PAIGC PODE ENFRENTAR DIFICULDADES NO PRÓXIMO GOVERNO DEVIDO ÀS DIVERGÊNCIAS POLÍTICAS E COMPROMISSOS PESSOAIS

 

 

 

 

 

Por: Ricardino J. D. Teixeira[1]

Ricardino Dumas Teixeira

ricardino_teixeira@hotmail.com 

10.12.2008

 

A promessa de campanha eleitoral anunciada pelo líder do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), Carlos Gomes Júnior, durante o pleito passado, pode enfrentar empecilhos para a sua implementação devido às divergências políticas e ideológicas com o atual Presidente da República, João Bernardo Vieira, somada ao fato de que a recente disputa eleitoral que elegeu como deputados personalidades do núcleo-duro do Antigo Regime, não parece, até ao momento, que vá ultrapassar a desastrosa política de desvio de recursos públicos prevalecentes nos anteriores governos do PAIGC, amplamente criticada pelos diversos setores da sociedade guineense que contribuíram sobremaneira na falência das instituições do Estado.

 

Hoje, depois de várias tentativas e lutas internas dentro do PAIGC, essas mesmas figuras representarão a suprema vontade do povo guineense no Parlamento. Quem sou eu para questionar a vontade do povo guineense? Apenas quero relembrar que desde o período que essas figuras assumiram a administração pública do país, ficou clara a reversão de expectativa de vida dos guineenses, assim como a persistência da corrupção, do conflito, da perseguição e vingança da classe política, heranças negativas do colonialismo mantidas ou ampliadas em outras formas pelo sistema político no período pós-independência. Essa herança negativa do passado parece resistir aos ventos da mudança na Guiné-Bissau, sobretudo, dos valores elementares e fundamentais da sociedade contemporânea, a saber: o bem-estar, a educação, a segurança, a liberdade e acesso à justiça, sem as quais não teria sido possível falar em democracia pluralista e inclusão social, política e econômica no país.

 

Os recentes acontecimentos que afetaram diretamente a segurança social, política e econômica dos guineenses e estrangeiros que escolheram a Guiné-Bissau para viver, deveram-se, em grande medida, à dificuldade das elites governamentais de incorporar ou tentar incorporar os fundamentos básicos de uma sociedade humana, a saber: o respeito ao pluralismo político, ideológico, cultural e religioso. Esse desrespeito com os valores de uma sociedade pluralista e inclusiva em função das divergências políticas e compromissos pessoais anteriormente firmados poderá dificultar o próximo governo no cumprimento das promessas de campanha.

 

Para garantir o sucesso governativo, o que o próximo governo propõe fazer para ultrapassar essas questões? Ainda não ficou claro o projeto político de governo de Carlos Gomes Júnior em relação às questões acima mencionadas. O PAIGC prometeu, no decorrer da campanha eleitoral, que pretende resolver a crise do país, mas não mostrou como e muito menos discutiu com setores da sociedade, o seu projeto de governo. Mesmo assim o PAIGC afirma que é um partido democrático e o próximo governo será do tipo consensual no quadro de debates que decorrerá no interior do Comitê Central do partido. O fato de o PAIGC garantir, nesse pleito, a maioria absoluta, que representa uma nova ameaça para as novas democracias em África, não significa necessariamente que o partido vai garantir governabilidade, uma vez que a ausência de coesão interna e disputas políticas dentro do PAIGC minam as possibilidades do próximo governo.

 

Não ficou claro como o Carlos Gomes Júnior pretende gerir as facções dentro do partido. Cada um quer o seu pedaço de poder. Hélder Proença, por exemplo, que ajudou a reeleger o Presidente João Bernardo Vieira, pela segunda vez, já deixou claro que é candidato ao cargo do Presidente do Parlamento, numa clara oposição à escolha de Raimundo Pereira, atual Vice-Presidente do PAIGC, para o cargo, tal como pretende o líder do PAIGC. E o Francisco Benante e o Cipriano Cassamá? A questão é polémica e faz parte da herança histórica deste partido, a saber, a luta pelos cargos-chave no governo, prática política profundamente denunciada por Amílcar Cabral.

 

O problema maior provavelmente não serão apenas aqueles acima mencionados, mas as divergências políticas aprofundadas na recente disputa eleitoral entre Carlos Gomes Júnior e João Bernardo Vieira, o atual Chefe de Estado. A atual dinâmica política guineense exige um olhar além da aparência na relação entre essas duas figuras que, em alguns casos parecem inimigos ferrenhos, já em outros casos amigos de longa caminhada. Quem não se lembra da queda do governo de Carlos Gomes supostamente por incompatibilidade política, assim como a queixa-crime apresentada pelo Chefe de Estado contra a pessoa de Carlos Gomes cuja sentença judicial “aguarda” o desenvolvimento e o resultado das “investigações”?

 

O mesmo Carlos Gomes Júnior, surpreendentemente, fez questão de encaminhar por escrito um convite de “honra” política para o Presidente Vieira assumir a presidência honorária do PAIGC. Daí a indagação, o que o Presidente teria feito para se eleger Carlos Gomes Presidente do PAIGC? O que, afinal, existe entre Carlos Gomes Júnior e João Bernardo Vieira? Não é fácil entender as alianças políticas entre Carlos Gomes Júnior e João Bernardo Vieira. No entanto, um detalhe parece importante: não será fácil a coabitação dos dois em defesa dos interesses da Nação. Isto porque na Guiné-Bissau os conflitos de interesses pessoais sobrepõem-se aos interesses coletivos da sociedade como um todo. Não faltou, no decorrer da história política do país, a evidência dessa tendência de conceber a política.

 

 Do outro lado das disputas pelo poder e das divergências políticas - ainda dentro do PAIGC - estão os homens que hoje rodeiam o líder do PAIGC, Carlos Gomes Júnior, o que parece ser uma situação aparentemente diferente do anterior governo, onde o líder do PAIGC conseguiu dois grandes sucessos se comparada aos governos antecedentes: controle da dívida pública e aumento de salário dos funcionários públicos, o que contribuiu significativamente para melhorar a imagem do país no exterior com as instituições financeiras internacionais (FMI) e do desenvolvimento (BM). Existem condições semelhantes como essas para acreditar que o próximo governo será capaz de resgatar a credibilidade interna e externa da Guiné-Bissau? Ainda é cedo, mas pela composição do próximo Parlamento, inclusive de pessoas com processos judiciais em andamento e passado político pouco animador, não me parece que o próximo governo terá condições e possibilidades para minimizar o sofrimento do povo guineense.

 

Na Guiné-Bissau implantou-se uma “rede” de corrupção e uma cultura de impunidade que dificilmente serão ultrapassadas com as mesmas personalidades políticas no Parlamento que contribuíram significativamente para a atual crise que o país enfrenta. Em todos os governos em que participaram geraram problemas administrativos graves. Houve “usurpação” de bens públicos e desvios significativos de recursos por parte de pessoas recentemente eleitas para exerceram as funções de deputados da Nação. E as privatizações de empresas públicas? Muitos desses dirigentes que serão deputados “compraram” sem licitação as pequenas e grandes empresas do país. Olha só que tamanha corrupção que o próximo governo terá que eliminar dentro de quatro anos. Este é um desafio não só do governo como também da sociedade, particularmente dos intelectuais guineenses que têm um papel importante na fundação de uma nova Guiné, na defesa da democracia, da cidadania e do bem-estar do povo e das instituições republicanas.

 

Para concluir, é preciso lembrar alguns detalhes importantes abordados até aqui: a queixa-crime apresentada por alguns partidos políticos alegando fraude eleitoral; a indefinição jurídica da suposta tentativa de assassinato do Presidente anunciado nos últimos dias na imprensa nacional e internacional; o pronunciamento do governo segundo qual não dispõe de recursos financeiros para pagar salários dos funcionários públicos; a disputa política dentro do PAIGC na divisão de cargos-chave no próximo governo, misturado com o narcotráfico do Estado, a delicada relação civil-militar, assim como a ausência de definição política no relacionamento entre Carlos Gomes Júnior e o atual Chefe de Estado, evidenciam os limites do próximo governo no cumprimento das promessas eleitorais.

 

O sucesso ou insucesso do próximo governo de Carlos Gomes Júnior na geração de emprego, na construção de hospitais e escolas de qualidade, na mudança social, cultural, econômica e política, dependerão, em grande parte, na resposta a essas questões que parecem fundamentais para a mudança da imagem interna e externa na forma de fazer política na Guiné-Bissau.

 

[1] Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor de sociologia na Faculdade de Ipojuca - Brasil

 


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