Queria ser menino !

 

 

 

Por: Adulai Indjai

 

tokatchur02@hotmail.com

 

12.06.2009

 

O meu grande sonho é de poder ser menino. Nunca o fui, nem sei o que é ser menino. Esta etapa da vida não conheço. Brincar, estudar, ser amado, respeitado, entre outros, são os direitos dos meninos e devem ser respeitados. No meu mundo estes direitos não existem.

Sou um homem de oito anos de idade. Começo o meu dia às 5 horas da madrugada, deambulando pelos mercados,  nos cantos da cidade, nas minas de ouro e diamantes, à procura de ganhar a minha vida, como dizem. Mas acho que não, porque o meu trabalho serve para sustentar toda uma família, que deveria estar a ocupar-se do meu futuro. O meu dia chega ao fim quando o mundo pára de movimentar-se, sem falar das dificuldades e do perigo que encontro no meu caminho. O meu horário de trabalho é de sete dias por semana. No meu contrato de trabalho, em nenhuma cláusula consta o fim de semana, nem dias feriados. Convalescência em caso de doença é quase inexistente. Considero-me o funcionário mais activo do mundo e sem remuneração.

 

O primeiro de Junho, dia da criança, é festa nas escolas. Todo o mundo está bem vestido com novas roupas. Nos olhos dos meninos vê-se a alegria de comemorar este dia importante. Gostava muito de poder sentir a mesma sensação de alegria neste dia. Não sou um menino, mas sim um homem de oito anos. Algumas pessoas confundem-me com um menino, mas não sou.

 

A escola conheço, aluno nunca fui, mas aprendi muito rápido a fazer as contas, porque na minha profissão é proibido cometer erros nas contas. Conheço os que exercem várias outras funções, foram formados para obdecer ao mestre, como na época da escravatura, mas na verdade não somos assim tão diferentes dos escravos, só que a nossa forma de escravatura provém de dentro da nossa própria família.

 

O meu grande sonho é de sentar-me numa cadeira de escola, trazer às costas um saco com os livros, poder imaginar um futuro com gravata e um escritório. O meus pais não conhecem estes valores. Para eles ganhar hoje é mais importante do que no futuro. Talvez que os meus filhos farão a mesma coisa.

 

Faço parte dos 218 milhões de meninos que não sabem o que é ser menino. Somos funcionários sem remuneração e nem agradecimento. Cumprimos o nosso dever dentro desta sociedade mesquinha, exercendo actividades difíceis e muito perigosas para a nossa saúde mental, actividades que comprometem o nosso futuro a todos os níveis. Mas a quem preocupa a nossa saúde mental ou física ? Quem somos nós nesta sociedade de egoístas e oportunistas ?

 

Já ouvi falar das convenções e leis que proíbem os meninos de trabalharem. Não sei se é verdade, mas ouvi e se ouvi é porque existe escrito em algum lugar. Mas porquê o silêncio? Quem deveria proteger-nos destes males ? Quando é que vamos poder saborear o primeiro de Junho como meninos que somos?

 

12 Junho foi proposto como Dia Mundial de Luta contra as piores formas de trabalho infantil no mundo. Quem me dera poder acreditar nesta ideia ! Quando penso nos meus camaradas no mundo inteiro, fico sem palavras para descrever o perigo a que estamos exposto todos os dias : os que vendem nas ruas das grandes cidades africanas ; os que mendigam nos passeios das cidades do mundo ; as minhas irmãs trabalhadoras domésticas nas casas dos senhores ; as que trabalham nas grandes indústrias do sexo, sem esquecer dos que trabalham nas minas.

 

Segundo as últimas estimativas do Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil (IPEC) da Organização Internacional do Trabalho (OIT), milhões de meninos e meninas trabalhadores, dos cerca de 218 milhões que existem no mundo, não têm acesso a uma educação para um futuro melhor ou devem combinar o trabalho com os estudos.

 

Somos as crianças sem infância, nunca tivemos tempo e nem teremos tempo para brincar e gozar a nossa adolescência. O trabalho infantil é a triste realidade que continua a existir mesmo nos lugares onde ele é considerado ilegal. Coberto pelo silêncio e indiferença da nossa sociedade de egoístas. 

 

Passados dez anos da adopção por unanimidade da Convenção 182 da OIT, em que os governos e os empregadores do mundo inteiro assumiram o compromisso de eliminarem as piores formas de trabalho infantil, podemos hoje constatar que houve grandes mudanças. Porém ainda restam importantes desafios por vencer, principalmente agora, face ao avanço da crise económica mundial que atingirá não  somente as grandes empresas, mas também os trabalhadores e suas famílias. Com certeza que as consequências desta crise terão repercussões graves na vida das crianças e dos adolescentes, que mais uma vez serão sacrificados pelas necessidades das famílias de buscar estratégias de sobrevivência a qualquer custo.


O tempo urge. É urgente os governos e os empregadores mundiais reafirmarem o compromisso assumido através da Convenção 182, sem esquecerem de cumprir as promessas feitas aos milhões de meninos e adolescentes que conseguiram em 1998, através de uma importante mobilização mundial,  exprimir as suas dores e pedir ajuda aos homens para encontrarem uma solução aos males de que eles sofrem.


É imperativo que os governos, os empregadores do mundo assim como a sociedade civil criem mecanismos necessários para proteger, salvar os meninos que se encontram no mundo. Já não são admissíveis mais desculpas, nem o desconhecimento das difíceis condições de vida das famílias e suas crianças, que estarão cada vez mais incorporadas de forma precoce nos trabalho difíceis e perigosos.

 


PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

Associação Guiné-Bissau CONTRIBUTO

associacaocontributo@gmail.com

www.didinho.org