Morte de Nino Vieira: fim da instabilidade ou começo de uma outra?

 

(Ponto de Vista)

 

“Nino Vieira era violento e morreu na violência”.

 

Mário Soares

 

Por: Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo *

 

rjogos18@yahoo.com.br

 

03.03.2009

 

Rui Jorge SemedoNovamente o nosso país foi sacudido por mais um triste acto de violência. Acreditamos que esta situação para a maioria dos guineenses e, mesmo para as entidades internacionais que acompanham o desenrolar da situação na Guiné-Bissau, não constitui surpresa. É verdade que ninguém sabia quando aconteceria a tragédia, mas era previsível a possibilidade de confronto militar entre Nino Vieira e Tagme Na Waie.

Isso porque a fragilidade das instituições do país, a começar pela Presidência da República, tem contribuído e incentivado civis e militares a desafiarem impunemente o poder constitucional e a instaurar a desordem. Os actores sempre têm optado pela violência como mecanismo para eliminar ou inibir os adversários. Comportamento que, infelizmente, tem caracterizado o cenário político de muitos países africanos e que tem contribuído enormemente para a permanência do caos social, político e militar. No caso da Guiné-Bissau, esta luta desleal semeou intrigas, ódios e crispações entre homens que outrora eram amigos e que de repente se tornaram inimigos mortais. Esse “ninho mortífero” de relação de poder fora criado pelo malogrado Presidente General Nino Vieira. Portanto, o pântano político-institucional e jurídico que a violência criou no país (que supostamente permanecerá por um longo período), é o resultado de comportamentos anticonstitucionais e anti-institucionais que teve o seu limiar com o golpe de 14 de Novembro de 1980 e se consolidou em Junho de 1998 com o acesso descontrolado ao poder de pessoas sem a mínima noção do que significa o Estado, a democracia e o poder.       

O que aconteceu ontem e hoje (1 e 2 de Março) que consequentemente provocou os assassinatos do Presidente da República e do Chefe de Estado-Maior, respectivamente os Generais Nino Vieira e Tagme Na Waie, além de comprovar a fragilidade das nossas instituições é um mau exemplo para o país, para a democracia e, principalmente, para os actores em “disputa política”. Os guineenses não podem continuar a usar a força da violência como mecanismo para conquistar ou manter o poder. Conforme chegamos a referir numa das reflexões, diferentemente de outros modelos políticos, como por exemplo, a ditadura e a monarquia que restringem o acesso ao poder, a democracia apesar de ainda não conseguir ser um modelo auto-suficiente aos desafios que lhe é colocada, permite uma participação equilibrada dos actores na luta pela ascensão ao poder. Por isso, mesmo quando não se consegue democraticamente conquistar o poder, ela permite que todos participem do jogo com suas ideias e acções no sentido de atingir o objectivo comum, que é o de garantir o bem-estar dos cidadãos considerados politicamente iguais.

Os exemplos de que o recurso à violência não é e nunca será a solução para as nossas ambições pessoais e/ou colectivas podem ser vistos nos arquivos que a nossa memória colectiva guarda, senão vejamos: em Novembro de 1980 Nino Vieira derrubou Luís Cabral alegando injustiça na política da unidade Guiné e Cabo-Verde; pouco tempo depois, afastou Victor Saúde Maria e condenou à morte Paulo Correia e seus amigos; em Junho de 1998 Ansumane Mané motivado por ambição própria iniciou uma rebelião que em Maio de 1999 derrubou Nino Vieira e fê-lo exilar-se em Portugal por um período de seis anos; em Novembro de 2001 numa disputa com o Presidente Koumba Ialá, Ansumane Mané foi fuzilado por amigos que o apoiaram durante a rebelião; em Outubro de 2003 os militares liderados pelo General Veríssimo Seabra derrubaram Koumba Ialá e, no ano seguinte, em 2004 o General Veríssimo fora assassinado pelos mesmos militares e o seu lugar passou a ser ocupado pelo General Tagme Na Waie; em 2005 à revelia do governo e com a conivência dos militares, Nino Vieira volta ao país e sem o apoio do seu partido PAIGC vence a eleição presidencial como candidato independente; a 23 de Novembro de 2008 “homens armados” atacaram a residência de Nino Vieira; em Janeiro de 2009 o General Tagme Na Waie disse ter sido alvo de atentado numa das avenidas da capital Bissau; ontem dia 1 de Março nas instalações do Estado-Maior morre o General Tagme Na Waie vítima de atentado à bomba; na madrugada do dia seguinte os militares fiéis a Tagme Na Waie atacaram a residência de Nino Vieira, atingindo-o mortalmente. Entretanto, a ocorrência dos factos leva a crer numa ligação entre o assassinato do Chefe do Estado-Maior e o de Presidente da República. Neste caso, se foi Nino quem mandou matar Tagme conforme afirma Zamora Induta (de acordo com a notícia da RTP, citando a agência France Presse) precisa-se indagar: Quem ordenou o assassinato de Nino Vieira?

Como não é possível desvendar o mistério agora, preferimos adiantar a análise e dizer que o seu assassinato foi o custo da excessiva obsessão pelo poder. Pois, Nino Vieira não deveria ter voltado ao poder por um simples motivo: por tudo que os onze meses da sua deposição causaram à sociedade guineense; porque jamais gozaria de autoridade no seio dos militares além de colocar a vida de guineenses e a sua própria, em risco como, aliás, acabou por acontecer; já havia dado sua contribuição ao país e precisava compreender que o tempo dele tinha acabado. Aliás, Nino Vieira não havia percebido que o seu tempo acabou porque os bajuladores que vivem à custa de seus desmandos o fizeram acreditar que ainda podia ser o primeiro homem do país. A sua própria esposa, Isabel Romano Vieira, também não soube ser aquela mulher forte e inteligente para ajudar o marido a conduzir os sonhos sem arriscar a vida. Apenas se preocupava em transformar a fortuna pública em bens da família, tanto que adquiriram todos os edifícios públicos da zona central de Bissau. Tanto quanto Ansumane Mané, Nino Vieira também foi enganado pelos assessores e amigos até ser vencido pela morte. Nunca compreendia seus críticos, tanto que hostilizava-os e os encarava como inimigos e mentirosos. Sempre lhe faltou a capacidade para perceber que as criticas muitas das vezes eram positivas e poderiam servir como oportunidades para melhorar sua postura política. A mesma coisa podemos dizer do General Tagme Na Waie, que também foi enganado para usurpar o poder, contribuiu para o regresso e consequente vitória eleitoral de Nino Vieira,  exagerando em demonstrar ser valente perante todos, quando na realidade não passava de um simples mortal.

Mesmo sabendo quem eram realmente Nino Vieira, Tagme Na Waie, Ansumane Mané, Veríssimo Seabra e muitos outros, é lamentável ficar a assistir actos que consomem vida de pais de famílias e homens que podem contribuir com suas ideias para ajudar o país a enfrentar os desafios do desenvolvimento. É bom que as pessoas (civis e militares) comecem a compreender que só deixando as instituições e as leis funcionarem é que teremos a paz, o desenvolvimento e o bem-estar de todos. Até hoje, nossa história não regista a vitória de nenhum homem que faz da força o recurso para conquistar e se manter no poder, a morte antecipada continua a ser um fim escolhido. Como dizia Jean-Jacques Rousseau, o mais forte nunca é tão forte para ser o senhor dos outros, se não transformar a sua força em obediência e poder em lei. Aos Ninos e Tagmes que por aí estão escondidos é bom pensar nas consequências das atitudes violentas.

Parece-nos que não há duvida sobre quem deve assumir interinamente a Presidência da República, no entanto, esperamos igualmente que a nomeação do Chefe de Estado-Maior interino seja de uma pessoa que desperte a confiança do Governo. Em nenhuma circunstância deve-se permitir que os militares novamente usurpem as atribuições que não são de suas competências, como aconteceu com a ascensão de Tagme ao referido cargo. A estabilidade da Guiné depende da obediência que o poder militar deve ao poder civil, enquanto não for atendida essa exigência é impossível pensarmos na paz e desenvolvimento.

 

*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil


ESPAÇO PARA COMENTÁRIOS AOS DIVERSOS ARTIGOS DO NÔ DJUNTA MON -- PARTICIPE!

PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO

www.didinho.org