Quem Acredita nos Atentados?

(Ponto de Vista)

 

“Toda a mentira chega com asas, e se vai coxeando”.

Voltaire

 

 

Por: Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo *

 

rjogos18@yahoo.com.br

Rui Jorge Semedo

11.01.2009

 

Os mistérios tradicionalmente nos impedem de saber a razão dos crimes que são constantemente cometidos por pessoas ligadas ao poder, mas, pouco a pouco, os actos de seus actores nos permitem discernir as falsidades. Quando aconteceu a cena de 23 de Novembro tínhamos a consciência da cautela que precisávamos tomar na observação do facto, depois, com os posteriores acontecimentos, como a premeditada mudança da guarda-presidencial e a novela da tentativa de assassinato do Chefe do Estado-Maior, ficou-nos claro que tudo não passava de luta pelo controlo do poder.

 

Caros leitores, antes de fazer julgamentos precisamos prestar atenção e, só depois, tirar nossas ilações sobre o acontecido. Para tal, é sempre necessário voltar a fita e iniciar o filme para melhor analisar e compreender os factos como elas realmente são. Daí a necessidade dessas indagações. Por que Nino Vieira voltou para concorrer ao cargo de Presidente da República? Quem o ajudou a voltar? Por que o ajudou? E, finalmente, qual foi a contrapartida? Obviamente, percebemos que após essas colocações o estimado leitor espera de nós uma resposta como, naturalmente, era de se esperar, mas, entendemos que a pessoa ideal para responder às referidas questões é o Chefe do Estado-Maior, Tagme Na Waie. Por que atribuímos esse papel ao chefe das Forças Armadas? De acordo com o que acompanhamos, foram os militares que negociaram o regresso de Nino Vieira. Desafiaram a autoridade de um Governo legítimo, violaram o nosso espaço aéreo e terrestre para efectivar a negociata. Aliás, após ser acusado de tentativa de golpe de Estado, o Almirante Bubo Na Tchuto, já em exílio, afirmou ter dado uma valiosa contribuição para o regresso de Nino Vieira, no entanto, nunca tencionou derrubá-lo e toda a acusação sobre a sua pessoa não passa de intriga castrense.

 

Bem, como se diz em bom português – contra força não há resistência – portanto, Nino Vieira voltou e ganhou a eleição mais militarizada do país. O que talvez não se sabia é a forma como fora montado o esquema de segurança antes do regresso de Nino Vieira. Este facto se tornou público na semana passada na declaração proferida pelo ex-ministro da Administração Interna, Cipriano Cassamá, que disse que as “Milícias Aguentas” foram os primeiros a entrar “secretamente no país”, obviamente, com o conhecimento do Estado-Maior, para garantir a segurança do então candidato Nino Vieira. Ainda questionou que, se ontem esses cidadãos desempenharam esse papel por que não agora garantir a segurança do Presidente da República? O que se pode dizer sobre comportamentos arrogantes do ex-ministro Cipriano Cassamá, é que se fosse numa terra onde existe um verdadeiro sentido de Estado, ele teria que colocar o seu cargo à disposição logo após a sua infeliz declaração sobre o “atentado à residência do Presidente da República”. E como a irresponsabilidade pública em todos as suas vertentes caracteriza o comportamento dos nossos governantes, voltou a colocar os pés pelas mãos sem pensar nas repercussões e consequências, quando referiu que a presença das “Milícias Aguentas” nos serviços de segurança presidencial é de sua inteira responsabilidade.

 

Falar das “Milícias Aguentas” requer uma análise aprofundada e complexa, visto que não podemos observar apenas a actual situação que opõe a Presidência da República e o Estado-Maior, mas, todo o historial da existência dessa força no exterior, ou seja, na Guiné-Conakry desde o período pós 6 de Maio de 1999. Nino Vieira e seus cúmplices da praça de Bissau tinham supostamente um monstruoso plano de atacar militarmente a Guiné-Bissau caso não houvesse a permissão ou conivência das nossas Forças Armadas no seu regresso. Inevitavelmente teríamos na região sul do país a existência de uma força de guerrilha apoiada pela Guiné-Conakry de Lassana Conté que estrategicamente teria dois objectivos a cumprir: forçar o retorno de Nino Vieira ao poder ou manter sob uma permanente instabilidade aquela região. Entretanto, apesar de ter havido correspondência por parte das FARP, a presença na Guiné-Bissau de quase um batalhão de homens acantonados na vizinha Conakry dava mais tranquilidade ao Presidente Nino Vieira. E é supostamente com base nessa preocupação que foi montada a comédia de bombardeamento da residência Presidencial, que serviu de pretexto para colocar uma força ilegítima e irregular no lugar de um exército que apesar das contradições goza de uma aparente legitimidade.

 

Em linhas gerais, pode-se dizer que o Presidente Nino Vieira não poderia aceitar a presença dessas “Milícias”, tendo em consideração o princípio do Estado democrático e do respeito pelas instituições. Sabemos que nem todo o mundo dentro das nossas Forças Armadas constitui uma ameaça à segurança do Presidente, ainda que, constitucionalmente, ele tem a ferramenta enquanto Comandante em Chefe das Forças Armadas de nomear ou demitir o Chefe de Estado-Maior e os colaboradores de outras três áreas (Marinha, Força Aérea e Exército). Por que não o fez aquando do atentado de 23 de Novembro? De novo, a resposta para essa interrogação tem que ser procurada no “memorandum Nino/Tagme” que permitiu o regresso do primeiro ao país.

 

Neste momento, o óbvio é que, verifica-se gradativamente a debilidade de autoridade do Presidente Nino Vieira, que mostra não reunir condições políticas, moral, social e militar para continuar à frente deste país. Politicamente, o desarmamento das “Milícias Aguentas” sob o seu “impotente olhar”, além de ser resultado de um grave erro por ele cometido, é uma humilhação; moralmente não tem dado bons exemplos na consolidação das instituições democráticas; socialmente sua presidência é cada vez mais contestada e; militarmente o último acontecimento demonstrou que o Presidente da República, General Nino Vieira, não é Comandante em Chefe de NADA.   

Sobre a tentativa de assassinato do Chefe do Estado-Maior, General Tagme Na Waie há que perceber que ele também aprendeu muito bem com o Presidente Nino Vieira como montar um filme para ganhar Óscar. Por isso, quem se atreveria a dizer que a tal tentativa não passava de um álibi para desarmar as “Milícias Aguentas”? Pois, de acordo com a informação radiodifundida os autores do ou dos disparo (s) foram as “Milícias Aguentas”. Não obstante, uma das principais testemunhas do ocorrido, que estava de oficial-dia, Alferes Albino Bogra, ter negado haver qualquer tentativa de assassinato contra a pessoa do Chefe de Estado Maior. O que houve segundo ele, foi apenas um disparo acidental ao ar no posto de sentinela de uma bala que estava cravada no cano da arma e, minutos depois, surgiu o General Tagme Na Waie que perguntou o que estava a passar. É impressionante essa coincidência! O estranho é que houve tiro para matar um homem e o mesmo se dirigiu ao lugar onde supostamente estavam os seus algozes e saiu de lá vivo! Bem pode ser que o mesmo aconteceu, porque diz a lenda guineense que tem pessoas que a bala não penetra a carne, ou seja, os imortais da bala. Tanto que, no dia do ataque à residência do Presidente, ele estava em casa com a família, e apesar dos estrondos dos obuses, amanheceram com boas aparências, ou melhor, não aparentavam passar pelo sufoco de armas pesadas e ligeiras. Se essas lendas não servem para fazer a criança dormir servirão como instrumentos de diversão no dia 1º de Abril.    

 

*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil


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