QUEIXA CONTRA X

 

Filomena Embaló

 

fembalo@gmail.com

 

05.12.2005

 

 Filomena EmbalóA trágica morte dos jornalistas Sori Baldé e Aruna Djamanca é mais uma revelação da incúria com que tudo é gerido na nossa sociedade. Duas vidas ceifadas como muitas outras nas mesmas condições em acidentes que, periodicamente, vão tingindo de sangue as estradas da Guiné-Bissau.

 

Estes jornalistas e seus colegas seguiam em missão de serviço para fazerem a cobertura  de um evento relativo a um outro grande mal que assola o país, o HIV/SIDA. Foram transportados num carro de aluguer, pois ao que parece os respectivos orgãos de comunicação não dispõem de viaturas próprias... ( Que absurdo que órgãos de comunicação social públicos como o Nô Pintcha e a Televisão da Guiné-Bissau não possuam um meio de transporte próprio para o trabalho dos seus jornalistas?!)

 

Não é segredo para ninguém o estado das viaturas de aluguer da nossa praça: sem controle técnico, funcionando até ao último suspiro, sobrelotadas, revelando uma inconsciência total dos seus proprietários e dos próprios passageiros. Djitu ca tem, não há meios nem peças para as reparações necessárias das viaturas e há que manter o negócio para que as pedras do fogão possam ser aquecidas todos os dias, dirão os proprietários. Djitu ca tem, não há outra forma de se viajar pelo país, dirão os passageiros. E os acidentes tornam-se uma fatalidade, por causa da “coitadeza” da terra...

 

O governo vai criar uma comissão de inquérito para averiguar as causas e circunstâncias em que ocorreu o acidente com os jornalistas e apurar eventuais responsabilidades de quem alugou a viatura... Mas o que é que está realmente em causa neste drama? A irresponsabilidade de quem alugou a carrinha, que segundo a informação noticiada, a inspeccionou a “olho nu”...? Ou:

A irresponsabilidade do proprietário que aluga e tem a circular viaturas em tal estado?

A irresponsabilidade do condutor, que além de aceitar conduzir tal viatura, ao que foi informado, ia com  excesso de velocidade?

A irresponsabilidade de cada um dos viajantes que aceitou embarcar em tal engenho?

A irresponsabilidade dos órgãos de comunicação social que não dispondo de meios de transporte próprios aceitem que os seus trabalhadores viagem em viaturas em mau estado?

A irresponsabilidade da polícia de trânsito que não impede que tais viaturas circulem pelas estradas do país?

A irresponsabilidade do governo que não exige que a lei sobre a circulação dos meios de transporte seja aplicada?

 

O que está aqui em causa, a meu ver é, nada mais, nada menos, uma cultura nacional do “salve-se quem e como puder”, onde grassam atitudes negligentes e irresponsáveis, sem pejo, sem escrúpulos, porque o que importa é “safar-se”, sejam quais forem as consequências. E essa cultura, infelizmente, é geral. Ela caracteriza o funcionamento da sociedade guineense a todos os níveis, quer no domínio público quer a nível do simples cidadão, que deixou de saber o que é o rigor, a disciplina, o respeito, a dignidade e a honra! A luta pela sobrevivência num meio permissivo à corrupção torna o cidadão sem escrúpulos, transformando o desonesto em pessoa admirada e cobiçada, porque a escala dos valores morais se inverteu.

 

Pois, o que está aqui em causa não é a fatalidade nem a “coitadeza” da terra, mas sim a “coitadeza” de espírito que prevalece na sociedade guineense e com a qual ninguém se preocupa. É essa “coitadeza” de espírito que tem entravado o desenvolvimento do país, mantendo-o num perene estado de instabilidade, por o objectivo primeiro de cada um ser a resolução do seu problema pessoal, seja como for...

 

Espero que esta comissão de inquérito não seja apenas uma “decisão de circunstância” e que traga a debate público o que faz com que, na nossa terra, a incúria continue a ser a companheira fiel do infortúnio!


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