RECUPERANDO UM DISCURSO PROFERIDO POR OCASIÃO DO 30º ANIVERSÁRIO DA INDEPENDÊNCIA NACIONAL (24 de Setembro de 2003)

 

 

 

 

Prof. Dr. Mamadu Lamarana Bari

Prof. Dr. Mamadu Lamarana Bari
 

Excelentíssimo Senhor Governador da Estado de Pernambuco

Excelentíssimo Senhor Cônsul Honorário da Guiné-Bissau

Magnífico Reitor da Universidade Federal de Pernambuco

Magnífico Reitor da Universidade Católica de Pernambuco

 

Senhores Autoridades do Estado de Pernambuco

Meus caros compatriotas e estudantes da Guiné-Bissau

Senhoras e Senhores,

 

É com grande satisfação, senhores, que, em meu nome próprio e em nome da instituição que represento na Bahia, a Fundação Visconde de Cairu, agradeço o convite formulado para proferir a conferência nesta egrégia instituição do ensino e do saber – UFPE sobre 30 anos da independência da Guiné-Bissau, balanço e perspectivas de desenvolvimento.

 

Prezadas Senhoras e Senhores, o tema é sugestivo, mas um pouco complexo, porque trata-se de um país que apesar da sua emancipação política, luta por quase três décadas pela sua emancipação econômica. Não posso me furtar apenas em mostrar o quadro financeiro do país, como me foi sugerido, sem alinhavar alguns aspectos importantes sobre  a sua trajetória política e social.

 

 

 

  

30 ANOS DE INDEPENDÊNCIA – BALANÇOS E PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO[1]

 

Os acertos e desacertos político–econômico da Guiné-Bissau hoje são frutos do sonho de ser livre e da audácia de se opor a Portugal e aos interesses do capital financeiro internacional, no passado, pela exigência à autodeterminação e Independência.

Tudo não teria acontecido, ou pelo menos, a luta poderia tomar outra forma se as potências, então colonizadores, dessem atenção aos apelos políticos lançados pelos principais líderes e militantes políticos africanos. Em razão disso passamos a citar algumas passagens de Amílcar Cabral - Secretário-Geral do PAIGC:

 

Se porventura houvesse  um regime que estivesse disposto a construir não só o futuro e bem-estar do povo  de Portugal, mas também o nosso, nós não veríamos nenhuma necessidade de estar a fazer a luta pela independência...”.

 

Mais adiante Cabral afirma “... se todas as junções estatais, administrativas, etc., fossem igualmente possíveis para tanta gente. Nós não veríamos nenhuma necessidade de estar a fazer a luta pela independência, porque já seríamos independentes, num quadro humano muito mais largo e talvez muito mais eficaz do ponto de vista da história”.

 

Nós somos povos africanos, de um povo africano, lutando contra o colonialismo português, contra a dominação colonial portuguesa. Nós temos absolutamente conhecimento de que, se em Portugal se instalasse amanhã um governo que não fosse fascista – mas fosse democrático, progressista, reconhecedor do direito dos povos à autodeterminação e à independência - a nossa luta não teria razão de ser”.

 

O Governo de Lisboa (Salazar) não deu importância aos apelos lançados pelos movimentos políticos (europeus e africanos) para a autodeterminação e independência, coisa que veio a ser tentada tardiamente pelo General Spínola através do seu livro Federação, no sentido de preparar os povos colonizados para a sua autodeterminação e independência. O Governo Salazar preferiu adotar a estratégia de mudanças orgânicas e jurídicas das então colônias portuguesas para as Províncias Portuguesas do Ultramar. Foram formados nas referidas províncias, governos, administrativamente autônomos, e politicamente subordinados ao poder  Central, “Governo Central”, podendo assim, mais tarde, na pessoa do seu hábil Ministro de Negócios Estrangeiros, referendado pelo então e todo poderoso Ministro do Ultramar Silva Cunha, defender na ONU a permanência de Portugal na África.

 

Meus Senhores, a partir desse momento e também das sucessivas brutalidades cometidas pelo Governo Salazar para tentar abafar as vozes clamantes das Savanas e das tabancas, Musseques e Caniços, os movimentos nacionalistas se consolidaram nas pessoas de Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane etc., ecoaram os gritos da independência, partindo para a luta armada.

 

Nesse contexto, a Guiné, então Portuguesa, deu passo para o conflito armado através do PAIGC em 1963, luta realizada às duras penas, por várias razões:

 

1.   O PAIGC, enquanto partido revolucionário  precisava estruturar a consciência de classe nos seus militantes e como a maioria que formava a base para dar suporte a luta, era constituída de camponeses majoritariamente analfabetos, então enfrentava a dificuldade de fazê-los assimilar alguns conceitos básicos da teoria Marxista. Amilcar Cabral procurando superar esta lacuna oganiza seminários de quadros para explicar a razão de ser da luta de libertação. A maior parte das suas intervenções foi organizada em livro intitulado “Armas da Teoria”;

 

2.   Problemas de mobilidade das forças combatentes e de comunicação entre as frentes de luta com o Bureau Político do PAIGC em Conakri;

 

3.   Estruturação da escola modelo – Escola  Piloto cuja preocupação era formar quadros dirigentes para a etapa final de luta armada – a luta para reconstituição nacional;

 

4.   Consolidação da luta no plano  político;

 

5.   Preparação (consolidação) do plano de Unidade Orgânica Guiné-Cabo Verde.

 

O desenvolvimento da luta no plano político e militar trouxe vitórias consideráveis para o PAIGC. No plano político, acontecimentos importantes foram observados tais como: o reconhecimento do PAIGC por mais de 90 países, como único e legítimo representante dos povos da Guiné – Cabo Verde; visita ao território libertado (2/3) por uma delegação da ONU; declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau. Em 24/09/1973.

No Plano militar, alguns fatos importantes aconteceram: isolamento (acantonamento) das forças Portuguesas em principais cidades de Guiné (Bissau, Mansôa, Bafatá, Gabu e Farim);  o uso dos mísseis Terra-Ar Strella isolando  ainda mais as forças portuguesas do teatro da guerra, forçando os aviões de combate a ficarem estacionados nos hangares do aeroporto de Bissau; tomada de importantes pontos estratégicos usados como base de assaltos dos militares Portugueses aos acampamentos das Forças do PAIGC. Morés e Oio, no norte. A ilha do Como, Guidage, Guilege Gadamael, no sul da Guiné.

 

O isolamento militar que as forças portuguesas foram submetidos de um lado, e o fracasso da corrida política de Portugal interna e externamente de outro, ajudaram a acelerar um dos acontecimentos mais marcante na Europa que é a queda da ditadura implantada por Salazar há mais que quarenta anos. Esse acontecimento foi o início do abandono de Portugal à sua política de expansão ultramarina na África. A independência formal de Guiné-Bissau se deu a partir de 25 de abril de 1974. A tomada de posse do PAIGC e a conseqüente implantação do governo da Guiné-Bissau se deu a partir de 10 de outubro de 1974.

 

O PAIGC recebeu o país de Portugal sem nenhuma condição possível, para governar pelo menos, nos primeiros anos da independência. O pior de tudo, além de contínua transferência de renda que a Guiné enquanto colônia foi submetida ao longo de 5 séculos, houve uma debandada total  de quadros técnicos de nível médio que trabalhavam na Guiné sob o domínio português, com o medo de perderem os supostos benefícios trabalhistas e previdenciários que tinham direito.

 

Nesse contexto, o governo do PAIGC, precisava tomar uma decisão e isso teria que estar ligado a um plano de desenvolvimento estratégico. Dada a falta de quadros técnicos para elaborar esse plano, o Governo se orientou para a contratação de técnicos estrangeiros que eram denominados de  cooperantes. Esses técnicos eram provenientes de alguns países, nomeadamente, do Leste Europeu e da América Latina. Deste modo a Guiné-Bissau recebe um maciço contingente de alemães orientais, soviéticos, portugueses e cubanos, sendo estes últimos como médicos e conselheiros militares. A composição heterogênea destes técnicos bem como a corrente teórica que defendiam no âmbito do sistema econômico que os seus países adotaram, como era de esperar, interferiu na decisão sobre qual o modelo econômico seria ideal para a Guiné-Bissau. A Guiné-Bissau, no plano político, sempre decidiu pelo não alinhamento, acabou optando pelo Sistema de Economia Centralmente Planificada. Para sustentar esse sistema, tinha que fazer propagar e defender na constituição  o modelo  político baseado no centralismo democrático. O Povo escolhe o seu representante e este decide o que é melhor para ele.

A partir dessa decisão o PAIGC assume, além de suas atribuições estatutárias, as atribuições do Estado conduzindo a política interna e externa. Nesse contexto, os altos dirigentes do PAIGC, na sua maioria, passam a assumir as pastas do governo, então o destino da Nação passa a ser comandado pelo PAIGC, situação diferente em Cabo-Verde, onde o partido e o governo tinham atribuições diferentes.

O modelo político a que se refere trouxe como conseqüência a dificuldade na alavancagem dos investimentos, por  razões que a seguir se apontam:

 

a)    Dificuldade de assimilar o plano de desenvolvimento, uma vez que o político partidário interferia no econômico;

b)     Contramão da política econômica do PAIGC, à realidade econômica e financeira das nações parceiras da Guiné-Bissau (Suécia, Holanda, França, EUA e algumas ONG’S dos países ocidentais).

 

Meus Senhores, inúmeras ajudas externas foram proporcionadas ao País, mas por erros de definição por onde começar dificultaram o bom desempenho dos investimentos realizados. Os capitais, na maioria das vezes, quando não são alocados aos setores não prioritários, são  alocados aos tipos de produção cuja distância entre o centro fornecedor de matéria-prima, a fábrica e o centro de distribuição (o mercado) inviabiliza o projeto tanto econômico como financeiramente.

 

A estratégia de desenvolvimento do PAIGC estava assentada no slogan: Agricultura como base e a indústria como o motor do desenvolvimento.

 

Algumas inquietações, na visão dos consultores, eram colocadas em análise. Por exemplo, como desenvolver o setor agrícola quando no mesmo setor não se consegue realizar as trocas e muito menos se consegue fornecer insumos para as indústrias. Certamente, a visão política do Estado não era tentar responder essas inquietações, mas sim dar seguimento ao Programa do Partido. Nessa base, muitos recursos financeiros foram investidos no setor agrícola sem êxito quando no momento o verbo econômico que o mundo estava a conjugar era crescer, isto é, o crescimento econômico para os países retardatários deveria estar atrelado à política de industrialização.

 

Estas contradições entre querer crescer a passo de tartaruga e aplicação de recursos em setores que desperdicem recursos transformaram-se no principal gargalo da política econômica de Guiné-Bissau. Essa indefinição persistiu até ao Golpe de 1980.

 

Nino Vieira assume o poder, e coloca de lado a questão do patrimônio partidário, para ele, isso não era importante. Considera o PAIGC como um mero suporte político que continuava a privilegiar a minoria expressiva dos seus quadros superiores.

 

Em nome da concórdia nacional apela para o regresso dos quadros guineenses que se encontravam no exterior, alguns poucos atenderam a esse apelo, mas a maioria não voltou. O então Presidente Nino Vieira se viu obrigado a chamar para a sua fileira antigos combatentes e dirigentes do PAIGC que tinham sido afastados após 14 de novembro de 1980. Além disso, tenta a aproximação com o ocidente através da França. Esta aproximação trouxe para o País alguns benefícios entre os quais, o perdão total da dívida externa, sob o apadrinhamento do então Presidente da França  François Miterrand.

Nino Vieira, alvoraçado com esta atitude põe de lado a proposta do ex-Ministro de Planejamento, Bartolomeu Simões Pereira, sobre a criação de zona de Escudo, e dá um sinal verde ao Senegal  aderindo-se à zona de Franco. Na visão dos estudiosos e assessores de Nino, o País teria muito a ganhar porque dispunha de instrumento que lhe daria acesso e facilidade às parcerias comerciais com os países signatários do UMOA (União Monetária Africana).

 

Esqueceram-se completamente de que tão sonhado equilíbrio de força econômica estava entre Senegal e outros países mais fortes da região. Uma das características econômicas marcantes da Guiné-Bissau viria conduzi-la ou legá-la ao papel de subordinação econômica e mero transferidor de renda. Isto significa dizer que todo excedente econômico gerado no país, parte seria distribuído para os parceiros comerciais do ocidente e parte para Senegal e vizinhos.

 

Além do cumprimento forçoso das cláusulas do UMOA sobre a emissão de moeda o país acabou praticamente transferindo todo o meio circulante  para Senegal através dos comerciantes ambulantes. “Traziam  mercadorias do Senegal vendiam e depois colocavam todo o dinheiro no bolso e levavam”. O País vive até o momento o problema da falta do meio circulante.

 

A dificuldade de sustentar a política econômica do país apesar, de na altura, o governo contar com um número expressivo de quadros formados no exterior, nomeadamente no Brasil, acaba gerando a instabilidade política. Assim, em 1994  realizaram-se as primeiras eleições gerais, pensando-se de que este ato levaria o País à estabilidade política, que facultaria a entrada de investimentos estrangeiros no País e, necessitando para isso  fazer a revisão do código de investimento. Apesar disso, 04 anos depois, em 1988, eclodiu a guerra civil que só terminaria após dois anos (2000).

Finda a Guerra nomeia-se um governo provisório com a missão de preparar o país para as eleições gerais, seis meses depois. O povo da Guiné-Bissau calcado pela emoção da guerra  e da alegada fraude que havia sido detectada nas eleições de 1994, elege maciçamente o Presidente Kumba Yala.

 

O  Kumba Yala assume sem um Plano de Governo, aliás, nenhum partido que concorreu parecia ter Plano de Governo, pelo menos, para os primeiros 100 dias. O Presidente Kumba Yala apesar de ter prometido fazer cumprir a Constituição e levar o País para a sua arrancada rumo ao desenvolvimento, tem enfrentado sucessivas crises políticas culminando com mudanças constantes do elenco governamental. A agudização do quadro político e econômico do País gera desconfiança no cenário internacional e o país perde o crédito e a capacidade de se auto-gerir. Nesse contexto, os militares depuseram o Presidente eleito. Pondo fim ao longo período da crise política e econômica a que país atravessou. Novo Presidente interino foi escolhido e o novo governo foi escolhido através da eleição parlamentar. O PAIGC que saiu do cenário após a queda do governo anterior, em 2000 volta ao cenário político e econômico da Guiné-Bissau sob uma nova feição.

Trinta anos da independência está se completando hoje no dia 24 de setembro de 2004. Esperanças pairam no ar. Desta vez a Guiné-Bissau vai se acertar, o PAIGC se redimirá dos erros do passado.

 

Minhas senhoras, meus  senhores e prezados compatriotas, após esta breve explanação sobre os 30 anos da independência da Guiné-Bissau resta-nos perguntar sobre o que foi feito e como o país tem conseguido sobreviver. Quais as perspectivas a médio e longo prazo sobre o plano de desenvolvimento da Guiné-Bissau?

 

Para responder a estas perguntas vamos apresentar alguns dados básicos sobre principais indicadores econômico-comerciais da Guiné-Bissau de 1996 – 2003.

 

Os números são frios e falam por si mesmos, mas quem sabe, após esta explanação se possa  entender o que está por trás dos mesmos.

 

Minhas senhoras e meus senhores resta-nos apenas perante os fatos mencionados dizer que, assim como ontem jovens idealistas se transformaram em revolucionários para mudar o curso de história que até então era vista como impossível aos olhos dos colonizadores, estes jovens desbravadores que  aqui representam a Guiné-Bissau, também se transformarão em animadores culturais e timoneiros que conduzirão o barco do desenvolvimento para o porto seguro.

 

Aos jovens compatriotas, pioneiros de ontem e desbravadores do saber de hoje só resta a certeza de que a Guiné-Bissau é assunto de todos nós, temos que ter a coragem de pôr o dedo na ferida para podermos ter a noção de que alguma coisa precisa ser feita. Não é necessário recorrer-se à força das armas para exigir mudança. Não é necessário recorrer ao passado para atribuir culpa em quem quer que seja. É necessário, sim, arregaçar as mangas para reconstruir a Guiné-Bissau, física, ideológica e economicamente. Cada um a seu modo, os ferreiros com as suas alforjas, os camponeses com as suas enxadas e os intelectuais com as suas idéias.

 

Que DEUS nos ilumine a todos.

 

Muito obrigado!


 

[1] Conferência proferida na Universidade Federal de Pernambuco por ocasião do 30º aniversário da independência da Guiné-Bissau pelo Professor Dr. Mamadu Lamarana Bari.

PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO

www.didinho.org