Há uma Desordem Total no País: diz o Presidente Nino Vieira

(Ponto de Vista)

 

 

 

 

O 14 de Novembro criou uma cultura de golpe de Estado no país, hoje qualquer oficial pode levantar e pegar na arma para derrubar o poder em plena democracia.

“Comandante Lúcio Soares”

 

 

 

Por: Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo *

rjogos18@yahoo.com.br

Rui Jorge Semedo

19.08.2008

 

Independentemente dos “prós e contras”, a leitura que podemos fazer do discurso proferido pelo presidente da República, General João Bernardo Viera (Nino Vieira), no acto de posse do novo primeiro-ministro, Engo. Carlos Correia, é que pela primeira vez os guineenses tiveram a oportunidade de escutar o presidente a confessar publicamente o que os órgãos de comunicação social, analistas políticos e sociais, músicos e outros segmentos da sociedade civil ao longo dos anos insistentemente têm apontado como problema da nossa jovem democracia; que é a desordem burocrática e a interferência dos militares com a conivência de “alguns políticos” no funcionamento das instituições. E, entre a opinião pública, constata-se um dilema analítico; para uns, o presidente teve uma atitude corajosa, mostrou-se determinante em colocar freio nas interferências da classe castrense na política, para outros, o presidente apenas deu mãos à palmatória, porque as situações que hoje existem na relação civis e militares não deixam de ser uma obra por ele construída, e um dos exemplos é a forma como ele regressou ao país após seis anos de exílio político em Portugal. Grosso modo, na nossa leitura, as duas opiniões são úteis e podem servir como instrumentos avaliativos da actual situação vigente, cuja reflexão pode fornecer-nos mecanismos para compreender os factos e lutar pela consolidação das instituições civis e militares. Porque ambas são frágeis e instáveis. Inúmeros casos de carácter inconstitucional já aconteceram neste curto espaço de tempo que o nosso país aderiu a democracia (1990 a 2008), sendo que todos eles tiveram a colaboração parcial ou total dos dois poderes. E ainda, nesse espaço de tempo, criou-se um ciclo vicioso de transformar o inconstitucional em constitucional. Os actores políticos e militares sempre usam recursos antidemocráticos para controlar o poder, como aconteceu no assassinato do General Veríssimo Seabra, no regresso de Nino Vieira ao país, na queda do governo do PAIGC dirigido por Carlos Gomes Júnior e consequente surgimento do FORUM, na eleição do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Maria do Céu Silva Monteiro, no surgimento e queda do governo do PACTO, antecedido pelo Acórdão do Supremo Tribunal que dissolveu o Parlamento, e na criação do actual governo de gestão de iniciativa presidencial.

No momento, a questão central é interrogar porque só agora o presidente reconhece a interferência e a desordem no país? Uma entre várias outras explicações que podemos levantar está relacionada com o redemoinho das lutas pelo poder entre ele e as chefias militares. Alguns factos como o afastamento por ordens militares de um dos seus braços o “todo-poderoso Major Baciro Dabó” à frente do Ministério do Interior e de Assessoria de Segurança da Presidência são, pelo menos, entre outros, elementos que confirmam a existência do “estado da natureza” no país. Infelizmente, a nossa classe política apresenta uma estrutura organizativa pobre em termos de princípios ideológicos, de projectos políticos e de argumentos sólidos de convencimento. Tanto que, as solicitações tácitas aos serviços extra democráticos dos militares têm sido frequentes nos últimos tempos.

É impossível pensar em desenvolver o País enquanto grupos em disputa pelo poder não souberem conquistar honestamente seus espaços mediante regras preestabelecidas e, sobretudo, saber se acomodar na “oposição” quando a regra o coloca, e também saber assumir a “situação” quando for eleito para tal. Em quatros anos (tempo de duração de uma legislatura) tivemos quatro chefes de governo (que é exagero), sendo que em média, tecnicamente, podemos dizer que os respectivos governos tiveram apenas um ano cada para elaborar e executar os planos de governação. Isso é inaceitável, porém não existe milagre nenhum no mundo que possa fazê-los encontrar soluções governativas que promovam políticas públicas de qualidade desejável a toda a população, isso é uma verdade.

As frequentes intervenções militares que acham serem correctivos aos erros dos partidos e\ou actores políticos, acaba sendo um problema grave que mexe com o país em todos os sectores, principalmente, nas próprias Forças Armadas. Instituição que além de estar desnecessariamente a provocar afastamento de seus escassos quadros, dado a briga instalada entre as suas facções, também sofre o desgaste dos assassinatos. É evidente que a solução para restabelecer a ordem na Guiné-Bissau não passa pelas mãos das Forças Armadas porque é um papel incompatível com as leis da democracia. Este papel é única e exclusivamente reservado aos partidos políticos em colaboração com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. 

É muito importante prestarmos muita atenção na aflição que o presidente Nino Vieira demonstrou ao proferir o discurso de posse do novo primeiro-ministro, Engo. Carlos Correia. O presidente Nino Vieira pediu encarecidamente “Socorro” e reconheceu que já não controla mais nada, principalmente a estrutura militar de que é Comandante-Chefe, tanto que explicou: aviões e barcos chegam e saem do país sem o meu conhecimento, ou seja, que não tem mais autoridade. Para colocar o país em ordem conforme é o desejo do presidente precisamos responder e/ou resolver algumas questões: Até quando teremos um Chefe de Estado-Maior não indigitado democraticamente pelo poder político? Quem são os militares e políticos envolvidos com o tráfico de drogas? Porque o contra-almirante Bubo Na Tchuto e alguns de seus oficiais e soldados levam uma vida de luxo mil vezes superiores às regalias a que têm direito? Como em pouco tempo alguns oficiais militares, entre os quais, o próprio chefe de Estado-Maior, general Tagme Na Waie, conseguiram recursos para construir prédios de luxo?

Quando forem criadas condições para as instituições de direito serem livres de fazer seus trabalhos sem coações externas, imediatamente teremos a ordem no nosso país. Mas, enquanto ainda persistir um presidente preso às dívidas que o fez chegar ao poder, ou um Chefe de Estado Maior que se autonomeou pela usurpação do poder, pensar em fazer a justiça funcionar (ou colocar a ordem) pode ser mais difícil do que um boi nascer de uma galinha. Recentemente se falava na aeronave que supostamente trouxe drogas sob cuidado das chefias militares e sem ser desvendado o mistério, surgiu mais um outro facto, desta vez, suposta tentativa de golpe do Estado. Se este último facto corresponde à verdade ou não, o tempo pode ser melhor juiz. Entretanto, o inconcebível nisso tudo é a fuga do principal acusado, o contra-almirante Bubo Na Tchuto, que estava sob residência vigiada e que por duas vezes conseguiu escapar à vigilância, como? Ninguém sabe! E inclusive se encontra agora no exterior. Quem dera essa sorte aos defuntos Generais Ansumane Mané, Veríssimo Seabra e tantos outros que a fúria de assaltar o poder sacrificou? Enquanto isso… a desordem continuará a suceder à desordem, a opressão, a crueldade, a criminalidade, a corrupção e “matchundadi”, mas a justiça como sempre, sem hesitar, ficará à espera do dia em que as “botas ditatoriais dos assassinos” que lhe pisam a boca sejam levantadas para que toda a verdade seja conhecida e seus criminosos julgados.    

 

*Mestrando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos, SP, Brasil


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