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Guiné-Bissau e as novas chefias militares 
E agora CPLP?     
Paulo M. A. 
Martins 
(*) 
paulo.m.a.martins@gmail.com 
Fortaleza (CE), Brasil, 11 de 
Maio de 2010 
 Em 
Junho de 1962, 
Amílcar Cabral apresentou-se perante o Mundo e a 
Quarta Comissão de Descolonização da ONU, afirmou-se e fez-se reconhecido como 
um notável e clarividente combatente das Nações Unidas e dos seus nobres 
objectivos de universalização da integridade dos direitos do homem a todos os 
seres humanos, neles incluindo o direito da auto-determinação e da escolha 
soberana do seu destino por todos os povos. 
  
Em 1972, 
perante o Papa Paulo VI, Amílcar Cabral falava em uníssono pelo MPLA, pela 
FRELIMO e pelo seu PAIGC. 
E agora CPLP? 
Ainda não se 
dera a independência das outras colónias portuguesas, nem tão pouco a 
Revolução dos Cravos, que viria a ocorrer a 25 de Abril de 1974, 
contudo, na base dos ideais de Amílcar Cabral, em 1971, foi proclamada em Madina 
do Boé  a independência unilateral face a Portugal, erguendo-se pioneiramente a 
voz da liberdade na jovem República da Guiné-Bissau.  
Ou alguém 
ainda terá dúvidas sobre a conspiração dos Capitães na Guiné-Bissau? Ou sobre o 
telegrama expedido em Bissau com quatrocentas assinaturas de Oficiais do Quadro 
Permanente em serviço no teatro de operações da Guiné? 
E agora CPLP? 
E agora que a 
Guiné-Bissau, terra de Amílcar Cabral, está a atravessar  uma das suas piores 
crises, com uma pretensa elite militar que ambiciona fazer política? 
E agora que a 
Guiné-Bissau está na agenda internacional como placa giratória de droga e já foi 
declarado o envolvimento da classe castrense no negócio? 
Ou será que 
estar-se-á à espera do “Noriega” guineense? E que venham os EUA 
socorrer a Guiné e os guineenses? … 
Que novo 
Chefe do Estado Maior das Forças Armadas poderá surgir neste contexto? 
Os factos 
falam por si: nenhuma nomeação das chefias militares observará a Constituição da 
República da Guiné-Bissau, ou a Lei da Defesa Nacional e, evidentemente, muito 
menos, as sensibilidades existentes no seio das Forças Armadas. 
Mas, ainda 
que nos percamos perante as atrocidades, nunca é demais repisar esses mesmos 
factos e acções, mormente à luz dos dispositivos internacionais e 
jurídico-constitucionais guineenses, a saber e sequencialmente:  
1. Invasão e 
violação das instalações da Representação das Nações Unidas – em violação ao 
artº. 105.º da Carta das Nações Unidas, onde se estabelece que a Organização 
gozará, no território de cada um dos seus membros, dos privilégios e imunidades 
necessários à realização dos seus objectivos;  
2. Alteração 
do Estado de Direito – de acordo com a tipologia e a moldura penal prevista no 
artº. 221.º do Código Penal;  
3. Privação 
da liberdade – contra o disposto no artº. 38.º da Constituição da República na 
Constituição, que superiormente preceitua que a privação da liberdade apenas 
pode ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto 
punido pela lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de 
segurança, judicialmente decretada;  
4. Ameaça de 
morte – punível no artº. 122.º do Código Penal;  
5. Tráfico de 
drogas de alto risco – punível nos termos da legislação relativa a 
estupefacientes, designadamente o artº. 3.º. Tudo para ainda referir, em 
acrescento, a Justiça Militar, do ponto de vista da obediência hierárquica, 
enquanto fundamento base do respectivo diploma.  
De somenos 
importância campeia o curriculum mínimo para assunção de chefias máximas nas 
Forças Armadas. Causando alguma comoção equiparar os 36 anos de independência, 
ao exponencial desnorte, fragmentação e sectarismo registável dentro dessas 
mesmas Forças e ao naipe vislumbrado dos vindouros promotores da Reforma da 
Defesa e Segurança, seu calcanhar de Aquiles. Tanto mais que Senghor, rendido 
in extremis às aspirações de Cabral, o havia prevenido sobre perigo de 
colocar armas nas mãos de iletrados. Pois, dizia, “essas armas poderão 
virar um dia contra nós”. 
Constitui 
ponto assente que, neste momento, em Bissau, o poder político nada pode! Existe 
o predomínio da lei das armas, em atropelamento às instituições do Estado e como 
resultado do uso da força por quem detém as armas. Só não vê quem não quer! 
E agora CPLP? 
É chegado o 
momento de Angola, Cabo-Verde, Brasil, Moçambique, Portugal e São Tomé, 
assumirem a responsabilidade histórica através da CPLP – Comunidade dos 
Países de Língua Portuguesa.  
Sem desprimor 
para os princípios por que se rege a Comunidade, desde 17 de Julho de 1996, 
designadamente o da não-ingerência nos assuntos internos de cada Estado, 
sobressai do âmago da criação da Organização e em memória aos feitos de Amílcar 
Cabral e da sua terra, os princípios do primado da paz, da democracia, do 
estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social; e, claro está, 
a Promoção do Desenvolvimento.  
Porquanto, 
não obstante o status quo da Guiné-Bissau, enquanto membro de pleno 
direito da Organização de Língua Comum, aos guineense deve ser deferida a 
faculdade Viver em Paz  para reconstruir uma Nação dilacerada por várias 
contendas. Não se lhes bastando, nem a Cabral, “a condenação da rebelião 
militar e do atentado à ordem constitucional, ou então, o mero apelo à 
estabilização política do país e o pedido às autoridades para que procedam à 
rápida clarificação da situação de prisão em que se encontram militares”, 
cita-se. 
Repor a ordem 
constitucional jamais poderá ser por quem a violou! 
Porque o povo 
foi chamado a exercer o seu poder através dos seus representantes e, de acordo 
com o artº. 19.º da Constituição da República, a Defesa da Nação deve 
organizar-se com base na participação activa e na adesão consciente das 
populações. Tudo o resto, que não alinha nestes pressupostos, está fora do 
quadro democrático e do quadro jurídico-legal da República da Guiné-Bissau.
 
E agora CPLP? 
O curioso 
será observar se, depois dos previsíveis resultados do dia 1º. de Abril, a 
comunidade internacional, no geral, e a CPLP, em particular, ainda falarão da 
ordem constitucional estabelecida e na sua reposição. 
Esta anuência 
da CPLP, face à eminência duma solução ditada pela força das armas, 
traduzir-se-á no aniquilamento de mais uma esperança, ainda que persistentemente 
efémera, de construção da Nação de Amílcar Cabral. 
Os guineenses 
estão impotentes, assim como o seu poder eleito! E já não podem contemplar esta 
época infindável, de sacrifícios geracionais, em prol de mais arremessos 
históricos e interesses disseminados.  
Concomitantemente, se é exigível observar a não ingerência, do mesmo modo, é 
também exigível e imperioso que Angola, Cabo-Verde, Brasil, Moçambique, Portugal 
e São Tomé, se comprometam no reconhecimento da internacionalização de assuntos 
internos da Guiné-Bissau, como sejam o narcotráfico, agindo e salvando a Nação. 
Resta ainda 
apelar aos históricos que privaram com Amílcar Cabral: Aristides Pereira, Pedro 
Pires, Joaquim Chissano e Mário Soares.  
Apelar pela 
Guiné, por Bissau e continuar a apelar pela CPLP, invocando o “espírito de 
Cabral”, como o fez recentemente o representante de Cabo Verde junto das 
Nações Unidas: 
 “A noite 
é longa, mas a luz chega/A luta continua e a vitória é certa/ E o espírito de 
Cabral vive em todos os nossos irmãos da diáspora /Em Janeiro de lágrimas e 
sangue/ ”.  
“Um país 
em agonia” mas também uma história de sofrimento, de raízes africanas, e de um 
futuro de “esperança sempre renovada”. 
 “A África 
sofre onde chora um dos seus filhos/ E esta dor que nós vivemos/ E esse mal 
ancestral comum que nos devora/ De uma aspiração ainda frustrada/ Sempre 
castrada”.    
(*) Paulo M. A. Martins 
Jornalista 
luso-brasileiro, radicado no Brasil em Fortaleza (CE) 
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