Guiné-Telecom

 Guiné-Telecom

O polémico caso que envolve o Estado guineense, através da Guiné-Telecom / Guinétel e o Estado português, pela Portugal -Telecom, pode vir a clarear situações até aqui fora do alcance de análise directa das influências do Poder. Quando se criam parcerias empresariais através de comissões mistas entre países, essas parcerias assumem o estatuto de assuntos de Estado. Qualquer assunto de Estado é delicado, porque o Estado é uma Nação, o Estado tem o poder de decisão e de execução sobre pessoas e bens dentro do aglomerado que o constitui. O Estado tem ainda, entre outros poderes e deveres, a representatividade e a defesa dos seus cidadãos e dos seus bens patrimoniais. A Guiné-Bissau e Portugal, negociaram e concordaram na concessão por parte da Guiné-Bissau, da exploração das redes de telecomunicações a Portugal, através da Portugal -Telecom, por um período de vinte anos. Este acordo foi celebrado em 1989 e contemplou entre outros bónus, a criação duma empresa de capitais mistos, denominada Guiné -Telecom, com 51% de participação de capitais da Portugal -Telecom e 49% por parte do Estado guineense. Estes acordos foram rubricados dentro das normas do Direito Internacional e da Cooperação entre Estados, tendo-se processado todos os trâmites legais para o efeito. Ora se numa primeira fase, ou seja a fase de criação e estruturação da Guiné -Telecom se deram passos acelerados para a conquista do mercado pela Portugal -Telecom, foi porque o projecto tinha sido objecto de estudo prévio, contemplando calculismos de acção que seriam geridos de forma lógica. Numa concepção filosoficamente empresarial, o lucro é a essência para a estabilidade e projecção duma empresa. Este conceito, após os primeiros anos da criação da Guiné -Telecom, tornou-se mais que motivo de ponderação das acções de investimento em novos projectos que visassem a expansão e modernização das redes de telecomunicações por parte da Portugal -Telecom na Guiné-Bissau. O lucro não é um retorno de investimento para as empresas na Guiné-Bissau, mas sim para individualidades que dirigem os destinos do país, chegando ao ponto de se aproveitarem das posições que ocupam para inclusivamente se intrometerem em assuntos delicados como são os casos de empresas de capitais mistos, com estatutos especiais definidos, afim de movimentarem as receitas correntes. Para mais, dos poucos milhares de telefones fixos existentes no país, o grosso das altas personalidades civis e militares bem como a totalidade das repartições do Estado, ninguém paga a sua factura telefónica....São milhões e milhões, seja em Francos CFA, seja em Dólares americanos, seja em Euros, que se vão acumulando e ninguém paga...Como pode uma empresa promover a sua manutenção ou pensar em modernização, quando os factos são mais que elucidativos...?! Se por um lado, dentro do espírito de cooperação para o desenvolvimento, a Portugal -Telecom devia ser mais activa nas suas responsabilidades, por outro, a inexistência dum princípio de assunção do conceito de Estado por parte das autoridades da Guiné-Bissau sempre entravou a possibilidade de discussão em local e hora próprios dos problemas que enfrenta o sector das telecomunicações na Guiné-Bissau

 26. 12. 2003

Fernando Casimiro (Didinho)   


Esta inércia de ambas as partes, fez adormecer o espírito  construtivo e objectivo delineado aquando da criação da Guiné-Telecom, tendo os focos de instabilidade política na Guiné-Bissau contribuído para o restante do esfriamento, quer nas relações entre as partes envolvidas, quer na gestão e produção de serviços da Guiné-Telecom. Se as infra-estruturas eram poucas, o conflito militar de 1998/99 contribuiu ainda mais para a  sua degradação e destruição. 

Entretanto, com a alegada normalização da situação e a realização de eleições em 2000, a Guiné-Bissau, fruto da inexperiência e arrogância dos seus governantes, descuidou a análise da situação dos vários acordos internacionais que subscreveu, bem como as parcerias em que estava envolvida por forma a orientar, redefinir ou renegociar esses acordos e parcerias.

É à Guiné-Bissau, na qualidade de país concessivo, que importa actualizar os moldes dos contratos assinados, dentro dum espírito negocial pacífico, realista e acima de tudo, objectivo. Os contratos para serem válidos têm que ser juridicamente reconhecidos e estando, só por via jurídica se podem também rescindir.

A Guiné-Telecom, criada e registada como empresa de prestação de serviços na área das telecomunicações, com estatuto próprio e administração delegada em conformidade com os interesses de ambas as partes, foi substituída na área que desempenha, por uma nova empresa denominada Guinétel, no período do governo de iniciativa presidencial de Kumba Yalá. Este acto inadmissível nas normas do Direito Internacional pela forma como foi concretizado, veio demonstrar a prepotência reinante no país, bem como a notória falta de sentido de Estado, na sua missão de apaziguador e não incentivador de conflitos.

O argumento base para justificar esta alienação e usurpação de património é mesquinho, mas deveras esclarecedor no que à sensibilidade dos governantes guineenses para com as realidades do país diz respeito.

A Guiné-Bissau resolveu rescindir unilateralmente o contrato de concessão de exploração das redes de telecomunicações com a Portugal-Telecom, bem como decidiu criar uma nova empresa denominada Guinétel, em que o Estado guineense é o accionista maioritário com 90% do capital, sendo os restantes 10% pertença dos funcionários da dita empresa. Funcionários estes que, transitam da Guiné-Telecom sem serem despedidos, nem consultados sobre as suas vontades.

Todos estes atropelos foram argumentados com a não colocação de rede móvel (!!!) na Guiné-Bissau, por parte da Portugal-Telecom. A nova empresa denominada Guinétel, aproveitando o facto de já haver redes digitalizadas criadas pela Portugal-Telecom, avançou com o processo de concurso internacional para o licenciamento de redes móveis na Guiné-Bissau.

A Portugal-Telecom reagiu, propondo concertação e diálogo. A Guiné-Bissau entendeu que a decisão já estava tomada e era acertada.

Com o golpe de Estado de 14 de Setembro e o derrube de Kumba Yalá, estando o país num período de transição, convinha retomar esta questão, de extrema importância a nível do  relacionamento entre a Guiné-Bissau e Portugal, pois como referi, este assunto é um assunto de Estado.

27. 12. 2003

Fernando Casimiro (Didinho)


Tratando-se de assunto de Estado, a este diferendo foi concedida atenção especial por parte do presidente interino da Guiné-Bissau, Henrique Rosa, que na sua visita de Estado  a Portugal, em Novembro de 2003, terá sido abordado sobre a delicadeza do problema.

Problema esse que teria que ser revisto pelas novas autoridades da Guiné-Bissau, como forma de se legitimarem nas suas próprias pretensões de mostrar o espírito de implementação da legalidade institucional no país.

Por outro lado, a estratégia de Henrique Rosa em escolher Portugal como intermediário de peso junto da Comunidade Europeia e outros organismos internacionais, no sentido da intercessão pelo reconhecimento das autoridades saídas do golpe de Estado, teria necessariamente que acelerar a revisão pela parte guineense, do processo litigioso com a Portugal-Telecom.

De regresso ao país, Henrique Rosa deu orientações no sentido de se encontrar solução para o caso. Inicialmente, o presidente foi mal interpretado, tendo inclusivamente sido apontado como defensor de interesses portugueses na Guiné-Bissau.

Henrique Rosa no entanto, chamou a si as partes directamente envolvidas no processo e entre elas, o sindicato das telecomunicações, para lhes dar conta das ilegalidades em todo o processo, ou seja: desde a rescisão unilateral do acordo de concessão da exclusividade à Portugal-Telecom, da extinção da Guiné-Telecom, da criação da Guinétel e dos concursos de atribuição de redes móveis na Guiné-Bissau.

O presidente foi mais longe ainda, quando rejeitou a promulgação do decreto da criação da Guinétel, por considerar o processo da sua constituição lesivo aos interesses nacionais.

O presidente que anunciou a sua decisão ao Conselho Nacional de Transição, argumentou a sua recusa nos pareceres jurídicos prestados por especialistas da área, pois, disse: A Guiné-Bissau " é um Estado de Direito, que tem por isso de pugnar pela legalidade".

Entretanto, o governo discordou da posição do presidente, prometendo recorrer.

Aqui deparamo-nos com uma realidade emergente, que convém analisar, que é a falta duma instância própria para a arbitragem de disputas entre a presidência da República e o governo. Urge criar um Tribunal Constitucional. Os Tribunais são órgãos de soberania, não faz sentido assuntos de Estado serem encaminhados para fora de instituições que não constam como sendo órgãos de soberania.

Face ao ressurgir dum ambiente de bom relacionamento entre a Guiné-Bissau e Portugal, consequente da estratégia acertada de Henrique Rosa, as várias entidades guineenses afectas ao processo "Guiné-Telecom", acabaram por reconhecer que era preciso dialogar, respeitando as normativas do acordo assinado em 1989, o que não dispensa a necessidade de revisão conjunta do mesmo acordo, dado a própria realidade actual quer da Guiné-Bissau, quer da Portugal-Telecom.

E é nessa ordem de ideias que se deu um passo importante com o "Acordo de Princípio" anunciado em Bissau, depois de negociações entre ambas as partes com vista à resolução negocial do caso.

Outros encontros não faltarão, de modo a que rapidamente se ultrapasse esta crise e se tracem novos desafios numa concepção mais realista dentro do espírito da cooperação para o desenvolvimento.

Às partes se pede consenso, respeito e confiança, para que os erros do passado sirvam de material de consulta, num arquivo sempre presente e denominado

" Memórias de Aprendizagem "...

17. 01. 2004

Fernando Casimiro (Didinho)

 

www.didinho.org