Descolonizar as Nossas Mentes

 

Por: Samuel Reis*

24.04.2008

 A Guiné-Bissau é independente, uma nação africana soberana! Mas nós, guineenses e descendentes de guineenses, seremos independentes? A mim não me parece. As nossas mentes nunca foram descolonizadas, continuamos a pensar da mesma forma que pensávamos antes da independência. Eu, um mestiço que nasceu muito depois da independência e em solo português, consigo ver isso claramente.

 Quantas mais vezes vou ter de ouvir “Contenti sima preto ki padi cu branco”, ou “bô é preto sima diabo”, “preto ka bali”, entre outras frases horríveis que dizemos com risos idiotas de inconsciência?! Quantas mais vezes vou assistir a jovens africanas e afro-descendentes (seja de que país for, isto não é só para guineenses) a tentar forçosamente ser mulatas, não obstante a pele ser realmente escura? Sim, porque ser mulato é “ser superior”, é ser “mais bonito” e é isso que muitos de nós pensam por debaixo de uma hipocrisia meramente social.

 Agora, num pequeno anexo, gostava só de dizer que a palavra “mulato” vem de “mula”. O sentido original é muito pejorativo, na verdade, começou por ser um insulto, significava “impuro”, equivalente a uma mula, que é o cruzamento do burro (que seria o negro “puro”) e do cavalo (que uma vez que é considerado mais “nobre” do que o burro, seria o branco “puro”). Como vêem, muitos de nós lutam para ser chamados de mulas, irónico... Vejam o que nos fizeram através da linguagem e expressões que usamos!

 Prosseguindo, é fulcral para a reconstrução do país, e também para criarmos crianças africanas (que são o futuro do país) saudáveis e com auto-estima, que estas expressões supostamente “inofensivas” sejam para sempre expulsas das nossas bocas. É difícil acreditar que somos iguais quando à nossa volta só vemos africanos estereotipados, quando o nosso sistema de educação (agora referindo-me a Portugal, uma vez que desconheço o programa guineense) ignora o papel do continente africano na história, retratando-o como um continente incivilizado e ainda por cima os primeiros modelos de vida das nossas crianças (nós, os mais velhos) usam expressões abomináveis. Estaremos cegos? Será que não vemos o que estamos a fazer a nós próprios?!

 Quero ver confiança e orgulho no povo guineense e em todos os povos africanos. Vistam o bistidu, comam pratos tradicionais, caminhem de cabeça erguida amando a vossa cultura! Vamos deixar de nos considerar um povo atrasado, subdesenvolvido e incapaz de se governar a si mesmo. Isso era o que Salazar defendia nas suas teses racistas e ignorantes. Não admira, depois de tudo aquilo a que fomos sujeitos… Contudo, há sempre a parte boa: ainda aqui estamos, mesmo depois de tanto sofrimento! E estamos prontos para lutar por um futuro melhor! Ansiosos por fazer a nação renascer das cinzas.

Vamos então descolonizar as nossas mentes, libertar o nosso intelecto, perder a vergonha de ser africanos, deixar de olhar para a Europa como o continente que nos descobriu e tirou das trevas num acto benevolente, porque as trevas começaram depois de termos sido “descobertos”, começaram quando condenaram o nosso povo à ignorância em que ainda hoje se encontra, quando nos espalharam pelo mundo contra nossa vontade, derramaram o nosso sangue e destruíram a cultura dos nossos antepassados, quando prenderam os nossos corpos e, o mais grave, as nossas mentes, por gerações e gerações até aos dias de hoje. Agora é chegada a hora de descolonizar as nossas mentes. E é chegada a hora de enfrentar a realidade. A nossa salvação não é a ONU com os seus capacetes azuis, nem Europa com os seus tratados, nem nenhuma ONG muito simpática, jamais podemos esperar, ou ainda mais absurdo, exigir ajuda, somos nós que temos de mudar, primeiro a nossa mentalidade, depois a nossa terra. Somos independentes, caminhemos então independentemente! Não sejamos ingénuos a ponto de confiar o nosso destino nas mãos de outrem. O poder é do povo, o povo só tem de se aperceber disso e agir. Já!

 

* 16 anos de idade, estudante na área de Línguas e Humanidades do 10º ano com aspiração de vir a ser jornalista


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