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“FIDJO DI GUINÉ OSSA MORTU I 
MEDI BARDADE”: DISPARATE   
Ernesto Dabó 
edabo49@hotmail.com 
07.04.2010 
  
 Assim 
diz o povo guineense sobre si mesmo: “Filho da Guiné ousa a morte e teme a 
verdade”. Ainda assim é. 
Consta que, na fatídica 
noite de 20 de Janeiro de 1973, já alvejado, Amilcar Cabral ainda lembrou aos 
seus algozes que, “… se há algum problema temos o nosso Partido para 
discutirmos…”. Quando o disse, já tinham decorrido da sua parte 17 anos no 
mínimo, de um trabalho mais que árduo para instalar entre os seus 
correligionários a cultura do diálogo como via privilegiada para a resolução 
pacífica dos problemas, se tomarmos como balizas os anos de 1956 e 1973. 
 
A chacina que a isso se 
seguiu, alegadamente consequente de inquérito à morte de Cabral trouxe mais que 
ao de cima a crua e nua verdade de que nada tínhamos compreendido do mais 
profundo e querido do pensamento e sentimentos de Cabral: “ O homem é o ser 
supremo do universo” e  “…a Luta visa a criação de um homem novo…”.  
Se de algum modo se possa 
compreender alguma execução de pessoas num teatro de guerra, num Estado que se 
pretende de direito democrático, que tem plasmado na sua Constituição a 
interdição da pena de morte, nada permite a mera possibilidade dessa compreensão 
e é impossível admitir que por trás disso esteja o “Homem novo” idealizado por 
Amílcar. 
Desse Janeiro, a 14 de 
Novembro, particularmente de 1976 a essa data de 1980, dezenas de compatriotas 
voltaram a ser eliminados (Comandos Africanos e oponentes políticos), 
traduzindo-se isso numa macabra confirmação de que nada tínhamos compreendido do 
valor da vida humana e de outros recursos para a solução de problemas. 
 
No 14 de Novembro, o golpe 
apadrinhado por um dito “Conselho da Revolução”, foi baptizado com o nome de 
“Movimento Reajustador”. Quando se deu a conhecer os seus membros, o nosso 
saudoso e estimado amigo Jorge Ampa me disse: “Isto não vai dar nada. São os 
mesmos”. Triste mas lapidar. 
Salvo os casos do Otto 
Schacht e do António Alcântara Buscardini, não se conhecem registos de mais 
vítimas do golpe militar ocorrido nessa noite, graças a Deus. Mas outro tipo de 
eliminação sucedeu e de consequências igualmente criminosas, se disso não 
entendermos apenas a eliminação física de alguém.  
A meu ver, esse golpe 
eliminou uma parte mais que importante da direcção histórica da Luta de 
Libertação Nacional, entre quadros militares e políticos, guineenses, sem falar 
do afastamento da ala cabo-verdiana. Quem se der ao trabalho de rever esse 
momento da nossa história dar-se-á conta que os quadros a que me refiro, foram 
dezenas, para não dizer centenas.  
Assim criado todo um amplo 
espaço na esfera do poder, abriu-se caminho a uma luta atroz para o ocupar, 
protagonizada essencialmente por gente que no poder, apenas vê mordomias, 
imunidade e impunidade para saciar as suas misérias como bem entender; que não 
sabe o que é e para que é o poder do Estado.  
A partir dai, é 
principalmente desse grupo de gente onde os decisores vão recrutar gente para 
todos os cargos, banalizando-se assim ao extremo os cargos públicos. Numa outra 
perspectiva, esse recrutamento não podia/pode ser noutro grupo, pois que não 
havia/há lugares que cheguem para tantos protagonistas, potenciais executores de 
chefes que falham na distribuição de tachos.  
Compreendido assim o acesso 
ao controlo e usufruto dos magros recursos do país para proveito próprio, nada a 
estranhar: cada franja de medíocres que um golpe não conseguisse satisfazer, só 
tinha que se organizar e esperar a sua vez para golpear e ocupar o poleiro.
 
Para nossa desgraça, como 
se não bastasse a má qualidade dos recrutados, a ela se junta a dos chefes, que 
até acreditam que brilhar entre medíocres é façanha que merece aplauso. Por e 
para isso, na sua entourage, preferem alguns letrados que em troca de um 
cargo governamental, nomeadamente, aceitam até trair-se a si mesmos.  
Bem vistas as coisas, essa 
gente é mais responsável pela nossa desgraça do que os operacionais. Porque 
dotados de maior capacidade para entender e bem agir, mas preferem a postura de 
conscientes cúmplices, porque contrariar o chefe significa perder a tigela, 
vivem aquém da dignidade.  
Assim sendo, não pode haver 
dignidade no exercício de altos cargos públicos, ou seja, a observação da 
legalidade e princípios ético-morais. Os horrendos assassinatos decorrentes do 
“caso 17 de Outubro”, não foram da responsabilidade só do “Chefe”. O seu 
aproveitamento até à exaustão para a prossecução de estratégias, virtualmente 
políticas, impregnadas de retrógrados e mal disfarçados traços de tribalismo, 
também não é obra só do “Chefe”.  
Sob o comando da 
mediocridade, avançamos cegamente até ao precipício do qual ainda não 
conseguimos sair desde 7 de Junho de 1998. Esse conflito sucede e em tais 
moldes, porque a mediocridade dominante esvaziou o país de Estado, ou seja, 
tornou a Guiné-Bissau terra sem Estado.  
O mero facto da então 
Chefia do Estado ter recorrido a exércitos estrangeiros para combater uma parte 
do que formalmente eram as forças armadas sob o seu comando supremo, revela o 
grau de falência de Estado em que o país vivia. Se ainda hoje uns admitem que há 
ausência de Estado, outros, que o que há é um Estado falhado e alguns, que o 
nosso é um “narco-Estado”, como não compreender a inevitabilidade, dos 
“disparates” sucedidos, até o do dia das mentiras? 
Como todos os “disparates” que já nos fizeram 
viver são considerados “casos” ou deles consequentes, o último é de consequência 
imediata do “caso Bubo Na Tchuto”. Bastaria dizer que a questão foi mal 
conduzida e sucedeu o feitiço contra o feiticeiro. Mas não. Importa referir 
alguns factos para se compreender a má condução.    
Quando se especulou quanto ao envolvimento do 
Bubo numa tentativa de Golpe de Estado e foi colocado sob detenção, o Almirante 
saiu (reparem que não digo fugiu) do país quando e como quis. No regresso, 
entrou quando e como quis e foi-se entregar às Nações Unidas, num dos maiores e 
melhor guardados edifícios de Bissau, situado nas barbas do quartel da Marinha 
de Guerra, de que era Chefe de Estado Maior.    
Meus Senhores, será que tudo isso não deu para 
entender que não se estava face a um “desertor” qualquer que se podia prender ou 
tratar de qualquer maneira, sem que disso adviessem consequências negativas? Se 
se tinha conseguido um acordo em que as partes, por sinal, até deram um 
enquadramento equilibrado e civilizado ao caso, porque é que não se preferiu o 
seu cumprimento, em vez da reiterada prepotência de afirmar que se transpuser o 
portão do edifício das Nações Unidas será preso e entregue ao tribunal, mesmo 
sem que se conheça nenhuma acusação formal contra ele?    
Ensina a historia que, mesmo que se trate de 
um inimigo num campo de batalha, nunca se o deve encurralar ou encostar à parede 
sem hipótese de saída, sob pena de se o obrigar a tudo para se salvar. Estou 
convencido de que este erro foi decisivo para o despoletar do “disparate”.
   
Por outro lado julgo que se deve ter em conta 
que o pagamento de salários a tempo e horas, todos os meses, atrair 
investimentos, construir e mais outros feitos, só por si, não constituem 
factores essenciais de estabilidade e harmonia nas relações institucionais. 
Aliás, provas disso abundam. Há dezenas de países com governações mais que 
aplaudidas pela comunidade internacional pelos resultados alcançados, mas que 
conheceram “disparates” como as que ciclicamente conhecemos.    
Para mim, um governante ou Governo que queira 
fazer com que o seu país tenha um futuro de paz e desenvolvimento terá muito a 
ganhar se respeitar o que considera o pintor Argentino, Xul Solari: "sem 
invenção não há futuro possível”. Profundo e belo. Sem gente criativa, capaz de 
inventar soluções, é impossível não comprometer o futuro de paz e progresso que 
todos merecemos.    
Felizmente até nem temos muito que inventar. 
Basta estudarmos as experiencias de reconciliação nacional que estão a decorrer 
com sucesso, na África do Sul, Moçambique, Angola e Rwanda. O que se passou em 
cada um desses países, estou em crer que foi muito mais grave do que estamos a 
viver. Aí, estão a conseguir sucessos porque têm Estado e é coisa muito séria 
por lá, para não se admitir acesso aos seus órgãos de soberania, principalmente, 
a toda a gente, ou a partir de critérios clientelistas ou nepotistas. Quem 
quiser tirar dúvidas que observe o nível dos membros dos nossos órgãos de 
soberania e os dos países citados.   
Nesses países, o grau de auto-estima é de tal 
maneira elevado, que de modo algum se deixam ver como párias da comunidade 
internacional, comportando-se como membros de pleno direito e activos dessa 
comunidade. Antes dos aplausos da comunidade internacional, os dirigentes desses 
países lutam primeiro pelos aplausos da comunidade nacional, resolvendo os reais 
problemas nacionais de forma organizada, inteligente, solidária e patriótica.   
A forma como o Presidente da República está a 
tratar deste colossal “disparate”, oferece-nos a esperança de que se instale e 
venha a consolidar uma nova cultura de chefia de Estado no nosso país. 
   
Quando um homem não consegue compreender e 
perdoar, é estimulado pelo ódio, faz disparates e cai na desgraça. Quando um 
dirigente político não sabe compreender e perdoar, nem chega a ter graça para 
cair na desgraça. Considerar esta gravíssima crise um mero “incidente”, sanado 
com um absurdo pedido de “desculpa”, mantendo uma das suas partes detida em 
Mansoa, faz-nos lembrar aquela do gato que lambeu nata. Assim estamos.   
Só não conseguimos erguer até hoje um Estado a 
sério na nossa terra, porque os nossos engenheiros políticos persistem nos 
mesmos erros, porque não conseguem entender bem o projecto do principal 
Arquitecto da nossa independência e Estado, Amilcar Cabral. Se de facto queremos 
que haja um Estado capaz e forte na Guiné-Bissau, onde deixarão de ter lugar 
“disparates” de “mal-tomados”, assumamos com determinação este pensamento 
inspirador e orientador do Engenheiro Maior - Amilcar Cabral.    
Em 1966, disse: 
Alguns pensam: «se temos que mandar, então 
vamos mandar, nem que não saibamos mandar nada, só para fingir que toda a gente 
é que manda». Isso é asneira. Há muito tempo que eu disse 
que, se não é preciso ser doutor para mandar no nosso Partido, não podemos 
esquecer que há certos trabalhos que quem não sabe ler nem escrever não pode 
fazer; senão, estamos a enganar-nos, e nós não temos nada que nos enganar. Há 
certos trabalhos que, conforme o nível de instrução, assim se podem ou não 
fazer”.  
 
						 
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