Quem de direito que assuma as suas responsabilidades!

 

 

 

Nino Vieira e Aristides Gomes

 

 

Óscar Barbosa (Cancan)*

Óscar Barbosa (Cancan)

19.11.2006

 

Não se fala de outra coisa que da previsível queda do governo de Aristides Gomes. As razões avançadas pelos analistas nacionais e internacionais parecem óbvias:

 

-    O desmoronar do Fórum de Convergência para o Desenvolvimento, alicerce do governo de Nino Vieira devido às recentes e bombásticas declarações de Kumba Yalá;

 

-    O clamoroso fiasco da mesa redonda, é um outro forte motivo a ponderar para a queda em desgraça de Aristides Gomes;

 

Este último argumento seria o corolário lógico das metas por ele traçadas. Desde que tomou posse, Aristides Gomes habituou os guineenses a viver em suspense face à probabilidade de realização de um evento.


No primeiro semestre foi a Conferência dos Chefes de Estado dos Países Lusófonos (CPLP), no semestre seguinte a Mesa Redonda.


Em nome destas cruzadas, calaram o país e destruíram os focos de oposição. Dos poucos que se atreveram a falar (casos das corajosas intervenções de Francisco Benante, Presidente da Assembleia Nacional Popular, isto para não falarmos dos partidos políticos na oposição) eram logo acusados de anti patriotismo e antidemocráticos. As manifestações sociais foram violentamente reprimidas (casos relacionados com a marcha dos professores contratados, reintegrados e novos ingressos, bem como dos quadros técnicos da saúde), o medo generalizou-se.


A primeira meta foi ultrapassada. Afinal, não seria de surpreender, houve apoios massivos e importantes de alguns países e lá se fez o que tinha que se fazer e neste contexto, o Brasil esmerou-se.

 

Mas a que custo social e financeiro para o país? Valeria a pena o Estado endividar-se para isso? Depois da azáfama, os ganhos diluíram-se. Vejamos o estado das estradas então recuperadas, vejamos as viaturas topo-de-gama circulando majestosamente entre a pobreza e sem chapas de matrículas, etc.


A segunda etapa era a realização de mesa-redonda com os doadores. Aristides Gomes convenceu-se que concretizando mais esta proeza, seria imbatível.
Então precipitadamente tentou reunir, primeiro em Bissau, com os doadores e depois em Genebra, além de sucessivas missões de «sensibilização» que ele próprio e vários ministros, acompanhados por uma falange de “klaquerus” seus, se apressaram a fazer.

 

Cego pela ambição de aparecer como o “salvador da pátria”, Aristides Gomes não se apercebeu dos sinais que a Comunidade Internacional lhe fora dando e que anunciavam o pouco interesse que lhes despertaria a mesa-redonda. Neste capítulo, o Ministro da Economia, Issufo Sanhá, devia ter-lhe dado as “dicas”, das suas anteriores experiências vividas com a organização de eventos similares. Resumidamente, uma mesa-redonda só pode ter êxito quando o país tem o total crédito dos seus parceiros.


Sem desprimor para os que se fizeram representar, mas a ausência de certos doadores na reunião de Bissau, o nível de representação dos participantes nas reuniões eram sinais claros da comunidade internacional e que deveriam desencorajar
o Governo a realizar a mesa redonda, na altura e nas condições em que o fez. O memorando do FMI, em vésperas da realização da reunião de Genebra não deixava dúvidas para o que se seguiria.


Sendo pouco astucioso e muito soberbo, Aristides Gomes não se apercebeu do alerta dado. A consequência esta à vista, com os magríssimos resultados obtidos na mesa redonda.


Das necessidades orçamentais expressas com carácter de urgência pelo Governo, nomeadamente a cobertura dos deficits de 2006 e 2007 e divida pública, etc. estimados em mais de 150 milhões de dólares americanos, o Governo só obteve 29 milhões. O que vem enfraquecer a sua posição colocando sérios riscos quanto à negociação de um programa com o FMI.


A dívida interna foi pura e simplesmente ignorada pelos doadores, o que é um péssimo sinal para os empresários nacionais, que vêem assim comprometidos os seus esforços para redinamizar as suas empresas, com consequências bastante nefastas para o relançamento da actividade económica no país. Não nos esqueçamos que o sector privado é o motor do desenvolvimento de qualquer país.


O DENARP que é fruto do trabalho e da persistência dos anteriores Governos, despertou o interesse da comunidade internacional, mas não ao ponto de a fazer largar os cordões à bolsa.


Apesar da pomposidade dos números avançados pelo Governo, dos 441 milhões de dólares americanos estimados como necessários para a primeira fase (2006-2011), a comunidade internacional só declarou a intenção de vir apoiar com 233 milhões de dólares (a desembolsar até ano 2011), ou seja pouco mais de 50% (metade) do que seria necessário para implementar projectos com vista a lutar contra a pobreza.


Sabe-se que dentro desta cifra foram contabilizadas ajudas que já tinham sido anunciadas em períodos precedentes. Cite-se o apoio da União Europeia no quadro do Fundo Europeu do Desenvolvimento (FED).


Por fim, outro grande eixo da estratégia de Aristides Gomes para a mesa-redonda era a tão propalada reforma da defesa e da segurança. Outra aposta falhada de Aristides Gomes!

 
Ao pretender associar o dossier da reforma da defesa ao documento de estratégia nacional de luta contra a pobreza, cometeu um erro crasso. Mas vejamos porquê.

 

É claro que os temas estão interligados, sem estabilidade não se pode promover o desenvolvimento, até aqui pensamos poder partilhar o mesmo raciocínio, mas o que o Governo se esqueceu é que há ainda de facto muitas reservas em relação ao sector da defesa, não só face aos avanços tão insignificantes, para não dizer inexistentes, até aqui conquistados nessa área tão sensível como nevrálgica, como pelo facto do Executivo de Aristides Gomes, não ter levado o referido projecto à sua discussão pela Assembleia Nacional Popular, por se tratar de uma matéria de exclusiva competência da ANP.


O dossier da Defesa e Segurança, ainda que prioritário e nisso concordámos plena e absolutamente com o Governo, temos, contudo, que reconhecer que ele não está suficientemente amadurecido e interiorizado pelos seus principais agentes. O princípio da assumpção, factor que garante a sustentabilidade, não está nem estava a priori garantido.

 

Temos que reconhecer que há ainda muitas zonas cinzentas nesse dossier, daí se compreender que a trilogia «paz, estabilidade e desenvolvimento» não tivesse convencido os doadores e que as necessidades estimadas pelo Governo em mais de 184 milhões de dólares americanos tenham sido igualmente ignoradas pelos doadores. Este dossier não recebeu nenhum tostão e é com bastante pena que o reconhecemos.

 

Abordaremos num trabalho especial o que foi na verdade os resultados desta reunião de Genebra, para uma maior e melhor compreensão de todos.


Contudo, podemos adiantar quer os fracos ou magríssimos resultados que a Mesa-Redonda de Genebra são a tradução plena e real da desconfiança da Comunidade Internacional face ao Governo do Aristides Gomes. Daí se reputar por iminente nos círculos politico-diplomáticos, a eminente e necessária queda do Governo.


A sustentação desta tese assenta no facto de Aristides Gomes ter falhado em todas as apostas que fez:

 

-     Não trouxe estabilidade (interna) ao país e minou a credibilidade externa que o país tinha conquistado com Henrique Rosa e Carlos Gomes Jr.

 

-    Não trouxe paz social: o desentendimento com os sindicatos é declarado (atrasos salariais preocupantes, horários de trabalho, etc.), o diálogo com a sociedade civil arrefeceu;

 

-    Não logrou a consolidação da cultura democrática: o relacionamento institucional não existe, os seus ministros não respondem às interpelações dos deputados da Nação, não prestam contas a ninguém;

 

-    Não melhorou a vida das pessoas, antes pelo contrário votou os guineenses à maior das pobrezas, em especial os camponeses que mais sentiram os efeitos devastadores da sua imaturidade politica;

 

-    As finanças do país estão num verdadeiro caos (gasta-se muito mais do que se tem… vamos de empréstimo para empréstimos para garantir o pagamento dos atrasados salariais, mas continuamos a comprar “Hummer´s, Volvos, construção de “VILAS”, viagens com grandes delegações e estadias em hotéis de luxo, dignas dos príncipes árabes e dos petrodólares;

 

-    Falhou na campanha de comercialização da castanha de cajú, trazendo o espectro da fome e consequentemente, acentuando mais os índices de pobreza para os guineenses;

 

-    A Justiça nunca esteve tão desacreditada e conspurcada como agora. A alta criminalidade campeia (tráfico de drogas, falsificação de moeda, lavagens de somas colossais de dinheiro). Ninguém diz nada, ninguém faz nada…até quando?

 

-    A corrupção gangrena o aparelho do Estado (temos o recente caso das pescas, de que abordaremos à parte), já não se fazem mais concursos públicos, os recursos do Estado são reciclados em contas privadas ou de projectos, os desvios de receitas orçamentais viraram norma, o aluguer de aviões tornou-se frequente, as viagens dos dirigentes baptizadas «double» porque o número de dias para efeitos de calculo de custos de representação e "perdiens" são a dobrar ou mesmo a triplicar (no caso da Mesa-Redonda de Genebra o PNUD pagou e o Governo também. Kumbelé-kumbelé, pano mamá!!).

 
Por tudo isto, Aristides Gomes acabaria por cair na própria teia que teceu.
Hoje, agastado e acossado por todos, o discurso de Aristides Gomes é diferente de há um ano atrás quando pleiteou com todas as suas forças a demissão do governo de Carlos Gomes Júnior, desprezando a importância da mesa-redonda para o país e de acordos em curso de negociação que poderiam trazer recursos financeiros importantes para o país.

 

Nessa altura, a quinze dias da realização da mesa-redonda, Aristides Gomes não se lembrou que a Guiné-Bissau não tinha muitas saídas nem dos perigos da instabilidade governativa. Uma vez mais, o nosso país saiu a perder, por obra e graça dos seus “bons fidjus de tchon”.

 

Aristides Gomes é hoje um homem derrotado e humilhado pelo caos que ele e sua equipa semearam no país.

 

Será que este país, cujo grande orgulho de todos nós, foi a sua libertação do jugo colonial pela força das nossas armas e pelo sacrifício dos melhores filhos da nossa terra, se transformou gradual e paulatinamente numa República de Bananas?


Quem de direito que assuma as suas responsabilidades!

*Jornalista

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