrigir tais
tendências, o país arriscar-se-á a entrar num inevitável colapso que porá em
causa a sua própria existência enquanto entidade soberana no concerto das
nações, um vasto grupo das Organizações da Sociedade Civil de diferentes
sensibilidades, representadas pelas instituições subscritoras da presente Carta,
levam à consideração de V. Exa. o seguinte:
- Tendo em conta que as constantes perturbações a ordem democrática representam
uma ameaça e consequentemente o principal obstáculo ao desenvolvimento do País;
- Tendo em conta que a escalada da violência na sociedade e com maior gravidade
no seio das forças armadas (que em várias circunstâncias ceifou inúmeras vidas
humanas e restringiu liberdades a cidadãos, em condições repugnantes, ainda por
esclarecer) e a tendência para o enraizamento de uma cultura de impunidade e da
ausência da autoridade judicial em particular, e do Estado em geral, representam
factores que alimentam o ódio, a vingança, a tensão social e o recurso a força
como método de solução dos problemas, em detrimento do respeito pela legalidade
e da eleição do diálogo como meio de solução;
- Considerando que as Forças Armadas Guineenses constituem um sector da vida
social em que os seus efectivos têm revelado fortes dificuldades de
interiorização da cultura da paz e da tolerância numa sociedade democrática;
- Considerando que as Forças Armadas estão compostas por um número elevado de
soldados e de oficiais, acima das reais necessidades de um país em reconstrução;
- Considerando que o recrutamento de mancebos para o exército não tem sido feito
com o respeito pelos critérios de igualdade de oportunidades que permitam
assegurar um equilíbrio e representatividade social e étnico;
- Considerando que a reforma necessária no seio das Forças Armadas é, sem
duvidas, uma das prioridades nacionais, mas que, no entanto, será difícil de
materializar-se apenas a custa dos esforços das entidades nacionais
isoladamente;
Assim, as Organizações da Sociedade Civil Guineense propõem à Vossa Exa., Sr.
Secretário Geral das Nações Unidas, o seguinte:
1. Que as Nações Unidas encarem a necessidade urgente de apoiar e supervisar
tecnicamente a criação e implementação de um Programa de Reformas profundas das
Forças Armadas, durante um período suficiente permitindo a criação de Forças
Armadas Republicanas;
2. Que sejam accionados mecanismos para a organização e realização de uma
iniciativa de Justiça e Reconciliação Nacional, que permita a existência de um
espaço de identificação dos erros e exorcização dos traumas;
3. Que, dessa iniciativa de Justiça e Reconciliação Nacional seja criado um
Observatório para a fiscalização das medidas de política que favoreçam a
consolidação do processo democrático em gestação, a garantia dos direitos
humanos fundamentais e das bases de equidade na justiça para todos, paz e
estabilidade no país;
4. Que seja dado o apoio necessário a realização das eleições previstas para
2005, de forma a contribuir para o processo de normalização da vida
institucional do país;
5. Que as Nações Unidas façam uso das suas prerrogativas accionando mecanismos
de apoio ao relançamento económico do país, incluindo a realização de uma mesa
redonda e implementação rigorosa de medidas de política que garantam uma boa
governação;
6. Que as organizações da sociedade civil guineense estejam implicadas de pleno
direito em todo este processo, nomeadamente a reformulação das forças armadas,
as iniciativas de justiça e reconciliação nacional, a criação e funcionamento do
observatório e relançamento económico do país.
Bissau, 01 de Novembro de 2004.
Os Subscritores da Carta Aberta
|
ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL OSC-GB
Atelier Nacional para Criação de um Entendimento Comum no Seio das Organizações
Sociedade Civil Sobre a Amnistia e a Sua Implicação no Processo de Justiça e
Reconciliação Nacional
RESOLUÇÕES FINAIS
Resultante de parceria do Conselho Permanente de
Coordenação das Organizações da Sociedade Civil com a Faculdade de Direito de
Bissau, teve lugar nos dias 04 e 5 de Fevereiro de 2005, no anfiteatro Ricardo
Sá Fernandes, em Bissau, um Atelier para a "Criação de um Entendimento Comum no
seio das Organizações da Sociedade Civil sobre o Conceito da Amnistia e sua
Implicação no Processo de Justiça e Reconciliação Nacional".
Para além das Organizações e Personalidades da Sociedade Civil, o Atelier contou
com a livre participação dos docentes e alunos da Faculdade de Direito de
Bissau.
A abertura foi presidida por S. Ex.ª, Seu Reverendíssimo Sr. Bispo de Bissau, D.
José Camnate Na Bissin, e contou com a participação do Sr. João Bernardo Honwana,
Representante Residente do Secretário-Geral das Nações Unidas, tendo sido o
primeiro tema "Consequências Jurídicos Criminais da Amnistia" orado pelo Sr. Dr.
Rui Sanhá, docente da Faculdade de Direito de Bissau, moderado pelo Sr. Dr. Luís
Manuel Cabral, Presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos. O segundo tema
" A Amnistia no Quadro da Transição Política na Guiné-Bissau ", foi orado pelo
Sr. Dr. Juliano Fernandes, também docente da Faculdade de Direito de Bissau,
moderado pelo Sr. João Pedro Alves Campo, igualmente docente da Faculdade de
Direito de Bissau.
Após algumas considerações feitas pelo Secretário Permanente das Organizações da
Sociedade Civil, Sr. Jamel Handem, sobre o início dos trabalhos, coube ao
Presidente do Conselho Permanente de Coordenação das OSC, Sr. Sabana Embalo,
proferir um discurso de saudação aos participantes, agradecendo-os e
exortando-os antecipadamente, a contribuírem positivamente na reflexão deste
assunto tão delicado e sensível para sociedade guineense.
Por sua vez, o Director da Faculdade de Direito de Bissau Dr. Vasco Biaguê,
falou enquanto dirigente dessa Instituição co-organizadora do seminário, tendo
manifestando a disponibilidade da Faculdade em contribuir na reflexão e busca de
entendimentos nas questões de interesse para o país.
A coordenação geral da organização do atelier coube ao Sr. Jamel Handem,
Secretário Permanente do Conselho Permanente de Coordenação das Organizações da
Sociedade Civil e ao Sr. Dr. Vasco Biaguê, Director da Faculdade de Direito de
Bissau.
Na sua alocução, o Reverendíssimo Bispo de Bissau, interpelou os participantes a
analisarem a problemática de amnistia de ponto de vista de um desejo profundo da
sociedade viver em paz e não de um mero mecanismo de fuga ao conflito ou a
guerra.
Assim, o Sr. Bispo aconselha que o assunto seja tratado com base na combinação
das principais dimensões da vida da pessoa humana:
A dimensão sócio-económica, que permite a restituição da dignidade da pessoa
humana e da sua reintegração social; a dimensão político-educativa, que apela a
criação de novos paradigmas educativos e culturais que justifiquem a acção de
perdoar; e a dimensão religiosa que caracteriza os sentimentos profundos do povo
guineense, enquanto denominador comum para a busca de consensos.
Para o representante do Secretário-geral das Nações Unidas, a iniciativa ora
promovida pela Sociedade Civil Guineense é oportuna, porquanto, não constitui
apenas uma preocupação nacional mas também da comunidade internacional, conforme
o disposto no art. 4º da resolução nº 1580, de 2004, do Conselho de Segurança,
na qual alertava para interligação da amnistia com o objectivo da justiça, da
reconciliação e da paz nacional.
Por fim alertou para a necessidade dos Guineenses saberem escolher os métodos de
abordagem do assunto, no sentido da busca de soluções comuns num ambiente
construtivo, precavendo-se para que as implicações das opções a adoptar não
venham a transformar-se em factores de divergências e de recrudescimentos de
conflitos no futuro.
Após apresentação de cada tema e aturados debates sobre os mesmos e,
Considerando que, mais do que um simples perdão genérico, a amnistia deve ser
entendida como um acto que contribua para corrigir os erros do passado,
reabilitar e reinserir na sociedade os responsáveis dos actos com vista a sua
plena reintegração na sociedade e a criação dum clima de paz e estabilidade
social;
Considerando que a amnistia enquanto válvula jurídica de escape permite cobrir
os vazios e imperfeições que a justiça não têm favorecido razoavelmente;
Tendo em conta que, se no processo de amnistia não forem tidos em conta as
realidades sociais e culturais e a vontade popular ela poderá conduzir a justiça
privada;
Reconhecendo que, mais do que o seu enquadramento legal, o importante é a
oportunidade da amnistia, sua pertinência, a sua gravidade, o seu espaço
temporal e a natureza dos crimes a serem por ela abrangidos;
Sabendo que o povo na qualidade de principal vítima, pode não saber quem são e
que motivações teriam originado os atropelos aos seus direitos, seus bens e
perigado a sua própria vida;
Tendo em devida consideração o artigo 4º da resolução nº 1580 de 2004, do
Conselho de Segurança das Nações Unidas, que exorta a A.N.P. a observância dos
objectivos da justiça aliados ao princípio da reconciliação nacional, como
condição indispensável a uma amnistia consensual.
As 59 organizações e personalidades da sociedade civil guineense presentes ao
Atelier deliberam o seguinte:
1- Proceder ao levantamento e a organização dos processos aos actores dos factos
e só depois eventualmente conceder a amnistia.
2- A amnistia, sendo um atributo da soberania, a sua aplicação deve ser
residual, ou seja, deve recorrer-se a ela quando todos os outros meios de
justiça não tenham ou não possam ser eficazes.
3- Há toda uma necessidade de alargamento dos debates e consultas às bases, ou
seja, às populações enquanto delegantes do poder primário, sem prejuízo do
reconhecimento da competência específica da A.N.P sobre a matéria;
4- Ter em devida consideração os princípios da separação de poderes, de
protecção de bens jurídicos, princípios de igualdade, de responsabilização, da
prevenção e da reinserção social;
5- Relativamente ao seu carácter pedagógico, as organizações da sociedade civil
entendem que a amnistia deve ser feita de forma adequada com vista a permitir
aos implicados o reconhecimento dos erros, do perdão e das vantagens de
recuperação de sua dignidade no meio social;
6- As organizações da sociedade civil, deixam bem claro que não estão contra a
amnistia mas, contudo, entendem que, em virtude de o processo da reposição da
ordem democrática estar ainda em curso e no bom caminho, não é aconselhável a
sua concessão nesta fase, porque poderá acarretar riscos e deixar de fora os
objectivos da justiça no interesse da reconciliação e da paz nacional;
7- Os participantes exigem a A.N.P. a criação duma comissão que envolva as
Organizações da Sociedade Civil, alargada a outros actores da vida política e
social, que ajude a traçar os percursos de reconciliação indispensáveis para
superar os traumas do passado e criar as bases duma sólida convivência civil.
Essa comissão deve ter como objectivo reflectir e ponderar aturadamente a
questão da concessão de amnistia. Aliás, as Organizações da Sociedade Civil,
consideram que os debates sobre a questão não devem circunscrever-se apenas a
plenária da A.N.P., pelo que devem ser alargados à toda a sociedade, facultando
todos os meios necessários à comissão a ser criada;
8- No que respeita à abrangência temporal, há que ter em conta os aspectos que
se prendem com as prescrições legais e outros, uma vez que se pretende retroagir
a amnistia ao período que vai de 1974 a esta parte;
9- A comissão nacional que vier a ser criada deverá ter em conta a necessidade
de auscultação das vítimas ou dos parentes mais próximos, nos casos em questão.
10- As Organizações da Sociedade Civil devem proceder à divulgação regular das
presentes deliberações e dos princípios e conceitos da amnistia junto dos seus
congéneres e parceiros nas bases.
Feito em Bissau, aos 05 dias do mês de Março de 2005.
|
"Ouvi o clamor do meu povo"
Exortação dos Bispos católicos da Guiné-Bissau
Às comunidades católicas das Dioceses de Bissau e de Bafatá
Ao povo guineense
Aos governantes
A todos os políticos
À comunidade internacional
"Ouvi o clamor do meu povo... Conheço, na verdade,
os seus sofrimentos" (Êx 3,7). São palavras de Deus dirigidas a Moisés,
enquanto o povo de Israel vivia debaixo da tirania do Faraó no Egipto.
Estamos certos de que Deus conhece também, e profundamente, a situação
de sofrimento e de aflição em que o nosso povo guineense ainda se
encontra, embora tenha conquistado a independência há pouco mais de
trinta anos, e estamos confiantes de que Ele ouve as nossas invocações e
atende os nossos pedidos.
Nós, pastores da Igreja Católica na Guiné-Bissau, profundamente
solidários com os anseios, angústias e esperanças do nosso povo,
damo-nos conta dum "clima generalizado de insatisfação e
descontentamento" [1], que ainda persiste. É por isso que, em virtude da
nossa missão, "não podemos calar-nos" (Act 4,20), porque a gente espera
e solicita uma palavra da Igreja, "no meio das perturbações e incertezas
da hora presente" [2].
Depois das últimas eleições legislativas, com um governo legítimo, não
obstante algumas tensões sobrevindas, parecia que estávamos a caminhar
para a normalidade institucional. Mas de repente o País assistiu,
perplexo e atemorizado, aos eventos trágicos de 6 de Outubro de 2004.
Parece nunca acabar a espiral de violências no nosso País!
Sem esquecer os esforços envidados para a edificação de um homem novo e
de um Estado de direito, infelizmente "continuamos a mostrar ao mundo o
pior que existe no ser humano: a cultura da violência, a cultura da
guerra, enfim, o apego hediondo àquilo que o Papa João Paulo II, de
saudosa memória, denominou "a cultura da morte". As convulsões por que
tem passado a Guiné-Bissau desde a independência até hoje são uma
confirmação deste facto: não há respeito pela vida do outro" [3].
Até à data, os responsáveis dos assassínios continuam impunes e a
justiça não conseguiu apurar a verdade. É o velho fenómeno da impunidade
dos criminosos, que constitui um obstáculo sério à verdadeira
reconciliação. Não pode haver reconciliação sem justiça.
Tivemos que constatar, nestes últimos tempos, o hábito de uma utilização
por vezes errada e abusiva de termos como "perdão", "reconciliação",
"amnistia".
O perdão pode ser concedido a quem se mostrar arrependido e decidido a
reparar o mal feito, mas isso não pode nem deve impedir que a justiça
siga o seu curso. A verdade deve ser encontrada, a culpa reconhecida, o
julgamento feito, as legítimas reivindicações dos lesados devem ser
satisfeitas. É este o sentido autêntico da auspicada Comissão "Verdade e
Reconciliação", baseada nos princípios da Verdade e da Justiça. É assim
que se abre caminho à cicatrização das feridas, à cessação dos ódios e
das vinganças, à paz social, realizando o ideal do Salmista: "Amor e
fidelidade encontram-se, a justiça e a paz abraçam-se" (Sal 85,11).
Aqui se insere também o tema da amnistia. É um assunto complexo e
delicado, que não pode ser abordado de maneira simplista e parcial. Há
que levar seriamente em consideração os direitos inalienáveis das
vítimas dos conflitos, homicídios, vinganças e outros crimes, vítimas
que estão ainda à espera de conhecer a verdade sobre o desaparecimento
trágico dos próprios entes queridos, reclamam que se faça justiça e se
proceda a reparações e indemnizações adequadas pelas injustiças e os
danos sofridos [4]. A amnistia implica o reconhecimento da culpa e
algumas condições, voluntárias ou impostas (por exemplo, a renúncia a
cargos político-militares).
Outra condição é que a amnistia não tenha um carácter discriminatório,
isto é, que não favoreça só uma categoria de pessoas, em detrimento de
outras. Isto poderia ser fonte de descontentamento e de ulteriores
tensões sociais.
Estas são as condições para que o perdão - valor fundamental do ponto de
vista humano e religioso - seja livremente oferecido e aceite e facilite
uma reconciliação e uma paz duradoira.
Finalmente, a amnistia não pode ser amnésia, isto é apagar a memória
histórica de um povo, que foi submetido a sofrimentos inenarráveis,
físicos e morais, desde a luta de libertação até hoje, e particularmente
durante o conflito sangrento de 1998-99. A história é mestra de vida,
fonte fecunda de ensinamentos para todos, governantes, políticos,
militares e sociedade civil em geral.
Se quisermos evitar novos conflitos, é indispensável que haja harmonia
de intentos e colaboração entre as várias instituições estatais. Por
outro lado, num verdadeiro Estado de direito, cada poder - legislativo,
executivo e judicial - goza constitucionalmente de autonomia no
exercício das suas funções. A legalidade democrática exige que um poder
não usurpe as competências do outro e que as instituições respeitem a
subordinação absoluta à hierarquia prevista pela lei. Infelizmente
nestes últimos tempos houve acontecimentos que revelam uma grave
violação destes princípios, subvertendo a ordem e aumentando
perigosamente a instabilidade do nosso País.
As eleições presidenciais, marcadas para o dia 19 de Junho de 2005, não
constituem de per si uma esperança efectiva de paz, estabilidade e
desenvolvimento da nossa Pátria. É importante termos presentes os erros
do passado, rompermos de vez com a cultura de violência, impunidade,
corrupção e falsidade na nossa terra. O nosso povo, e em particular os
jovens, precisam de candidatos íntegros ("limpos"), com credibilidade
política e moral, que saibam transcender seus interesses egoístas, suas
ambições pessoais, a sede inextinguível de conquistar a todo o custo o
poder por meios desleais, que privilegiem os interesses da Nação, o bem
comum, isto é, o bem-estar de todos os guineenses, sem distinção de
raça, religião, categoria social.
Que a Comunidade Internacional, nas suas intervenções, nomeadamente nos
momentos delicados da vida do nosso País, seja sempre inspirada pelo
respeito absoluto da legalidade, sem favorecer as ambições pessoais de
quem quer que seja; que se lembre sempre deste povo sofredor e
constantemente ameaçado e privilegie os caminhos que favorecem a
reconciliação e a paz verdadeira.
Que todos nós, católicos, evangélicos, muçulmanos, seguidores da
religião tradicional, nos unamos em oração diante do Deus único, o
Altíssimo, Senhor e Criador da Terra e do Céu. Rezemos, com insistência
e com fé, pelo nosso País, pelo seu povo e pelos seus governantes, pela
PAZ e para que, na Sua Bondade, nos ajude a sair da situação em que nos
encontramos.
Que a Vossa benção, Senhor, desça abundante sobre nós!
Bissau-Bafatá, 15 de Abril de 2005
D. Pedro Carlos Zilli, Bispo de Bafatá
P. Domingos Ca´, Vigário Geral de Bissau
|
Como lhe disse, o tema 2 é o
"ponto-chave" desta carta.
Penso que nenhum guineense pode ficar
indiferente às exposições apresentadas.
Penso que nenhum guineense ficará
fora do debate nacional sobre a Reconciliação Nacional.
Penso que o Senhor General se inclui
nesse lote de guineenses!
3-
Comissão Verdade e Reconciliação - Experiências de outros
países
África do Sul
COMISSÃO PARA A VERDADE E RECONCILIAÇÃO
A
Comissão para a Verdade e Reconciliação foi criada em 1995 pela Lei da Promoção
da Unidade Nacional e da Reconciliação (Lei 34 de 1995), com o propósito de
promover a unidade e reconciliação nacionais, num espírito de entendimento, por
meio de:
-> |
Determinação das causas, natureza e volume das graves violações dos direitos
humanos cometidas entre 1 de Março de 1960 e 5 de Dezembro de 1993.
Entretanto, em 13 de Dezembro de 1996, o Presidente Nelson Mandela anunciou
o alargamento desse período até 10 de Maio de 1994, o que ficou fixado como
lei, em 29 de Agosto de 1997, data da sua promulgação no Diário do Governo. |
-> |
Concessão de amnistia às pessoas que tenham dado prova de factos associados
a objectivos políticos; |
-> |
Determinação e revelação do destino e paradeiro das vítimas de graves
violações dos direitos humanos, bem como reabilitação da sua dignidade
humana e civil, quer pela possibilidade de relatarem essas violações quer
através de recomendações sobre o pagamento de indemnizações; |
-> |
Compilação de um relatório sobre as actividades da Comissão contendo medidas
preventivas de futuras violações dos direitos humanos. |
A
Comissão, presidida pelo Arcebispo Desmond Tutu, com sede na Cidade do Cabo,
manteve três filiais, em Joanesburgo, Durban e East London. A sua primeira
reunião realizou-se na Cidade do Cabo, em 16 de Dezembro de 1995, dia em que no
país se comemora o Dia da Reconciliação. Todas as audiências efectuadas pela
Comissão foram públicas, excepto nos casos considerados de interesse da justiça
ou necessitando protecção pessoal, nos quais as audiências se realizaram em
câmara fechada.
A CVR utilizou, como sistema de referências, uma base de dados contendo os
registos não só dos prevaricadores das violações ocorridas durante o regime de
apartheid, mas também das vítimas e dos vários acontecimentos políticos, e ainda
informações detalhadas sobre mais de 20.000 depoimentos recolhidos pela
Comissão, alegadamente sobre violações dos direitos humanos, e ainda 7000
pedidos de amnistia
Em 1 de Abril de 1997, a Comissão anunciou a doação de 3,2 milhões de randes
destinados a uma campanha para recolha de declarações das vítimas dos direitos
humanos através de todo o país, para a qual se associou a várias ONGs.
A Comissão escolheu a província de KwaZulu-Natal para o lançamento do seu
programa. Apesar do número relativamente baixo de pessoas que se prontificaram a
prestar depoimentos nesta província, durante os últimos dias antes de terminar a
data limite para recepção de declarações, 14 de Dezembro de 1997, foram
efectuadas mais de 5000 declarações adicionais.
A CVR foi assistida por três comités, nomeadamente, Comité para as Violações dos
Direitos Humanos, Comité para a Amnistia e Comité para a Indemnização e
Reabilitação.
Entre as competências do Comité para as Violações dos Direitos Humanos, conta-se
a determinação da identidade e o registo das vítimas de graves violações dos
direitos humanos cometidas dentro ou fora do país durante o período já referido.
A este Comité competia ainda apresentar um relatório à CVR, contendo todos os
pormenores das graves violações que tinha investigado. A sua primeira audiência
realizou-se em East London em 15 de Abril de 1996 e em Dezembro de 1997 foi
superior a 20.000 o número de vítimas de graves violações a apresentar
declarações à CVR, das quais 2400 efectuaram depoimentos durante audiências
públicas em todo o país.
Algumas audiências especiais sobre violações dos direitos humanos foram
superintendidas por profissionais e funcionários de instituições especializadas,
com o fim não só de determinar a gravidade dessas violações mas também de
auxiliar a CVR a formular recomendações, tendo em vista a prevenção de violações
de direitos humanos no futuro. Nestas audiências foram ouvidos membros das
anteriores Forças de Defesa da África do Sul e movimentos de libertação,
partidos políticos, serviços prisionais, comerciantes, profissionais de saúde,
jornalistas e sectores oficiais.
O Presidente da República nomeou o Juiz H.E. Mall para presidente do Comité para
a Amnistia e o Juiz A.B.M Wilson para vice-presidente. Os outros membros do
Comité eram o Juiz B.M. Ngoepe e S. Khampepe. O Parlamento, no entanto, aprovou
o alargamento do processamento de milhares de pedidos de amnistia por actos,
ofensas ou omissões cometidos por motivos políticos, condição essencial para a
aceitação para fins de análise de qualquer pedido de amnistia.
A partir do momento em que tenha sido concedida amnistia a alguém por algum acto
ou omissão, nenhuma responsabilidade civil ou criminal poderá ser pedida à
pessoa amnistiada por esse mesmo acto ou omissão.
Para a tomada de decisão pelo Comité para a Amnistia, acerca da ligação de
qualquer acto a um objectivo político, foram seis os aspectos com relevância:
-> |
o motivo do ofensor; |
-> |
o contexto, particularmente se um acto fez parte de uma insurreição política
ou acontecimento afim; |
-> |
a natureza política e factual do acto, incluindo a sua gravidade; |
-> |
o objectivo do acto, particularmente se foi fundamentalmente dirigido a um
opositor político, propriedade estatal, pessoal ou privada, ou a qualquer
indivíduo; |
-> |
se o acto foi cometido em cumprimento de uma ordem, em nome, ou com a
aprovação de uma organização da qual o ofensor era membro, agente ou
apoiante; |
-> |
a relação existente entre o acto e o objectivo político, bem como a
proporcionalidade entre o acto e o objectivo em vista. |
Em Junho de 1997, o governo sueco doou 4,5 milhões de randes à CVR com o fim de
ser acelerado o tratamento dos pedidos de amnistia. Entre outras coisas, esta
soma destinava-se a cobrir as despesas incorridas com o pessoal responsável pela
coordenação do apoio e protecção concedidos às vítimas e às suas famílias
durante as audiências para fins de amnistia.
Em Dezembro de 1997, tinham sido registados 7046 pedidos de amnistia. Deste
número, tinham sido concedidas 60 amnistias após a realização de audiências
públicas e 79 após terem sido ouvidos em câmara fechada, enquanto que, por outro
lado, tinham sido recusados 45 pedidos após a realização de audiências e outros
2574 ouvidos em câmara fechada. Realizaram-se audiências para fins de amnistia
quando os respectivos pedidos envolviam graves violações dos direitos humanos,
tal como se encontram definidas por lei.
Era da competência do Comité para a Indemnização e Reabilitação a recepção,
análise e formulação de recomendações quanto a pedidos de indemnização
apresentados pelas vítimas. Competia-lhe ainda proteger a dignidade, os valores
pessoais, as crenças e as convicções das vítimas, tendo assumido o compromisso
de aplicar métodos justos, pouco dispendiosos e acessíveis.
Em Outubro de 1997, a CVR revelou um plano para indemnização das vítimas de
graves violações dos direitos humanos que incluia pagamentos anuais até ao
montante de 23.023 randes durante um período de seis anos. Esta proposta foi
submetida à aprovação do governo em Julho de 1998, na mesma altura em que a CVR
apresentou a concessão de uma ajuda de emergência destinada a facilitar o acesso
das vítimas a alguns serviços, tais como educação e saúde.
Em Fevereiro de 1997, o governo suiço doou 1,5 milhões de randes para as vítimas
de abusos dos direitos humanos. Com este donativo, a Suiça foi o primeiro país a
contribuir para o Fundo do Presidente, criado pela Lei da Promoção da Unidade
Nacional e da Reconciliação. A partir do momento em que o Parlamento e o
Presidente da República decidiram sobre as indemnizações a pagar, as vítimas
passaram a ser indemnizadas por este Fundo.
Em Setembro de 1997, o governo aprovou uma proposta destinada a prolongar a
vigência da CVR por mais quatro meses, a fim de que esta pudesse concluir a sua
árdua tarefa. A isto seguiu-se a aprovação de novo prolongamento em Junho de
1998, ficando a Comissão autorizada a apresentar o seu relatório provisório em
31 de Outubro de 1998. Este espaço de tempo permitiu ao Comité para a Amnistia o
processamento de mais 1000 audiências de pedidos de amnistia que se encontravam
pendentes.
Programa de protecção de testemunhas
Desde 1990 que o governo reconheceu a necessidade de dar assistência e protecção
às testemunhas cujos depoimentos perante comissões de inquérito, primeiramente a
Comissão Goldstone e mais recentemente a CVR – que possuia o seu próprio
programa de protecção de testemunhas -, pudessem conduzir à condenação de
indivíduos envolvidos em actividades criminosas, tais como violência política,
actividades com terceiras forças e crime organizado.
Pela Lei de Protecção de Testemunhas, de 1998, entre outra legislação, ficou
estabelecida a criação de um gabinete central de protecção das testemunhas que
passou a funcionar sob a dependência e controlo do Ministro da Justiça. Este
gabinete passou a ser responsável pela protecção das testemunhas, de acordo com
os termos legais, bem como por todos os meios utilizados para esse fim.
Competia-lhe ainda colocar sob protecção qualquer testemunha, declarante ou
pessoa solicitada a dar prova perante um processo judicial ou comissão de
inquérito.
EM QUE CONSISTIU A COMISSÃO PARA A VERDADE E RECONCILIAÇÃO?
O Parlamento criou em 1995 a Comissão para a Verdade e Reconciliação, como parte
do processo de construção da nossa democracia, com o propósito de desvendar a
verdade acerca dos conflitos políticos do passado recente. Com este fim em
vista, a Comissão ocupou-se das graves violações dos direitos humanos ocorridas
entre 1 de Março de 1960 e 10 de Maio de 1994.
Desde o seu início que a linha de orientação de todo o trabalho desenvolvido
pela Comissão foi tentar compreender os acontecimentos desse passado recente.
Deste modo, não procurou a vingança ou a retaliação, mas sim a unidade nacional
e a reconciliação.
FINALIDADE E OBJECTIVOS
A finalidade básica da Comissão foi a de ajudar a criar uma cultura de defesa
dos direitos humanos no nosso país, a fim de que não possam voltar a ocorrer o
sofrimento e as injustiças cometidos no passado.
Os objectivos da Comissão, tal como se encontram estipulados na Lei da Promoção
da Unidade Nacional e da Reconciliação, foram os seguintes:
-> |
estabelecer um quadro completo das graves violações dos direitos humanos que
ocorreram e derivaram de conflitos ocorridos no passado; |
-> |
restituir a dignidade humana e civil às vítimas dessas violações, através da
possibilidade de relatarem as suas histórias, e fazer recomendações sobre os
modos de poderem ser auxiliadas; e |
-> |
examinar a possibilidade de ser concedida amnistia aos “prevaricadores” que
tenham cometido abusos por motivos políticos e fornecido à Comissão uma
explicação detalhada das suas acções. |
PORQUE FOI NECESSÁRIA UMA COMISSÃO PARA A VERDADE E RECONCILIAÇÃO?
O nosso país possui uma longa história de disputas políticas. Todos estes
conflitos provocaram divisões profundas na sociedade além de muito sofrimento e
de muitas violações graves dos direitos humanos.
Uma vez estabelecido um regime democrático no país, tornou-se importante revelar
os acontecimentos do passado recente, para que as pessoas pudessem pelo menos
saber não só quem tinha cometido essas violações mas também o que tinha
acontecido aos amigos, familiares e demais membros das suas comunidades. Na
posse da verdade, podemos começar a colocar o passado para trás das costas e
olhar esperançados para um futuro pacífico.
COMO ERA FORMADA A COMISSÃO PARA A VERDADE E RECONCILIAÇÃO?
A Comissão era formada por 17 Comissários designados pelo Presidente da
República. O Presidente da Comissão foi o Arcebispo Desmond Tutu, sendo o Dr.
Alex Boraine o Vice-Presidente. A fim de melhor desempenhar a sua tarefa, a
Comissão ficou dividida em três Comités:
A. Comité para as Violações dos Direitos Humanos
Este Comité proporcionou às pessoas que sofreram graves violações dos direitos
humanos uma oportunidade de poderem narrar as suas próprias histórias. No
entanto, essas violações tiveram de ser cometidas dentro de um contexto
político. Consideram-se vítimas de graves violações dos direitos humanos:
-> |
as pessoas que foram mortas, raptadas, torturadas ou muito maltratadas;
|
-> |
os familiares ou dependentes dessas pessoas. |
Era da competência deste Comité:
-> |
investigar as graves violações dos direitos humanos; |
-> |
descobrir como e por que razão ocorreram; |
-> |
descobrir os responsáveis por essas violações; e |
-> |
proceder a audiências públicas. |
Após as vítimas e as testemunhas terem contactado a Comissão, competia ao Comité
para as Violações dos Direitos Humanos a recolha e análise das respectivas
declarações. Após isto, este Comité solicitava algumas vítimas e testemunhas a
prestar um depoimento público onde têm a oportunidade de narrar as suas
histórias. Embora nem todas as vítimas e testemunhas fossem convidadas a prestar
depoimentos, todas as declarações foram tratadas com o mesmo cuidado e tomadas
em consideração no relatório final.
B. Comité para a Amnistia
Este Comité examinava a amnistia a conceder às pessoas que, por motivos
políticos, tenham cometido graves violações dos direitos humanos. Foram
incluídas nesta categoria as pessoas que mataram ou roubaram outras, desde que o
tenham feito por motivos políticos. Para se habilitarem à amnistia, as pessoas
que tenham cometido tais actos ou crimes deviam apresentar um requerimento nesse
sentido até 14 de Dezembro de 1996 com a descrição exacta dos seus actos.
Competia ao Comité para a Amnistia proceder à análise destes requerimentos e
decidir se a amnistia devia ou não ser concedida. Nessa análise, o Comité teve
sempre em consideração:
-> |
se o acto ou crime foi cometido por motivo político; |
-> |
a razão por que as pessoas o cometeram, o que de facto cometeram e a
gravidade do mesmo; |
-> |
se o que cometeram fez parte de uma insurreição, distúrbio ou acontecimento
políticos, ou se foi uma reacção a qualquer destas ocorrências; |
-> |
se o que cometeram tinha em vista atingir um opositor político; e |
-> |
se as suas organizações concordaram ou ordenaram que cometessem o que
cometeram. |
-> |
Comité não concedeu amnistia às pessoas que: |
-> |
tenham agido para seu proveito pessoal (por exemplo, se uma pessoa roubou
dinheiro para si próprio); ou |
-> |
tenham agido por ódio ou despeito (por exemplo, se uma pessoa matou alguém
por lhe ter furtado o rádio). |
Este Comité possibilitou audiências públicas, a fim de melhor poder decidir se
devia ou não conceder amnistia. Estas audiências destinavam-se geralmente às
pessoas que tenham cometido graves violações dos direitos humanos por motivo
político.
C. Comité para a Indemnização e Reabilitação
Este Comité recebeu as informações acerca das vítimas que lhe eram enviadas
pelos outros dois Comités. Após ter consultado os membros das comunidades,
apresentava as suas recomendações ao Presidente da República para que as vítimas
recebessem a indemnização apropriada. Em caso de urgência, este Comité podia
ainda recomendar uma assistência provisória.
SERVIÇO DE INVESTIGAÇÃO
A Comissão possuia um Serviço de Investigações que dava apoio aos Comités para
as Violações dos Direitos Humanos e para a Amnistia através da verificação das
declarações das testemunhas, das vítimas e das pessoas que tivessem requerido
amnistia.
PREVENÇÃO DE GRAVES VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NO FUTURO
Garantir que nenhum dos erros pertencentes ao passado possa repetir-se
constituiu um dos objectivos primordiais da Comissão para a Verdade e
Reconciliação. Para que a reconciliação venha a ter alguma possibilidade de
sucesso é imperativo fomentar uma cultura de defesa dos direitos humanos. A
Comissão reconheceu, no entanto, ser necessário levar a efeito um conjunto de
acções simultâneas, para que essa prática se possa vir a tornar uma realidade.
O relatório da Comissão, os registos dos processos e as gravações áudio e vídeo
das audiências públicas formam um enorme património que permite manter viva a
memória do público que a ele deveria ter o maior acesso possível. Devem ser
criados e mantidos museus onde se possam observar as várias situações ocorridas
no passado.
Entre as diversas recomendações da Comissão ao governo, inclui-se a rápida
redução da diferença inaceitável que existe entre os mais e os menos favorecidos
na nossa sociedade, através, entre outros meios, de uma atenção mais urgente
quanto à necessidade de transformar o sector da educação, proporcionar abrigo e
acesso ao fornecimento de água e serviços de saúde, assim como oportunidades de
emprego. O reconhecimento e defesa dos direitos socio-económicos são cruciais
para o desenvolvimento e manutenção de uma cultura de defesa dos direitos
humanos.
No que respeita a criação de oportunidades de emprego, a Comissão considerou que
o papel principal competirá tanto ao sector privado como ao governo. Dois planos
de acção para os quais a Comissão solicitou a atenção do governo são a criação
de um Corpo de Paz e uma maior concentração de esforços no sector das obras
públicas que, por definição, deveria ter uma laboração intensiva.
Tornar-se-á inviável fomentar uma cultura significativa de defesa dos direitos
humanos sem que os sectores público e privado atribuam prioridade absoluta à
justiça económica. Reconhecendo que é impossível ao sector público, por si só,
encontrar os recursos necessários à concretização do objectivo de justiça
económica, a Comissão apelou ao sector privado, em particular, para que seja
examinada a possibilidade de empreender uma iniciativa específica, em termos da
criação de um fundo para formação profissional, qualificação e oportunidade para
os desfavorecidos e destituídos na África do Sul.
A Comissão recomendou, além disso, a criação de um sistema através do qual
aqueles que beneficiaram com o regime do apartheid possam contribuir para
mitigar a pobreza. A criação de um imposto sobre a riqueza foi outra das
propostas apresentadas pela Comissão. Sem procurar prescrever qualquer
estratégia, recomendou, no entanto, a máxima atenção do governo para o
aproveitamento de todos os recursos disponíveis na luta contra a pobreza.
Reconhecendo que o racismo ainda está subjacente a muitas das divisões e
fissuras que caracterizam a sociedade sul-africana, a Comissão recomendou às
instituições estatais assim como ao sector privado e à sociedade civil a tomada
de todas as medidas possíveis para eliminar o racismo. Tais medidas deverão
incluir políticas e práticas de transformação e desenvolvimento no que respeita
a estruturas, cultura e atitudes.
A elevada incidência da criminalidade constitui outro factor que impede o
estabelecimento de uma cultura de defesa dos direitos humanos. A segurança das
pessoas e dos bens é um direito humano fundamental. Além de combater a elevada e
inaceitável taxa de criminalidade, o governo deverá examinar, com carácter de
urgência, a viabilidade de criar uma forma de policiamento comunitário.
Outro obstáculo à criação de uma cultura de defesa dos direitos humanos na
África do Sul é a extensão do nível de corrupção, tanto no sector privado como
no público. Se, por um lado, se verifica uma resposta entusiástica por parte do
público em geral ao combate da pobreza e do crime, verifica-se também uma
passividade insensível em relação à falta de eficácia, corrupção e má
administração em todos os níveis dos sectores público e privado.
Os preceitos legais – aquele princípio que assegura que nenhum decreto estatal
pode anular o exercício dos direitos dos cidadãos – estão agora especificamente
estipulados na Constituição. Mesmo se as condições prevalecentes exigirem a
proclamação do estado de emergência, ninguém pode ser privado de liberdade ou
declarado culpado a não ser em consequência de sentença judicial condenatória ou
sujeito a quaisquer circunstâncias de tortura ou maus tratos. Além disso, o
governo nunca mais terá permissão para aprovar legislação respeitante à
indemnização da polícia ou de qualquer força de segurança pela instauração de
processo legal ou reclamação devidos a acções ilegais levadas a efeito em apoio
ao estado, mesmo no caso de declaração do estado de emergência no país.
PROMOÇÃO DE UMA CULTURA DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS
Tendo como objectivo a promoção de uma cultura de defesa dos direitos humanos,
que constitui a pedra angular da reconciliação, a Comissão para a Verdade e
Reconciliação fez as seguintes recomendações:
O governo deve comprometer-se novamente a realizar eleições livres regularmente
e de acordo com as normas estabelecidas.
O governo deve comprometer-se a conduzir uma administração aberta, honesta e
transparente.
O governo deve encarregar-se novamente de reexaminar a reforma e o
fortalecimento das instituições estatais, de modo a intensificar a defesa dos
direitos humanos, dando, no entanto, uma atenção especial à criação de serviços
para a defesa dos direitos humanos nos ministérios governamentais e ao aumento
dos recursos das instituições independentes de garantia dos direitos
fundamentais, particularmente a Provedoria da Justiça.
A introdução de disciplinas sobre direitos humanos na educação oficial e
especializada, bem como na formação de pessoal especializado em fazer cumprir a
lei. Estas disciplinas devem incluir alguns temas específicos, tais como
racismo, discriminação sexual, resolução de conflitos e direitos da criança.
O governo deve ter em grande consideração a possibilidade de englobar as
Comissões para a Juventude, para a Igualdade e para os Direitos Humanos numa
única Comissão para os Direitos Humanos, de modo a melhorar a capacidade de
resposta e de coordenação e ainda reduzir verbas; tal organismo deve ser
adequadamente financiado e equipado, de modo a funcionar com eficácia e
independência no cumprimento dos princípios de abertura e responsabilidade.
Uma vez que o trabalho e o relatório da Comissão constituem recursos vitais para
a educação dos direitos humanos, o governo deve garantir a difusão, tão ampla e
completa quanto possível, desse relatório a todos os sectores e grupos
linguísticos em todo o país. Esta tarefa pode ser levada a efeito em parceria
com a sociedade civil e incluir gravações áudio e vídeo, a fim de assegurar o
acesso ao relatório por parte de todos os que não saibam ler ou escrever.
Tanto os universitários e jornalistas como as instituições de investigação devem
ser incentivados a elaborar análises quantitativas dos dados fornecidos à
Comissão que servirão de base para a compreensão dos motivos e atitudes de todos
aqueles que se envolveram em conflitos no passado. Deve ser também dado
incentivo à pesquisa e às iniciativas que se destinem a promover um melhor
entendimento entre as pessoas das diferentes correntes de opinião.
UMA MENSAGEM DO PRESIDENTE DA COMISSÃO
Quando iniciámos o nosso trabalho, em Dezembro de 1995, dois anos parecia-nos
uma eternidade. Quase não acreditamos que tenhamos ouvido mais de 20.000
testemunhos de pessoas acerca de graves violações dos seus direitos humanos ou
dos de alguém com elas relacionadas. Cerca de 2000 pessoas foram ouvidas em
audiências públicas perante a Comissão de Violações de Direitos Humanos e
recebemos para cima de 7000 pedidos de amnistia – um número tão elevado que o
processo de amnistia prosseguiu ainda em 1999.
Escrevo primeiramente para agradecer a todos quantos participaram nos processos
da Comissão para a Verdade e Reconciliação: os que proferiram declarações e os
que generosamente relataram as suas histórias horríveis no decorrer das nossas
audições públicas. Um grande obrigado aos membros das comunidades religiosas
pelo apoio concedido a todos quantos dele necessitaram enquanto participavam do
processo de restabelecimento da verdade e reconciliação. Um obrigado também às
ONGs que concederam vários tipos de auxílio, particularmente ao denominado
programa de recolha de declarações, e apoio psicológico, entre outros, e a todos
quantos se apresentaram perante a Comissão.
Ficamos em dívida para com a comunicação social, tanto a escrita como a
electrónica, por ter ajudado a promover a CVR em todos os cantos da África do
Sul. Não poderíamos ter conseguido trabalhar sem o vosso trabalho dedicado.
Obrigado aos vários departamentos governmentais, especialmente ao Departamento
de Justiça, pelo seu inestimável apoio.
Sempre que os prevaricadores reuniram as condições necessárias que os
habilitavam à concessão de amnistia esta foi-lhes concedida imediatamente, sendo
também libertados os que se encontravam detidos. Por outro lado, as vítimas
começaram recentemente a ser assistidas e a receber indemnizações. Este aspecto
tem sido para nós uma fonte de grande preocupação e por isso temos feito o nosso
melhor para sensibilizarmos as autoridades a dedicarem a máxima urgência a este
assunto. (Temos recebido donativos de entidades internas e externas, assim como
promessas por parte do sector privado sul-africano de contribuições para o Fundo
do Presidente, de que as indemnizações serão pagas).
Sentimo-nos frequentemente destroçados pela profundidade da perversidade que nos
foi sendo revelada ao longo do processo, especialmente no que respeita aos
projectos diabólicos do Programa das Armas Químicas e Biológicas. Mas ficámos
surpreendidos e regozijamo-nos mesmo com a magnanimidade e nobreza de alma dos
que, em vez de se mostrarem amargos e vingativos, demonstraram uma enorme
capacidade de perdoar a todos os que os trataram tão horrivelmente mal.
Sim, cremos que a CVR contribuiu não só para cicatrizar e reconciliar mas para
que pudessem ocorrer a confissão, o perdão e a reconciliação. As audiências
respeitantes a alguns casos, tais como o Massacre de Bisho, ou entre Brian
Mitchel e a Comunidade de Trust Feed, ou entre as vítimas do ANC e os
prevaricadores do IFP em Richards Bay, ou a família Biehl ou ainda o assassínio
brutal de Amy, são exemplos disto mesmo.
Existem muitas outras instituições notáveis que promovem a reconciliação, tendo
a Comissão dado apenas o seu pequeno contributo. A reconciliação é um projecto
de âmbito nacional. Cada sul-africano deve cumprir a sua quota parte neste
processo de cicatrização da nossa terra e do nosso povo.
A CVR ajudou a levantar o véu e a deixar perceber a verdade. Ficamos agora a
saber o que aconteceu a Steve Biko, a Siphiwe Mtimkulu, aos Cradock Four, aos
Pebco Three e a tantos outros através do que conseguimos descobrir pelos relatos
dos prevaricadores.
Como foi bom contribuirmos para a felicidade de algumas famílias cujos entes
queridos foram levados à força, mortos e enterrados secretamente, porque em
muitos casos a CVR conseguiu que fossem exumados os restos mortais de familiares
queridos a quem foi possível proporcionar um enterro decente posteriormente.
Todas essas famílias manifestaram a sua enorme gratidão à Comissão.
Embora tenhamos cumprido o mandato que nos foi outorgado, gostaria que
pudessemos ter feito ainda mais.
Não quero terminar sem homenagear calorosamente todos os meus companheiros,
tanto os Comissários como os membros do Comité e todos os funcionários que
dedicadamente se empenharam a respeitar os seus compromissos.
Deus vos abençoe a todos.
Arcebispo Desmond Tutu
UMA MENSAGEM DO VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO
Um encerramento é sempre desagradável para qualquer indivíduo, em qualquer
sector da vida. No entanto, embora seja frequentemente penoso, traz também
consigo a oportunidade de um recomeço. Um encerramento constitui igualmente uma
experiência que muitas instituições têm que vivenciar. Este facto é
particularmente evidente no caso das comissões que, por definição, têm em geral
um curto período de vida.
O encerramento, no que respeita a Comissão para a Verdade e Reconciliação,
levanta problemas específicos e mesmo peculiares. Como é que se pode parar de
procurar a verdade? No entanto, temos que reconhecer que a revelação e a procura
da verdade não podem ficar confinadas a uma determinada comissão. A procura da
verdade e o empenhamento em a defender constituem uma questão que tem de ser
empreendida por toda a nação. A Comissão limitou-se a focar o que se deve tornar
um compromisso comum. Transparência, responsabilidade e verdade são elementos
essenciais em qualquer nação que aspire à integridade, à consolidação da
democracia e à cultura dos direitos humanos. Deste modo, essa procura nunca
finda, antes se aprofunda e alarga, de maneira a abarcar todos os sul-africanos
interessados.
Como é que se pode parar a ilusória procura da reconciliação? Ela não pode
logicamente parar. No entanto, uma simples comissão, constituída por alguns
comissários e alguns funcionários dedicados, não pode por si só encontrar a
reconciliação que é tão necessária na nossa tão dividida sociedade. Talvez o
maior contributo da CVR a este respeito tenha sido o aspecto principal que
realçou, desde o início, de que a reconciliação não é fácil, é sempre
dispendiosa e é um desafio constante. No decorrer do nosso trabalho, deparámos
com blocos de edifícios em que muitas instituições, estruturas e indivíduos são
capazes de se encerrar.
Encerramento foi também a atitude interior de muitas pessoas que foram ouvidas
pela CVR. De facto, muitas das vítimas/sobreviventes exprimiram numa linguagem
dramática a sua vontade profunda de voltar as costas ao passado e enfrentar a
vida. Muitas declararam que o facto de darem o seu testemunho perante a Comissão
era um modo de pôr fim a “um pesadelo de isolamento”. Outras disseram-nos que
era a primeira vez que conseguiam dormir desde que tinham perdido os seus entes
queridos. Outras falaram ainda de um “coração partido que tinha sido sarado”.
Em muitos casos a Comissão proporcionou aos prevaricadores uma oportunidade de
encontrarem também esse encerramento. Foram descerradas muitas recordações
enclausuradas em mentes coaguladas que agora sentiram alívio e ânimo para o
recomeço. O processo não ficará terminado sem que todos os sul-africanos que de
algum modo beneficiaram com o apartheid se confrontem com a realidade do seu
passado, aceitem a incómoda verdade da cumplicidade, dêem uma expressão prática
ao remorso e se comprometam a seguir um estilo de vida que respeite a dignidade
dos seres humanos.
O encerramento é absolutamente necessário, embora seja decididamente
desagradável e doloroso. É essencial o confronto com o passado, mas o nosso
ênfase deverá ser a construção do futuro. O nosso trabalho conjunto como
Comissão foi exigente, traumatizante e muitas vezes doloroso, mas reconheço que
não teria gostado de perder uma pequena parte dele por nada deste mundo.
O encerramento é como que morrer um pouco em relação a uma situação anterior,
mas tem sempre que ocorrer para que possa surgir uma nova vida. Os comissários e
os funcionários, profundamente enriquecidos por uma busca comum em prol da
verdade e da reabilitação, preparam-se para novas oportunidades e desafios. Um
obrigado muito especial a todos os meus colegas por um momento especial que
partilhámos nas nossas vidas.
Dr. Alex Boraine
Fonte: Embaixada da
República da África do Sul em Portugal
|
Revista "MUNDO e MISSÃO" Atualidades no Mundo - Américas
CHILE
O golpe de Estado no Chile completa trinta anos. Deposto Allende,
começa a ditadura de Pinochet. Hoje, uma comissão
está encarregada de desmascarar seus massacres e torturas
|
memória e
reconciliação |
por Haydée Rojas Escobar
Há
trinta anos, Maria Luisa Sepúlveda luta pelos direitos humanos:
primeiramente, no Comitê pela Paz, no Vicariato da Solidariedade da
Arquidiocese de Santiago, agora como vice-presidente da Comissão nacional
sobre prisão política e tortura, que leva o nome do seu presidente,
monsenhor Sergio Valech, antigo diretor do Vicariato. Casada, mãe de três
filhos, Maria Luisa formou-se na Universidade católica de sua cidade natal,
Valparaíso, e foi mencionada pelo saudoso monsenhor Fernando Ariztía Ruiz
(bispo emérito de Copiapó, recentemente falecido) entre as pessoas
merecedoras do reconhecimento a ele conferido pela Câmara dos Deputados, em
julho de 2003. Sua história identifica-se com a história do Chile nas
últimas décadas. Foram décadas profundamente marcadas pelo golpe de Pinochet,
que aconteceu em 11 de setembro de 1973.
Qual é o objetivo principal da Comissão Valech?
- Nas últimas décadas, foram feitas reparações simbólicas para os
detentos desaparecidos, os repatriados e os que perderam os direitos
políticos, no golpe de 1973. Mas há uma exigência de justiça a ser feita,
algo de muita responsabilidade. Verificar quem sofreu prisão e tortura por
motivos políticos, propor indenização aos que ainda não receberam nada.
Antes de tudo, trata-se de reconhecê-los como vítimas sobre as quais temos
responsabilidade moral. Se resolvermos definitivamente o problema, estaremos
contribuindo com o país todo, particularmente com as vítimas.
Quantas são as vítimas ainda não identificadas?
- Não sei com exatidão. Há quem fale em 50 mil e há quem afirme serem 200
mil. A única certeza é que o Vicariato da Solidariedade tem auxiliado 47 mil
pessoas, das quais se devem subtrair os detentos desaparecidos e os
assassinados.
Que elementos então devem ser levados em conta?
- Muitos, a meu ver. Antes de tudo, devemos descobrir se houve ou não
tortura e descobrir o local e a duração da detenção. O problema não é
determinar uma escala, a partir dos crimes mais graves até os menos graves,
mas a natureza das violações. É tarefa difícil, porque precisamos considerar
as conseqüências que a experiência deixou em cada pessoa. Há casos em que
apenas três dias de detenção marcaram a vítima para sempre.
Como pode alguém provar que foi detido ou preso por motivos políticos?
- De muitos modos. Há quem recebeu ordem de prisão, quem foi processado,
quem dispõe de testemunhas... Nosso trabalho é descobrir se a pessoa esteve,
de fato, presa ou se sofreu torturas por motivos políticos. Por isso,
participam de nossa equipe advogados que colaboram com as organizações das
vítimas e com ativistas dos direitos humanos.
Por que se fala de uma reparação rigorosa?
- Qualquer medida a ser adotada será desproporcional à gravidade do dano
sofrido. Que valor financeiro pode reparar o dano causado pela tortura?
Porém, devemos considerar os recursos e as necessidades do país. Antes de
mais nada, vamos procurar a reparação moral, o reconhecimento público da
vítima. A reparação material será puramente simbólica.
É realmente possível perceber avanços na reconciliação com o passado?
- Para os chilenos houve pouco progresso, porque a sociedade reconhece
que os direitos humanos foram vilipendiados. Hoje, poucos são os que, de
fato, negam ou justificam os crimes cometidos. O restante da população os
condena decisivamente e espera que não mais se repitam. Certamente, nos
treze anos de democracia, avançamos para a verdade e a justiça. O fato é que
esse fardo, que faz parte de nossa história, pesará sobre esta geração. O
tempo e as providências que adotamos favorecerão a reconciliação na
sociedade.
Que sentido há em uma iniciativa da autoridade pública, visto que a
reconciliação é possível apenas quando os cidadãos a desejam?
- Devemos integrar essas dores, os sofrimentos e reparações, nos projetos
para o país, para que nasça um processo de reconciliação social e política.
É igualmente importante o gesto individual, pois não tenho o direito de
pedir que o outro me perdoe. Mas sei, por experiência, que a maior parte das
vítimas não pede vingança, "olho por olho", mas exige, com firmeza, a
verdade, a justiça, o reconhecimento. Querer saber onde estão os restos
mortais dos familiares para lhes dar sepultura digna não é ser contra a
reconciliação. Muitas vezes, confunde-se reconciliação com esquecimento, com
o desejo de esconder o problema. Os jovens, sobretudo, tomaram consciência
da ruptura existente naquele tempo entre os chilenos e da separação, por
longos anos, entre governo militar e sociedade civil.
Como criar um clima de reconciliação?
- Explicando que todos podem contribuir para a vida do país, reforçando a
democracia, formando as novas gerações para que saibam resolver de outra
forma os conflitos, para que não se repita no futuro aquilo que aconteceu.
O que bloqueia o empenho para os direitos humanos?
- Desde o início, eu quis saber o que acontecia no país. Sabia que havia
um profundo conflito no interior da sociedade. O golpe me colocou frente à
gravidade da situação. Próximo do consultório onde eu trabalhava, encontrei
uma mãe com filhos ainda pequenos, que me puseram a par dos verdadeiros
acontecimentos. Em uma tentativa de fuga, os responsáveis foram presos sem
opor resistência. Em seguida, foram mortos, exceto um que, chegando vivo à
câmara mortuária, foi transferido ao hospital onde foi operado. Enquanto
convalescia, foi levado pelos militares e dele nunca mais se soube nada.
Assim, alguns profissionais que, como eu, faziam parte de um grupo,
decidiram entrar no Comitê pela Paz. Uni-me a eles em 1974.
Foi muito difícil?
- Sim, porque a gente se ocupava dos casos mais graves. Todo dia
apareciam muitas pessoas, familiares dos que eram raptados em plena noite.
Ex-prisioneiros nos forneciam nomes de detentos e desaparecidos. Aprendemos
que existiam prisões secretas. Nosso objetivo era salvar vidas em perigo.
Teve medo?
- Sim. Medo, raiva, dor... Alguns dos nossos foram presos ou exilados,
outros foram mortos. Eu fui espionada muitas vezes, recebi telefonemas
intimidadores... Conhecendo aquilo que outros sofriam, as nossas dores eram
nada. Contávamos com o apoio da Igreja. Tínhamos a força dos jovens (nossa
média de idade era 25 anos). Alguns dos nossos tinham que reconhecer pessoas
desfiguradas, confortar mães que haviam perdido os filhos. Estávamos
expostos a uma dor indescritível, mas o que fazíamos tinha sentido. Hoje,
lutar pelos direitos humanos é mais fácil. O próprio governo quer a Comissão
na qual eu trabalho. O Presidente da República considera indispensável criar
o Instituto Nacional dos Direitos Humanos e da Liberdade Pública, para
formar futuros cidadãos à luz do que aconteceu, porque "não haverá o amanhã
sem o ontem". |
Fonte: http://www.pime.org.br |
Perú
Comissão da Verdade quer
ouvir a 12 mil pessoas
LIMA, Perú, Junho 21, 2002
O Conselho Nacional Evangélico do Peru (CONEP) e a Associação Paz e Esperança
organizaram mesa redonda, na quinta-feira, 20, com líderes de igrejas sobre o
papel da Comissão da Verdade e Reconciliação (CVR), criada pelo governo para
levantar as violações aos direitos humanos ocorridas no país entre 1980 a 2000.
Humberto Lay Sun, pastor da Igreja Bíblica Emmanuel e
presidente da Fraternidade Internacional de Pastores Cristãos (FIPAC), enfatizou
os requisitos para os peruanos alcançarem a reconciliação. Já o presidente do
CONEP, pastor Dario López, criticou as igrejas evangélicas por causa do silêncio
exercido durante a ditadura do presidente Alberto Fujimori (1992-2000) e pediu
mudanças na conduta pública da Igreja.
Resultado da permanente deterioração que se traduziu em crise
nos últimos 20 anos, o Peru atravessa uma situação muito delicada nos aspectos
econômico, social e político, mas sobretudo moral, alertou Lay."
Todos nós somos testemunhas e até mesmo sofremos as
conseqüências do elevado grau de corrupção e violência que o país sofreu. Os
numerosos casos de violação dos direitos humanos deixaram marcas profundas",
disse.
A igreja evangélica, lamentou, permaneceu à margem da
problemática nacional, apesar de Deus lhe falar todo esse tempo. Lembrou que foi
o governo de transição do presidente Valentín Paniagua que constituiu a Comissão
da Verdade em 2000, ampliada pelo presidente Alejandro Tolego, e que passou a se
denominar Comissão da Verdade e Reconciliação.
Lay integra a Comissão e garantiu que ela tem mandato para
apontar responsabilidades nos casos de violações aos direitos humanos.
A Comissão também poderá formular propostas de reparação às
vítimas e seus familiares. "Uma coisa terrível que as pessoas sofreram nesses 20
anos foram as humilhações", praticadas tanto pelos militares como pelos
insurgentes. "Isso gerou muita dor, destruição, despojo e feridas profundas, que
requerem uma forma de restauração se quisermos construir um Peru melhor",
declarou.
Segundo o pastor, a Comissão também poderá recomendar
reformas institucionais, legais, educativas e outras, para eliminar os fatores
que causaram situações de violência, e para que não voltem a se repetir.
Lay relatou que num importante setor da sociedade peruana
existem fortes ressentimentos contra o Estado, porque está profundamente vexada.
Nas audiências da Comissão isso fica claro. Explicou, porém, que a Comissão não
está reabrindo feridas, porque elas foram abertas ao longo dos anos.
Bem por isso, defendeu, a Comissão tem que iniciar o processo
que leve à reconciliação. A reconciliação é um imperativo, mas não vem por si só
e passa pela verdade, justiça e perdão. "A verdade foi ocultada nesses anos e a
grande maioria não conheceu a gravidade dos acontecimentos. Não haverá
reconciliação com esquecimento", proclamou.
Uma primeira tarefa da Comissão é escutar as pessoas que
sofreram abusos. A Comissão estabeleceu como meta ouvir 12 mil testemunhos. "É
doloroso e arrebentam o coração somente ouvi-los. Mas a verdade tem que sair à
luz para se alcançar a reconciliação", definiu.
Já o pastor Dario López lamentou que os evangélicos façam uma
péssima leitura da Bíblia quando se trata de assuntos de preocupação social, de
apoiar o mais fraco. "Vemos esses assuntos fora das coisas espirituais", disse.
Por isso, alguns líderes rechaçaram a idéia de defender os direitos humanos como
tarefa das igrejas e dos cristãos. "Não podemos pedir aos cristãos que se
comportem como cristãos, mas podemos pedir, sim, aos evangélicos que atuem como
cristãos", acrescentou.
E prosseguiu: "Como explicar que se chegasse às graves
violações dos direitos humanos num país onde 85% da população se dizem católicos
e 12% se declaram evangélicos? Como é possível que, com mais de 600 evangélicos
assassinados e milhares de desenraizados, não fomos capazes de denunciar o que
estava acontecendo?"
Se os evangélicos tivessem maior consciência do que a Bíblia
ensina sobre o caráter de Deus e da exigência que Ele faz aos que o conhecem ou
dizem conhecê-Lo, provavelmente a história teria sido outra, assinalou.
Dario López é cético. Ele acha difícil que com as
investigações da Comissão se chegue automaticamente à reconciliação, mas entende
que o surgimento de uma nova consciência entre os evangélicos venha a modificar
a postura pública dessa família religiosa.
Além de Lay e López, a mesa redonda, denominada Conversatório
em torno da Verdade e Reconciliação: Desafios à Igreja Evangélica, também reuniu
o diretor da Associação Paz e Esperança, Alfonso Wieland, e o coordenador da
Rede de Apoio à Comissão da Verdade e Reconciliação, Yván Ruiz.
Fonte:
http://www.alcnoticias.org
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DOCUMENTO -
Colômbia
DECLARAÇÃO FINAL
Essa
Declaração resulta do esforço conjunto da Igreja, organizações do
governo, ONGs e sociedade civil em geral, os quais reuniram cerca de 800
participantes. Nos meses anteriores, os "desafios" a que o texto alude se
centraram em impasses governamentais de natureza jurídica, social e política.
Eles implicam na "aplicação da justiça" além de qualquer "impunidade" justamente
na retomada do processo de "desmobilização das Autodefensas Unidas de Colômbia (AUC)",
interrompido desde dezembro de 2004. O instrumento concreto visado é um "projeto
de lei sobre verdade, justiça e reparação" que deveria conciliar os direitos
sociais mais antigos (à terra, por exemplo) com os direitos políticos dos
membros das AUC.
Outras duas
circunstâncias concorreram para o documento: a celebração da Campanha pela Paz
na Colômbia promovida pela Cáritas Internacional e a comemoração dos quarenta
anos da Constituição Pastoral Gaudium et Spes (do Concílio Vaticano II).
Os participantes mais ativos da reflexão foram personalidades como Luis Carlos
Restrepo, Alto Comissário para a Paz; Carlos Gaviria, senador da República;
Michael Fruhling, da Organização das Nações Unidas (ONU); Angelino Garzón,
governador da província do Valle e o vice-presidente da Conferência dos Bispos
de Colômbia, Luis Augusto Castro, também membro da Comissão Nacional de
Conciliação, além de um bom número de prelados, religiosos, representantes do
governo nacional, diplomatas, professores universitários de direitos humanos
etc.
Em editorial
assinado por Alejandro Ângulo e intitulado "Igreja y reconciliación", o Centro
de Investigación y Educación Popular (CINEP) comenta a dificuldade de elaborar
referências para tais "mecanismos da justiça, que são as brechas por onde o
sistema colombiano faz mais água, (...) [já que] a impunidade atinge níveis
superiores à média tolerável para os países funcionarem". Daí a recomendação
de "pensar o sistema em crise, mas não lhe atribuir uma completa deterioração
nem sucumbir à ilusão de crer que mais barato resulta construir um novo do que
reparar os estragos no atual".
De algum modo foi
identificado com clareza o "enfrentamento entre a tendência tecnológica da
justiça, em oposição a sua compreensão política, sublinhando-se como a primeira
corresponde ao estilo globalizante neoliberal, capitaneado pelo comércio e as
finanças, enquanto a segunda responde ao desejo humanista comprometido com o
desenvolvimento das pessoas e da sua convivência pacífica". De um lado, "os
que privilegiam o enriquecimento rápido e o consumo suntuoso típicos da
acumulação insensata de dinheiro, (...) [onde] a justiça tem que se ocupar de
regular os contratos civis, mas não pode ter demasiadas considerações com os
civis contratantes". De outro, "os que pensam que o desenvolvimento é um
problema de crescimento das pessoas e de ampliar suas possibilidades, a justiça
tem que começar por garantir os direitos econômicos, sociais e culturais, ou
seja, os direitos humanos. Esse enfrentamento do sistema de direitos é uma das
dimensões do conflito social colombiano". Sem dúvida, "metas políticas e
econômicas prevalecem dentro de uma racionalidade mortífera", dificuldade
básica da reconciliação que não foi ventilada "porque no grupo de trabalho
não havia participantes que defendessem esse tipo de racionalidade, apesar
destes abundarem na Colômbia claramente".
Nesse editorial
de CINEP, aqui citado como forma de iluminar a leitura do presente Documento,
reconhece-se o surgimento de "algumas propostas interessantes, a partir da
bem sabida norma de que a justiça é assunto demasiado importante para ficar só
em mãos de advogados. (...) Com efeito, o que se afirma é que o sistema de
direitos ou vira assunto de todos os integrantes da sociedade ou não será
conseguido".
Convocados pela
Conferência Episcopal Colombiana, através do Secretariado Nacional de Pastoral
Social e da Cáritas Colombiana, ao Terceiro Congresso Nacional de Reconciliação,
cujo tema foi "Se queres a paz, trabalha pela justiça", representantes da
Igreja Católica, de outras Igrejas, organizações e instituições sociais e
membros da comunidade internacional centramos nossa análise, reflexão, leitura
na fé e compromissos em torno da justiça como condição indispensável da
reconciliação. Partindo da escolha de quatro grandes eixos temáticos (Desafios
da aplicação da justiça na Colômbia; Justiça e direitos econômicos, sociais e
culturais; Verdade, justiça e reparação e Justiça e direito à Terra),
fundamentamos nossa visão acerca destes aspectos da realidade a partir da
Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja, quando afirma:
"A paz é
fruto da justiça" (Isaías 32,17), entendida como o respeito ao equilíbrio de
todas as dimensões da pessoa humana. Esta periga quando ao homem não se lhe
reconhece aquilo que lhe é devido enquanto tal, quando não se lhe respeita sua
dignidade e a convivência não está orientada ao bem comum (Papa Paulo VI,
Mensagem à Jornada Mundial da Paz, 1969)
A paz também
é fruto do amor, ela mesma é um ato próprio e específico de caridade (Papa
Paulo VI, Carta Encíclica Populorum Progressio, 1976)
A paz se
constrói dia a dia na busca da ordem desejada por Deus, somente podendo
florescer quando cada um reconhece a própria responsabilidade para promovê-la
(Papa Paulo VI, Mensagem à Jornada Mundial da Paz, 1974)
A violência
não constitui jamais uma resposta justa, já que a violência é um mal, ela
destrói o que pretende defender: a dignidade, a vida e a liberdade do ser
humano (Papa João Paulo II, Discurso em Drogheda, Irlanda, 29 de
setembro de 1979)
Esse olhar reflexivo nos levou às seguintes constatações:
1. O país vive um
demorado processo histórico de crise social e negação dos direitos humanos,
tendo degenerado num conflito armado que se degradou através de infrações ao
direito internacional humanitário, da incorporação de práticas corruptas nos
níveis de administração pública e, no setor privado, com o narcotráfico, o
terrorismo e outras ações criminosas.
Constatamos que,
apesar dos esforços realizados para lograr uma maior afirmação da justiça
colombiana, a situação permanece preocupante e se manifesta nos altos índices de
impunidade. A realidade social e política supera em muitos casos a normatividade
e operatividade da justiça. Observamos igualmente a grande desconfiança e
inconformidade de nossa população frente à justiça, como também os elevados
níveis de ingovernabilidade e descontrole público percebidos nestas populações.
Por conta disso, torna-se complicado o estabelecimento de um marco legal que
viabilize o processo em aspectos concretos, a exemplo da desmobilização dos
diversos grupos armados. Some-se a isso a dificuldade de uma verdadeira
legislação de nossos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, sem
os quais resulta improvável conformar um processo de paz.
É preciso
reafirmar as conseqüências perversas de um processo de globalização que prioriza
o econômico ao invés do social e os grandes interesses particulares em lugar do
bem comum. As entidades financeiras internacionais continuam detendo uma
influência determinante sobre as políticas governamentais, em detrimento das
políticas nacionais que, logicamente, deveriam levar em conta o investimento
social como um aspecto fundamental do desenvolvimento sustentável.
A situação do
mundo agrário, da propriedade fundiária e do uso adequado da terra e da água nos
revela também uma realidade de empobrecimento e iniquidade. Fenômenos como o
latifúndio e a concentração da terra em poucas mãos, muitas das vezes por vias
violentas, têm gerado o deslocamento forçado dos camponeses para os núcleos
urbanos, não sem antes convertê-los seja em reféns e escudos humanos seja em
população estigmatizada como supostos cúmplices dos grupos violentos.
A fronteira
agrária da Colômbia tem sido tomada por grandes extensões de pecuária em razão
de médios e mega projetos agro-industriais, os quais produzem, em sua mecânica
econômica, a concentração da terra, dos bens de capital e o empobrecimento e
virtual desaparição do setor campesino. Unido aos processos de abertura de
mercado, com tratados bilaterais e multilaterais de livre comércio, este
panorama põe em risco tanto a segurança como a autonomia e a soberania alimentar
dos colombianos.
2. Confrontados
com esta realidade, consideramos que o país tem que apostar definitivamente no
esclarecimento de todos os fatos violentos e repugnantes (massacres,
desaparições forçadas, sequestros etc.) que vêm ferindo profundamente famílias e
comunidades inteiras, enterrando-as na desesperança. A criação de Comissões de
Verdade e a recuperação da memória histórica são fundamentais para a
reconciliação dentro de um quadro de justiça restaurativa que implica a
reparação. Estamos convencidos que não haverá paz sem justiça social. Por tal
motivo nos preocupa a pauperização de nossa população e a exclusão de muitos
enquanto sujeitos do Estado.
Acompanhamos
atentamente os debates ocorridos no Congresso da República sobre projetos de
leis como o que trata da Justiça e paz (envolvendo o status político dos grupos
armados, o crime político, a figura e o fenômeno do terrorismo) e o que
regulamenta a Proteção dos bens e das terras das pessoas deslocadas. Tudo isso
deve levar à definição de um marco legal objetivo e viável que conduza à
aproximação das partes e à criação de espaços estáveis de diálogo.
3. Os
participantes deste Terceiro Congresso Nacional de Reconciliação nos sentimos
chamados como Igrejas vivas e como membros da sociedade civil a nos mantermos
numa atitude de análise e reflexão sobre estas realidades, discernindo segundo a
iluminação do Evangelho, os aportes da Doutrina Social da Igreja e os saberes de
nossos povos para a construção de propostas viáveis e concretas que levem à
superação integral do conflito que estamos suportando.
Diante de algumas
propostas formuladas por diversos setores políticos e estatais que buscam
estabelecer um enquadramento legal para viabilizar processos de desmobilização
de atores armados, devemos ressaltar que as leis não podem amparar a impunidade,
ainda que sob a boa intenção de propiciar a paz no país. Achamos necessária a
presença, neste processo de reconciliação, de todos os grupos armados, do Estado
e da sociedade civil, bem como do acompanhamento e do respaldo da comunidade
internacional a todos os esforços para a restauração da justiça social, da paz e
da reconciliação.
Reiteramos a
opção de todos os participantes deste Terceiro Congresso de assumir as soluções
do conflito armado pelos caminhos do diálogo, assumindo a via política e
mantendo o sentido da esperança na possibilidade que temos os colombianos de
praticar os valores humanos, deixando de lado, portanto, as estratégias
violentas e armadas.
Considerando o
papel fundamental da sociedade civil, a convidamos a assumir uma atitude crítica
e analítica que a comprometa em sua responsabilidade social, rompa com a
indiferença e sinta como própria a reconstrução do país e do Estado Social de
Direito. Respaldamos a liberdade de imprensa e fazemos um chamado aos Meios de
Comunicação e ao Estado para que permitam um jornalismo responsável,
transparente e ético, comprometido com a verdade e a análise real da situação do
país.
Nos unimos ao
sentimento da base social na necessidade de realizar acordos humanitários que
ajudem a diminuir a dor das vítimas. Convocamos a classe dirigente nacional a
assumir a vontade e a disciplina políticas suficientes e os setores
empresariais, operários e camponeses a comprometer a vontade e a disciplinas
sociais requeridas para tornar viáveis a construção e a realização de políticas,
programas e processos que gerem as transformações estruturais necessárias para a
recuperação e colocação em vigor dos direitos integrais como fator condicionante
para uma reconciliação com justiça social e a consequente paz sustentável.
Neste panorama de
inadequada posse e uso da terra, graças à qual muitos camponeses vivem
desnutridos e comunidades urbanas e rurais inteiras carecem de água potável,
incitamos os congresistas e governantes a implementar uma política agrária que
possibilite a reconstrução do setor agrário campesino, o respeito a suas
organizações, a recuperação das terras dos pequenos agricultores, a conservação
da água e o reconhecimento da terra e da biodiversidade como patrimônios
nacionais voltados prioritariamente ao desenvolvimento de condições de vida
digna para todos os colombianos, compartilhando solidariamente com o resto do
mundo nossos produtos e ecossistemas. Para tanto, faz-se crucial um verdadeiro
consenso em torno do que implica a justiça e do como se dá sua aplicabilidade,
bem como a recuperação de práticas circunscritas à verdade, ao direito e à
depuração dos distintos estamentos públicos e privados a que tenhamos acesso.
Finalmente,
convidamos todos os colombianos e colombianas a manter a esperança firme e o
compromisso solidário pela reconstrução e vigência da justiça das instituções
sociais e estatais, a recuperação da qualidade da educação, da saúde e da
reforma agrária, a geração de fontes de emprego devidamente remunerados, o
combate ao narcotráfico, à corrida armamentista e a toda forma de corrupção
pública e privada, enfim, de tudo o que um verdadeiro Estado Social de Direito
requer, de modo que todos sejamos gestores do desenvolvimento e da justiça para
a paz integral. Fazendo eco aos Papas Paulo VI e João Paulo II, somos
conscientes que a justiça, o desenvolvimento e a solidaridade são o novo nome da
paz, condições e exigências para a reconciliação entre os colombianos e
colombianas.
Bogotá, 25 de maio de 2005.
Conferência
Episcopal Colombiana
Secretariado Nacional de Pastoral Social
Cáritas Colombiana
Fonte: http://www.ceas.com.br/cadernos
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COMISSÃO
DE ACOLHIMENTO, VERDADE E RECONCILIAÇÃO DE TIMOR LESTE
O que é a Comissão de Acolhimento, Verdade e
Reconciliação?
A Comissão é um mecanismo
nacional independente que assistirá a reconciliação entre timorenses e
procurará encontrar a verdade relativa à violação de direitos humanos
cometidos entre 1974 e 1999. A Comissão foi inicialmente proposta pelo
CNRT. Posteriormente, estabelecida como uma comissão composta por
representantes do CNRT, seis timorenses, ONGs, ACNUR e a divisão de
Direitos Humanos da UNTAET. Esta Comissão deslocou-se à todos os
distritos para auscultar a opinião pública em relação a ideia de criação
da mesma. Depois do Conselho Nacional ter aprovado o
regulamento
que estabelece a Comissão, este mesmo regulamento transformou-se em
Lei em Timor Leste.
Quem será responsável pela Comissão?
A Comissão será um órgão
independente composto por 5-7 comissários nacionais, que serão
seleccionados com base nos seus conhecimentos, integridade e engajamento
na defesa dos princípios de direitos humanos. As nomeações públicas serão
recebidas por um painel de selecção, presidido pelo Administrador
Transitório. A Comissão estabelecerá seis escritórios regionais e serão
chefiados pelos respectivos chefes regionais, nomeados através do mesmo
processo .
Quando é que iniciará a selecção dos comissários?
O Painel de selecção para
os Comissários foi recentemente estabelecido . O Painel efectuará
consultas logo depois às eleições e seleccionará os melhores candidatos
para a Comissão.
A Comissão funcionará durante
dois anos (extensão de seis meses se necessário for) e elaborará um
relatório e recomendações para o Governo. Prevê-se que a Comissão inicie
seus trabalhos no fim de 2001.
O que fará a Comissão?
A Comissão exercerá três
funções principais:
1.
Procura da verdade
A Comissão investigará a
verdade sobre violação de direitos humanos ocorrida em Timor Leste entre
25 de Abril de 1974 e 25 de Outubro de 1999. A Comissão efectuará
investigações especiais e pesquisas históricas e anotará declarações à
nível nacional. Para permitir a procura da verdade, a Comissão terá
poderes de convocar pessoas para apresentação de provas perante a mesma.
2. Reconciliacao da Comunidade
A Comissão defende o principio
segundo o qual a reconciliação genuína requer justiça e os indivíduos têm
de aceitar a responsabilidade das suas acções. Pessoas que cometeram
crimes menos graves devem contactar a Comissão e solicitar que seus actos
sejam tratados pela Comissão. O Painel de lideres locais, presididos por
Comissários Regionais convocarão reuniões com os perpetradores, vitimas e
membros das comunidades locais. Os crimes serão discutidos, acordos serão
propostos, onde os perpetradores poderão executar trabalhos comunitários
ou reembolsar ou pedir desculpas publicas. Se este processo for concluído
o Tribunal do Distrito emitirá uma ordem para que os crimes abordados não
sejam processados no futuro.
3. Relatorio e Recomendação
No fim deste trabalho a
Comissão elaborará um relatório que será um testemunho histórico
importante em relação a extensão, causas e responsabilidades das violações
de direitos humanos que ocorreram entre 1974-1999. A Comissão emitirá
recomendações em relação à reformas legais e institucionais para
salvaguardar o respeito pelos direitos humanos no futuro e promover a
reconciliação nacional.
Que tipos de crimes a Comissão tratará no processo de
reconciliação na comunidade?
A Comissão poderá trabalhar
com crimes menos graves tais como roubos, assaltos menores, incendio de
residências, matancas de animais, destruição ou roubo de produtos
agrícolas no contexto do conflito político de Timor Leste .
Como é que a Comissão tratará os crimes graves?
A Comissão não poderá tratar
de crimes graves, tais como assassinatos, violações ou organização da
violência durante o processo de reconciliação comunitário. Contudo, a
Comissão poderá ouvir testemunhas ou anotar declarações de vitimas,
perpetradores e testemunhas em relação à crimes graves através do seu
processo de procura da verdade. Provas sobre os crimes graves que
surgirem no decurso dos trabalhos da Comissão serão remetidas para os
tribunais.
Porque razão a Comissão inclui a palavra acolhimento
no seu titulo?
Deve-se ao facto da Comissão
oferecer aos timorenses que regressarem de Timor Ocidental ou continuem
por lá, uma forma nao so ordeira e pacifica mas tambem de serem recebidos
fraternalmente nas suas proprias comunidades.
Como actuará a Comissão em relação aos crimes
cometidos pela Indonésia ou por aqueles que permanecem na Indonésia?
Embora a jurisdição da
Comissão seja limitada à Timor Leste, esta pode efectuar audições fora de
Timor Leste. Colherá provas que poderão ser usadas em procedimentos
criminais pela Indonésia ou pela comunidade Internacional.
Como será financiada?
A Comissão será fundada de
forma independente por doadores internacionais alguns dos quais já
prometeram o seu apoio.
Como posso participar na nomeacao de Comissarios?
Podera participar no processo
de nomeacao discutindo na sua communidade quais sao as melhores pessoas
para desempenhar a funcao de Comissarios Nacionais e Regionais.
Estas pessoas devem ser
escolhidas devido:
Os Comissarios Nacionais tem
toda a responsabilidade para exercer as funcoes do mandato da Comissao.
Havera 5 – 7 Comissarios Nacionais, todos timorenses com a possibilidade
de haver um ou dois comissarios internacionais. Pelo menos 30% devem ser
mulheres.
No mes de Outubro de 2001, o
Painel de Seleccao composto por 12 homens e mulheres representando o amplo
espectro da sociedade de Timor Leste, efectuara consultas em todos os
distritos para auscultar as propostas de nomeacoes de Comissarios
Nacionais e Regionais. Voce podera indicar pessoas durante tais
consultas. Alternativamente, voce ou a sua organizacao poderao enviar uma
carta a nomear pessoas ao Painel de Seleccao. O Painel de Selecao
consultara tambem representantes de Timor Leste que ainda se encontram em
Timor Ocidental.
Comissões Verdade e Reconciliação
Comissões Verdade e Reconciliação (CVR) foram
criadas em diversos países para resolver casos de transição após situações de
violações de direitos humanos em larga escala. “A filosofia que está por detrás
da comissão é que em qualquer conflito há demasiada criminalidade para que o
sistema normal dos tribunais a possa tratar” diz Patrick Burgess, director do
Serviço de Direitos Humanos da UNTAET (Mark Dodd online, jornalista do Sydney
Morning Herald, 23-1-01). Outro argumento é que “teoricamente fazer emergir a
verdade é mais importante para a cura nacional que pôr pessoas na prisão”
(Washington Post, 19-12-99). Priscilla Hayner que analisou 21 CVR e escreveu o
livro “Unspeakable Truths: Confronting State Terror and Atrocity”, considera que
as CVR não substituem os procedimentos criminais “pelo contrário” afirma “devem
contribuir positivamente para a justiça e os julgamentos, em último caso” pelo
Tribunal Criminal Internacional (TCI) quando este começar a funcionar. Hayner e
algumas organizações que trabalham nessa área consideram que CVR e tribunais
podem ser complementares porque se constatou por exemplo que o Tribunal
Internacional das NU para a ex Jugoslávia não toca as experiências da grande
maioria das vítimas (Richard Goldstone, The American Prospect, 12-3-01).
Todos deveríamos
compreender que a Libertação da Pátria é apenas a metade do objectivo da
independência.
Porque, depois da independência, a
Libertação do Povo constitui a outra metade do objectivo da independência.
(Xanana
Gusmão, 1999) |
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