OS SÍMBOLOS DA REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU DEVEM SER REAVALIADOS!

 

 

 

Fernando Casimiro (Didinho)

didinho@sapo.pt

15.08.2009

Fernando Casimiro (Didinho)A abertura ao Multipartidarismo na Guiné-Bissau em 1991 não significou, até  hoje, o fim do Partido Estado. Com efeito, o PAIGC continua a ser referência nos Símbolos da República, sendo em dois deles de forma camuflada, a Bandeira e as Armas e no terceiro símbolo, o Hino Nacional, de forma clara.

 

O Hino Nacional da República da Guiné-Bissau é o Hino do Partido PAIGC e isso é ilegal e põe em causa a própria Constituição da República.

 

O trabalho que hoje decidi partilhar não é por antagonismo ao PAIGC e muito menos uma desconsideração pelos que heroicamente tombaram na luta de libertação nacional para que a Guiné-Bissau e Cabo Verde se tornassem independentes. Sou um Cabralista, se quiserem, e seguirei sempre as suas linhas, o seu legado. Posto isto, quero dizer que não pretendo apagar de forma alguma, da nossa História, os registos da sua superior criatividade, em que, por exemplo, se destaca o Hino do Partido, que ainda hoje continua a ser o Hino da República, apesar de tantas mudanças, de tantos retrocessos, da ruptura aos fundamentos do próprio PAIGC em relação à luta, suas motivações e objectivos.

 

Gosto das cores da Bandeira da República da Guiné-Bissau, gosto das Armas que simbolizam a República e adoro o Hino Nacional, quer a letra, quer a música, mas... são símbolos que se confundem com os Símbolos da República da Guiné-Bissau do período Partido Estado. São símbolos do PAIGC!

 

Ainda recentemente, aquando da segunda volta das eleições presidenciais antecipadas na Guiné-Bissau, a Comissão Nacional de Eleições decidiu retirar a bandeira nacional da sua campanha cívica porque se confunde com a bandeira do PAIGC. "Os eleitores confundem-na com a do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), explicou hoje, quinta-feira, o porta-voz da CNE , Orlando Viegas".

 

Se em relação à Bandeira Nacional, se pode alegar que apesar de ter semelhanças com a Bandeira do PAIGC, diferencia-se desta que tem inscrita a sigla PAIGC, o certo é que a Bandeira Nacional foi herdada, por conveniência, da Bandeira do PAIGC, sendo que, inclusive, o significado das cores assenta na explicação sobre a Bandeira do PAIGC criada por Amilcar Cabral.

 

As Armas da República da Guiné-Bissau simbolizam, igualmente, a adopção do Emblema do PAIGC.

 

O Hino Nacional, nem sequer mereceu retoques, tal o Hino do PAIGC, tal o Hino Nacional da República da Guiné-Bissau!

Afinal, estamos ou não perante um Partido Estado, ou melhor dizendo, Estado Partidarizado?!

 

Os Símbolos do PAIGC que hoje continuam a ser Símbolos da República da Guiné-Bissau representam ideais de um percurso libertador comum, dos povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Quer a Bandeira, o Emblema e o Hino do PAIGC contemplam realidades de uma e outra identidade. Era um período propício para essa complementaridade. Cabral colocou em cada um desses símbolos, a Guiné e Cabo Verde.

 

Com o Golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980, houve uma ruptura grave que pôs fim aos ideais definidos por Amilcar Cabral no PAIGC. Essa ruptura provocou a cisão partidária e pôs fim ao processo de dirigsmo partidário do PAIGC na Guiné-Bissau e em Cabo Verde.

 

Se em Cabo Verde passou-se do PAIGC para o PAICV, na Guiné-Bissau, ainda hoje se mantém o PAIGC...para mal-estar de muitos cabo-verdianos que não aceitam que o nome do país que é deles continue a ser usado por um Partido político da Guiné-Bissau, apesar de se conhecer o processo da criação do PAIGC e da luta de libertação nacional. Porquê a continuidade, depois da ruptura, depois da destruição dos ideais traçados por Amilcar Cabral?!

 

Em Cabo Verde o Multipartidarismo fez com que se adoptasse uma nova Bandeira Nacional, a República passou a ter novas Armas e um novo Hino Nacional.

 

Na Guiné-Bissau, ninguém foi capaz de reivindicar uma revisão aos Símbolos da República, sabendo que contêm referências do processo libertador, defendendo princípios de então, como a Unidade da Guiné e Cabo Verde.

 

Não está em questão a Unidade da Guiné e Cabo Verde, sempre compreendi os propósitos de Cabral nesse sentido e não teria nenhuma reticência em estar do lado dele nessa sua pretensão!

 

O que está em causa é que a República da Guiné-Bissau, depois da ruptura do dirigismo partidário do PAIGC na Guiné-Bissau e em Cabo Verde; depois da abertura ao Multipartidarismo em 1991, continua, em 2009 a ter como Símbolos  Nacionais referências do período da luta de libertação nacional.

 

Afinal, onde estão os Partidos políticos da Guiné-Bissau?

 

Afinal, o que discutem os deputados eleitos e muito bem pagos para um país como a Guiné-Bissau?

 

Dir-me-ão que há mais coisas a fazer do que estar a discutir os Símbolos da República...

 

Dir-me-ão também que há mais coisas a fazer do que discutir  a revisão das Leis da República, há muito obsoletas, por também representarem as conveniências do

 

Partido Estado que sempre foi o PAIGC...

 

Dir-me-ão que também há mais coisas a fazer do que agendar a Revisão da Constituição da República...

 

Tantos partidos, tantos políticos, tantos defensores de um falso nacionalismo...e afinal, ninguém vê nada, ninguém diz nada, ninguém sabe de nada...

 

A República da Guiné-Bissau não pode, não deve continuar a ter um Hino Nacional em tudo idêntico ao Hino do Partido PAIGC, mesmo tendo sido o Partido Libertador!

 

 

Ah, hoje, 15 de Agosto, quero agradecer a todos quantos me telefonaram ou enviaram mensagens por ocasião do meu 48º aniversário.

 

Como podem ver, trabalha-se todos os dias...

 

Muito obrigado a todos, mesmo para os que não o fizeram por esquecimento ou por desconhecimento e que certamente o farão depois de lerem este trabalho.

 

Vamos continuar a trabalhar!

 

 

 

 

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

 

 

TÍTULO 1

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS – DA NATUREZA

E FUNDAMENTOS DO ESTADO

 

 

ARTIGO 22°

 

1 -       Os símbolos nacionais da República da Guiné-Bissau são a Bandeira, as Armas e o Hino.

 

2 -       A Bandeira Nacional da República da Guiné-Bissau é formada por três faixas rectangulares, de cor vermelha, em posição vertical, e amarela e verde, em posição horizontal, respectivamente do lado superior e do lado inferior direitos. A faixa vermelha é marcada com uma estrela negra de cinco pontas.

 

 

 

3 -       As Armas da República da Guiné-Bissau consistem em duas palmas dispostas em círculo, unidas pela base, onde assenta uma concha amarela, e ligadas por uma fita em que se inscreve o lema «UNIDADE LUTA PROGRESSO». Na parte central superior insere-se uma estrela negra de cinco pontas.

 

 

 

4 -       O Hino Nacional é Esta É a Nossa Pátria Amada.

 

 

Esta é a Nossa Pátria Amada.

Sol, suor e o verde e o mar,
Séculos de dor e esperança:
Esta é a terra dos nossos avós!
Fruto das nossas mãos,
Da flor do nosso sangue:
Esta é a nossa pátria amada.

Coro
Viva a pátria gloriosa!
Floriu nos céus a bandeira da luta.
Avante, contra o jugo estrangeiro!
Nós vamos construir
Na pátria imortal
A paz e o progresso!
Nós vamos construir
Na pátria imortal
A paz e o progresso! paz e o progresso!

Ramos do mesmo tronco,
Olhos na mesma luz:
Esta é a força da nossa união!
Cantem o mar e a terra
A madrugada e o sol
Que a nossa luta fecundou.

Coro

 


 

Estatutos do PAIGC

TÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

ARTIGO 1º

(Da fundação, sede e duração)

1. O Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo verde, abreviadamente designado por  P A I G C, fundado a 19 de Setembro de 1956, em Bissau, é um Partido nacional, democrático e a sua duração é por tempo indeterminado.

2. O PAIGC tem a sua Sede nacional  em Bissau, Capital da República da Guiné-Bissau.

ARTIGO 2º

(Da divisa e Símbolos)

  1. A Divisa do PAIGC é UNIDADE e LUTA.

 

  2. São Símbolos do PAIGC :

 

      a) O Emblema;

 

     b) A Bandeira;

 

      c) O Hino.

 

 

3. O Emblema do PAIGC tem na base uma concha amarela, donde partem dois ramos verdes de palmeira, tendo no topo a sigla PAIGC, em vermelho, e na parte

 

 inferior, a divisa UNIDADE e LUTA, estampada debaixo de uma estrela negra.

 

4. A Bandeira do PAIGC é formada por três faixas retangulares, sendo uma vermelha e vertical às outras duas, horizontalmente sobrepostas, de cores amarela e verde,

 

 respectivamente, com uma estrela negra aposta no centro da faixa vermelha, onde está escrita a sigla PAIGC, em preto.  

 

 

E o Hino...?!

 

 

REGISTOS DE LUÍS CABRAL SOBRE A BANDEIRA, O EMBLEMA E O HINO DO PAIGC

 

 

A BANDEIRA DO PAIGC

 

 

 

(..) De regresso a Conakry, retomei o meu trabalho no Secretariado, principalmente ligado à informação e propaganda dando também assistência regular ao <<Lar do Combatente>> em Bonfi. Foi ali que, pela primeira vez, foi içada a gloriosa bandeira do nosso Partido. Apresentava ela três bandas da mesma superfície: a vermelha, vertical, no canto esquerdo, com uma estrela negra de cinco pontas e a sigla do PAIGC no centro; a amarela na parte superior e a verde, dispostas horizontalmente.

 

A banda vermelha simboliza o sangue derramado pelos nossos heróis e mártires, desde os tempos imemoriais, no seu combate contra a dominação estrangeira; o verde, a nova esperança nascida nos nossos corações com o ressurgimento da luta para a paz e o progresso; o amarelo, a abundância que vai ser criada pelas nossas próprias mãos, nos nossos países libertos do colonialismo. A estrela negra lembra os objectivos do nosso grande Partido, instrumento de unidade e da libertação dos nossos povos.

 

O Amilcar regressava duma das suas missões ao estrangeiro. No <<Lar>>, um grupo de combatentes, sob o comando de Domingos Ramos, preparava-se cuidadosamente para o receber.

À chegada do Secretário-Geral do Partido, Domingos, depois de dar a voz de sentido, aproximou-se da haste que fora previamente instalada, e içou lentamente pela primeira vez a bandeira do PAIGC.

Ao dirigir-se aos camaradas depois desta cerimónia simples e emocionante, Amilcar disse que o seu voto mais profundo naquele momento era que cada combatente do nosso Partido tomasse o compromisso solene de ver e sentir os nossos povos, sempre acima dele, como flutuava naquele momento acima de todos nós, a bandeira do nosso Partido.

Como estava bonita e parecia orgulhosa, a nossa bandeira!

Com as suas cores vivas inspiradas pela magia que se desprendia das nações já independentes de África, flutuava alegremente, agitada pela brisa amena do mar. Ela enchia os nossos corações e incitava-nos ao combate para a libertação da nossa Pátria bem amada. Luís Cabral, Crónica da Libertação, páginas 114 e 115.

 

 

O EMBLEMA DO PAIGC

 

 

 

 

(..) Nos grupos de guerrilheiros em missão de exploração e mobilização, só os responsáveis eram armados com uma pistola das que alguns bons amigos nos passavam discretamente, em geral na bela paisagem da estrada marginal de Conakry. Nem todos os outros componentes tinham a sorte de levar uma faca militar. Com muitos homens totalmente desarmados, o grupo levava também na sua bagagem uma fotografia de Amilcar Cabral, uma pequena bandeira, o emblema do Partido, e alguns comprimidos para tornar potável a água que lhes aparecesse para beber, longe das tabancas.

 

O emblema do Partido apresentava dois ramos de palmeira em círculos laterais representando a Guiné, e tinha ao centro e em baixo, entre eles, uma concha representando Cabo Verde.

 

Ao alto, também entre as folhas de palmeira, estava a estrela negra do Partido e envolvendo todo este conjunto, na periferia do emblema, a inscrição Guiné e Cabo Verde - Unidade e Luta.

 

No centro do emblema, na sua parte inferior, via-se um mapa representando o continente africano, com a localização dos dois países e a sigla PAI. Todo o emblema sobrepunha-se a um facho, de que se viam, num canto da parte superior, a chama, e uma pequena ponta, à esquerda da sua parte inferior. Luís Cabral, Crónica da Libertação, página 116.

 

 

O HINO DO PAIGC

 

 

 

 

(..) Para todo o observador consciente o Secretariado-Geral, mais do que uma retaguarda, passara a ser, com a presença do Secretário-Geral, o cérebro e o coração da gloriosa luta de libertação do nosso povo. Era dali que partiam as directivas para o desenvolvimento da luta político-militar e os meios indispensáveis para isso; era dali que seguiam os bens que asseguravam a vida dos combatentes e da população; ali vinham parar os feridos e os doentes graves que não tinham tratamento no interior do país. O Secretariado-Geral devia ainda garantir a reciclagem do pessoal do ensino e dar-lhe o material para as escolas nas várias regiões do país; dali também saíam os medicamentos para os postos e as unidades guerrilheiras.

Nas condições concretas do nosso país e da nossa luta, não se tornava possível a libertação extraordinária das nossas terras pelo PAIGC nem tão-pouco valorizar o homem militante ou responsável fosse qual fosse a sua posição ou tarefa. Não é possível referir-se consciente e seriamente o mundo maravilhoso por nós criado, sem enaltecer, juntamente com o Secretário-Geral do Partido, a acção do conjunto dos dirigentes, responsáveis e simples quadros ou militantes que, a partir do Secretariado, impulsionaram com a maior dedicação e competência os diferentes aspectos da nossa vida e da nossa luta, em todos os cantos do país.

 

No Secretariado-Geral a actividade não parava desde as primeiras horas da manhã à meia-noite, ou mesmo mais tarde. Os quadros que ali trabalhavam, sem olhar aos sacrifícios pessoais que a luta impunha a muitos deles, mostraram-se sempre duma abnegação a toda a prova diante das solicitações permanentes do trabalho do Partido.

 

Não foram raras as vezes que, em vésperas das saídas do Amilcar para o exterior ou de reuniões importantes no plano internacional, se trabalhasse sem parar durante a noite inteira e se continuasse pelo dia fora até à hora da partida do avião. Para que tudo estivesse pronto, sem mostras de ter sido feito à pressa; tudo apresentado com o amor sem limites consagrado por todos à obra do nosso Partido.

 

Numa dessas noites, quando, alta madrugada, aguardávamos que nos trouxessem trabalhos dactilografados para revisão, saímos para gozar o fresco agradável sob as mangueiras majestosas que circundavam o Secretariado. O Amilcar, com as mãos atrás das costas, deslocava-se apreciando o deslumbrante luar que irradiava uma luz doce e muito clara sobre o ambiente onde o silêncio só era interrompido pelo matraquear das máquinas de escrever.

Voltando-se para mim, o Amilcar disse de repente: <<Sabes, Luís, há muita gente que pergunta como pode o PAIGC, com os poucos meios de que dispõe, fazer tantas coisas no exterior do país e ter uma presença tão forte no plano internacional. É verdade. Descobri agora qual é o nosso segredo. O nosso segredo é o TRABALHO. É que aqui ninguém pensa noutra coisa que não seja no trabalho, ninguém procura outra coisa para si que não seja poder trabalhar para o PAIGC.>>

 

Cada um deve perguntar-se como era possível trabalhar tanta gente e fazer-se tanta coisa no apartamento do Amilcar anteriormente descrito. Não era possível!

 

Tivemos, numa primeira etapa, de construir anexos que, aliás, segundo a opinião dos visitantes ficaram com muita elegância e bom gosto. Numa segunda etapa, o Governo da República da Guiné pôs à nossa disposição mais duas vivendas vizinhas da primeira.

 

As  nossas actividades no país vizinho não se limitavam a Conakry. Boké, mais perto da fronteira, também tinha um papel importante para a luta no Sul e no Leste. Pouco a pouco, foi ali aparecendo um pequeno lar, para os combatentes em trânsito, que progressivamente passava também a servir de dispensário para os doentes que não precisavam de ser hospitalizados ou estavam convalescentes, aguardando recuperação para regressar ao país. A mesma necessidade de pontos de apoio começava a fazer-se noutras localidades perto da nossa fronteira. Muitas vezes, esse ponto de apoio começava por ser a casa dum compatriota que ali vivia e trabalhava, como aconteceu em Koundara, com Marcel d´Almeida; como em Soidiou ou Ziguinchor, na República do Senegal, em casas de outros compatriotas, ou alugadas especialmente para esse fim.

 

Tudo se engrandecia, rapidamente, em progressões que exigiam esforços constantes em muitos domínios e particularmente no domínio financeiro. Muitas vezes, quando calhava eu conhecer as nossas magras possibilidades financeiras, punha ao Amilcar a questão: que faríamos se se acabasse o dinheiro? Ele era sempre de um grande optimismo sobre esta questão e dizia ser essa uma hipótese que não podíamos aceitar; não podia faltar dinheiro. Tinha de vir de algum lado para aguentar aquilo que a luta tinha criado e que era fundamental existir. Disso dependia a vitória, e nós não poderíamos em caso algum duvidar da vitória.

 

Ao nível da cúpula da direcção superior, o Amilcar fazia com o Aristides e comigo o grupo mais homogéneo que é possível fazer em direcções similares. A confiança era total em todos os aspectos da nossa actividade, e as nossas relações de profunda amizade e fraternidade estavam alicerçados nos interesses superiores dos nossos povos e do nosso Partido. O Amilcar era o líder incontestável cujo pensamento pusera a andar e continuava a alimentar a gigantesca obra do PAIGC, na Guiné e em Cabo Verde. A sua capacidade ilimitada de acção impunha a todas as frentes a dinâmica indispensável ao progresso da luta. A dispersão dos principais elementos da direcção e também a distância que o separava de muitos deles, quer pelos conhecimentos e pela experiência da vida, quer pela idade e pelo sentido de responsabilidade, levavam-no a apoiar-se em primeiro lugar no Aristides, cuja presença ao seu lado indicava-o já como o segundo homem do Partido, o companheiro verdadeiramente responsável com quem ele podia discutir todos os problemas que a luta e os homens da luta criavam regularmente.

 

Muitas vezes, depois de se ter metido na cama já para além da meia-noite, o Amilcar mandava chamar o Aristides e a mim. Sentávamo-nos, em geral, o Aristides numa cadeira e eu na cama. E uma reunião começava ali, quando ele expunha as suas ideias e as submetia em primeiro lugar à nossa opinião. Ele tinha necessidade disso, primeiro porque lhe permitia pensar em voz alta sobre questões que diziam respeito a todos nós, depois porque acreditava sinceramente no princípio de que duas cabeças pensam melhor do que uma só. Em muitas ocasiões, aproveitando certamente a liberdade que também me cabia por ser seu irmão, procurava argumentos que contrariassem as suas ideias, unicamente com o objectivo de levá-lo a fundamentar melhor o que lhe ia no pensamento.

 

Quantas decisões de importância capital para o combate foram tomadas nessas horas de inspiração, em que o Amilcar muitas vezes apenas precisava de encorajamento, para levar para a frente planos novos e extraordinários para o desenvolvimento da luta?

 

Durante os longos anos de vida e de luta em comum, não houve uma única ocasião, nem um minuto sequer, em que se escurecesse a chama dos sentimentos de amizade séria, da profunda identidade e da confiança ilimitada que unira os três primeiros dirigentes do nosso Partido. Pode-se dizer, sem risco de errar, que esses sentimentos constituíram uma das maiores forças do nosso combate.

 

Foi no seu quarto que o Amilcar me mostrou pela primeira vez versos ainda incompletos do hino do nosso Partido. Todos os quadros ansiavam por termos o nosso hino. Durante a minha visita à República Popular da China, na cidade de Xangai, tive a oportunidade de assistir a um belo espectáculo cultural. Nesse espectáculo, apresentava-se um grupo coral que interpretou maravilhosamente algumas canções revolucionárias. Entre elas, a marcha << Vamos libertar Taiwan>> agradou-me particularmente pelo seu vigor e bela melodia. Depois do espectáculo, perguntei se seria possível encontrar-me com o compositor da referida marcha. Os amigos dos Sindicatos da China, de quem era convidado, prontificaram-se a satisfazer o meu desejo e aceitaram organizar o encontro com o criador da melodia que tanto me impressionara.

 

Foi no majestoso Hotel da Paz, de Xangai, onde estava instalado, que tive o prazer de receber o compositor Xiao He, membro da Associação dos Músicos Chineses, com quem me entretive longamente. Era um homem com cabelos grisalhos que irradiava simpatia e simplicidade e que manifestou imediatamente o seu entusiasmo por ter a oportunidade de tentar compor uma música para a submeter à nossa apreciação. Cantámos algumas das nossas canções da luta e outras músicas populares da Guiné e de Cabo Verde e o artista tomou as suas notas. Queríamos que, tanto quanto fosse possível, ele conservasse as estruturas da nossa música popular.

 

Algum tempo depois do meu regresso, a Embaixada da China em Conakry entregava-me as propostas das partituras para o <<Hino do Partido>> e para o <<Hino dos Trabalhadores>>, acompanhadas de uma fita magnética com o registo das respectivas interpretações. As músicas propostas tiveram a nossa inteira aprovação.

 

Desde o nosso regresso de Cassacá, vinha insistindo com o Amilcar para escrever as letras do <<Hino do Partido>>. Convenceu-me de que o faria logo que tivesse sossego e inspiração para isso..

 

O meu irmão trabalhava numa secretária instalada num canto da sala de trabalho conjunto, no anexo geminado à sua residência. Além do Aristides, nesta mesma sala trabalhavam Henriette Vieira, secretária, e Jaime Sampa, caixa. Havia ainda uma mesa onde me instalava durante as minhas permanências no Secretariado. O Amilcar, em muitas ocasiões, era obrigado a pedir aos camaradas que saíssem da sala, quando se tratava de interlocutores sensíveis à presença de mais gente no recinto.

Porém, quando o trabalho exigia maior concentração, o Amilcar recorria ao seu quarto, onde tinha uma pequena mesa para esse fim. Este isolamento era, no entanto, muito raro, e os quadros, conhecendo os seus hábitos, apercebiam-se facilmente das ocasiões em que ele estava acumulando ideias para pôr no papel. Quando isso acontecia, circulava no Secretariado que o Cabral <<está a dar à luz...>>.

 

Nessa altura, que o soubéssemos, nada havia de especial a <<dar à luz>>, mas o Amilcar fechou-se no quarto e apareceu algum tempo depois, para me chamar.

Pode-se imaginar a minha alegria quando me mostrou o resultado do seu trabalho ainda incompleto: o <<Hino do Partido>>.

 

Já na minha presença, completou os versos ou as palavras que faltavam. Sem ser modesto, quero crer que o meu entusiasmo foi tão grande ao ouvir as primeiras notas, dando melodia às palavras de profundo sentido patriótico e de luta por ele escritas, que lhe veio a inspiração para completar o pouco que faltava.

Depois foi a explicação do conteúdo dos versos. Começou por descrever a paisagem natural e humana das nossas terras, como as encontrou o combatente do PAIGC:

 

Sol, suor, o verde e o mar,

Séculos de dor e espr`ança

Esta é a terra dos nossos avós!

 

 

Vinha a seguir a contribuição que a elas trazia a nossa geração de combatentes cuja missão era a de transformar a realidade encontrada na Pátria bem-amada:

 

Fruto das nossas mãos

Da flor do nosso sangue

Esta é a nossa Pátria amada!

 

 

Cantávamos, no coro, a Pátria gloriosa, fazendo apelo à luta sem tréguas para a realização dos nossos objectivos superiores;

 

Viva a Pátria gloriosa!

Floriu nos céus a bandeira da luta!

Avante contra o jugo estrangeiro!

Nós vamos construir na Pátria imortal

A paz e o progresso

 

 

O hino continuava explicando as origens e identidades dos povos da Guiné e de Cabo Verde:

 

Ramos do mesmo tronco

Olhos na mesma luz

Esta é a força da nossa união!

 

 

E terminava com um canto de glória às vitórias alcançadas:

 

Cantem o mar e a terra

A madrugada e o sol

Que a nossa luta fecundou!

 

Os camaradas manifestaram um grande contentamento quando souberam que tínhamos já o hino do nosso Partido, pouco tempo depois cantado em todos os cantos libertados do nosso país. Luís Cabral, Crónica da Libertação, páginas 222, 223, 224, 225, 226, 227, 228.

 

 

 

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