Caros irmãos e amigos da Guiné-Bissau

A fragilidade da situação política e social que se vive no nosso país é do conhecimento de todos.  No entanto, e porque a verdade e a transparência, pilares que devem alicerçar um Estado de Direito devem igualmente suportar os princípios de um  novo conceito de cidadania que seja impulsionador de mudanças objectivas rumo à estabilidade e, consequentemente, ao desenvolvimento, peço a vossa compreensão para a abertura de uma excepção, na abordagem / divulgação de um documento importantíssimo que deve ser analisado e debatido por todos os guineenses, onde quer que se encontrem.

Abertura de uma excepção porquanto o documento em questão ser de foro partidário e o meu CONTRIBUTO em prol da reflexão e do debate de ideias sobre a Guiné-Bissau posicionar-me como apartidário e distanciar-me de tomar partido na análise dos problemas do país em função de interesses partidários.

Os guineenses têm direito à verdade e à transparência, de forma a que possam retribuir de igual modo nos seus deveres para com o país.

Boa leitura.

Fernando Casimiro (Didinho)

18. 12. 2005

 Amilcar Cabral "Toda a gente tem que lutar, esta é outra certeza no quadro do nosso Partido. E pouco a pouco, no nosso Partido, chegamos a uma situação em que na nossa cabeça e na realidade não há nem dentro nem fora da terra, na nossa luta. No começo da luta houve alguns que se enchiam de bazófias, porque estavam dentro da terra. Outros, fora, tinham medo e não faziam muito, porque estavam fora. Quem, numa luta como a nossa, conservar essa ideia ou outros complexos, de vaidade ou de medo, porque está dentro ou está fora, não compreendeu nada da nossa luta.

Mas quem nunca saiu do mato e tenha aguentado sete anos de luta e não entendeu a importância do trabalho dos que trabalham fora da terra, para a luta dentro da terra, não entendeu nada ainda.

E quem está fora, sentado num Bureau ou em qualquer outro lado, e não entendeu ainda o valor daqueles que estão dentro da terra a dar tiros, a fazer trabalho político ou outro, e o valor desse mesmo trabalho, não entendeu ainda nada."

Amilcar Cabral em: "O nosso Partido e a luta devem ser dirigidos pelos melhores filhos do nosso povo.

 

 

 

PARTIDO AFRICANO DA INDEPENDÊNCIA DA GUINÉ E CABO VERDE

Secretariado Permanente do Comité Central

MEMORANDUM SOBRE A SITUAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL NA GUINÉ-BISSAU

 

 

INTRODUÇÃO

 

A Guiné-Bissau, após ter aderido ao multipartidarismo em 1993 e ter seguidamente realizado as suas primeiras eleições democráticas em 1994, vive desde a guerra fratricida de 07 de Junho de 1998, o período político-social mais conturbado e de extrema perigosidade para a sua jovem democracia.

Este ambiente de crise latente agravou-se particularmente, logo após a proclamação dos resultados eleitorais da 2ª volta das Eleições Presidenciais de 19 de Junho de 2005, resultados esses amplamente contestados pelo PAIGC e pelo Movimento dos Partidos Patrióticos que apoiaram o candidato do PAIGC, Senhor Malam Bacai Sanhá.

Apesar das reclamações e recursos apresentados não terem tido acolhimento, quer junto à Comissão Nacional de Eleições (CNE), como junto ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), assistiu-se a um movimento de contestação político-social sem precedentes na história da luta política na Guiné-Bissau.

A agitação política que se viveu deixava antever um processo conturbado de coabitação política, quer entre os dois candidatos às presidenciais, como entre o candidato declarado vencedor das eleições presidenciais com o Governo liderado pelo Presidente do PAIGC, este devido ao facto de ter sustentado e apoiado a candidatura presidencial do candidato declarado vencido, senhor Malam Bacai Sanhá.

Entretanto, de bom senso e no interesse da Nação e do Povo da Guiné-Bissau, o PAIGC, na plenitude da sua maturidade política, decide em órgão próprio aceitar os resultados eleitorais, porquanto esgotados todos os meios de recurso permitidos por lei.

Porém, a situação política no país viria a ser agravada com a tomada de posse do Presidente eleito, General João Bernardo Vieira que, 27 dias após início das suas funções, vem, através do Decreto Presidencial n.° 54/2005, invocando argumentos falaciosos e de mero revanchismo, demitir o Governo democraticamente eleito do PAIGC e despoletar assim, uma das mais graves e sensíveis crises políticas no país cujas consequências são ainda imprevisíveis, devido a evolução e incidências que o acto pode vir a ter a diversos níveis.

Para além dos factores político-sociais, a ocorrência de diversos outros factores extra partidários, principalmente de índole militar, contribuíram sobremaneira para o empolamento ainda mais desta grave situação.

Ao nosso país foi imposto de forma aberrante e ditatorial um “estado de sitio” de facto, com realce para imposição de barreiras de circulação interna em vários cantos do país, e também, a imposição de restrições e proibição de circulação dos membros do Governo cessante e de certas e determinadas individualidades políticas, quer dentro como fora do país.  

Este “memorandum” tem como destinatários principais, as Organizações Sub-Regionais, Regionais e Internacionais, cujo papel tem sido fundamental para a preservação da democracia paz e estabilidade na Guiné-Bissau

Pretende-se com este documento dar informações sobre algumas questões de fundo e de certa reserva sobre os quais, razões de Estado e de ética política, impuseram ao Governo cessante, uma certa contenção na sua abordagem pública que em nada dignificaria o país e as instituições da República. 

No entanto, para melhor enquadramento e possível compreensão desta crise socio-político e militar, importa, analisar e seguir atentamente a subjacência e a evolução dos factos e causas que lhes estão inerentes, assim como as consequências imediatas e posteriores que dela poderão advir.

Para o efeito, este “memorandum”, apresenta de forma sucinta alguns factos e acontecimentos de maior relevância no cenário político guineense que julgamos de utilidade para conhecimento e informação da Comunidade Internacional, em particular das organizações supracitadas.

Assim na abordagem dos factos e acontecimentos observar-se-á a seguinte estrutura:

1-    Eleições Legislativas de 28 de Março de 2004;

2-    Síntese de 17 meses de Governação do PAIGC;

3-    Ocorrências e constrangimentos criados à Governação do PAIGC;

4-    O regresso do Ex-Presidente João Bernardo Vieira à Guiné-Bissau;

5-    Posicionamento das Forças Armadas face ao Governo do PAIGC;

6-    Decreto Presidencial n.º 55/2005;

7-    Perigos e conflitos latentes na sociedade Guineense.     

 

1- ELEIÇÕES LEGISLATIVAS DE 28 MARÇO DE 2004

 

Como é do conhecimento público incluindo a Comunidade Internacional, as Eleições Legislativas de 28 de Março de 2004, desenvolveram-se num clima de particular controvérsia devido a várias dificuldades criadas e diversas manipulações engendradas durante todo o processo de recenseamento eleitoral pelo Governo de Transição de então, assim como a várias e sucessivas incidências e obstáculos que foram sendo criadas no decurso do próprio processo eleitoral a cargo da Comissão Nacional de Eleições (CNE).

Como corolário deste processo de agitação premeditadamente criada a volta do processo eleitoral de 28 de Março de 2004, resultou uma violenta contestação dos resultados eleitorais, encabeçada pelo PRS, através de manifestações violentas, ameaças de distúrbios, deixando pairar no ar o espectro de uma guerra civil que poderia facilmente descambar numa confrontação de contornos étnico-regionalista grave, que tenderia a levar o país a cair numa situação de consequências imprevisíveis.

O estado de pânico, quase de terror, que se viveu por altura destes acontecimentos, foi particularmente “patrocinado e sustentado” por um posicionamento ambíguo e de claro envolvimento de altas patentes militares em questões políticas, concretamente ao lado do partido que liderava o então Governo de Transição.

Para a aceitação destes resultados e acalmia da situação, muito contribuiu em parte a moderação do então Presidente do Comité Militar e Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, que para além de conseguir manter uma certa equidistância dos militares sobre essa disputa política, soube também, gerir as sensibilidades das partes políticas em disputa. Por outro, a pronta intervenção da comunidade internacional, particularmente da CEDEAO que expediu uma delegação ministerial para Bissau, no sentido de contribuir para a obtenção de uma solução concernente a referida disputa dos resultados eleitorais.

 

2- SÍNTESE DE 17 MESES DE ACTUAÇÃO DO GOVERNO DO  PAIGC .

  

Contrariando os anteriores cenários que envolviam a constituição de elencos governativo, o novo Governo do PAIGC, obedecendo a um quadro de princípios e de pragmatismo governativo delineado pelo Primeiro Ministro, Senhor Carlos Gomes Júnior, tentou rodear-se no seu elenco de figuras de reconhecida competência técnica, oriundas não só das várias sensibilidades e tendências que emanam do Partido vencedor das eleições legislativas, assim como de alguns técnicos independentes de reconhecida competência técnica e idoneidade moral. 

Apesar das dificuldades, descrédito, desorganização herdadas e demais outras incidências engendradas, com que o novo governo foi confrontado no início das suas funções, conseguiu-se, em pouco espaço de tempo graças a uma assinalável “perfomance” governativa que mereceu boa avaliação da comunidade internacional, em particular das Instituições de Bretton Woods, recuperar o respeito outrora perdido na arena internacional e concomitantemente a recuperação da credibilidade e o respeito interno das nossas populações e parceiros sociais.

Em consequência da boa nota governativa da Comunidade Internacional e dos nossos parceiros de desenvolvimento, o novo Executivo, graças aos aportes positivos angariados, conseguiu reavivar na consciência dos guineenses o espírito da auto estima, dignidade e esperança.

Sem menosprezo por outras realizações de destaque noutros áreas, que melhor poderá ser aferido no Relatório do Governo, entendemos que, pela sua particular importância, no plano interno, entre outras medidas e acções importantes no plano sócio económico levadas a cabo pelo Governo do PAIGC, destacam-se os seguintes factos relevantes:

-         A medida do reajustamento e melhoria substancial dos salários dos servidores do Estado, com destaque para os domínios da Educação, Saúde e grupos mais desfavorecidos;

-         O pagamento regular dos salários da função pública através da implementação de um sistema de controlo adequado da Tesouraria do Estado;

-         Início e conclusão com êxito de dois anos escolares e regularização parcial da situação reivindicativa dos professores;

-         Conquista da estabilidade sócio laboral no país através da implementação de mecanismos de diálogo e de concertação social realista e efectiva diminuindo consideravelmente o espectro das greves que paralisavam sistematicamente os serviços públicos e semipúblicos do país;

-         Garantia de serviços básicos de saúde às nossas populações na base da assistência médica e medicamentosa para as doenças mais comuns no país, nomeadamente o Paludismo, a Diarreia e a Cólera;

-         Cobertura integral de todo o território nacional através da garantia de assistência médica e sanitária qualificada prestada pelos médicos internacionalistas cubanos;

-         Regularização e moralização das despesas do Estado, particularmente com o saneamento dos desvios de procedimentos e pagamento injustificado de falsos títulos de fornecimentos que eram imputados ao Estado permitindo a uma elite de pessoas enriquecerem-se a custa do erário público;

-         Melhoria substancial dos níveis de arrecadação das receitas do Estado;

-         Contenção das despesas do Estado através de um controlo rigoroso dos procedimentos inerentes;

 

3- OCORRÊNCIAS E CONSTRANGIMENTOS CRIADOS AO

     GOVERNO DO PAIGC.   

 

A partir da sua indigitação para constituição do elenco governativo até o seu empossamento, o Governo legítimo do PAIGC emanado das eleições legislativas de 28 de Março de 2004, devido ao facto de não reunir uma maioria parlamentar que pudesse sustentar e fazer aprovar o seu Programa de Governação e respectivo Orçamento, começou por enfrentar várias dificuldades e constrangimentos, destacando-se entre eles, os seguintes:

DE ÍNDOLE POLÍTICA:

 

-         Dificuldades caracterizadas por sucessivos insucessos nas negociações com os outros partidos com assento Parlamentar, nomeadamente PRS e PUSD, tendo em vista a constituição de um executivo que reflectisse os equilíbrios de uma base parlamentar com vista a criação de condições para uma governação estável.

-         Reivindicações pelo PRS e PUSD de pretensas proporcionalidade representativa parlamentar em termos de assumpção de cargos e responsabilidades governamentais exageradamente perniciosas e politicamente inaceitáveis para quem pretendesse a criação de um executivo de “novo rosto” e de aposta em novas potencialidades governativas;

-         Sucessivas pressões e até “chantagens” políticas, tanto a nível do partido PAIGC, assim como dos outros partidos potenciais facilitadores da aprovação do Programa do Governo, com vista a obtenção de cargos e ou dividendos políticos;

-         Ruptura e criação do embrião de uma ala dissidente, embora de ínfima expressão, dentro da Bancada Parlamentar do PAIGC;

-         Contra todas as expectativas e jogadas de bastidores, foram aprovados o Programa e Orçamento do Governo do PAIGC na Assembleia Nacional Popular, através da apresentação e votação de uma Moção de Confiança;

-         Criação de um movimento de oposição mais alargada dentro da Bancada do PAIGC com ramificações nas estruturas do Partido;

-         Assumpção declarada de uma oposição ao Governo do PAIGC, oposição essa liderada pela ala dissidente do próprio PAIGC sustentada política e financeiramente pelo General João Bernardo Vieira;

-         Criação de um movimento parlamentar encabeçada pela ala dissidente do PAIGC em vista a adopção pela ANP de uma resolução de amnistia que abrangesse todos os crimes políticos e militares desde a independência à data da iniciativa. Com esta maliciosa iniciativa pretendia-se sustentar uma suposta amnistia da ANP e assim criar as bases para o regresso do General João Bernardo Vieira.

 

DE INCIDÊNCIA MILITAR

i.                   A partir do 06 de Outubro.

-         Assassinato do Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, General Veríssimo Correia Seabra e outro alto oficial militar, Coronel Domingos Barros a 06 de Outubro de 2004, sob aparente pretexto de reivindicação do soldo da Missão de Paz na Libéria pelo Contingente da referida Missão;

-         As consequências do caso “ 06 de Outubro” começam a revelar-se logo após os fatídicos acontecimentos, tornando-se indisfarçável algumas cumplicidades entre uma certa ala das Chefias Militares com o assumido “Grupo dos sublevados”; 

-         Dá-se início a uma série de comportamentos de insubordinação militar e uma declarada hostilidade ao Governo democraticamente eleito, deixando antever que o caso 06 de Outubro é o principio da preparação de actos mais graves e de consequências imprevisíveis para o futuro da democracia na Guiné-Bissau por via da intervenção militar na vida política;

-         Reivindicação militar sobre alegados direitos remuneratórios, “obrigando” o Governo a subscrever um “Memorandum de Entendimento”, onde entre outras questões, os militares reclamam do Executivo o cumprimento de compromissos políticos, com particular destaque para a concessão de uma amnistia global para todos os crimes e casos ocorridos desde a independência a àquela data;   

-         Pressões e intransigência das Chefias Militares, quanto aos nomes por eles indicados ao Governo para constar na proposta de nomeação do Estado Maior General das Forças Armadas, deixando antever com essa atitude sinais preocupantes de insubordinação das FA ao poder político;

-         É de salientar que o Governo encontrava-se tanto no acto da assinatura do “memorandum de entendimento” com as FA, assim como no processo de nomeação das Chefias Militares, numa posição muito fragilizada, não só pela situação de “quase golpe de estado” que se vivia naquela altura no país, mas devido também, a uma ausência de uma necessária articulação política entre os diferentes órgãos de soberania que intervieram no referido processo, deixou o Governo praticamente refém das pretensões dos militares no que tange à nomeação das Chefias Militares, cujo qualquer braço de ferro, não augurava consequências pacíficas para o nosso país;

ii.                 Depois do 06 de Outubro.

-         Torna-se patente um claro envolvimento entre algumas figuras militares em questões políticas, mormente com o partido PRS, sendo frequentes intervenções e exercício de influências públicas e notórias de altas figuras militares sobre questões e decisões que emanam do referido partido político;

-         Graves acusações forjadas e proferidas pelo CEMGFA contra a pessoa do Primeiro-Ministro e alguns elementos do seu Gabinete, acusando-os de estarem a engendrar um plano tendente a sua eliminação física, assim como das outras Chefias Militares da etnia balanta;

-         Igual acusação foi proferida por um controverso Deputado do PRS na plenária da ANP, demonstrando o conluio e propósitos em manchar o nome do Chefe do Executivo num plano maquiavélico tendo em vista atingir a sua integridade física;

-         Perante a falsidade das acusações, o então Primeiro-Ministro, reage remetendo o caso à Procuradoria-Geral da República, para efeitos de averiguação em instância própria;

-         Das investigações levadas a cabo vem a concluir-se que, as alegadas “provas” de tentativa de assassinato gravadas em cassetes áudio, foram forjadas através de montagens na Rádio Difusão Nacional, tendo algumas sido obtidas sob tortura através de elementos da contra inteligência militar da Marinha de Guerra Nacional e da Segurança do Estado;

-         Criação de um ambiente muito perigoso de tentativa de “autonomização” dos militares face ao poder político, promovendo e realizando contactos e viagens a países da sub-região, nomeadamente Senegal e Guiné-Conakry a procura de alegados apoios materiais e logísticos para as Forças Armadas;

-         Confirmação de contactos preliminares entre algumas altas patentes militares, com o General João Bernardo Vieira, encontros esses tendentes a preparar o seu regresso ao país;

-         Assalto ao Palácio da República por um grupo de militares, e suposta ocupação do mesmo pelo o Ex-Presidente Kumba Yalá. Ao que se apurou, com essa acção belicista e antidemocrática, esteve subjacente uma tentativa de repor o Ex-Presidente no poder através de um Golpe de Estado, condenado unanimemente pela comunidade internacional;

-         Início de um forjado “processo de reconciliação” no seio das forças armadas, processo esse organizado e executado pelo EMGFA fora das directrizes do Governo e ou dos nossos parceiros de desenvolvimento envolvidos nesse processo;

-        Analisando os resultados alcançados com o denominado processo de “reconciliação” promovido pelo EMGFA, pode-se concluir que este visava fundamentalmente a reintegração e recolocação paulatina e em pontos chaves dos fieis do deposto Presidente, General João Bernardo Vieira e não uma efectiva e sã reconciliação entre companheiros de armas;

-         Emissão de comunicados e tomadas de posições políticas e públicas de membros das Chefias Militares relativamente a questões de índole meramente política, casos concretos da manifestação violenta e não autorizada de jovens militantes do PRS que culminou na morte lamentável de três jovens activistas do referido partido;

-         Foi notório no comunicado do EMGFA um posicionamento de parcialidade e afinidades étnico-regionalistas que em nada abonam o carácter republicano e uno das forças armadas;

-         Sobre o acontecimento acima, o Governo com sentido de Estado posicionou-se atempadamente sobre o incidente e lamentou profundamente a ocorrência de perdas de vida humanas, mandando para o efeito instaurar um rigoroso inquérito sobre o caso;

-         Ataque de jovens militares, alegadamente do Regimento de Para Comandos e da Marinha de Guerra contra as instalações do Ministério da Administração Interna que resultou na morte de três agentes e ferimentos graves em outros tantos. Dois autores do assalto foram capturados na operação, mas foram posteriormente “resgatados” pelos militares e até hoje não foram presentes para julgamento;

-         Apurou-se depois que o ataque, foi desencadeado como retaliação pela morte dos jovens militantes do PRS.

-         Posição dos militares, em particular do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, opondo-se de forma insubordinada contra o regresso de 250 jovens mancebos da Polícia de Intervenção Rápida mandados formar em Angola no âmbito do reforço da componente de segurança para o período eleitoral e pós eleitoral.

-         A oposição do CEMGFA sobre este caso, foi ao ponto de ameaçar veladamente no Gabinete do Primeiro Ministro, que caso o Governo insistisse na vinda desses agentes, a que apelidou de “mercenários do Governo”, assim que aterrassem no aeroporto de Bissau, retirar-lhes-ia as fardas e todo o equipamento que transportassem e caso resistissem haveria um “banho de sangue”, tendo alertado ainda o Governo, de que iria manter vigiado o aeroporto 24/24 horas para obstar quaisquer tentativas do Governo à esse propósito.

 

4-      O REGRESSO DO EX-PRESIDENTE JOÃO BERNARDO

         VIEIRA À GUINÉ-BISSAU.

-         Logo após o desaparecimento físico do ex-CEMGFA, tornou-se patente que este era aparentemente o último obstáculo, para o regresso do General João Bernardo Vieira, ficando igualmente claro, que uma certa “entourage” militar já tinha criado as condições propícias para o referido regresso;

-         Circulação de rumores insistentes sobre a data do regresso do General João Bernardo Vieira, noticias corroboradas pelos seus mais indefectíveis seguidores políticos e militares;

-         Perante esta situação grave, as Chefias Militares e os demais Comandos Militares de Zonas foram chamados pelo Governo para esclarecer o propalado envolvimento dos mesmos no regresso do Ex-Presidente;

-         Na referida reunião, os militares “reafirmaram” o seu não envolvimento nessa operação reiterando ao Governo a sua total “subordinação” ao poder político dispondo-se a submeter-se a quaisquer orientações do Governo sobre a matéria;

-         Horas após a reunião do Governo com as Chefias Militares e Comandantes de Zonas Militares, um helicóptero militar da Guiné-Conakry fortemente armado com artilharia aérea, sobrevoa o nosso espaço aéreo e aterra em pleno estádio desportivo interrompendo os jogos escolares que estavam a decorrer nesse momento e provocando o caos e o pânico em toda a cidade de Bissau;

-         O sobrevoo e aterragem do aparelho militar no nosso espaço de soberania foi feito sem conhecimento e à revelia das orientações do Governo;

-         Para receber o General João Bernardo Vieira os seguidores e  promotores da sua vinda arrombaram os portões de acesso ao Estádio Nacional irrompendo com viaturas e outros meios em pleno relvado do estádio;

-         O General João Bernardo Vieira entre ambiguidades, declara que só regressou para rever a “sua terra natal” e recensear-se, mas pouco tempo depois, declara que poderá ponderar uma eventual candidatura à Presidência da República, caso assim entendessem a sua família e seus apoiantes;

-         Dias após o seu regresso à Europa, o General João Bernardo Vieira deixa patente a sua decisão de se candidatar a Presidência da República.     

 

5-      POSICIONAMENTO DAS FORÇAS ARMADAS FACE AO

         PODER POLITICO/GOVERNO PAIGC     

-         Apesar de todos os esforços e condições que foram criadas às Forças Armadas, mormente na melhoria das condições de habitabilidade, meios logísticos e reabilitação das principais infra-estruturas militares, as nossas Forças Armadas nunca se dignaram a respeitar e reconhecer os esforços do Governo nesse sentido;

-         As Forças Armadas Guineenses, principalmente algumas figuras das Chefias Militares nunca se conformaram submeter-se ao poder político legalmente instituído e nunca tiveram perante o Governo legítimo do PAIGC, uma postura de Forças Armadas Republicanas como manda a nossa Constituição;

-         As hostilidades de algumas Chefias Militares, para com o Chefe do Governo foram publicamente assumidas e manifestadas de forma ostensiva e provocatória em várias ocasiões.

-         Foram várias as posturas de insubordinação e falta de consideração assumidas pelos militares perante o Governo do PAIGC;

-         Por razões que se depreendem com a essência e sustentação do Partido da Renovação Social (PRS), existe um posicionamento claro e indisfarçável, entre certas figuras de topo das nossas Forças Armadas com o PRS, não se eximindo em várias ocasiões de assumirem posições de claro favor ao lado desse partido, dos seus membros e militantes ou dos seus interesses.    

 

6- DECRETO PRESIDENCIAL N° 55/2005  

 

No dia 28 de Outubro de 2005 foi demitido o Governo Constitucional do PAIGC através do Decreto Presidencial n.° 54/2005.

 

Esta decisão colheu de surpresa a classe política guineense e o povo em geral, visto que o Governo do PAIGC depositara dias antes uma Moção de Confiança na Assembleia Nacional Popular, fórum apropriado para avaliação da legitimidade ou não do Executivo.

 

A demissão é tanto mais inoportuna quanto se sabe que a Governação do executivo do PAIGC tinha:

 

-         Criado condições palpáveis de melhoria das condições de vida dos cidadãos, particularmente dos servidores do estado

 

-         Criado um clima de estabilidade socio-política e sócio-laboral através da criação de um Concelho Permanente de Concertação social;

 

-         Garantido o respeito integral dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos;

 

-         Mantido o regular funcionamento do sistema educativo e melhorado substancialmente a rede de prestação de serviços sanitários através da recuperação dos centros de saúde e afectação de médicos especialistas em praticamente todos os sectores administrativos do país;

 

-         Recuperado o respeito e a credibilidade externa do país junto da Comunidade Internacional em particular dos parceiros de desenvolvimento, através do exercício de Boa Governação;

 

-         Retomadas as negociações com as Instituições de Bretton Woods que iria culminar com a assinatura de Programa Pós Conflito com a Guiné-Bissau, que permitiria o relançamento económico do país através da revitalização do Sector Privado;

 

-         Agendado para os dias 8 e 9 de Dezembro de 2005, em Genève, a realização da Mesa Redonda em que seriam apresentados os principais programas e projectos de desenvolvimento para os próximos anos que permitiria colocar a Guiné-Bissau na rota dos Objectivos do Milénio até o ano 2015;

 

-         Recebido compromisso firme do Banco Mundial e da União Europeia para o desbloqueamento de 10 milhões de dólares e 9.2 milhões de euros, respectivamente.

 

Apesar de ser uma prerrogativa do Presidente da República, os fundamentos invocados pelo mais alto magistrado da nação para demitir o Governo careciam de consistência e sustentabilidade objectiva.

 

Porém, contrariamente ao estatuído na Constituição da República da Guiné-Bissau, o Presidente da República, vem através do Decreto Presidencial n 55/2005 nomear um novo Primeiro Ministro, violando de forma flagrante o previsto na alínea g) do artigo 68° e n 1 do artigo 98° da Constituição da República.

 

Esta decisão constitui um rude golpe ao sistema constitucional consagrado na nossa Constituição pelo que a Direcção do Partido no uso das prerrogativas constitucionais mandatou o seu Grupo Parlamentar a interpor um recurso ao Supremo Tribunal de Justiça requerendo a apreciação da constitucionalidade do acto do Presidente da República.

 

Com efeito, a nossa Constituição consagra o sistema semi-presidencialista, em que o Governo é responsável politicamente perante o Presidente da República e a Assembleia Nacional Popular.

 

Como se sabe, nos sistemas de matriz semi-presidencial, a nomeação do Primeiro-Ministro deve ter em conta os resultados eleitorais, tal como sucede por exemplo em Cabo-Verde, Portugal e São Tomé e Príncipe.

 

A dupla responsabilidade do Governo implica o desenrolar da batalha política em primeira instância no Parlamento.

 

Isso traduz que, em situação de crise tal como vive a Guiné-Bissau, a não observância dos resultados eleitorais pode originar uma situação de bloqueios tal como se vem registando em já pelo menos duas sessões do Parlamento com o abandono sistemático dos Deputados que sustentam o actual Governo Inconstitucional na impossibilidade de conseguirem impor ou fazer aprovar os seus desígnios.

 

A manutenção deste estado de coisas pode engendrar uma grave crise governativa e institucional, pois tornara o país ingovernável democraticamente, abrindo-se caminho aos seguintes cenários:

        i.            Instalação de um regime presidencial-ditactorial à margem das actuais disposições constitucionais;

      ii.            Dissolução do Parlamento e consequente realização de eleições legislativas antecipadas o que pressupõe que o país deverá dispor ou através de recursos próprios (que não tem) ou mobilizando de novo a comunidade internacional, de um montante não inferior a 3 milhões de dólares americanos;

    iii.            Revogação do Decreto Presidencial n.º 55/2005 que nomeia o actual Primeiro-Ministro e respeito dos preceitos constitucionais na formação de um novo Executivo que passaria necessariamente pela criação de amplos consensos dos principais actores políticos guineenses.

 

7-      PERIGOS E CONFLITOS LATENTES NA SOCIEDADE

         GUINEENSE

i) Perigos Políticos.

 

Mais do que a guerra de 07 de Junho de 1998/1999, foi depois da realização das segundas eleições multipartidárias na Guiné-Bissau em 1999/2000 e consequente ascensão de Kumba Yalá à Presidência da República por um lado e o assumir da chefia do Governo pelo PRS por outro lado que os parâmetros da luta pelo poder político inverteram-se de forma radical na Guiné-Bissau, senão vejamos:

-         Kumba Yalá, devido aos seus desmandos, em Setembro de 2003 foi afastado da presidência pelos militares. Com esse inusitado protagonismo, os militares passaram a fazer parte da agenda política do país, impondo regras, consolidando interesses, imiscuindo-se cada vez mais nas decisões políticas.

-         O assumido protagonismo dos militares na vida política, vem-se acentuando cada vez mais, principalmente quando se traz à colação, afinidades e interesses, particularmente as de carácter regionalistas e étnicas/tribais.

-         Assim, entende-se que, subjacente a essa intromissão militar na vida política, desde os acontecimentos acima, passa a existir uma clara acoplagem estratégica de um certo grupo de políticos às Chefias Militares como forma de terem acesso ao poder através destes, ou pela força das armas, por um lado ou através do alheamento oportunista de afinidades étnicos/tribais e regionalistas, por outro.

-         Foi assim que aconteceu, aquando do derrube de Kumba Yalá com a formação do Governo de Transição em que não foram respeitados os critérios objectivos na escolha do elenco governativo, acabando a escolha do Primeiro Ministro de Transição de então a recair na figura de Artur Sanhá.

-         De salientar que todos os Governos decorrentes do mandato do Ex-Presidente Kumba Yalá, tiveram à bênção ou a “mão” dos militares com inerentes contrapartidas.

-         Esta situação veio a deteriorar-se ainda mais, com a chegada do PRS ao poder e com as assinaladas afinidades étnicas/regionalistas que existem e se procura cultivar e enraizar entre esse partido e uma certa e importante franja militar.

Enquanto o PAIGC nas eleições legislativas de 1999 aceitou de forma responsável e patriótica os resultados eleitorais e a consequente alternância e transição de poderes, submetendo-se as regras de uma oposição democrática e responsável, o PRS, não soube aceitar a derrota nas urnas de forma pacífica nas Eleições Legislativas de 2004.

O PRS reagiu mal a derrota democrática e acoplou-se estrategicamente a uma franja militar para conseguir por essa via ter acesso ao poder através de pressões e criação de um ambiente de instabilidade medo e ingovernabilidade para qualquer Governo eleito.

Em suma, assim que foi arredado do poder pela via democrática, através das urnas, o PRS alavanca-se desesperadamente no lobby” militar e tendências étnico/regionalista para tentar voltar de novo ao poder.

Dados recolhidos, assim como a sequência dos acontecimentos, permitem-nos opinar que foi essa a intenção que estava subjacente ao caso 06 de Outubro de 2004, mas que por razões de conjuntura internacional e interna não se consumou conforme o pretendido.

É assim hoje, com as ostensivas aproximações e promiscuidades que se tem relevado entre militares e políticos e com maior gravidade e preocupação, entre o Presidente da República eleito e a classe castrense.

ii) Perigos Militares.

A actual composição do quadro de efectivos das nossas Forças Armadas deve ser urgentemente repensada para o seu devido reajustamento, permitindo assim a criação de equilíbrios étnicos/regionalistas necessários à estabilidade e coesão durável no seio das nossas Forças Armadas.

Esta preocupação atem-se à propensão de hegemonização nas nossas Forças Armadas derivado por um lado por razões de ordem meramente histórica e de tradição, e de outro lado, por razões de reflexo proporcional de composição que espelha uma patente superioridade étnica nas forças armadas, com particular incidência nas designadas forças de elite. 

As incidências e intervenções que se têm constatado com as incursões de alguns militares na vida política e as constantes tomadas de posições públicas sobre esta matéria, impõem uma particular atenção sobre o binómio etnia/representatividade no seio das Forças Armadas.

Impõem-se medidas, por um lado como factor de dissuasão de colagem política aos militares e forma de acesso ao poder, e por outro, para fazer das nossas Forças Armadas um factor de coesão nacional e garante da República onde todos os Guineenses se sintam devidamente representados e protegidos.

Assim, é nossa convicção que a reestruturação, reformulação estratégica e reforma das nossas Forças Armadas apresentam-se como fundamental para atingir parte destes objectivos e com isso cercear a consumação de certas tendências em gestação na classe castrense, cujas consequências afiguram-se de alta perigosidade e atentatórias da unidade nacional e da coesão social entre os diferentes estratos sociais e étnicos que compõe o mosaico sócio-cultural da Guiné-Bissau.    

 

Feito em Bissau, aos 04 dias do mês de Novembro do ano de 2005. 

Secretariado Permanente do Comité Central do PAIGC

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