Guiné-Bissau  -  Hospital Central das 
FARP (2)
	 
	
	
	AUTOBIOGRAFIA
	
	
	Elísio Bento de Carvalho
	
	
	
	Prontifiquei 2 quartos, com a respectiva casa de banho e cozinha na minha 
	própria casa porque queria sobretudo o aparelho de ecografia, a fim de 
	igualarmos e competirmos, de forma saudável, com o HNSM em equipamento de 
	diagnóstico.
	
	O médico russo, portanto, dormia e comia em minha casa.
	
	
	Era eu quem lhe lavava a roupa suja, tal como fazia em relação à roupa suja 
	do nosso hospital, ao equipamento desportivo da equipa de futebol militar, a 
	«Estrela Negra».
	
	Fui eu que ofereci ao falecido CEMGFA Saco Soares Cassamá, grande amante do 
	futebol, os préstimos do HMP para lavar os equipamentos da nossa equipa 
	militar de futebol. 
	
	A lavagem de toda essa roupa suja era feita em 2 máquinas de lavar, que eram 
	por mim manejadas, pois não confiava em mais ninguém, para a devida 
	programação. 
	
	O 1º Ministro Manuel Saturnino Costa, acompanhado do seu amigo Felisberto da 
	Silva, vulgo «Papa», funcionário das Obras Públicas, viu-me em plena lavagem 
	da roupa suja do Hospital (pijamas, robes, lençóis, etc.), quando numa tarde 
	de sábado, visitou de surpresa o HMP, talvez para constatar in loco as 
	minhas falcatruas, porque as sementes da destruição de todo este trabalho, 
	com a utilização dos métodos mais sujos, tais como calúnias, já tinham sido 
	lançadas (sobre isso falarei mais à frente). 
	
	Obtive a autorização para que o médico russo exercesse no nosso hospital.
	
	No princípio tudo corria às mil maravilhas, todos satisfeitos, o médico 
	russo simpático e sempre prestável.
	
	A receita da ecografia era dividida da seguinte maneira: 75% para o Dr. 
	Alexandre Erchicov e 25% para o HMP. 
	
	O Dr. Alexandre, pela 1ª vez na vida, estava a realizar os seus sonhos, de 
	vida livre, adquirindo roupas de marcas estrangeiras (calças «Jeans», 
	bebidas e cigarros do Ocidente (coisas que não havia na URSS). 
	
	Com o tempo, à medida que se sentia integrado entre os europeus a trabalhar 
	na Guiné, o seu comportamento modificava, prevalecendo a arrogância e a 
	prepotência. 
	
	Entretanto num belo dia irrompeu pelo HMP o Sr. Empresário Mihaíl, 
	acompanhado do 
	recém designado (em 2010) Embaixador da Guiné-Bissau na Rep. Popular da 
	China, o Sr. Seco N`Tchassó (irmão do cirurgião Lássana N`Tchassó). 
	
	De forma muito agressiva, o Sr. Mikhaíl apresentou as suas reclamações ao 
	compatriota, o Dr. Alexandre Erchikov, acusando-o de não dividir as receitas 
	da ecografia com ele, de que o aparelho era seu, que ele é que o tinha 
	trazido para a Guiné, sem um único dólar nos bolsos. 
	
	O Dr. Alexandre pôs-se a chorar que nem uma criança, sem qualquer tipo de 
	reacção. 
	Eu não podia tolerar tamanha desconsideração no meu próprio gabinete, e 
	ainda mais sendo eu o Director do HMP. 
	Eu nunca estive a par do acordo entre eles para a divisão da receita de 
	ecografia. 
	
	Nós dávamos 75% dela ao Dr. Alexandre e 25%, era para o HMP. 
	Pura e simplesmente peguei no aparelho, entreguei-o ao Sr. Mikhaíl, 
	convidando-o a abandonar o meu gabinete, antes que tomasse medidas mais 
	drásticas perante o seu feio e indigno comportamento. 
	
	Saliento aqui os esforços do Sr. Seco N`Tchassó para a resolução pacífica e 
	civilizada do diferendo, mas os ânimos já estavam mais que exaltados. 
	
	Foi assim que aconteceu a separação do Dr. Alexandre e o empresário Mikhail, 
	que curiosamente até à presente data  continua a viver em Bissau, 
	tentando a sorte na vida. 
	
	Eu disse ao Dr. Alexandre que um dia conseguiríamos um novo aparelho. 
	E esse dia chegou, graças ao D. Septímio Ferrazeta, e igualmente ao Prof. 
	Salazar que me informou sobre a sua existência. 
	
	Muito contribuíram os meus amigos Irmã Helena (italiana, na Missão Católica 
	de Bula) e Eng. João Fernandes (proprietário da «Casa Amiga dos 
	Deficientes», que me levaram à casa do Sr. Bispo. 
	
	E agora com o «nosso aparelho», melhor do que o antigo, continuamos com a 
	ecografia no hospital, mantendo as antigas percentagens na divisão das 
	receitas. 
	
	Inicialmente tudo corria às mil maravilhas. 
	
	Mas com o passar do tempo o nosso querido Dr. Alexandre começou a  
	comportar-se com muita arrogância, desprezando toda a gente. 
	
	Nessa altura, já procurava mais a companhia da comunidade europeia residente 
	em Bissau. 
	
	Este comportamento acentuou-se mais depois do seu envolvimento amoroso com 
	uma das nossas enfermeiras, casada. 
	Eu era muito amigo do esposo da referida enfermeira e como o caso era mais 
	de que evidente (às claras), perturbando o normal funcionamento do Hospital, 
	tive que tomar algumas medidas para pôr cobro à situação. 
	
	Nessa altura já ninguém existia para o nosso Dr. Alexandre, para além dessa 
	enfermeira, ele deixou de colaborar com o restante pessoal da enfermagem, e 
	mesmo com alguns médicos. 
	
	Um exemplo: o Dr. Alexandre aquando das intervenções cirúrgicas, queria 
	apenas como assistente a sua enfermeira, que nem estava qualificada para 
	isso, à revelia de médicos como o Dr. Lássana N`Djai (na altura um civil, 
	aluno avançado da Faculdade de Medicina de Bissau, e com forte desejo de vir 
	a ser um cirurgião), e a Dra. Arlette (Nené) Pedreira, médica formada na 
	ex-URSS. Ambos  são actualmente eminentes cirurgiões, e a trabalharem 
	no HMP. 
	
	O Dr. Lássana N`Djai, que foi meu aluno na Escola Piloto de Bolama, é hoje 
	Major, médico cirurgião, tendo mesmo chegado a exercer o cargo no HMP. 
	
	E o Dr. Alexandre quis expulsá-lo da sala operatória em detrimento da 
	enfermeira, que seria a 2ª assistente. 
	
	Exerci a minha autoridade como Director do HMP, pois nesse dia eu estava 
	presente na qualidade de 1º assistente. 
	
	O Dr. Alexandre e a enfermeira descontentes com a minha decisão, abandonaram 
	o Bloco operatório, pois exigi que se desse prioridade àqueles que 
	provavelmente poderiam um dia, ser cirurgiões. 
	
	Peguei no bisturi e entreguei-o ao Dr. Lássana N`Djai, encorajando-o a fazer 
	uma apendicectomia, que terminou com sucesso, e desde essa data, nunca mais 
	parou. 
	
	As minhas relações com esse médico soviético pioravam a olhos vistos, já nem 
	me convidava para assistir às ecografias. 
	
	Essa atitude do Dr. Alexandre, era encorajada por muitos conterrâneos, 
	alguns mesmo,  oficiais superiores das nossas Forças Armadas (nem vale 
	a pena citar aqui nomes) e alguns enfermeiros preguiçosos, descontentes, 
	aqueles que não conseguiam acompanhar o ritmo de desenvolvimento do 
	Hospital, esgueirando-se no jogo sujo. 
	
	Foi nesse período que o médico soviético adoeceu gravemente, com um simples 
	Paludismo, e nem sabia tratar-se convenientemente. 
	Foi piorando pouco a pouco, internando-se por livre iniciativa num dos 
	nossos quartos, climatizado com um aparelho de ar condicionado meu.
	Daí 
	dava ele instruções e a amiga enfermeira cumpria. 
	Sem resultado. 
	Quase inanimado, desidratado pois nem se alimentava correctamente, a mando 
	peremptório da Responsável da Saúde Militar na época, a Tenente Coronel 
	Arlette Cabral, que entendia que seria um problema sério para o Hospital se 
	ele, o médico soviético, morresse, tive que intervir em conjunto com o Dr. 
	Lássana N`Tchasso, instaurando a adequada terapia. 
	Em 2 dias, no decorrer dos quais eu o alimentei que nem um bebé, dando-lhe 
	de comer a boca, o seu quadro clínico evoluiu positivamente. 
	E ele que já estava doente há mais de 1 semana!!! 
	
	Num belo dia, durante a visita geral aos doentes internados, descobri que 
	nem todas as prescrições indicadas para o doente «médico» foram cumpridas.
	
	
	Ao perguntar ao enfermeiro de serviço o porquê do não cumprimento das 
	prescrições, fui informado que o Dr. Alexandre tinha recusado, pois ele era 
	médico e sabia muito bem o que lhe convinha. 
	Pois é, agora pode dizer isso, já estava recuperado, foi a minha resposta.
	
	
	Ao enfermeiro (já falecido) repreendi da seguinte forma: “nós é que 
	construímos este hospital, eu é que vos dou aulas de superação já lá vão 
	quase 5 anos. Esse senhor aí deitado, naquele momento, era apenas um simples 
	doente como os demais”. 
	
	Então, zangado, frustrado com o complexo de alguns dos nossos parentes 
	perante o homem branco, tirei as únicas férias em 22 anos de trabalho, sem 
	pensar em medicina, sem ler nada, somente a descansar. 
	
	Fui para Varela numa 3ª feira, acompanhado da minha companheira e filha, na 
	nossa carrinha dupla-cabine, conduzida pelo meu amigo e irmão, hoje em 
	Lisboa, o Amândio Condom. 
	
	Montamos a nossa tenda de campismo à beira do areal da praia, e por lá 
	ficamos até 6ª feira, quando o Amândio nos foi buscar. 
	
	Foram 4 dias de puro descanso na praia de Varela, em que pude ordenar as 
	minhas ideias e tomar algumas decisões importantes, que vieram e muito, 
	influenciar a minha carreira médica, e a minha vida. 
	
	Regressado a Bissau, na 2ª feira, reuni-me com o Dr. Alexandre para lhe 
	comunicar o seguinte: 
	
	“ Sendo o ecógrafo meu, oferta do Sr. Bispo D. Septímio Ferrazeta, o 
	estabilizador da corrente eléctrica, também meu, oferta do Sr. Amidu Silá da 
	SITEC, o gel que se utilizava era enviado de Lisboa pelo meu pai, doravante 
	a receita obtida através dos exames da ecografia seria dividida da seguinte 
	maneira: 75% para o Hospital (não para mim!) e 25% para ele”. 
	E ele zangado disse que não faria mais nenhum exame. Problema seu, foi a 
	minha resposta. 
	
	Nessa mesma noite recebi um telefonema da Sra. Ten/ Cor. Arlette Cabral, 
	chefe máximo da Saúde Militar a informar-me que o Dr. Alexandre lhe tinha 
	ido entregar a chave do gabinete onde se realizava a ecografia. Arrogante, 
	convencido até ao fim!!! 
	Ela ainda me perguntou sobre qual seria a solução. 
	Respondi-lhe que mendigar para que o Doutor continuasse com os exames estava 
	fora de questão, pois eu apenas entendi que estava na hora arrumar a casa, 
	se ele não queria continuar com os exames, simplesmente fecharíamos o 
	gabinete. 
	
	Logo cedo, na manhã seguinte ao chegar ao Hospital deparei-me com a Chefe em 
	pessoa. 
	
	“ Então Elísio, como vai ser? Já temos pessoas inscritas.” 
	“ Anulem as inscrições, foi a minha resposta” 
	
	Então recebi da Sra. Ten/Cor. Arlette Cabral, chefe máximo da Saúde Militar. 
	A seguinte ordem:
	
	“ Tens estudado a ecografia ou não?” 
	
	Perante a minha resposta positiva acrescentou: 
	
	“Tens 30 minutos para te preparares, e iniciar os exames”. 
	
	Torna-se necessário aqui esclarecer o seguinte: 
	
	1º: 
	A ecografia, para mim nessa altura, em 1994 não constituía uma novidade, 
	porque em 1º lugar, no decorrer do 4º ano do curso, durante o ciclo de 
	Gineco-Obstetrícia, tive o primeiro contacto com ela e assimilei muito bem 
	os ensinamentos dados pelo nosso excelente professor. 
	
	2º: 
	Em Setembro de1990, fomos honrados com a importante visita de uma delegação 
	da saúde militar portuguesa, dirigida pelo Sr. Brigadeiro José Manuel 
	Carrilho Ribeiro, na altura Director do Hospital Principal de Lisboa (HMP), 
	a quem aqui presto as minhas sinceras homenagens e reitero o meu grande 
	obrigado. 
	
	O Sr. Brigadeiro José Manuel Carrilho Ribeiro, co-autor juntamente com a 
	Sra. Dra. Maria Luísa Moreira, de um Atlas de Ultrassonografia Abdominal no 
	final da visita ao nosso hospital, depois dos seminários e aulas, disse-me o 
	seguinte: 
	
	“ Que hospitalzinho simpático, arrumado e limpo, é pena não terem um 
	ecógrafo” 
	
	Eu respondi que nunca teríamos uma coisa daquelas. 
	
	O Sr. Brigadeiro, disse que iria ver o que fazer, mas que antes, enviaria um 
	livro sobre a ecografia, para estudarmos. 
	
	E foi assim que passados alguns dias recebi na qualidade de Director do HMP 
	2 Atlas de Ultrassonografia Abdominal, um deles, assinado por ele, 
	especialmente para mim. 
	
	Desde essa altura comecei a estudar seriamente a ecografia. 
	
	O outro Atlas foi colocado na biblioteca (pois criamos essa importante 
	secção no HMP) à disposição de interessados, que nunca apareceram!!! 
	
	O meu Atlas ainda o tenho comigo (1991-2010), em bom estado, fonte segura 
	para consultas. 
	
	Portanto, enquanto o Dr. Alexandre, quis compartilhar os seus conhecimentos, 
	eu aproveitei no máximo, pois a prática era ainda pouca, nula mesmo. 
	
	Após a ordem da Responsável da Saúde Militar, dei uma rápida vista dos olhos 
	pelo capítulo da Gineco-Obstetrícia (os pacientes eram predominantemente 
	mulheres, e em menos de 15 minutos, a tremer comecei a fazer, sozinho, 
	exames de ecografia. 
	
	Eu «congelava» as imagens, e corria para o meu gabinete que não ficava longe 
	para uma consulta do Atlas, com o suor a correr pelo rosto, com o medo de 
	não errar. 
	Cansado de tanta correria, levei o Atlas para a sala de exames, para 
	comparar as imagens obtidas com as figuras do livro. 
	
	Foi com um grande «Uffff» de alívio, que terminei os exames a 10 mulheres, 
	evitando sempre hiper-diagnósticos, tal como fazia o meu predecessor. 
	
	Nesse dia não parei mais. 
	
	Sujeitei todos os doentes femininos internados do Hospital a exames de 
	ecografia, a que acediam alegremente. 
	Li quase toda a noite, pois no dia seguinte haveria mais exames. 
	
	Foi assim que me tornei num ecografista, constituindo a ecografia até os 
	dias que correm a minha principal actividade. 
	
	Em 1998 fui beneficiado com um estágio no Hospital da Marinha em Lisboa. 
	
	Muito antes,  convidei uma eminente especialista cubana em Imagiologia, 
	a Dra. Mirta Martinez para me assessorar. 
	
	Ela achava que não era necessário, pois já conhecia o meu trabalho, mas lá a 
	convenci a vir à minha Clínica, sem qualquer custo, 3 vezes por semana, para 
	avaliarmos (para ela avaliar) os casos mais complicados. 
	Foi ela quem me ensinou a determinar o sexo. 
	
	À Dra. Mirta Martinez os meus agradecimentos, pois muito contribuiu para a 
	minha formação no domínio da ecografia. 
	
	É graças a essa sólida formação, fruto de amizade que eu conseguia 
	estabelecer com aqueles que sabiam mais do que eu, que consegui e consigo 
	sobreviver aos inúmeros sobressaltos com que me deparei na minha vida. 
	
	Graças a esses eminentes cientistas e professores, aprendi a caminhar, como 
	dizia o Amílcar Cabral, com «os próprios pés», dentro e fora do sistema, na 
	liberdade, como na prisão (Maio de 1999- Janeiro de 2000). 
	
	Os ataques à minha pessoa continuaram, com as fileiras dos meus inimigos a 
	obterem mais um reforço: o Dr. Alexandre. 
	
	Foram muitas as reuniões em que ouvi das boas: todo o tipo de acusações. 
	O meu pecado? O querer organizar um bom (razoável) hospital. 
	
	Foi após uma dessas reuniões, com duração de 2 dias, dirigida pelo falecido 
	João João Vaz, chefe do Departamento da Logística e Transportes, que 
	convidei os dissidentes a deixarem de calúnias e virem trabalhar em prol do 
	HMP. 
	Muitos aceitaram o meu convite, mas continuando sempre a sua campanha de 
	intrigas, calúnias, infelizmente procedimento habitual na nossa Guiné, nas 
	disputas pelo «Cúru» (lugar). 
	
	Foi assim que em Junho de 1995, recebi no meu gabinete, muito antes das 8:00 
	horas de manhã a comissão de inquérito criada para «investigar a situação à 
	volta do HMP», constituída pelos seguintes senhores: 
	
	Sr. João João Vaz (fal.) da Logística;
	Sr. Leonardo de Carvalho, da Contra-Inteligência Militar (ainda vivo);
	Pequeno Sambú, da Contra-Inteligência Militar (ainda vivo);
	Francisco Sofia, da Contra-Inteligência Militar (ainda vivo).
	
	A primeira pergunta da Comissão foi sobre uma hipotética (falatórios!!!) 
	conta do HMP. 
	Eu respondi que não existia nenhuma conta, em Banco nenhum. 
	
	Qual o fundamento desta questão? 
	
	Realmente o nosso Hospital era, relativamente, uma «rica» Instituição, pois 
	praticamente funcionávamos em regime de auto-financiamento. 
	
	Talvez, um dos meus pecados, foi o de ter sido capaz de executar na prática 
	as recomendações da «Iniciativa de Bamako». 
	
	A «Iniciativa de Bamako» preconizava o auto-financiamento das Instituições 
	da Saúde, gerando pequenas receitas, para o seu melhor funcionamento, pois 
	mais de que provado estava a incapacidade dos estados (governos) africanos 
	em garantir uma razoável assistência médica aos seus cidadãos. 
	
	No caso da Guiné, alguns privilegiados são contemplados com tratamento no 
	exterior (Lisboa e Dakar, e agora Paris e Havana), enquanto que a grande 
	maioria do povo, pura e simplesmente morre, por falta de recursos (técnicos, 
	medicamentosos) nos nossos hospitais. 
	Temos recursos humanos qualificados, que dignificados, poderiam muito bem 
	tomar conta da saúde do nosso povo. 
	
	O HMP, dentro de limites razoáveis, estava a conseguir tomar conta da saúde 
	dos nossos militares e não só. 
	
	A grande maioria dos pacientes internados no HMP, conforme pôde constatar 
	pessoalmente, em duas ocasiões, o 1º Ministro em 1994, Manuel Saturnino da 
	Costa, era constituída por civis. 
	
	Sim, os civis confiavam no HMP, pagavam de boa vontade as tarifas cobradas 
	pelo internamento com direito a roupa pessoal e de cama, assistência medica 
	e medicamentosa, alimentação, escova e pasta dentífrica, serviço de 
	cabeleireiro e de manicure e pedicure. 
	E tudo em perfeitas condições de higiene. Eu exagerava nos detalhes, com o 
	HMP. 
	Queria que fosse o melhor (outro crime). 
	
	Os militares que, por direito beneficiavam de todas estas condições 
	disponibilizadas por nós - equipa de trabalhadores por mim liderada, criada, 
	não PAGAVAM RIGOROSAMENTE NADA. 
	
	Existem registos magnéticos e audiovisuais das várias entrevistas realizadas 
	pelo Sr. Mamadu Betega Serra (igualmente instrumentalizado pelos meus 
	adversários), da televisão guineense em 1994, aos militares que se 
	encontravam internados, e que a essa pergunta provocatória sobre o quanto 
	tinham pago, respondiam simplesmente: NADA. 
	
	Então perante a minha resposta que não existia nenhuma conta bancária do 
	HMP, o Sr. Leonardo de Carvalho, da Contra-Inteligência Militar (ainda vivo) 
	disse que iriam revistar a minha casa. Eu respondi que podíamos ir a 
	qualquer altura que bem entendessem. 
	O inquérito terminou assim, e fomos todos no automóvel (Mercedes Benz, 200) 
	do Sr. Leonardo de Carvalho, para a minha casa no Bº de Ajuda. 
	
	Esta comissão de inquérito entretanto criada, para investigar o HMP, 
	chefiado pelo Sr. Leonardo de Carvalho ainda (até hoje, Julho de 2010), não 
	produziu documento nenhum, apesar da pressa que tinha em revistar a minha 
	casa. 
	
	«Ah, Bissau tá papiá» (“em Bissau fala-se muito”), foram as únicas palavras 
	do Cor. João João Vaz, membro da Comissão de Inquérito para me investigar.
	
	
	Não se viu os mundos e fundos de que se dizia eu ser possuidor. 
	Talvez os tivesse escondido, até hoje quiçá! 
	
	Foi nesse dia, mal terminou a revista da minha casa (pertença da família) 
	que decidi pura e simplesmente abandonar, com lágrimas, o HMP. 
	
	Ainda tentei recuperar alguns artigos pessoais, mas fui impedido a mando do 
	CEMGFA de entrar nas instalações da Base Aérea, onde ficava localizado o 
	HMP. 
	
	Outro golpe sujo que culminou com o meu abandono voluntário do HMP, no dia 
	25 de Junho de 1995, veio da parte de um «ilustre defensor dos interesses do 
	povo» o Deputado Augusto Poquena, uma pessoa que até hoje, dia em que 
	escrevo estas linhas (14 de Julho de 2010) não tive ainda a honra de 
	conhecer, nunca conversamos, nem estivemos jamais, mesmo que fosse a uma 
	distância de 1, ou 10 km ou mais, próximos, um do outro. 
	
	Sr. Deputado, até hoje não voltei a pisar o hospital da Base Aérea. 
	O HMP já não merece a sua atenção? Pelos vistos está bem e recomenda-se. 
	Eu o contemplo apenas, de longe, quando visito de vez em quando, o meu amigo 
	e irmão Bucar Dafé, que vive não muito longe. 
	
	Eu responsabilizo o Sr. Deputado Augusto Poquena de ter destruído 
	gratuitamente (será?) o HMP e convido-o em pleno séc. XXI, neste ano de 2010 
	que voltasse a repetir as acusações que fez sobre a minha pessoa, tal como 
	em 1995, na plenária da Assembleia Nacional Popular. 
	
	Caso a sua memória falhe, eu o ajudo: 
	
	O Sr. Deputado afirmou que o Hospital Militar Principal, foi PRIVATIZADO 
	pelo Dr. Elísio Bento de Carvalho (eu já escrevi que detesto a palavra 
	«Doutor», pois não o sou ainda). 
	
	O que conseguiu com a sua acusação, Sr. Deputado? 
	Nenhum tipo de acção criminal (sei lá, se é judicial) ou militar me foi 
	estabelecido. 
	Tudo passou como «món de sal na iágu», «nas águas de bacalhau». 
	
	Onde é que se viu isto? 
	
	O Director de uma Instituição estatal, privatiza-a e não lhe acontece nada?
	
	Pois é, nada, mas nada mesmo me aconteceu. 
	
	Abandonei o HMP e iniciei a minha vida PRIVADA, abri a Clínica «ABC», sita 
	no Bº de Ajuda, 1ª fase, casa nº 101. 
	
	Este meu comportamento, isto é, esta minha decisão em termos militares 
	significa: DESERÇÃO, acto grave, punível por lei. 
	
	Privatização + Deserção= 0 (zero). 
	
	Esta soma está correcta, Sr. Deputado? 
	
	Quem era o Chefe do Estado-Maior General da FARP na altura? 
	O Brigadeiro Ansumane Mané, o homem que abalou profundamente a Guiné. 
	Teria ele medo de mim? Não de certeza. 
	E ele, assim como o ministro da defesa, o Coronel Arafan Mané, o Tribunal 
	Militar, não me punem? 
	Estranho não acha? 
	Ou qual seria o objectivo no fundo da sua acusação? 
	Me ajude, por favor, passaram-se 15 anos, mas não me sinto à vontade. 
	Não preciso do tempo para que as pessoas se esqueçam do meu criminoso acto: 
	apoderar-se de um património do Estado. 
	Eu sou como a ave Phoenix. 
	Sabe o que é? 
	Ela renasce das cinzas. 
	
	Há pessoas que não querem que se recorde dos seus passados, e penso que o 
	Sr. Deputado é uma deles. 
	Porque motivo foi preso? 
	Eu fui prisioneiro de guerra, após o 7 de Junho, e com muito orgulho o digo.
	
	
	Sr. Deputado Augusto Poquena, este meu recado ser-lhe-á transmitido de 
	qualquer maneira, talvez até eu lhe envie uma cópia do capítulo das minhas 
	memórias em que me refiro a si. 
	
	Também enviarei uma cópia ao actual Procurador-geral da República, pois 
	sinto-me desonrado com a sua infundada (?!) acusação. 
	Ou tem provas? Melhor seria. 
	Só lhe peço uma coisa, que as apresente publicamente. 
	
	Eu estou bem instalado na vida, dono de uma conhecida, famosa e respeitada 
	clínica PRIVADA, a «ABC», onde já atendemos para exames de radiografia, 
	ilustres dirigentes desta terra: o actual PR, a esposa do actual 1º 
	Ministro, etc. 
	Nessa altura, foi o meu aparelho de RX que salvou a Guiné-Bissau, pois não 
	havia outro em mais nenhum lugar da nossa terra. 
	
	A clínica «ABC», Sr. Deputado Augusto Poquena, que é PRIVADA, é minha, não 
	tenho sócios nenhuns. 
	É conhecida, porque nela descarrego toda a minha energia, o meu pouco saber, 
	tal com fiz no Hospital da Base Aérea, sem nenhuma espécie de ajuda oficial.
	
	
	Pergunte ao Sr. 1º Ministro em exercício no ano de 1995. 
	
	Sabe quem era? Manuel Saturnino da Costa. 
	
	Será que foi ele quem assinou os documentos da privatização do HMP? Ele está 
	vivo, graças a Deus. 
	
	O HMP, já foi desprivatizado, Sr. Deputado? 
	
	Ou continuo a ser, o seu dono, patrão? 
	
	Convido-o a acusar-me tal como da outra vez, que apresente provas, 
	documentos da privatização do Hospital Militar Principal. 
	
	A 
	minha vida entre 1995-1998
	
	Depois da minha saída voluntária (deserção) do HMP iniciei a minha 
	actividade privada, abrindo o Consultório médico «Esperança». 
	De 1995 a 1998, foram muitas as tentativas feitas pelo então Chefe do 
	Departamento de Pessoal e Quadros, o Ten/Cor. Afonso Té (ver as várias guias 
	de marcha para voltar a trabalhar no HMP na pasta de fotos relativa ao 
	Hospital da Base Aérea). 
	Todas estas tentativas sempre esbarraram no veto do CEMGFA, o Brigadeiro 
	Ansumane Mané.
	
	Por fim, optou-se pela minha colocação na Marinha de Guerra Nacional (MGN).
	
	Novamente o veto, desta vez mais violento do Sr. CEMGFA, o Brigadeiro 
	Ansumane Mané. 
	Ao Comandante da Marinha, Feliciano Gomes foi mesmo exigida a sua presença 
	no EMGFA para explicar sobre esta tentativa de me colocar na sua unidade.
	
	
	Dessa vez foi muito duro, senti-me fortemente atingido, porque eu soube da 
	decisão da minha expulsão numa tarde, em minha casa, de forma não oficial, 
	através de uma secretária (civil) da Marinha. 
	Nem o Comandante da MGN, nem o seu Adjunto, o Caetano Gomes, tiveram a 
	coragem de me comunicar pessoalmente que eu tinha sido expulso, não só da 
	Marinha, mas também das FARP.
	
	Mesmo assim fui ter com o Caetano Gomes, informando-lhe que já estava a par 
	da decisão do CEMGFA (emitida há mais de uma semana). Exigi que me 
	entregasse esse documento (ver a pasta HMP). 
	Foi a 2ª vez que senti uma dor muito forte, de mágoa perante mais uma 
	injustiça. 
	A 1ª foi ao abandonar o HMP. 
	Eu só queria trabalhar e mais nada, nunca me alinhei em grupos, nunca 
	prestei vassalagens a nenhum chefe. 
	
	Foi assim que chegou o fatídico dia 7 de Junho de 1998. 
	
	De madrugada, por volta das 4:00 já se ouviam tiros, esporádicos, que se 
	vieram a intensificar já de manhã cedo. 
	Foi então que, de bicicleta, saí em direcção à Base Aérea. 
	Na zona de Brá, ainda não eram 7 horas, já se ouviam tiros nos quartéis aí 
	localizados (mais atrás ficava o Serviço de Armamento). 
	Nessa pedalada em direcção à Base Aérea, vi o «Nissan Patrol» do Brigadeiro 
	Ansumane Mané num vai-vem pela estrada antiga (colonial) que liga o centro 
	de Bissau ao Aeroporto (estavam a levar armas e munições para o quartel da 
	Artilharia, onde estavam concentrados os revoltosos).
	
	Na rotunda do Aeroporto encontrei-me com 2 jovens soldados, meus amigos 
	(Mussá e Quebá) que me informaram terem sido dispensados pelo Comandante da 
	Base Aérea, que por sua vez armou apenas os oficiais. Eles não sabiam o 
	porquê dessa decisão. 
	Chegado à entrada da Base Aérea vi alguns camaradas armados, que me deram 
	indicações para prosseguir, pois havia problemas no país. Quais? Ninguém 
	naquela altura podia dizer coisa alguma.
	
	 Dirigi-me então à casa do meu grande amigo Bucar Dafé, que ainda 
	estava inocentemente a dormir, informando-lhe do tiroteio na zona de QG (Sta 
	Luzia), em Brá, e sobre os colegas da Base Aérea, todos armados. Ele 
	dirigiu-se de imediato para o quartel, com a promessa de comunicar notícias 
	sobre a situação, logo que as tivesse. 
	Pelo caminho velho (antiga estrada do Aeroporto), já em direcção a casa, 
	encontrei-me com o meu antigo enfermeiro-chefe Iaia Bodjan, à paisana, na 
	sua bicicleta, dirigindo-se para o HMP, pois entraria de serviço de vela 
	nessa manhã. 
	Também estava alarmado com os tiros. 
	Foi nessa altura que vimos o próprio CEMGFA no seu carro, que vinha em 
	direcção à Artilharia. 
	Estacionou o carro, saudou-me (apesar de tudo, sempre que nos encontrávamos 
	nas ruas de Bissau ele conversava comigo, pois as nossas relações foram 
	sempre boas, cordiais). 
	Ele disse-me para regressar imediatamente a casa. 
	Teve um momento de hesitação, mas repetiu o conselho.
	
	Mais tarde vim a saber que se arrependeu depois dessa sua decisão, porque me 
	queria como médico nas suas fileiras. 
	Foi assim que ao chegar de novo a Brá me deparei com os corpos dos falecidos 
	Eugénio Spen e Rachid Saiegh. 
	Tive que retornar para atrás, a mando de um militar armado. 
	Pela estada de S. Paulo, em direcção ao Cemitério de Antula, fui para a casa 
	das Irmãs, de onde telefonei para a Amura, para me informar da situação. Em 
	vão. 
	Finalmente, depois de várias voltas pelo Bº Militar, lá consegui chegar a 
	casa, no Bº de Ajuda.
	
	Telefonei de novo para os colegas na Amura (Estado-Maior), mas estava tudo 
	confuso. 
	Inicialmente disseram-me para aguardar lá em casa, que me mandariam buscar, 
	depois houve outra ideia que talvez eu pudesse avançar para a cidade no meu 
	carro pessoal, hipótese logo posta de parte, pois podia ser metralhado. Por 
	quem? Não se sabia, os campos (as partes) ainda não estavam claramente 
	definidas. 
	Autêntica confusão.
	
	Então nessa noite de 7 (domingo) para 8 de Junho de 1998 (2ª feira), vestido 
	completamente de negro, armado com a minha AK-M 47 fiquei de atalaia, não em 
	minha casa, mas sim na casa vizinha, em frente da minha, de onde pude 
	observar movimentações de vários destacamentos militares, com uma faixa 
	vermelha de identificação no braço esquerdo.
	
	Foi assim toda a noite, ouvindo já tiros de armas mais pesadas. 
	De manhã, exausto, fui dormir à minha casa. 
	À noite, de novo no meu esconderijo, vi um grupo de homens armados a 
	dirigirem-se para a minha casa. 
	Não entraram, bateram apenas nos portões (da casa e da garagem), deram volta 
	à casa, e concluíram em voz alta, que provavelmente, eu já tinha saído. 
	Nessa altura já se tinha começado o êxodo da população, para o mais longe 
	possível dos tiros. 
	De manhã cedo apareceram o Dr. Suleimane Baió (colega da Ortopedia) e o 
	enfermeiro Malan, que antes de mais agradeceram a Deus por me encontrarem, 
	pois sabiam da missão do grupo acima referido, com o objectivo de me 
	raptarem (?), de me matarem (?), sei lá!!!
	
	Eles tiveram medo de se deslocar de noite para me avisarem. 
	Nesse dia, 9 de Junho, decidi não esperar mais que me viessem buscar (a 
	partir da Amura) e por volta das 13:00, resolvi avançar, à paisana, bem pelo 
	meio da estrada, em direcção à minha antiga unidade, a Marinha de Guerra 
	Nacional.
	
	Fui detido, no Bairro de Belém e na Chapa de Bissau, duas vezes, por 
	militares, sem nunca me identificar, porque não sabia quem era quem, a que 
	ala pertenciam e quais os seus objectivos. 
	Foi assim que na Chapa de Bissau, o Comandante da BIR (Brigada da 
	Intervenção Rápida), o malogrado António Gomes, me resgatou das mãos de 
	alguns militares (vindos do interior do país) e me levou para o Ministério 
	do Interior. 
	Eram já quase 15:00. 
	Os telefonemas a partir deste Ministério, para a Amura, ou para a MGN, com o 
	pedido de me virem buscar não surtiram efeitos. 
	Ninguém ousava atravessar a cidade.
	
	Foi assim que o mesmo António Gomes, já quase 19:00 horas, a grande 
	velocidade me transportou até o porto de Pindjiquiti, a partir do qual corri 
	em direcção aos portões da MGN, entretanto entreabertas para me acolher. 
	Fui efusivamente saudado pelo Comandante, pois eu era mais um «bom reforço».
	
	Levei cerca de 6 horas, do Bº de Ajuda à Marinha, nesse tenebroso dia. 
	Foi assim que entrei nesta guerra, e passei-a a visitar todas as frentes, 
	distribuindo medicamentos e tratando dos feridos. 
	Talvez um dia eu escreva especialmente sobre a guerra, os seus horrores. 
	
	A guerra terminou em 7 de Maio de 1999, e já no dia 10, a maioria dos 
	soldados e oficiais governamentais estavam presos. 
	
	Eu fiquei «detido» no Hospital Nacional Simão Mendes, dentro do qual podia 
	movimentar-me à vontade, sem quaisquer restrições. 
	
	Fui preso no dia 29 de Maio, sábado, e levaram-me para a Prisão da Base 
	Aérea, baptizado pelos colegas do infortúnio por «Prinda Pé» (pés suspensos, 
	talvez). 
	
	Esse nome é devido a exiguidade do espaço. 
	Presto aqui as minhas homenagens ao Dr. Camilo Simões Pereira e família, 
	que, à revelia de muitos colegas médicos, deixou-me ficar instalado no seu 
	gabinete de trabalho. 
	
	Foi também o Dr. Camilo quem me puxou para dentro do Bloco Operatório no 
	derradeiro dia do ataque a Bissau, enfiando-me, cabeça abaixo, em cima do 
	meu fardamento, uma bata operatória, pois naquele momento o Bloco já tinha 
	sido invadido por um grupo de militares da Junta à procura de médicos 
	militares «escondidos», a mando de ALGUNS COLEGAS MÉDICOS, simpatizantes da 
	Junta Militar, ou apenas simples oportunistas que já queriam marcar posição, 
	não hesitando por isso, mandar matar-me.
	
	Alguns desses colegas ainda lá estão, apesar de um ou outro já ter falecido.
	
	O 1º grupo de militares que invadiu o Bloco, era comandado pelo Major Mário 
	N`Bundé, da Artilharia Terrestre, que ao ver-me disse apenas: “Elísio, tu é 
	que estás aqui? Vá, vai trabalhar”. 
	
	Gorada esta 1ª tentativa de me mandar liquidar, novamente a mando dos 
	colegas médicos, passadas algumas horas, apareceu outro grupo dirigido pelo 
	Combatente da Liberdade da Pátria Lourenço Djemé, marido da minha antiga 
	cozinheira no Hospital da Base Aérea, de nome Isabel Djata. Quer com o 
	Lourenço, assim como a sua esposa, tive sempre as melhores relações de 
	amizade. 
	Ele, pessoa amiga, fez a meia-volta e continuei o meu trabalho. 
	
	E por lá fiquei em paz, apesar de saber sempre através de uma senhora, 
	Servente, dos planos que os referidos doutores faziam, para se verem livres 
	de mim. 
	
	Eu mesmo disse ao Dr. Camilo, que iria sair para as ruas de Bissau, fardado, 
	então seria de certeza, preso. 
	Ele respondeu-me que o meu paradeiro era do conhecimento das chefias 
	militares. 
	As minhas homenagens a essa Sra. Servente do Bloco Operatório (não vou citar 
	o nome, para evitar represálias), que corajosamente escondeu nessas 
	instalações o meu arsenal de guerra (Pistola «Makarov», 2 AK-M 47, Capacete, 
	Colete à prova de bala), no momento em que os militares da junta já se 
	irrompiam pelo HNSM, disparando fortes e impressionantes rajadas de armas 
	automáticas.
	
	As minhas homenagens pela amizade e lealdade demonstradas pelo saudoso Dr. 
	António Tamba e pelo Dr. Ença Corobó 
	
	Prisão 
	da Base Aérea, (Inferno II). 
	
	As celas estavam apinhadíssimas de presos, que muitos se suspendiam nas 
	altas grades, com os pés pendurados para o lado de fora. 
	Foi chocante ver como as pessoas mudam. 
	O guarda prisional que me recebeu, uma pessoa a quem prestava inúmeros 
	favores, já nem me conhecia, com o rosto de poucos amigos. 
	Mas tive sorte?! 
	Fui mandado para a cela Nº 9 vestido, calçado. 
	Muitos não tiveram essa «honra». Fui muito bem recebido pelos meus 
	companheiros, que abriram alas para que eu avançasse, cela adentro. 
	Indicaram-me um canto, o Cor. Ansumane Silá (antigo Chefe da Escolta 
	Presidencial) ofereceu-me um pedaço de cartão e mandou-me sentar. 
	Estava em estado choque. Tentava controlar a emoção.
	
	Lá estavam, entre outros, o Coronel do Ministério do Interior Brancossinho, 
	o Comissário Armando Nhaga. 
	
	Na 2ª feira seguinte, 31 de Agosto, já adaptado, recebi «condignamente» o 
	Dr. Benjamim Correia, Chefe dos Serviços de Anestesia e Reanimação do HNSM, 
	oferendo-lhe igualmente um pedaço de cartão, e cedendo-lhe um espaçozinho 
	para se sentar.
	
	Não havia espaço, éramos quase 50 pessoas lá dentro, numa superfície de 
	2.5x3.5mm. 
	Eu era um privilegiado, pois muitos dos camaradas alternavam-se, para ao 
	menos poderem sentar-se durante uns escassos minutos. 
	Inicialmente nem água para a higiene pessoal havia, tudo era feito com as 
	mãos, e era com essas mesmas mãos que comíamos quando lhes desse na gana 
	entregar-nos a comida fornecida pelos nossos familiares.
	
	Foi Tagmé Na Waie quem resolveu o problema da higiene, trazendo os Bombeiros 
	para limpar as celas e restabelecer a canalização. 
	Não vale a pena acrescentar mais nada sobre a minha passagem pela Prisão da 
	Base Aérea, que às vezes designo de «Inferno I». 
	
	Posso classificar as diferentes prisões, pois fiz um autêntico périplo por 
	várias delas: 
	
	1- Base Aérea (Inferno II); 
	
	2- Cumeré, apenas por algumas horas, « Sheraton de 3 estrelas»; 
	
	3- Prisão de Mansoa, «Sheraton de 4 estrelas»; 
	
	4- 2ª Esquadra de Bissau, (Inferno I). 
	
	Dentre as prisões onde estavam os meus camaradas das forças governamentais, 
	só não estive na da Marinha, (Inferno I), onde flutuava tudo (fezes, artigos 
	pessoais, etc.) e todos (os presos), ao sabor das marés.
	
      
		DR. 
		ELÍSIO BENTO DE CARVALHO - O HOSPITAL CENTRAL DAS FARP
          
      	 22.08.2010
	
      
		
		DR. ELÍSIO BENTO DE CARVALHO  - 
		
		
		
      Biografia 
	
      	 04.07.2010
  
	
	
        
  
VAMOS CONTINUAR A 
TRABALHAR!
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