EDITORIAL DE OUTUBRO

Há momentos que marcam as vidas de gerações; Este ano parece ser um desses momentos: as eleições nos Estados Unidos; as eleições na Guiné-Bissau; a grave crise económica que nos faz lembrar a época da Great Depression que evocou o célebre discurso de Franklyn Delano Roosevelt (The only thing we have to fear is fear itself); as guerras do Afeganistão e Iraque; o novo ciclo da epidemia da cólera; a crise dos sistemas de Saúde e Educação na Guiné;

São tempos de incerteza, de desafios; mas, são estes tipos de desafio que forjam o carácter de um ser Humano e estou seguro de que mais uma vez o espírito Humano vai triunfar.

No passado sábado, fui assistir a um Rally ou comício (o último comício a que fui assistir, salvo erro foi em 1978 em Bissau!!!) do Obama, que se realizou a dois blocos de distância da minha casa; foi uma surpresa agradável ver tanta gente (cerca de 18000 pessoas) numa escola secundária para um Rally, ainda mais numa vizinhança como a nossa em que a maioria das pessoas pensa votar em McCain (“supostamente, não estão de acordo com os planos do Obama em aumentar os impostos para pessoas auferindo mais de 250,000 dólares por ano—para alguns americanos, isso é Socialismo; e não há palavra mais temida no vocabulário Americano do que Socialismo/Comunismo). Falou sobre a Saúde e a Educação que, ao contrário do que muitos pensam em outras paragens, são os maiores indicadores do bem-estar duma população; assim como também abordou a presente situação económica mundial.

No mesmo dia, tive a grata surpresa de receber uma mensagem do Geraldo Martins (ex- Ministro da Educação da Guiné), que anexou um importante documento do Banco Mundial, abordando a situação da Saúde e Educação na nossa Guiné; Desde já, convido a todos a lerem e analisarem esse documento (brevemente teremos a tradução em português), que é extremamente importante para sabermos onde estamos e que planos para o futuro no que se refere a estas duas áreas vitais. Aproveito para agradecer ao Geraldo a amabilidade e cortesia em deixar-nos compartilhar este documento; por um lado desanimador por saber que a Educação e a Saúde na Guiné estão moribundas, mas ainda assim, há esperança…

Mais uma vez, parece que teremos apenas uma eleição de rotina na Guiné-Bissau; mas, devido aos graves problemas das drogas, crises da Educação e da Saúde, bem como a crise económica mundial que vai com certeza piorar nos próximos meses/anos, esta eleição deveria ser tudo, menos rotina; estamos numa fase crucial da vida dos Guineenses e é preciso apelar a todos os partidos para que debatam os problemas da Saúde e da Educação, que apresentem planos de acção, promovam o debate interno e interpartidário sobre a melhor forma de superar as insuficiências que caracterizam estas duas áreas. Sei que estamos à beira do precipício, mas não queremos um partido que nos faça dar esse último salto de misericórdia …

Também há 3 dias, antes da minha corrida matinal, abri o meu correio electrónico e vi uma mensagem dando conta que João José Silva (Huco) Monteiro será nomeado Secretário Nacional da Luta contra a Sida; desde já os meus sinceros parabéns ao Huco; Já não falo com ele há mais de 20 anos, mas estou seguro que ainda tem o mesmo espírito dinâmico e de luta e que vai desempenhar as suas funções com dignidade e eficácia; desde já, podes contar com a minha, nossa cooperação em diversas áreas ligadas à Sida.

Como não há dois sem três, também recebemos dois documentos (um do Dr. Plácido Cardoso e outro do Dr. Celestino Costa) abordando o tema, a Cólera, que também vos convido a ler e analisar. Desde já os meus agradecimentos aos dois colegas e amigos (não que sejam muito mais velhos do que eu, mas o Celestino é meu tio e foi o médico que me tratou do Paludismo nos meus primeiros meses em Lisboa-1981- a minha última crise de Paludismo).

Não se esqueçam da vacina contra a Influenza (Gripe); admiti muitos jovens, nestes últimos 30 dias, entubados por pneumonia causada pela Influenza e complicada por superinfecções bacterianas. Da minha parte, já recebi a imunização desde há 4 semanas.

Se o tempo permitir, iremos brevemente, apresentar mais alguns casos clínicos interessantes.

J.TAVARES, MD, FCCP, FAASM

REPUBLIC OF GUINEA-BISSAU: Delivering Basic Services in Times of State Fragility and Social Transition Documento do Banco Mundial - 27 de Junho de 2008

ACTUALIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DA CÓLERA NA GUINÉ-BISSAU, À PASSAGEM DA SEMANA 43

CÓLERA NA GUINÉ-BISSAU: QUEM FAZ O QUÊ E ONDE

Prezado Djoca,

Acho que nunca falámos um com o outro, e não me lembro inclusive de nos termos cumprimentado uma vez na vida. Mas você faz parte das pessoas que povoam a minha memória de adolescência - por referência.

Em 1979, salvo erro, eu estudava o 5º ano no liceu, e nossa sala era em cima. Tu estudavas o 7º ano, numa sala em baixo. Lembro-me da curiosidade - minha e dos meus colegas - em relação a um rapaz cujas qualidades intelectuais todos admiravam. Em várias ocasiões, como muitos outros estudantes do liceu da época, passei o meu dedo indicador por cima de uma folha de papel que era afixada na parede do liceu trimestralmente, na linha que começava com o nome Joaquim Silva Tavares. Era o ritual quase obsessivo de espreitar as notas do Djoca, ou melhor, de verificar se o improvável tinha acontecido - haver uma disciplina em que não tivesses 100!

Não sei se tens alguma memória de mim, mas não importa. A tua curiosidade intelectual e o teu interesse profundo pela Guiné acabam por te aproximar de
muita gente. De vez em quando, tenho lido os teus escritos sobre a saúde, no site do Didinho. Na biografia do Chico Foz, mencionas o meu pai, Gaspar
Martins, e o meu irmão, Riquier Martins. Senti uma emoção quando os meus olhos passaram por aquele relato, e senti ainda mais orgulho do meu pai. O meu pai
estimava tanto o Chico Foz, que lhe deu o Riquier para baptizar.

A tua contribuição no debate sobre a saúde, a juventude, o desenvolvimento da Guiné-Bissau é importante.

Há dias em Washington, falava com um colega da Guiné, e disse-lhe que era importante procurarmos uma forma de contribuir para a educação da nossa juventude, de aumentar a auto-estima dos nossos jovens. Nos meus contactos com estes, tenho sentido que a crise de auto-estima (pelo país que temos, pelo que somos, e pelo que cada um deles é) se está a transformar num grande mal na nossa sociedade. Tens falado disso nalguns dos teus textos, e agradeço-te por isso.

Quando deixei o governo, em 2003, ingressei no Banco Mundial e tenho trabalhado com vários países, incluindo a Guiné-Bissau, tentando ajudar a melhorar os seus sistemas de educação.

Presentemente, estou baseado em Dakar no escritório regional do Banco para a África Ocidental. Em anexo a esta pequena nota de apreciação, segue uma publicação sobre os sectores sociais na Guiné-Bissau (educação, saúde e protecção social), um trabalho que dirigi em colaboração com alguns colegas aqui do Banco.

Dado o teu interesse por estes temas, pensei que o estudo poder-te-á ser útil. Estou neste momento a rever a versão em portugués do estudo, o qual poderei também enviar-te, se assim o desejares. Vamos dentro em breve distribuir e disseminar o estudo na Guiné-Bissau, mas podes desde já utilizá-lo se quiseres.

Com os melhores cumprimentos

Geraldo Martins

PS. Em São Tomé, um dos países que está sob minha responsabilidade, conheci uma médica chamada Camélia Barros. Quando lhe disse que sou guineense, a primeira
reacção dela foi perguntar-me se conhecia o Djoca. Respondi-lhe" claro que sim".
E ela disse-me que tinham sido colegas de medicina em Lisboa, e que te admirava muito.

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