DA EMBRIOLOGIA NACIONALISTA

À GUERRA DE LIBERTAÇÃO NA GUINÉ-BISSAU

 

 

Leopoldo Amado

Historiador guineense

 

 

Na Guiné “portuguesa”, a vaga de nacionalismo guineense data da década de “50”, influenciada sobretudo pela independência do Gana em 1957, evolução política essa que veio a culminar com a independência da Guiné Conakry em 1958 e independência da República da do Senegal em 1959, os quais figuram como o ponto de partida para um amplo movimento para a independência e unidade da África, de luta pela liberdade e bem estar dos povos oprimidos e colonizados. Aliás, a sessão do Ressemblement Démocratique Africain da Guiné Conakry (RDAG), fez  intensa propaganda no Sul da Guiné em 1956, em especial na área de Cacine, e Bedanda a favor do chamado Ressemblement Democratique Africain, tendo-se mesmo formado o que apelidaram de “clubes de trabalho”, em quase todas as povoações vizinhas.

 

Antes disso, sobretudo após a II Guerra Mundial, registaram-se uma série de revoltas populares na Guiné “portuguesa” contra o aparelho colonial, nomeadamente, revoltas contra as mortandades e chacinas provocados por alguns administradores de Concelhos, dos quais se destaca a grande revolta ocorrida em Dezembro de 1950 contra às práticas do Administrador António Pereira que, inclusive , foi julgado posteriormente no tempo do Governador Vaz Monteiro, em virtude da dimensão que esses protestos assumiram na altura. Data dessa época a fundação do Partido Socialista Guineense por José Ferreira de José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior de que se referiram Rafael Barbosa[1] e Elisée Turpin[2], apesar de não serem praticamente conhecidas nenhumas acções desse Partido[3]. Na esteira dessas reivindicações, registou-se alguma agitação aquando das eleições presidenciais de 1959 em que foi inequívoca o apoio dos guineenses ao candidato Humberto Delgado, tendo sido registado muitos votos a favor do então candidato, não obstante as medidas tomadas pela PIDE para que não se verificasse nenhuma votação nesse sentido.

 

Se por um lado os ventos da mudança afectou inquestionavelmente a consciência nacionalista dos guineeses, por outro, é indubitável de que na Guiné-Bissau, a pedra de toque das reivindicações nacionalistas está intimamente ligada ao regresso de Amílcar Cabral a Bissau em 20.9.52, no navio “Ana Mafalda”, tinha ele 34 anos[4]. Na realidade, foi ele que veio a dar forma e substância a essas reivindicações, não apenas em virtude de toda a socialização política de que foi alvo, e que se realizou em Portugal[5] ainda quando era estudante de agronomia – seja junto a Casa dos Estudantes do Império, seja junto do Centro de Estudos Africanos – mas também em virtude de acontecimentos ulteriores, sobressaindo-se nestes a forma metódica e racional com que conduziu luta de libertação e independência.

 

Durante a sua permanência em Bissau, segundo uma nota da Polícia de Bissau[6] datada 3.5.55, enquanto desenvolvia os trabalhos de recenseamento agrícola da Guiné que lhe conferiu o conhecimento das gentes a quem nunca deixava de mobilizar, “o Eng.º Amílcar Cabral e a sua mulher comportaram-se de maneira a levantar suspeitas de actividades contra a nossa presença nos territórios de África com exaltação de prioridade de direitos dos nativos e, como método de difundir as suas ideias por meios legalizados. o Eng.º pretendeu e chegou a requerer juntamente com outros nativos, a fundação de uma agremiação desportiva e Recreativa de Bissau, não tendo o Governo autorizado”. Cabral parte de seguida para a sua primeira tentativa de organização política ainda na década de 50, havendo inclusivamente quem lhe tenha atribuído a paternidade de criação de uma organização política denominada MING (Movimento para a Independência da Guiné) em 1952[7],  não obstante ser consensual o facto de o MING ter sido pouco relevante. Embora não se sabendo ao certo se foi ou não no quadro do MIGN, o certo é que Amílcar Cabral sugeriu em 1954 a formação de um Clube de Futebol apenas reservado aos naturais da Guiné, opinando que dentro do mesmo devia existir uma biblioteca para a elevação do nível cultural dos associados. Sabe-se também que nessa altura várias reuniões foram realizadas tendo também para a arrecadação de fundos sido efectuado um baile no bairro Chão de Papel. Porém, a não admissão neste Club de caboverdianos  europeus acabou por gerar dissidências deixando os propósitos do seu mentor bem à vista: lançar as bases duma organização de nativos irmanando-os na mesma fé e nos mesmos destinos.

 

As reuniões, presididas por Cabral[8] para esse fim realizavam-se clandestinamente na casa de João da Silva Rosa (guarda livros de uma firma francesa estabelecida na Guiné – NOSOCO). Tomaram parte nessas reuniões o Isidoro Ramos, João Rosa, Víctor Robalo (agricultor em Bigimita), Martinho Ramos (empregado da Gouveia), José Maria Dayves, Elisée Turpin (empregado ao tempo da SCOA), Godofredo Vermão de Sousa (professor primário), Crates Nunes (carpinteiro). Para essas actividades, chegaram até de organizar um baile muito frequentado no Chão de papel, tendo Estevão da Silva Alfaiate), na altura nomeado tesoureiro. Cabral elaborou então os Estatutos o Cabral que depois foram aprovados, Secundando acto, a constituição de uma Comissão que os deveriam levar a aprovação do Governador, porquanto foram inicialmente entregues e esta entidade que não o submeteu a despacho com a brevidade que os interessados então pretendiam.

 

Esta Comissão foi então constituída por João Rosa, Víctor Robalo e João Vaz (alfaiate) que igualmente não conseguiu aprovação do Governo, justamente porque uma das clausulas dos Estatutos aludia ao facto de que nesta agremiação que não podiam tomar parte os europeus e caboverdianos, razão pela qual passou-se a dizer que Cabral estava feito com os grumetes. Que já então houve discordância por parte da maioria dos sócios fundadores na medida em que Amílcar Cabral não queria subscrever esta lista alegando que “era funcionário e colocava-o mal”, acabando Cabral por assinar. Antes de ser remetido ao Governador, a mesma circulou com objectivos de se angariar mais aderentes, vindo a ideia a dissipar-se, pois a polícia acabou por pôr termos as reuniões..

 

Em Bissau, segundo uma nota[9] fornecida por José dos Santos, 1º Subchefe da PSP da Província da Guiné (na altura ainda não havia a PIDE na Guiné), datado de 20.6.1956, eram considerados como anti-situacionistas os seguintes guineenses: João Vaz, ajudante de mecânico, de 33 anos, natural de S. Tomé; Carlos António da Silva Semedo Júnior, de 21 anos, a estudar em Lisboa; Pedro Mendes Pereira, enfermeiro de 1ª classe de 52 anos, Inácio Carvalho Alvarenga, 42 anos; Julião Júlio Correia, de 50 anos de idade; Martinho Gomes Ramos, de 35 anos; Víctor Fernandes, de 30 anos; Bernardo Máximo Vieira, de 33 anos, em virtude desses mesmos indivíduos terem assinado uma petição que pugnava pela criação de um clube denominado Clube desportivo e recreativo de Bissau, destinado ao desenvolvimento de actividades nativistas, superiormente orientadas pelo engenheiro Amílcar Cabral” (sic);

 

A mesma nota da Polícia, datada de 20.6.1956, revelava ainda que a ténue consciência nacionalista manifestava-se ainda de forma difusa e até contraditória. Os agrupamentos espontâneos ou as organizações políticas  surgidas na altura tinham um carácter incipiente, reflectindo todos eles um certo idealismo. Era o caso da “Representação[10]”  que, a pedido de César Mário Fernandes e José Francisco Gomes (assinada por várias pessoas),   José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior redigiu em 1955, e que foi entregue ao Presidente da República de Portugal, Américo Tomás, aquando da sua visita deste a Província da Guiné, pretendendo desde altura os subscritores da mesma que essa “Representação “condensava todas as aspirações da Guiné”, quando na verdade, mal conseguia escamotear os anseios ocultos de da multidão burocrática urbana em integrar-se na sociedade colonial.

 

Cabral teve pois que lidar com este género de reivindicações, num ambiente em que muitos dos nacionalistas ainda não tinham propriamente interiorizado o propósito de que. O que estava verdadeiramente em causa, era criar as condições para erradicar completamente o sistema colonial. Aliás, disso é demonstrativo a nota da PIDE que, a certo passo, referia que “(...) nas eleições para membros do Conselho do Governo da Província, que haviam tido lugar pouco tempo antes, esses elementos fizeram parte do grupo de eleitores favoráveis aos candidatos da “oposição”, constituídos por Benjamim Correia, Armando António Pereira (de 54 anos, Advogado, natural de Bolama), João da Silva Rosa e Carlos de Medeiros Barbosa.; Que o Dr. Armando António Pereira, tido como o cabecilha do grupo, candidatou-se a membro do Conselho do Governo da Província, proposto pelo grupo de Benjamim Correia e nestas eleições redigiu um protesto apresentado por Benjamim Correia. A nota assinala ainda o facto de no grupo de Benjamim Correia haver um branco de nome Luís Mata-Mouros Resende Costa, de 36 anos de idade, natural de Bissau,  que era encarregado de tratar de vários assuntos relativos ao grupo Benjamim Correia, disfarçados em um grupo associativo com uma comissão directiva, tendo justamente como Secretário o Luís Mata-Mouros Resende Costa. Outro grande colaborador de Benjamim Correia era o Gastão Seguy Júnior, oficial de diligências do Juízo de Direito da Comarca, natural de Bolama, 36 anos, instigando nomeadamente grande propaganda quando se trata de assuntos indígenas que sobem ao poder judicial, observando-se este facto com maior clareza aquando do julgamento do administrador aposentado António Pereira Cardoso, acusado de ter praticado carnificina junto as populações indígenas(...)[11]”.

 

Apesar das dificuldades próprias que implicavam uma actuação em ambiente urbano como Bissau, Cabral ia conseguindo aos poucos, aqui e ali,  transmitir a pequenos núcleos de guineenses a mensagem segundo a qual era necessário optar-se decididamente pela luta pela libertação e independência, contra o a opressão e contra o sistema colonial. É nessas circunstâncias que 19 de Setembro de 1956 ele funda em Bissau o PAI num circulo restrito com alguns outros companheiros, nomeadamente, Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Elisée Turpin e Júlio de Almeida. Foi, por exemplo,  o efeito multiplicador deste tipo de actuação que estive por detrás, por exemplo, da primeira greve-revolta do marinheiros que teve lugar em 1957 no caís de Pindjiguiti em Bissau, greve esse de resto bem sucedida, na medida em que os marinheiros viram satisfeitos grande parte das reivindicações que apresentavam, a ponto de a mesma vir a potenciar, pelo precedente aberto, mas igualmente por acção de elementos do MLG, a grande greve que ocorreu em 1959 no mesmo local a 3 de Agosto de 1959, na qual foram mortos cerca de 50 marinheiros, tendo ficando gravemente feridos cerca de uma centena[12].Há. várias versões sobre a natureza das ocorrências e sobre a amplitude da repressão das autoridades portuguesas no incidente de Pindjiguiti de 1959, embora exista una­nimidade quanto ao essencial: os trabalhadores do porto de Bissau reuniram-se para reclamar melhores condições salariais e de trabalho; a reunião foi consi­derada ilegal; e, face ao volume dos reclamantes e ao calor das reclamações, foi decidido fazer intervir a policia, mais tarde reforçada com tropas.

 

Após a fundação do PAI, logo o mesmo se estrutura em células criadas em Bissau, Bolama  e Bafatá em que é uma facção da pequena burguesia adere num primeiro momento, pois aos poucos estavam a tomar a consciência de que deviam deixar de procurar melhoria no quadro colonial para lutar, se ainda não pela independência, pelo menos pela autonomia. A estes juntaram-se outros guineenses pertencentes à pequena burguesia, sendo de reparar a participação de cabo-verdianos e de portugueses que na altura eram claramente anti-situacionistas. Este grupo, que não es­condia igualmente as suas pretensões de ascensão na sociedade colonial, dava também, paradoxalmente, o seu inequívoco apoio ao emergente na­cionalismo guineense. Os notáveis desse grupo que se destacaram, tendo por isso merecido um registo das suas actividades pela PIDE, foram Eu­gênio Rosado Peralta (industrial de pesca), Manuel Spencer «Tuboca» (comerciante) e Fernando Lima (comerciante). Estes membros da pequena burguesia foram acusados de fomentarem a rebeldia entre os guineenses considerados indígenas, chegando mesmo alguns deles mais tarde a aderir aos ideais de libertação, embora sem nela tomarem parte activa[13]. Assim, populariza-se rapidamente a ideia de uma luta comum dos povos da Guiné e Cabo Verde contra o colonialismo português, apostando inicialmente o PAI em pequenas reivindicações, como a já referida greve de 1957 e de 1959, ambas ocorridas no caís de Bissau ou ainda, por exemplo, a tentativa de eleger os seus membros no sindicato dos trabalhadores, apercebendo-se posteriormente da necessidade de rapidamente estender a luta a classes sociais menos favorecidas, nomeadamente os assalariados.

 

Porém, de 1956 aos princípios de 1958, não se registaram acções de vulto por parte do PAI, muito provavelmente devido a forte vigilância de que era alvo o seu fundador e restantes membros mais influentes. Tanto é assim que na segunda metade de 1958, quando outros nacionalistas se reagruparam em torno do MLG (Movimento de Libertação da Guiné – fundado em Agosto de 1959 por um grupo de nacionalistas, a saber, João Rosa, Epifânio Souto Amado[14], Rafael Barbosa[15], José Pereira de José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior de Bolama, Ladislau Justado (Badara Turé), Hipólito Fernandes, César Mário Fernandes, Paulo Fernandes[16], Ladislau Justado, José Francisco Gomes, Tomás Policarpo Cabral de Almada. Animados da ideia de uma iminente independência da Guiné, os elementos do MLG desenvolvem, por isso, algumas acções meramente conspirativas[17], apesar de termos de reconhecer que tanto os elementos do PAI como os do MLG partilhavam da mesmo espaço e praxe políticas, aliás, facto esse que não era alheio à circunstância, muito comum na altura, de elementos do PAI pertencerem simultaneamente ao MLG ou vice-versa.

 

Em Agosto de 1958, segundo Epifânio Souto Amado (Amadú Jaló) foi fundado o MLG (Movimento de Libertação da Guiné), numa reunião onde tomou parte José Francisco Gomes e Rafael Barbosa (Zain Lopes, Namgunbé, Coxo), Tomé Barbosa, César Mário Fernandes, Tomás Cabral de Almada, Alfredo Meneses d`Alva[18], na casa  de Ladislau Justado Lopes em Varela. Que nessa reunião, José Francisco Gomes teria chamado a si as funções de Presidente e distribuído tarefas aos restantes, como se segue: César Mário Fernandes como Secretário; ele, Epifânio Souto Amado, como Tesoureiro e Rafael Barbosa como responsável de dar seguimento a correspondência. Que ficou ainda assente o pagamento de uma quota de vinte escudos por mês cuja cobrança ficou a cargo de Alfredo Meneses d`Alva[19]. Este grupo tinha ligações com o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior em Bolama através de correspondências que o César Mário Fernandes levava e trazia e que o Rafael Barbosa fazia despachar a quem consideravam seu patriarca.

 

César Mário Fernandes e José Francisco Gomes (““Maneta””) convocam Rafael Barbosa para uma primeira reunião do MLG na casa do enfermeiro Ladislau Lopes Justado em Varela, em meados de Setembro. A reunião teve lugar e Rafael Barbosa encontrou ali, para além dos que o convidaram e do Ladislau, o Tomás Policarpo Cabral de Almada, Epifânio Souto Amado e um primo de José Francisco Gomes. José Francisco Gomes disse que o objectivo da reunião era para todos fazerem um esforço no sentido de elaboração de um relatório para enviar para o Alfredo da Silva, gente de Empada que se encontrava em Conakry, para Paulo Dias, enfermeiro, Laudelino Fernando Gomes, ex-fiscal do Sindicato de Bissau e Belarmino Gomes, de origem manjaco-papel e ex-empregado de balcão da firma Parente e Companhia que se encontravam todos em Conakry onde depois de serem recebidos e terem passado pelo Ministério da Informação daquele país, serviram de motivo para a propaganda que é lançada a partir daquele país através da emissora Conakry. Passado quinze dias, fizeram ainda mais duas reuniões com as mesmas pessoas, sendo estas duas últimas destinadas à elaboração de programas de actividades a levar a cabo na Guiné.

 

Em princípios de Dezembro de 1960, Fernando Fortes, Rafael Barbosa e Inácio Semedo (Cabral tinha sido o seu padrinho de casamento em Bambadinca), na casa deste último, escreveram uma carta ao Sékou Touré, no sentido deste auxiliar Cabral na sua luta em Conakry.. Nesta carta, os três mencionaram as desinteligências já então existentes e se lhe pedia para dar ordens na fronteira para não deixar entrar ninguém sem um documento de apresentação da organização de Amílcar Cabral na qualidade de dirigente no estrangeiro. Ainda fizeram uma outra carta com o mesmo assunto e era endereçada ao Presidente da Assembleia Nacional do mesmo país e outra ainda dirigida a Cabral e continha o relato das outras duas e a informação do desaparecimento da máquina de escrever que o Rafael Barbosa trouxera de Dakar[20]. As referidas cartas foram feitas com base em rascunhos ditados por Rafael Barbosa.

 

Aliás, o longo processo de gestação do MLG, propiciou esta amalgama de espaços políticos partilhados entre elementos do MLG e do PAI, tanto mais que Apesar de existirem, entre os diversos movimentos de libertação, e desig­nadamente entre os que desempenharam um papel central nas lutas pela indepen­dência, diferenças significativas da mais variada natureza, é-lhes possível, em certos passos, coordenar acções, principalmente no âmbito das campanhas de­senvolvidas junto das instâncias internacionais, pois muito cedo,  os dois movimentos valorizaram desde os primórdios, a compreensão da importância da conquis­ta das opiniões públicas. Saliente-se também o facto dessa partilha de espaços ter sido facilitado e mesmo catalisado pelo carácter incipiente das suas acções e actuações.

 

Atentemos, a titulo de exemplo, na forma como era dado o “toque” de mobilização e na forma como se faziam divulgar mensagens em surdina, num ambiente em que a vigilância era omnipresente e sobretudo hostil. Assim, pelos vários documentos que compulsamos, sobretudo os atinentes aos arquivos da PIDE/DGS, pudemos constatar que César Mário Fernandes apresentou o José Ferreira de José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior ao Rafael Barbosa, dizendo-o que este residia em Bolama, tendo o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior dito que já sabia através do César Mário Fernandes e do “Maneta”da existência do “Movimento” em Bissau e que logo que regressasse de Lisboa, para onde estava em vésperas de seguir, estaria pronto a dar a sua colaboração. Soubemos que César Mário Fernandes e “Maneta”convocam Rafael Barbosa para uma primeira reunião do MLG na casa do enfermeiro Ladislau Lopes Justado em Varela, em meados de Setembro. A reunião teve lugar e Rafael Barbosa encontrou ali, para além dos que o convidaram e do Ladislau, o Tomás Policarpo Cabral de Almada, Epifânio Souto Amado e um primo de José Francisco Gomes. José Francisco Gomes disse que o objectivo da reunião era para todos fazerem um esforço no sentido de elaboração de um relatório para enviar para o Alfredo da Silva, de Empada, que se encontrava em Conakry e para Paulo Dias[21], enfermeiro, Laudelino Fernando Gomes, ex-fiscal do Sindicato de Bissau e Belarmino Gomes, de origem manjaco-papel e ex-empregado de balcão da firma Parente e Companhia que se encontravam todos em Conakry onde depois de serem recebidos e terem passado pelo Ministério da Informação daquele país, serviram de motivo para a propaganda que é lançada a partir daquele país através da emissora Conakry. Passado quinze dias, já no mês de Agosto de 1959, fizeram ainda mais duas reuniões com as mesmas pessoas, sendo estas duas últimas destinadas à elaboração de programas de actividades a levar a cabo na Guiné, aliás, razão pela qual se considera o mês de Agosto como sendo o da fundação do MLG.

 

Apesar do comummente o mês de Agosto de 1959 ser assinalado como o mês em que foi fundado o MLG, o certo é que as movimentações que conduziram a sua fundação remontam aos princípios de Janeiro do mesmo ano, quando alguns nacionalistas, sob influência de Sofia Pomba Guerra, na altura, proprietária de uma farmácia em Bissau onde trabalhava o Epifânio Souto Amado e Osvaldo Vieira. Efectivamente, Isidoro Ramos lembra-se[22] de em princípios de 1958 ter visto um grupo de indivíduos tais como Ladislau Justado (enfermeiro), Epifânio Souto Amado (empregado de farmácia), César Mário Fernandes (empregado do trafego do cais de Pindjiguiti, Rafael Barbosa (Coxo, “Patrício”, oleiro da construção civil), José de Barros (guarda fios dos CTT) em frente a Farmácia Lisboa e que “(...)uns dias mais tarde Ladislau Justado Lopes informou-o de que ali estavam para formarem o Movimento de Libertação da Guiné e Ilhas de Cabo Verde e que estavam a ver que pessoas que podiam ser admitidas, tendo o Ladislau lhe o convite para integrar que aceitou, não sem antes de este último o ter dito que ele era diferente do irmão, Martinho Ramos, a quem já por duas vezes a Rádio Conakry [23] aludia ser suspeito de ser informador das autoridades portuguesas(...)”.

Isidoro Ramos, no seu auto de interrogatório, é quem dá a medida exacta da dimensão da intersecção dos espaços políticos dos primeiros movimentos da Guiné. Lembra, com efeito Isidoro Ramos que “(...) nessa altura, o Ladislau Lopes Justado referiu-lhe de que o Fernando Fortes[24] fazia parte desse grupo, facto esse confirmado pelo próprio que o disse ainda de que Aristides (telegrafista dos CTT) também era do grupo. Que foi Aristides Pereira quem mobilizou o Fernando Ferreira Fernando Fortes quando ocupavam a mesma residência, e igualmente quem lhe disse que a sua principal missão seria a de trabalhar no sentido de obstar a que deixassem de existir desentendimentos entre os guineenses. Que esteve numa reunião com o Aristides Pereira e  Fernando Fortes juntamente com Ladislau Lopes Justado na casa dos dois primeiros,  onde Fernando Fortes  insistiu na necessidade de intensificar as actividades, dizendo inclusive que ia escrever uma carta a Cabo Verde para o Abílio Duarte, a fim de que as actividades se alastrassem ao território de Cabo Verde. O Fernando Fortes ainda explicou-lhe que o MLGC[25] era ainda constituído por Elmer de Brito (ex-empregado da Gouveia), Luiz Cabral (guarda livros da Gouveia) e outros “elementos fixes” do Banco Nacional Ultramarino, entre os quais António da Luz Cabral ( Toi Cabral), irmão de Amílcar Cabral. O Fernando Fortes confirmou-lhe ainda que César Mário Fernandes, José Francisco, Tomás Cabral (telegrafista), Rafael Barbosa, José de Barros e Epifânio também faziam parte do movimento. Foi Isidoro Ramos que apresentou o João Rosa ao Fernando Fortes.. Ladislau Lopes Justado informou-lhe uma vez que José Francisco Gomes encarregou-se de intervir junto aos manjacos para angariar fundos para o Movimento. Que César Fernandes iria até Pecixe fazer propaganda e que Rafael Barbosa iria também fazer umas viagens com o mesmo fim. Em 1958 realizaram-se várias reuniões em que ficou decidido que cada um dos elementos deveria ir para o interior mobilizar pessoas, apesar de se colocar o problema de fundos. Nesse sentido, Fernando Fortes é que era a ligação com Aristides Pereira Cabral e Amílcar Cabral, através de cartas. Ficou decidido nessa altura que José Francisco Gomes iria angariar fundos através dos manjacos e que César Mário Fernandes iria a Pecixe fazer propaganda, que Rafael Barbosa deveria ir a Farim (Paulo Lomba e José de Barros dos CTT) mas não tinha dinheiro, pelo que teve ser o Fernando Fortes a dar-lhe um relógio de pulso e uma camisa para vender. Que Aristides Pereira contribuiu com 300 escudos para a vigem. Que nessa altura Rafael Barbosa visitou Domingos de Pina Araújo[26] (empregado comercial em Koldá) por sua sugestão. Que o José Francisco Gomes se deslocaria a  Jole e a Bafatá para fazer propaganda. Que o Fernando Fortes disse-o que tinha escrito uma carta a Cabral a dar notícias dessas movimentações, devendo este chegar em Setembro para ultimarem os preparativos, pois ele iria estabelecer-se em Conakry a partir do qual toda a luta seria dirigida[27]. Fernando Fortes informou-lhe ainda que já escrevera ao Abílio Duarte a encarregar-lhe de iniciar a propaganda em Cabo Verde, tendo este respondido que as coisas nesse sentido iam muito bem[28].

 

Fernando Forte, por exemplo, relatando a forma como era interpelado por Rafael Barbosa para as deslocações ao interior da Guiné em acções de mobilização, disse: “(...)Rafael Barbosa mandou alguém dizer-lhe que se preparasse para uma viagem a Bissorã no fim de semana, dizendo que tinha de estar pronto quando um carro o for buscar a casa e que, se ali não se encontrasse, que assumiria as consequências. Que apareceu um indivíduo que o foi buscar a mando de Rafael Barbosa, estando já este no táxi. Que o Rafael Barbosa alertou-o depois que iam a Farim ter com o Paulo Lomba por causa das desinteligências e que regressariam no mesmo dia. Que o carro avariou-se uma série de vezes, pelo que chegaram a Farim de madrugada do 3.12.1960, numa hora em que jangada não dava passagem aos carros, atravessaram num bote e a pé foram conduzidos pelo Rafael Barbosa a casa de Paulo Lomba, com quem realizaram de imediato uma reunião, onde se tratou das questões das desinteligências do exterior e das susceptibilidades de as mesmas virem a influenciar o interior. Que nessa manhã foram tomar o pequeno almoço a ponta de Paulo Lomba onde o Rafael Barbosa e o Paulo Lomba fizeram uma alocução aos trabalhadores. Porém, só com a ida de Víctor Paula Teixeira (pessoa em quem o Rafael Barbosa começo a apostar) a Farim é que as acções nessa qualidade viriam a tomar forma significativa, pois Paulo Lomba, apesar de ser o responsável local, tinha mais ligações com o núcleo de Bissorã, localidades vizinhas e o exterior. No dia seguinte, por ordem do Rafael Barbosa, seguiram para Bissorã onde estava marcada uma concentração num ex-acampamento americano onde se encontravam cerca de três dezenas de pessoas, a maior parte mandingas e Oincas organizadas e enquadradas por Estevão Tavares e Nosoline, voltando Rafael Barbosa a referir-se as desinteligências. Que dias depois, apareceu-lhe o motorista do táxi a cobrar frete e ele disse-lhe que nada tinha a ver com o facto. Que quase no fim de ano, chegando ao trabalho, viu na sua secretária um envelope fechado e a si endereçado, contendo a quantia de em notas de 750 escudos, no qual se dizia: “para pagamento do frete do carro”. Que no dia seguinte o motorista foi procura-lo com o pretexto de que ele já tinha o dinheiro para o pagar e então pagou-lhe.

 

Cabral, porém, foi obrigado pelas autoridades a abandonar Bissau, na condição de apenas ali poder regressar uma vez por ano em férias, mas tanto o MLG como o PAI reivindicaram legitimamente para si a organização da greve do cais de Pindjiguiti, pois independentemente da maior ou menor influência que um e outro tiveram na congeminação da mesma, todos colheram lições que o seu trágico desfecho proporcionou às perspectivas subsequentes do desenvolvimento da luta anti-colonial pela independência da Guiné. Para além do Massacre de Pindjiguiti ser considerado como o apogeu dum período em que o período da agitação atinge o seu ponto máximo, as circunstâncias repressivas que caracterizaram o seu desfecho permitiu aos nacionalistas em geral, tanto do PAI como do MLG, ganharem a consciência de que era necessário optar por outras formas de luta para responder com violência à violência colonial, de resto, característica peculiar de todas as colonizações ao longo da História. Foi também o Massacre de Pindjiguiti que permitiu que pouco depois - em Janeiro de 1960 -, Amílcar Cabral, que acabara de criar com Agostinho dos Santos, e Mário de Andrade, em Tunes, no decurso da Confe­rencia dos Povos Pan-Africanos, a FRAIN, redigisse em Londres, com o apoio da Fabian Society, a brochura que apresentará o PAIGC nos países de língua inglesa: Facts About Portugal's African Colonies, documento esse traduzido posteriormente em português e que denotava a determinação do PAI e de Amílcar Cabral em prosseguir os esforços da mobilização dos camponeses com vista à luta armada.

 

É assim que, aquando da Ha Conferencia dos Povos Pan-Africanos (15) em Tunes, em Janeiro de 1960, Amílcar Cabral, Mário de Andrade e Marcelino cios Santos resolveram dissolver o MAC (Movimento Anti-Colonialista), criando em seu lugar a FRAIN (Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacio­nal das Colónias Portuguesas). E, em 18 de Abril de 1961, delegações do MPLA, do PAIGC e da FRELIMO reuniram-se em Casablanca para criar a CGNCP (Conferen­cia das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas). A CONCP (Conferência das Organizações nacionalistas das Colónias Portuguesas), organização essa que mais tarde viria a ter um rápido sucesso nas Nações Unidas, onde o grupo afro-asiático, em eco junto com os países de Leste, detinha uma maioria na As­sembleia Geral, Como era esperado, as Nações Unidas aprovaram uma série de resoluções condenando Portugal e instando-o a conceder independência as coló­nias.

 

 

Cabral desloca-se seguidamente  à Suíça em Julho de 1960. Foi a partir da Suíça que seguiu para China, no âmbito da luta de libertação, passando sua esposa, Maria Vilhena a residir não n.º 5 da Rua Flatters, na casa de Mário de Andrade, que já se tinha deslocado a Conakry com a sua esposa, Sarah Ducados, ficando o Marcelino dos Santos com a incumbência de levantar o Correio de Cabral no Hotel da Paz. Aliás, como forma de se manterem em comunicação. Aliás, já por essas alturas, Cabral tinha já conseguido enviar 25 elementos para formação ideológica-militar a Tchescoslováquia e 30 para China e 5 para a Rússia, na perspectiva de rapidamente poder dar início à luta de libertação.

 

Amílcar Cabral lançou a palavra da ordem da mobilização desde os princípios de 1960, altura em que se instalou em Conakry e num caracterizado por um verdadeiro frenesim, desenvolve um trabalho ciclópico. Com a sua instalação em Conakry o movimento de libertação passa a ter dois núcleos de acção no exterior Conakry e Dakar – para onde fogem os guineenses. A acção passa-se clandestinamente no interior e abertamente no exterior., salientando-se as emissões dominicais na Rádio de Conakry que fazia apelos para que os guineenses e caboverdianos lutassem para a independência... Das emissões passam a propaganda escrita e é de Conakry e Dakar que saem os primeiros panfletos que foram espalhados tanto na Guiné como em Cabo Verde.

 

A 14 de Julho de 1960, datado de África, Cabral redige o panfleto “ o que quer o nosso Partido, o qual iria ser a antecâmara dos Estatutos e do Programa do PAI. Documento surpreendente (ver digitalizações).

 

Dos principais panfletos lançados na Guiné, que eram recepcionados por Rafael Barbosa e Ladislau Justado Lopes e que por sua vez recrutavam rapazes para os lançarem, assinalam-se os seguintes:

 

 

·         Na madrugada de 28 de Maio de 1960, foram lançados panfletos, colados nas paredes e metidos debaixo das portas, em envelopes.

 

·         Na madrugada de 26 de Julho de 1960, em Bissau foram distribuídos pelos CTT de Cantchungo, em carta, dois tipos de panfletos, um cicloesticado e outro impresso.

 

·         Na madrugada de 26 de Julho de 1960, em Bissau foram distribuídos pelos CTT de Cantchungo, em carta, dois tipos de panfletos, um cicloesticado e outro impresso.

 

 

·         Nos dia 17 e 18 de Agosto de 1960, em Bissau, foram distribuídos pelos CTT panfletos da Frente de Libertação da Guiné e Cabo Verde – PAI intitulados “O que quer o nosso Partido (PAI).

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·         Nos dia 17 e 18 de Agosto de 1960, em Bissau, foram distribuídos pelos CTT panfletos da Frente de Libertação da Guiné e Cabo Verde – PAI intitulados “O que quer o nosso Partido (PAI).

 

·         Em Setembro de 1960, foram colados nas portas dos estabelecimentos comerciais da localidade de Pitche e de Gabú panfletos assinados por Arnaldo Araújo.

 

·         No dia 1 e 7 de Outubro de 1960, na caixa dos CTT de Bissau, foram introduzidos panfletos subordinados ao título: “Comunicado do Movimento de Libertação da Guiné, endereçados às diversas autoridades e Entidades

 

·         No dia 24 de Outubro de 1960 foram colados nas montras dos estabelecimentos e postes de iluminação de Bissau, panfletos do Movimento de Libertação da Guiné

 

·         Datado de 15 de Novembro de 1960, Cabral redige e envia o Memorandum ao Governo Português onde propõe uma série de medidas, “para a liquidação pacifica da dominação colonial[29]”; Em 13 de Outubro de 1961, redige uma “Nota Aberta ao Governo Português” em que reitera o teor do Memorandum de Novembro de 1960, em jeito de “’uktima tentativa “para a liquidação pacifica da dominação colonial[30]”;

 

·         A 1 de Dezembro de 1960, no bairro de Varela, foram lançados panfletos da Frente de Libertação da Guiné e Cabo Verde – PAI com diversos títulos tais como “Aos militares Guineenses e Caboverdianos (soldados, oficiais e sargentos) obrigados a servir no Exército português; “Aos Funcionários Públicos e empregados comerciais guineenses e caboverdianos e “Aos colonos portugueses da Guiné e Cabo Verde; “Ao povo da Guiné e Cabo Verde, datado de 1 de Novembro de 1960, etc.

 

·         A 2 de Dezembro de 1960, tais panfletos foram lançados junto à casa dos oficiais portugueses, na rua atrás da sede do Benfica

 

·         No dia 4 de Dezembro de 1960 os mesmos panfletos foram espalhados pelas ruas.

 

·         No dia 1 e 7 de Outubro de 1960, na caixa dos CTT de Bissau, foram introduzidos panfletos subordinados ao título: “Comunicado do Movimento de Libertação da Guiné, endereçados às diversas autoridades e Entidades

 

·         No dia 24 de Outubro de 1960 foram colados nas montras dos estabelecimentos e postes de iluminação de Bissau, panfletos do Movimento de Libertação da Guiné

 

·         A 7 de Novembro de 1960 foram enviados pelos CTT de Bissau postais panfletos a estudantes.

 

·         A 8 DE Dezembro de 1960 Epifânio pôs a sua disposição uma viatura na qual se deslocaram a ponta Víctor Robalo onde ele, o Fernando Fortes, Simão Mendes, na altura enfermeiro em Safim,

 

·         A 22 de Dezembro de 1960 em Gabú foram metidos nos jornais da Metrópole e no Arauto que seguiam pelos correios;

 

·         A 1 de Dezembro de 1960, no bairro de Varela, foram lançados panfletos da Frente de Libertação da Guiné e Cabo Verde – PAI com diversos títulos tais como “Aos militares Guineenses e Caboverdianos (soldados, oficiais e sargentos) obrigados a servir no Exército português; “Aos Funcionários Públicos e empregados comerciais guineenses e caboverdianos e “Aos colonos portugueses da Guiné e Cabo Verde; “Ao povo da Guiné e Cabo Verde, datado de 1 de Novembro de 1960, etc.

 

·         A 2 de Dezembro de 1960, tais panfletos foram lançados junto à casa dos oficiais portugueses, na rua atrás da sede do Benfica;

 

·         No dia 4 de Dezembro de 1960 os mesmos panfletos foram espalhados pelas ruas.

 

·         A 8 DE Dezembro de 1960 Epifânio pôs a sua disposição uma viatura na qual se deslocaram a ponta Víctor Robalo onde ele, o Fernando Fortes, Simão Mendes, na altura enfermeiro em Safim,

 

·         Em Outubro de 1960, lançam igualmente a Mensagem “Aos Funcionários e empregados comerciais guineenses e caboverdianos”; Mensagem “aos Colonos Portugueses da Guiné e Cabo Verde”, distribuído em forma de panfletos.

 

 

Em Outubro de 1960, Cabral e nacionalistas guineenses que se puseram do lado dele fundaram a Frente de libertação da Guiné e Cabo Verde – PAI, Ass., por Amílcar Cabral (Abel Djassi), Seydy Camara (Fernando Fortes), Zain Lopes (Rafael Barbosa), Badará Turé (Ladislau Lopes Justado), Amadú Djaló (Epifâni Souto Amado) e Walter Barreto (Nicandro Barreto) (Ver digitalização). Os panfletos seguintes já aparecem assinados pelos mesmos nomes “aos”, aparecendo outros com os de Bubacar Nanqe, Nbana Tcham, João Cá, Alex Juve, Tchoda Nbali e Mamadú Cá. Em Novembro de 1960, Cabral redige uma mensagem ao povo da Guiné Em 1 de Novembro, numa tentativa de acalmar os ímpetos dos elementos que em Conakry e no Senegal actuavam contra o PAI, Amílcar Cabral, Armando Ramos, Adriano Araújo, Richard Turpin e Inácio Silva, emitem uma proclamação em que dão conta da fundação de uma frente de luta denominada MLGC Este MLGC, que teve existência efémera, é indicada nesta proclamação como sendo uma secção da Frente de Libertação da Guiné e Cabo Verde, “organização de unidade criada no interior dos nossos países e dirigida pelo PAI.

 

No dia 8 de Fevereiro de 1960, o MLG enviou pelo correio a todas as repartições públicas o seu Comunicado de Movimento de Libertação, o qual é de resto semelhante a “Representação” que o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior enviou, a pedido de César Mário Fernandes e José Francisco Gomes (assinada por várias pessoas) aquando da visita do Presidente da República de Portugal em 1955 onde se condensava todas as aspirações da Guiné No dia 12 de Março teve uma reunião Conakry do MLG, a qual assistiu José Francisco Gomes, reunião essa que acabou com uma recomendação no sentido da realização de uma mesa redonda com o PAI no sentido com o fim de obter a constituição de uma frente unida de luta (FUL), na medida em que o PAIGC chamou a si alguns elementos tal como o Balbino da Costa (Conakry) e Maurício Dias e Malam N’ Ddiaye (Senegal) que assistiu em Casablanca com o PAI a fim de assistir entre 18 a 20 de Abril a uma conferencia de nacionalistas das colónias portuguesas que agrupou uma dezena de formações políticas das colónias portuguesas, o qual, porém, não foi assistido por nenhum elemento do MLG. Apesar da recomendação da constituição da FUL. PAI foi apadrinhado pelo PDG enquanto que o MLG por Senegal,, que não ignora os projectos expansionistas de Sékou Touré sobre Casamança, região etnicamente e geograficamente semelhante à Guiné, visando neutralizar Sékou Touré.

 

Cabral participou em Abril de 1961 a uma conferência em Casablanca, Conferencia da CONCP, conferencia essa que se realizou no contexto geral das conferencias Pan-africanas e Afro-asiáticas que tinham por objectivo a coordenação de uma política de acção contra o colonialismo português, conferencia essa que reagrupou vários lideres dos movimentos de libertação, tais como Dr. Oundlik Gaitonde, Presidente do Congresso National de Goa, João Cabral, Secretário Geral da GOA LIAGUE, Miguel Trovoada, do Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe, Viriato da Cruz, Secretário Geral do MPLA, Adriano Araújo, do PAIGC, Maria Vilhena Ataíde Cabral, (funcionária no Instituto de Pesquisa Agronómica de Rabat) e Amílcar Cabral.

 

A 16 de Março de 1961 efectuou-se uma reunião sob a iniciativa de Francisco Gomes (enviado especial dos nativista da Guiné Portuguesa junto das secções do exterior, junto dos Chefes do Governo, e das organizações políticas e sindicais dos Estados independentes da África e dos responsáveis e dos representantes dos países amigos nesses Estados). Ordem do dia era (1ª) Precisar os pontos de vista do MLGC, porta-voz dos nativistas da Guiné no interior e exterior e que tem por fim a luta contra o colonialismo, e neocolonialismo e o governo fantoche que o Governo Português impôs na Guiné; (2º) Acabar, duma vez para sempre, com as divergências existentes entre o MLG e o PAIGC; (3º) Questões diversas. O presidente de honra foi a todos apresentado, era o José Francisco Gomes, o Paulo Dias, Secretário e o Luiz da Silva e Momo Turé[31] (Secretário Geral duma secção do PDG que afirmou que os guineenses deviam unir todos num mesmo combate. Francisco Gomes aludiu a “corrupção e manobras” e disse que o povo da Guiné espera que o povo da Guiné Conakry o apoio total, tanto moral como material na sua luta contra o colonialismo português. (Falou da fundação do MLG em 1958, após a independência da Guiné dita francesa. Falou das pretensões do PAI, “que toda a gente conhece e deplora.”, acrescentando que a nossa luta da Guiné deve ser trabalho nosso e jamais deveremos aceitar que ela seja dirigida por outros”. Ironizou a proposta de Amílcar Cabral que enviou ao Governo português no qual propunha para a futura Assembleia Nacional um representante para 10.000 caboverdianos e um representante para 30.000 guineenses, segundo ele, proposta que demonstra o desprezo dos caboverdianos pelo povo da Guiné. A seguir, Angelo Araújo, disse que a presença de José Francisco Gomes iria ajudar a eliminar aquele que quer ser considerado (alusão ao Cabral) como enviado acreditado do movimento do interior para dirigir a secção do exterior. António Correia[32] exorta a todos a terem confiança em si próprios e cita o exemplo de Mafone Bangourá que apesar de iletrado chegou era alta personalidade na Guiné Conakry. António Lopes referiu a sua desconfiança desde que contactou com Cabral, por este não possuir documentos que justifiquem ser elemento do MLG do interior. Condenou Armando Ramos a quem considerou que cultiva e desenvolve a separação entre os emigrantes na zona da fronteira. Luiz da Silva toma novamente a palavra para apresentar três indivíduos: Maximiano Gomes, José Mendonça e acrescentou: Esta reunião dos autênticos filhos da nossa querida Guiné, tratando eles próprios os seus problemas, renova-me a confiança e afirmo-vos que não sou da opinião de Amílcar Cabral e nem de Adriano Araújo, que arvora hoje em defensor dos interesses da Guiné. Atacaram Cabral ainda o Adriano Correia e Víctor Mendes.

 

A 3 de Junho de 1960, uma nota da PIDE informava que “Amílcar Cabral que se considera oriundo da Guiné Portuguesa é um engenheiro agrónomo que declara residir em Lisboa e que tem sido muito activo em várias actividades anti-portugueses respeitantes a África. Segundo a mesma nota, ele é referenciado como ocupando o segundo lugar no Mouvement Anti-Colonialiste African e fundador de um Partido na Guiné Portuguesa – o PAI, considerado um ramo pró-comunista de Mali. Nesta nota, Amílcar Cabral é ainda responsabilizado como estando por detrás da greve e pelas violências ocorridas em Bissau em Agosto de 1959, estando actualmente em contacto com a FRAIN.

 

A 3  de Julho de 1960, o MPLA (Mário de Andrade) e o PAI (Amílcar Cabral) decidiram, na sequência das decisões da Conferencia dos Povos Africanos organizar uma Jornada de Solidariedade com os patriotas das colónias portuguesas. A 14 de Julho de 1960, datado de África, Cabral redige o panfleto “ o que quer o nosso Partido, o qual iria ser a antecâmara dos Estatutos e do Programa do PAI. Documento surpreendente (ver digitalizações).

 

Datado de 1.12.1960, Cabral redige e envia o Memorandum ao Governo Português datado de Conakry e igualmente remetido via CTT por várias entidades. A 1 de Dezembro de 1960, no bairro de Varela, foram lançados panfletos da Frente de Libertação da Guiné e Cabo Verde – PAI com diversos títulos tais como “Aos militares Guineenses e Caboverdianos (soldados, oficiais e sargentos) obrigados a servir no exército português; “Aos Funcionários Públicos e empregados comerciais guineenses e caboverdianos e “Aos colonos portugueses da Guiné e Cabo Verde; “Ao povo da Guiné e Cabo Verde, datado de 1 de Novembro de 1960, etc. A 2 de Dezembro de 1960, tais panfletos foram lançados junto à casa dos oficiais portugueses, na rua atrás da sede do Benfica. No dia 4 de Dezembro de 1960 os mesmos panfletos foram espalhados pelas ruas.

 

 

Porém, antes da fixação de Cabral em Conakry, como veremos adiante, muitos guineeses o tinham já feito na qualidade de foragidos da PIDE/DGS ou de emigrantes económicos. É o caso de Ernestina da Silva foi para Conakry em 1955 e lá permaneceu até  1959, indo e voltando durante esse período, antes de novamente fixar-se em Bissau em 1959 até 1962, período em que partiu novamente para Conakry. Segundo conversas tidas com Gonzaga Ferreira em 1962, cônsul de Portugal em Dakar,  “(..)aderiu inicialmente ao PAI[33] de Amílcar Cabral mas, conhecendo-lhe a pouco os métodos, a discriminação que ia fazendo entre caboverdianos e guineenses destinando os segundos a tarefas de guerra, enquanto aos primeiros os mandava estudar, preparando-os assim para ocupar os lugares importantes quando conseguissem a independência(..)”. Por tudo isto, ainda segundo Ernestina da Silva, (...) resolveu com outros guineenses separar-se e constituir um movimento independente –o MLG(..)”. Que a sua repulsa por Cabral acentuou-se quando teve conhecimento dos projectos para o primeiro Governo de uma Guiné independente em que o mesmo seria o Presidente da República e o comerciante Mário Lima o Presidente do Conselho, sendo que outros lugares já estavam  destinados a caboverdianos.

 

Sobretudo após o massacre de Pindjiguiti, vagas consideráveis de emigrantes guineenses que se juntaram ao núcleo inicial de guineenses juntaram-se nos países vizinhos, procurando rapidamente os mesmos obter apoios para a suas acções políticas através das autoridades locais. É sabido, por exemplo que Djalibacar Koiaté  que na República da Guiné-Conakry era Director dos Caminhos de Ferro servia de intermediário entre MLG de Conakry e o Presidente Sékou Touré. Mesmo outros movimentos de Libertação que não da Guiné “portuguesa”, encontraram na nova República da Guiné o apoio logístico mínimo de que precisavam para desenvolver acções de luta pela independência, na medida em que nos seus respectivos países recrudesceram as acções de repressão por parte da PIDE-DGS, não oferecendo assim as condições de luta alternativas seguras senão as baseadas no exterior. Foi o caso do MPLA e do Movimento pela independência das colónias portuguesa.

 

A partir de 1959, ano da independência da vizinha Guiné-Conakry, muitos guineenses começam a emigrar-se para aquele novo país, seja por motivos económicos ou políticos ou  ainda motivados pelos dois factores conjugados, na medida em que a maior parte dos mesmo estavam já de alguma forma politizados e enquadrados politicamente, sobretudo no MLG (movimento de libertação da Guiné, fundado no mesmo ano. Foram os casos, por exemplo,  dos enfermeiros Fernando Laudelino Gomes[34], Paulo Dias[35] e João Fernandes[36] que naquele país encontravam-se desde 1959 a trabalhar no Hospital Ballay. Esteve também na Guiné-Conakry o enfermeiro Inácio Silva que era enfermeiro, vindo posteriormente a viver em Dakar, a partir de 1970.

 

Nessa época, os elementos presentes em Conakry formaram desde cedo uma delegação que devia avistar-se com o Presidente Sékou Touré, delegação essa composta por Paulo Dias, Fernando Laudelino Gomes, Armando Ramos e Djalibacar Koiaté, cidadão da Guiné Conakry que serviu de interprete.  Nesse encontro, pediram apoios diversos ao Presidente Sékou Touré no sentido de organização de um movimento de resistência e formação de quadros. O Presidente prometeu-lhes ajuda e passou o caso a Sayfoulaye Diallo, na altura, a segunda figura do Estado da Guiné Conakry. Em função disso, passaram a mobilizar os compatriotas que estavam em Conakry mas que não estavam ainda mobilizados, tal como o Belarmino Gomes, apesar de ter saído para a Répblica da Guiné Conakry em fins de 1960 e trabalhar como locutor Rádio de Conakry, na qual apenas falava da política ingena desse país.

 

Estavam ainda em Conakry outros guineenses que vieram a integrar as lides políticas   como o Paulo Gomes I, o Paulo Gomes II (Néné)[37], Marcos Souto Amado, Honório da Costa, Abel[38], Víctor Mendes e Belarmino, que era o chefe presumido. Armando Ramos também estava a mobilizar gente. Depois chegaram João Fernandes, Maximiano Gama, Inácio Silva e Adriano Correia, pelo que deidiram criar uma Direcção, após terem feito duas ou três reuniões em casa de Marcos Souto Amado. Na última Assembleia, criaram o Movimento de Libertação dos Territórios sob a dominação portuguesa (MLTDCP). Luís da Silva foi nomeado Secretário Geral. Era em 1959. O NLSTSDP participou no segundo conferencia afro-asiática que teve lugar em Conakry. Os delegados a essa conferencia foram Luís da Silva, João Fernandes e Honório da Costa. Nessa reunião,  o MLTDCP contactou várias delegações no sentido de solicitar ajuda para a luta anti-colonial, quais sejam a da URSS,  e sobretudo o Vietnam. Em termos de ajudas, só chegaram de receber da RDA 6 relógios e uma máquina fotográfica. A FDGB Juventude do Partido Comunista da Alemanha de Leste) convidou uma delegação da MLTDCP para visitar a Alemanha. Foi enviado só o Belarmino. Regressou um mês depois e partiu novamente para a Alemanha com uma bolsa. A Alemanha ofereceu-nos na altura 8 bolsas de estudo. Duas foram aproveitadas: João Fernandes Dias e Belarmino.

 

 Nos finais de 1959, Mouvement des Territoires sous la domination portugaise r.. Luís da Silva[39] foi nomeado Secretário Geral. Era em 1959. O MLTDCP participou na 2ª segundo Conferencia Afro-asiática que teve lugar em Conakry, enquanto matinham ligações com os responsáveis do interior, nomeadamente alguma correspondência de Rafael Barbosa que os informava do desenrolar das acções clandestinas do MLG. Mantiveram ainda contactos  com João Rosa, Epifânio Souto Amado (da farmácia), José Francisco Gomes e José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior (o velho José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior), nomes que lhes foram sugeridos por Rafael Barbosa. O MLTDCP contactou uma delegação sindical da RDA que foi a Conakry na ocasião do V Congresso do PDG em 1959, na sequência do qual Belarmino foi indicado para ir à RDA, donde voltou em Setembro de 1960 com seis relógios de pulso.(...)[40]

 

 

 

Da secção da Guiné «portuguesa» do O MLTDCP faziam parte Paulo  Dias, Adriano Araújo, Marcelo de Almeida, João Monteiro, Joseph Turpin, An­tónio Correia, Antoine Lourence (que chegou até a ser o Presidente da Ju­ventude Mundial) e contava com a seguinte composição: Ernestina da Silva (presidente), Luís da Silva (Secretárío-geral), Marcelo de Almeida (vice-presidente), Belarmino Gomes (Vice-Presidente), Marcos Souto Amado (tesoureiro), Armando Ramos (secretário da organização), Carlos Correia (secretário de imprensa), Juan Fernandes(comissário das contas), Gabriel da Costa (secretário da propaganda), Vitorina Tavares (secretária do sector feminino) e Paulo Dias (responsável político).

 

A 31 de Agosto de 1959, Hugo Azancot de Menezes, em nome do MAC, escrevia uma carta ao Bereau político do PDG em que solicitava que o mesmo autorizasse os membros do MAC radicados na Europa a irem estabelecer-se em Conakry a fim de desenvolverem a luta contra o colonialismo português. Nesta carta, o MAC, por intermédio de Hugo de Menezes, solicitava também devida autorização para a instalação de um escritório do MAC em Conakry; Asilo político aos membros do MAC; passaporte  para os membros do MAC; A permissão para a utilização da Rádio Conakry para as acções de informação e propaganda do MAC ; um empréstimo a ser pago após a libertação, Que seja o controle dos cidadãos das colónias portuguesas residentes na RG; medidas urgentes no sentido da responsabilização do Governo Português pelo massacre de africanos no Porto de Bissau ocorrido em 3 de Agosto de1959[41].

 

Enquanto circunstâncias de ordem burocrática impediam a ida a Conakry dos elementos ligados ao MAC e mais tarde FRAIN, propiciou-se todo um terreno favorável a rivalidades entre os nacionalistas de vários territórios, em especial os oriundos da Guiné “portuguesa” que até a data encontravam-se maioritariamente filiados no MLG. Em Fevereiro de 1960, as autoridades da RG nada tinham ainda decidido sobre os apoios concretos ao MAC[42], o que levou a FRAIN, ex-MAC, novamente por intermédio de Hugo de Menezes, a endereçar uma carta ao BP do PDG a pedir que os elementos mais influentes do MAC, a saber, Amílcar Cabral, Lúcio Lara, Marcelino dos Santos e Mário Pinto de Andrade possam estabelecer-se em Conakry[43]. É nesse contexto que em Fevereiro de1959, o MLG do Senegal referia-se a uma possível nomeação do Dr. Pinto Bull ao cargo do Governador da Guiné, num Estado federal semelhante a dos estados brasileiros em que o poder executivo seria exercido por um governador e o poder legislativo por uma Assembleia Legislativa independente do Governo. As despesas com as forças armadas (excluindo a política e a guarda fiscal) seriam custeados pelo orçamento da República Portuguesa. O MLG abandonou mais tarde a ideia de uma federação e passou a exigir a independência total, publicando posteriormente várias cartas em que junto do Governo da Guiné e de Lisboa reclamava “a participação dos nativos na administração pública, enquanto vinham acusando os “cabralistas” de quererem dominar os guineenses.

 

Tal situação, aliás, tinha a ver com o facto de o MLG estar completamente desarticulado e não trabalhar sob direcção única, uma vez que, por um lado,  a sua estrutura residual em Bissau foi obrigada a entrar em profunda clandestinidade e com o recrusdecimento das acções repressivas da PIDE quase desapareceu[44], estando, por outro, as secções de Conakry a actuarem sem a necessária coordenação. Ilustrativo disso é o facto do MLG de Bissau passar entretanto a MLGC num dado momento, para logo depois, após ao acicatamento das rivalidades, voltar a sua matriz inicial, ou seja ao MLG, isto é, sem a componente cabo-verdiana. É neste ambiente que A 14 de Fevereiro de 1959, Cabral entrou na Guiné alegando vir visitar a família, demorando-se apenas sete dias. Foi o suficiente para insuflar entre os seus amigos, entre os seus companheiros das reuniões para a formação do já citado Clube a ideia da luta pela emancipação da Guiné. Rafael Barbosa e Cabral encontraram-se nas zonas do Aeroporto, provavelmente onde viria a ser a Sede clandestina do PAIGC  em Bissau depois que Rafael Barbosa entrou para a clandestinidade. Quando Cabral esteve em Bissau, deixou ao Rafael Barbosa com a incumbência de mandar para Conakry “200 alunos” para mandar para estudos universitários e para academias militares em Pequim. Congeminou igualmente com Rafael Barbosa[45] e Fernando Fortes a integração no PAI dos muitos nacionalistas que militavam no MLG.

 

No entanto, com o seu regresso de José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior, seguido do regresso de Cabral, as coisas passaram a ganhar incremento. Ladislau Justado Lopes José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior começa a entregar artigos ao Ladislau Justado Lopes, seu 2º primo, artigos esses que Rafael Barbosa enviava para Belarmino Gomes e que eram lidos na Rádio Conakry. César Mário Fernandes também pediu ao José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior novos temas, os quais enviava a Conakry. Entretanto, após uma semana da estada em Bissau de Cabral, Francisco Gomes convocou uma reunião que devia efectuar-se na casa de Bernardo Aquino Pereira que acabou por não aceder, tendo depois lugar na casa de Ladislau Lopes Justado. Na sequência dessa reunião, ventilou-se a ideia de uma nova reunião a ser presidida por Amílcar Cabral a qual se desejava que comparecesse José de José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior, chegando por isso, o Ladislau a ir a Bolama de propósito de o trazer ou pelo menos vir de lá com duas credenciais convenientemente elaborados que se destinavam, coimo aliás se destinaram a habilitar e fazer reconhecer Cabral junto a organização de Dakar e dos governos do Senegal e da República da Guiné como representante da organização da Guiné.

 

O José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior não conseguiu estar presente, dizendo que a sua vinda o comprometeria. Essa planeada reunião acabou por ter lugar, sem que Cabral a ela tivesse tomado lugar, comprometendo-se o Rafael Gomes Barbosa, César Mário Fernandes e o Epifânio Souto Amado a irem procurar Cabral e entregar-lhe as credenciais e trocar impressões com o mesmo. Nesse sentido, por indicação de César Mário Fernandes, Rafael Barbosa contactou com Luís Cabral no dia seguinte e daí resultou a indicação para estarem no campo de futebol a noite onde Cabral estaria. Depois de César Mário Fernandes ter mandado o irmão a dizer que tinha trabalho no cais e Epifânio ter mandado dizer que estaria de serviço, ele Rafael Barbosa resolveu ir sozinho. Que quando Cabral o viu perguntou-lhe pelos restantes companheiros e explicado a situação. Que seguidamente fez entrega das credenciais, explicando-o que uma delas devia-a utilizar junto de Vicente Có, ex-empregado da Casa Gouveia., Henry Labery, indivíduos estes que representavam a organização em Dakar, sendo outra destinada ao Ministério da Informação em Conakry com vista a sua apreciação e encaminhamento para Sékou Touré.

 

Efectivamente, os autos de interrogatório de Rafael Barbosa na PIDE/DGS confirmam a inabalável decisão de Cabral de instalar-se em Conakry, na medida em que, segundo o mesmo, “(...)no encontro que tive com o Engenheiro Amílcar Cabral em Setembro de 1959, ele referiu-me que no dia a seguir deixaria Bissau com destino a Dakar, donde seguiria para Conakry. Efectivamente, cerca de uma semana depois, Vicente Có, elemento do Movimento em Dakar, enviou-me uma carta confidencial destinada a organização na qual assinalava a chegada de Cabral, assim como a apresentação das credencias de que o mesmo era portador, bem como as actividades de Cabral junto de vários Ministérios do Governo do Senegal em Dakar. No entanto, seguiu-se um interregno de tempo em que não tive quaisquer notícias de Cabral enquanto ia recebendo correspondência de Conakry, de Laudelino Fernando Gomes e de Maximiano Soares da Gama, os quais davam notícias da independência de Conakry e das realizações e consequências desse acto. Que foi numa das ultimas cartas de Maximiano Soares da Gama que fui informado de que Cabral já se encontrava em Conakry. Foi também nesta última carta que Maximiano Soares da Gama me referia que tinha cortado relações com o Luís Alfredo da Silva e que não queria manter a unidade com Cabral(...)[46]”.

 

Amílcar referiu ao Rafael Barbosa que no dia a seguir deixaria Bissau com destino a Dakar, donde seguiria para Conakry. Que cerca de uma semana depois, Vicente Có. De Dakar, enviou ao Rafael Barbosa uma carta confidencial destinada a organização na qual assinalava a chegada de Cabral, da apresentação das credencias ao mesmo e das actividades de Cabral a vários Ministérios do Governo de Dakar. Rafael Barbosa disse que, entretanto,  seguiu-se um interregno de tempo em que não teve quaisquer notícias de Cabral enquanto ia recebendo correspondência de Conakry, de Laudelino Fernando Gomes e de Maximiano Soares da Gama, os quais davam notícias da independência de Conakry e das realizações e consequências desse acto. Que foi numa das ultimas cartas de Maximiano que foi informado de que Cabral já se encontrava em Conakry. Foi também nesta última carta que Maximiano lhe referia que tinha cortado relações com o Luís Alfredo da Silva que não queria manter a unidade com Cabral. Que pouco depois recebeu através dos Correios uma carta escrita por Cabral em francês, para iludir as autoridades. Nessa carta, Cabral pedia apoio dos guineenses. Sugeriu que alguém fosse a fronteira encontrar-se com ele ou então que o encontro tivesse lugar em Dakar. Rafael Barbosa entregou esta carta ao Presidente José Francisco Gomes que a fez circular, chagando-se, inclusive a aventar-se que devia ser o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior ir encontrar-se com Cabral, em virtude de ser a pessoa mais habilitada.

 

Nesse sentido, José Francisco Gomes deslocou-se a Bolama a propor-lhe a ida. Que, porém, por aquele ter manifestado indisponibilidade, decidiram mandar o Rafael Barbosa, pois José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior recusara. Foi nessa altura que Cabral despachou para Bissau os primeiros panfletos que foram trazidos para Bissau por um empregado do jornal “Afrique Nouvelle”  que para tal aproveitou a vinda a Bissau a equipa de futebol de Dakar que jogou com a Associação Académica de Coimbra que se encontrava em Bissau, os que falavam de 3 de Agosto, encarnados e amarelos e cinzento claro. Esses panfletos foram lançados pelo Alfredo de Meneses e por Pedro Gomes (ajudante de mecânico em Ilhéu do Rei) e pelo carpinteiro Manuel Azevedo, empregado do construtor civil Adriano Martins Paredes, também patrão de Rafael Barbosa. Rafael Barbosa só seguiu para Dakar  a 28.8. 1960, depois desses panfletos. Foi via Bissorã, Bigene, Samine. Levou nessa viagem cartas de José José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior a Cabral, cartas essas em que o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior solicitava meios para posteriormente se deslocar a Dakar. Acabou o Rafael Barbosa por ir a Dakar. Porém, quando aí chegou ainda Amílcar Cabral não tinha chegado, ficando por isso a aguardar por uma semana a sua chegada, na casa de Luiz Cabral.

 

Rafael Barbosa começou a sua viagem a 10 de Setembro de 1960. Em Ziguinchor mora na casa de Lemo Djob. Contactou nessa cidade com Alfredo Luís da Silva que veio de avião de Conakry e que o informou de que Cabral estava na Europa, tendo-lhe manifestado também a sua orientação política. Aproveitou a ainda a sua estada para em Ziguinchor meter correspondência de felicitações pela independência para os Presidente do Gana, do ex-Congo Belga e do Mali, correspondência essa que lhe tinha sido confiado por José Francisco. De Ziguinchor, telegrafou ainda o Secretário do MLG(C) em Dakar, Balbino da Costa, e este não o respondeu. Telegrafou seguidamente ao Luiz Cabral e este respondeu-lhe, dando-lhe instruções no sentido de ir para Kaolack. A 13 ou 14 de Setembro, Luís Cabral foi busca-lo e levou-o para Dakar. Ficou em Dakar cerca de um mês na casa do Luiz Cabral, tentando esconder-se doutros elementos que já abertamente hostilizavam quer o Luiz Cabral, quer o Amílcar Cabral.

 

Porém, um dia, estando a passear em Dakar com Manuel Azevedo, dá-se o encontro casual dele com César Mário Fernandes e como este era hospede de Vicente Có, acabou por saber da sua presença em Dakar, pelo que no dia a seguir acabou por jantar com César Mário Fernandes, Manuel Azevedo e Vicente Có, na case deste último. Aí, anunciaram uma reunião na casa de Balbino da Costa, que acabou por se realizar com a participação de Vicente Có, Balbino da Costa, Rui Ramos, Luiz Cabral e César Mário Fernandes e o enfermeiro José da Costa, que já vivia em Dakar há muitos anos, Emídio da Silva, mecânico da Shell em Dakar e outras pessoas. Rafael Barbosa deu informações nessa reunião sobre a organização em Bissau. César Mário Fernandes tomou a palavra para censurar a ligação do Rafael Barbosa ao Luiz Cabral e Amílcar Cabral, ficando assim Rafael Barbosa inteirado de que, quer em Dakar como em Conakry, havia sérias divergências entre os elementos da organização.

 

Enquanto aguardava a chegada de Cabral[47], chegou a Dakar o Luís da Silva, pelo que depois do Rafael Barbosa informar do ambiente reinante, Cabral predispôs-se  a encontrar com os nacionalistas  residentes nessa cidade. Dois dias depois que Cabral chegou a Dakar, onde permaneceu oito dias, Amílcar Cabra, Aristides Pereira, Víctor Saúde Maria e Rafael Barbosa mantiveram então com Cabral sessões diárias de trabalho, no quadro da mobilização com vista à luta armada. Entretanto, ao saber da presença de Cabral em Dakar, Vicente Có apressou-se a convocar uma reunião para a qual Cabral logo preparou uma ordem de trabalhos. Porém, havia um grupo hostil a Cabral que disse que só iriam a reunião se tivessem conhecimento prévio dessa ordem dos trabalhos, pelo que acabaram por não comparecer.

 

A reunião com os nacionalistas guineense que viviam em Dakar acabou também por se realizar com as presenças de Balbino da Costa, Mário Andrade (cunhado de Luiz Cabral), César Mário Fernandes, José da Costa, Rui Ramos, Vicente Có, Úmaro Gano, Fernando Cabral e três outros rapazes de Cabo Verde. Nessa reunião, César Mário Fernandes acusou Cabral de não estar a inteirar a organização das actividades que ia desenvolvendo. Entretanto, Henry Labery chega e ainda conseguiu estabelecer contacto com Cabral. Rafael Barbosa aproveitou a semana com Cabral para deste receber directrizes das acções a desenvolver em Bissau, pelo que recebeu para isso uma máquina de escrever, uma caixa de papel de cópia, uma máquina fotográfica Kodak e fundos em dinheiro português, propaganda (postais impressos na Bélgica. Depois dias depois de Cabral sair para Conakry e embora tinha sido instruído por Luiz Cabral para não se juntar com aquela gente, Henry Labery convocou uma reunião em que Rafael Barbosa participou e em que igualmente estava presente o Benjamim Pinto Bull. Foi nessa reunião o Labery falou dos contactos e apoios que obtivera na Itália, Rússia e França.

 

De regresso a Bissau, Rafael Barbosa viajou com Manuel Azevedo e Simão Pecixe até Bignona, povoação senegalesa perto de Ziguinchor. Estes dois últimos foram para Conakry e Rafael Barbosa seguiu viagem com Martinho Có, indivíduo esse que viajou discretamente em sua companhia para, na eventualidade dele ser detido, regressar com essa informação a Dakar. Em Ziguinchor, Rafael Barbosa elaborou ainda uns comunicados as embaixadas em Conakry (com a ajuda de Caetano Cabral que fez a tradução) no sentido de não voltarem a dar bolsas de estudo e outros materiais ao Alfredo Luís da Silva e ao Balbino da Costa, em virtude de não utilizarem honestamente estes materiais  em prol da luta anti-colonial.. Esta atitude de Rafael Barbosa, esboçada em Dakar, e tornada efectiva em Ziguinchor, produziu descontentamento na facção do MLG de Dakar e Conakry, tanto mais que as facilidades com que estes indivíduos cotavam junto as embaixadas estrangeiras cessaram, em virtude do teor da carta que Rafael Barbosa endereçou as embaixadas. De imediato, os elementos do MLG usaram da sua influência no Senegal junto as autoridades respectivas e conseguiram que tivesse sido detido pela Policia senegalesa em fins de Outubro de 1960 e convidado posteriormente a abandonar o Senegal, pois os seus companheiros de Dakar, por vingança, denunciaram-no por ter dito que o povo senegalês ascendeu à cidadania sem que para tal ainda se encontrasse preparado. Depois de Ziguinchor, Rafael Barbosa ainda visitou, Samine, Bigene, Farim e  Bissorã, tendo somente chegado a Bissau a 15 de Novembro de 1960.

 

Após a sua chegada, relatou, numa reunião que se realizou em Bissorã, que Amílcar Cabral havia ficado satisfeito com os relatórios que apresentou em Dakar e de que veio munido de uma grande quantidade de material de propaganda. Rafael Barbosa regressou da sua viagem e deixou uma embalagem de panfletos que foram mais tarde distribuídos pelas ruas de Bissorã por António Bento, Biague Sumaré (ou Biaguê Saque) e Lassana Silá. Esses panfletos eram de cor amarela encimados com uma cruz que aludiam as mortes ocorridas aquando do incidente do cais de Pindjiguiti. E outros que aludiam, também amarelos que diziam: “assimilação não, autonomia não, independência total sim”. Isto aconteceu em Agosto, pouco tempo antes de Rafael Barbosa ir a Dakar para se encontrar com Cabral e outros.

 

 

De Bissorã, Rafael Barbosa expediu  três cartas, uma para o Fernando Fortes Fernando Fortes, outra para o José de Barros e outra para o José Francisco Gomes, a informar em todas elas de que tinha regressado. Seguidamente, a partir de Bissorã, transferiu o dinheiro que recebera de Cabral para o tesoureiro Meneses por via de vale postal[48], o que este levantou e entregou ao Rafael Barbosa para custear as despesas da viagem dos rapazes que seguiram  para Conakry. De Bissorã, Rafael Barbosa mandou o Bacar Cassamá, servente da escola local, para se inteirar em Bissau junto ao Alfredo Meneses d`Alva   se a PIDE não estava alertada da sua ausência. Alfredo Meneses d`Alva acaba por aparecer em Bissorã com um camião, propriedade de Inácio Semedo, o qual este colocou propositadamente à disposição de Rafael Barbosa para em Bissorã acolher Rafael Barbosa e ainda transportar a enorme quantidade de material de propaganda com que Rafael Barbosa se fazia acompanhar.

 

Efectivamente, após os elementos do MLG em Bissau terem tido conhecimento de que Rafael Barbosa trabalhava igualmente para o PAI, sob o comando de Cabral, deu-se a cisão no movimento com a ala cabo-verdiana em 1961, em virtude dos elementos do MLG terem sido informados pelos seus aficcionados de Dakar de que Rafael Barbosa teria estado nessa cidade em cumprimento de uma missão de Amílcar Cabral.  Numa reunião que se realizou em Gã-Biafada, na casa de Ladislau Justado Lopes, para além dos fundadores do MLG, estavam ainda presentes  novos outros elementos mobilizados para o MLG, como sejam Aquino Pereira (empregado comercial da firma “Aly Suleimane”, José Luís Barbosa (Mamadú Cá)[49], Paulo Gomes Fernandes, Nicandro Barreto (Walter Barreto,  Fernando Fortes (que já era concomitantemente do Bereau Político do PAI) e,  obviamente, de Rafael Barbosa. José Francisco Gomes foi o elemento que nessa reunião mais se opôs a Rafael Barbosa e ao papel dos cabo-verdianos no MLG.

 

Fernando Fortes informou ainda de que tinha recebido uma carta de Cabral em que este recomendava que todos se mantivessem unidos e propôs que ao invés do Movimento de Libertação da Guiné e Ilhas de Cabo Verde, que fosse doravante adoptado a sigla PAI. Secundando o José Francisco Gomes, vários indivíduos opuseram-se a tal ideia, especialmente Ladislau Justado Lopes e Nicandro Barreto. Após certa acalmia, José Francisco Gomes levantou-se e perguntou ao Rafael Barbosa sobre os motivos da sua viagem ao Senegal, querendo ainda saber quem lhe ordenara a viagem, limitando-se este a dizer que realmente tinha viajado e que em resultado da viagem tinha trazido uma máquina de escrever Royal Royalité, uma máquina fotográfica e bastante correspondência que se limitara a entregar no Senegal a pessoa que o havia mandado, não dizendo quem era essa pessoa, mas acabando depois por revelar que era ao Fernando Fortes que, entretanto,  desculpou-se por não ter levado para a reunião essas correspondências.

 

Porém, a cisão foi inevitável, na medida em que após acesas discussões Rafael Barbosa apresentou aos presentes uma lista encimado com o titulo de Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde – PAI em que ele aparecia como Presidente, o Nicandro Barreto como encarregado da secção da Cultura e Propaganda, Alfredo de Meneses como Cobrador e José Francisco Gomes, também conhecido por Formoso da Silva, sem funções. Para demonstrar a sua força, Rafael Barbosa apresentou uma carta resposta ao Domingos de Pina Araújo que o  acusara de ter vendido a Guiné aos cabo-verdianos por dez contos, de resto, carta essa subscrita com pseudónimos por todos os  presentes.

 

De todos as autos de interrogatórios feitos na extinta PIDE/DGS, o de José Barbosa refere-se mais claramente a forma como se desenrolou esta contenda que levou a uma irreversível rotura entre os caboverdianos e guineense do MLG(C). Ali dizia que “(...) numa reunião do MLG em que Ladislau Justado Lopes interrogou Rafael Barbosa sobre sua deslocação ao Senegal, este alegou que quem o deveria interpelar era o José Francisco Gomes. Este tomou a palavra dizendo que ainda que censurava asperamente por este ter-se deslocado ao Senegal sem dar conhecimento ao MLG, mas que não falaria senão na presença de Fernando Fortes pois que, quando atacava, gostava de atacar de frente, mostrando-se assim que provavelmente o Fernando Fortes já sabia das actividades do Rafael Barbosa. José Francisco Gomes depois disse que Rafael Barbosa deixava de ser admitido no MLG até que apresentasse o relatório ou informações por escrito sobre o que houvera realizado[50]. José Francisco Gomes manifestou mais uma vez a sua discordância com a integração do MLG no PAI, este último, segundo o “Maneta”(José Francisco Gomes), engendrado em resultado da acção do Rafael Barbosa aquando da sua ida a Dakar. “Maneta”chegou mesmo a dizer que não queria saber do PAI para nada, notando que havia sido o MLG desde o princípio que realizou tudo. A seguir o Rafael Barbosa disse que trazia o relatório e o “Maneta”pediu-lhe o papel a partir do qual tirou umas notas, dizendo depois que precisava de levar o relatório para a sua casa e só depois é que sobre ele se pronunciaria., proposta essa, de resto, que Rafael Barbosa recusou. Nesta reunião, “Maneta” acusou ainda Rafael Barbosa de ter trazido um rádio transmissor para facilitar os contactos com Amílcar Cabral no trabalho com os cabo-verdianos. Que nas embalagens do Rafael Barbosa estava um documento com o titulo de “Pseudónimos” no qual o Paulo Gomes Fernandes tentou descobrir se os indivíduos que ali constavam eram do MLG ou do PAI, tendo o Rafael Barbosa apenas indicado dois nomes: o dele e o do Víctor Teixeira[51], argumentando o Rafael Barbosa que o Partido devia anteceder o Movimento mas que todos eram a mesma coisa, e que ele continuaria a trabalhar com Amílcar Cabral em virtude deste ser a pessoa mais indicada para desenvolver  trabalhos no exterior. Por seu turno, o “Maneta”ripostou dizendo que ele havia de continuar a trabalhar para o MLG. Que foi depois desta reunião que José Francisco Gomes disse que ia a Bolama e seguidamente a Dakar com o objectivo de desmantelar tudo quanto o Rafael Barbosa lá fez, para que ficasse só o MLG. Que passados 4 dias depois dessa reunião, Rafael Barbosa disse-lhe que havia já dado uma descompostura ao “Maneta”e que estava disposto, caso ele fosse homem, a brigar com ele. Que pouco tempo antes do “Maneta”ter seguido viagem para Dakar e Conakry, aquando do seu regresso de Bolama, perguntou-o se estava tudo reconciliado, tendo este respondido de que já não haveria lugar para reconciliações, na medida em que chegaram de Dakar muitas cartas que diziam muito mal do Rafael Barbosa. E pediam aos naturais da Guiné filiados no MLG para tomarem medidas para desacreditar o Rafael Barbosa e o Abel Djassi Amílcar Cabral), que , segundo essas cartas, pretendia meter só caboverdianos (...)[52]”.

 

A rotura deu-se e as duas facões passaram a existir ao mesmo tempo, uma do Movimento de Libertação da Guiné e Ilhas de Cabo Verde - PAI, que, segundo a PIDE era mais forte, de que era o principal responsável no interior o Fernando Fortes, com elemento de ligação “o Coxo”, e o Movimento de Libertação da Guiné de que passou a ser o principal responsável José Ferreira de José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior. Assim,  José Francisco Gomes (fervoroso defensor de que o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior devia ser Presidente se a Guiné se tornasse independente), Tomás Policarpo Cabral de Almada, Alfredo Meneses d’ Alva, Hipólito Fernandes, José André de Barros,  Norberto Indjai, José Luís Teodoro de Vasconcelos Alves Gomes Barbosa (também conhecido por Jói ou Djói), João da Silva Rosa[53], José Ferreira de José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior  passaram a trabalhar juntos e deu-se então início ao trabalho de influencia de militantes entre esse grupo e o do Rafael Barbosa e Fernando Fortes. O Ladislau e o José Francisco Gomes subtraíram a máquina de escrever ao Rafael Barbosa, na medida em que o Rafael Barbosa tinha confiado estes documentos e a própria máquina a um moço manjaco de nome João dos Santos, por sinal parente de José Francisco Gomes, o qual aceitou passar aos adversários de Rafael Barbosa, para além máquina de escrever, todos os outros documentos para cuja guarda este o confiara[54]. Os documentos, segundo o novo grupo do MLG, continham informações que Rafael Barbosa expedia sem o conhecimento dos elementos do movimento em Bissau. Porém, antes da consumação da cisão, Rafael Barbosa enviava para Cabral a sua correspondência através de Domingos de Pina Araújo, acabando por depois arranjar outros emissários depois que este se declarou indisponível para trabalhar com o PAI.

 

Todavia, a principal acusação de que Rafael Barbosa era alvo – traição, por pretensamente se ter vendido aos cabo-verdianos –, não o demoveu no seu profundo e empenhado labor de mobilização com vista à luta armada. Aliás, a cisão ocorrida entre o PAI e o MLG e a agitação que a ela se seguiu, acabou por alertar a PIDE/DGS e propiciar uma enorme vaga de detenções realizado em Bissau pela PIDE/DGS em Abril de 1961, de resto, detenções essas que iam aumentando à medida que os detidos os novos e os anteriores detidos eram obrigados a prestar recorrentes declarações em autos de interrogatório, permitindo assim, quer a PIDE/DGS quer as autoridades em geral, a reconstituição das redes e conexões do dois movimentos de libertação, tanto do MLG como do PAI. Compreendendo justamente isso, rapidamente Rafael Barbosa refugia-se na clandestinidade, indo estabelecer-se nos arredores de Bissau, onde prosseguia com êxito considerável os trabalhos de mobilização, pelo menos até altura em que o seu esconderijo foi assaltado pela PIDE/DGS, sintomaticamente, como adiante veremos, nas instalações onde passou a funcionar a sede do clandestina do PAI em Bissau.

 

Convém, outrossim, procurarmos também compreender os antagonismos, ainda que breve, – reais ou fictícios – que provocaram a cisão na interacção entre o MLG e PAI, pois trata-se de procurar não somente compreender a sua génese e evolução, num processo cujas raízes remontam há séculos,  mas sobretudo procurar descortinar os seus contornos com vista à compreensão, tanto quanto possível, das razões porque acabou por condicionar ou determinar, para o bem e para o mal, consoante os casos, mas no cômputo geral positivo, toda a evolução do processo ulterior da luta de libertação nacional que os guineenses e caboverdianos curiosa e paradoxalmente partilharam.

 

Desde logo, é forçoso a constatação de que nunca foi indiferente ao guineense o papel colaboracionista que o elemento caboverdiano desempenhou em todas as fases do processo colonial na Guiné: comércio costeiro, “pacificação”, “creoulização social, estabelecimento da administração com características repressivas, etc. Aliás, Como acertadamente observa Fausto Duarte "pode dizer-se que a Guiné deve verdadeiramente a sua origem portuguesa aos colonos do Arquipélago fronteiro à terra firme.  Foram eles quem semeou pelos rios as manchas de colonização que haveriam de impedir mais tarde quaisquer pretensões dos estrangeiros sobre os seus territórios.  O cabo-verdiano, desembarcando em terra para fazer comércio, iniciou a política de conquista, e ao fazer-se lançado, à semelhança do bandeirante do outro lado do mar, desobedecendo corajosamente ao alvará real que lhe impunha severas sanções, começou verdadeiramente a acção necessária para a posse efectiva da terra[55]".

 

Apesar do número de caboverdianos na Guiné não ser significativo na altura em que se dá a cisão entre o MLG e o PAI[56], o elemento cabo-verdiano era apreciado na altura, junto de certos sectores nos sectores coloniais portugueses,  como conforme constata António de Cértima[57]  como “(...) possuindo apreciáveis dotes intelectuais, activo e empreendedor, adaptando-se a vários misteres, o cabo-verdiano (...)” o cabo-verdiano ocupava, por isso mesmo privilegiadas funções na sociedade colonial, com destaque para a administração, onde a sua privilegiada situação social e económica, associadas às suas atribuições fiscais e coercivas que lhe eram normalmente acometidas, quase sempre suscitavam propriamente antipatias, veladas ou não, por parte dos guineenses. Não era pois de um dia para o outro que os caboverdianos, secularmente considerados “colaboradores” dos portugueses na sua acção colonial na Guiné conquistariam a confiança dos guineeses, não obstante ser possível a constatação de que, aqui e acolá, em muitas ocasiões, este latente antagonismo político era puramente fictício e que era abusivamente utilizado com arma de arremesso político.

 

Esse foi, indubitavelmente, dos problemas com que Cabral teve mais dificuldades de lidar desde génese do movimento libertador, compreendendo-se, por isso, as razões por que teria optado por transformar essa grande fraqueza numa grande força, mormente, por intermédio da teoria da unidade e luta e da unidade da Guiné e Cabo Verde, ambas por ele concebido. Não é por acaso que Amílcar Cabral, logo no acto da fundação do PAI, dizia “(...)Desde o acto da fundação do PAI, Amílcar Cabral demonstrou ter ideias claras sobre o carácter reivindicativo da luta que o PAIGC iria do­ravante empreender, a avaliar pelas suas palavras a 19 de Setembro de 1956, mas atmbém pel traço de originalidade que encerra a opção da criação de um Partido, contida na clara definição dos objectivos a atingir e que associa na mesma finalidade prática duas noções: independência e união. Dizia ele à propósito

 

 que «(...) para além dessa origem comum que nos em­purrava para a unidade, tínhamos o facto de continuarmos submetidos à dominação da mesma potência colonialista, tanto na Guiné como em Cabo Verde. Ou seríamos, pois, capazes de unir os nossos dois povos, ou os colonialistas acabariam por levar guineenses para se baterem contra os cabo-verdianos em Cabo Verde, e cabo-verdianos para se baterem contra os Guineenses, na Guiné. Se é real e inevitável, mesmo em relação às ou­tras colónias portuguesas, se a luta não fosse desencadeada em todas elas, esta política de divisão e de utilização de uns contra outros seria para o Governo português muito mais viável entre a Guiné e Cabo Verde, apenas separadas por dois dias de viagem de barco. Portanto, concluiu dizendo que, com um programa integral de luta como este, não nos podíamos contentar com a criação de um movimento ou de uma frente nacional de libertação. Teríamos movimentos de libertação, teríamos talvez uma frente de libertação, mas devíamos ter também um Partido, com o seu programa mínimo e o seu programa máximo bem definidos. Cada militante toma­ria, pois, o compromisso solene de dar tudo, incluindo a própria vida, para a realização integral do programa do Partido. É nesta base que vos quero propor que criemos o Partido Africano da Independência e união dos povos da Guiné Cabo Verde, cuja divisa será unidade e luta(...)[58]

 

Aliás, a “sindrome do caboverdiano”, como já se referiu, para o bem o para o mal, acabou por marcar a evolução da luta anti-colonial na Guiné, como facto omnipresente. Ela explica ainda, em medida considerável, a compreensão deste facto por parte da PIDE/DGS, que o explorou até às últimas consequências, mas também afigura-se como a chave explicativa do enorme sucesso que foi a guerra de libertação nacional desenvolvida posteriormente na Guiné, como adiante veremos. Curiosamente, é também a “sindrome do caboverdiano” que explica o assassinato de Cabral e inúmeras outras depurações e dissidências que o antecederam ou o secundaram.

 

Segundo Paulo Gomes Fernandes[59], também detido pela PIDE/DGS na primeira vaga de prisões de nacionalistas guineenses, foram presos um total de 22 pessoas. Quando morreu o João Rosa, ficamos reduzidos a vinte e uma pessoas. O Tribunal Militar que nos julgou queria ilibar-nos a todos, razão pela qual a PIDE, para forjar provas, obrigou outros intervenientes do processo a testemunharem contra outros nacionalistas que acabaram por ser condenados. Dos 21 nacionalistas, apenas 6 foram condenados em dois anos de prisão. Foram eles Ladislau Lopes Justado, Inácio Júlio Semedo, Quintino Sebastião Nosoline, Epifânio Souto Amado e Alfredo Fernando Fortes e eu próprio. Como já tínhamos cumprido preventivamente 1 ano de prisão, fomos restituídos à liberdade um ano depois. Mas a verdade é que a PIDE não tinha encontrado nenhumas provas e eles agiram nesse sentido porque o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior já havia avisado a todos na prisão de que tivéssemos cuidado com o que dizíamos, pois que se não tivessem provas nunca poderiam condenar quem quer que fosse. No meu caso e no de Ladislau Lopes Justado e mais um dos nossos co-arguidos que agora não me lembro, teria dito nos autos de interrogatório que eu e o Ladislau Lopes Justado tínhamos marcado um encontro com o pai de Ernesto Dabó, o Bacar Dabó, pelo que foi razão suficiente para que a PIDE o tivesse arrolado como testemunha de acusação. No julgamento que se realizou em Bissau a 27.8.61, a população inteira quedou-se em expectativa. Milhares e milhares de pessoas mostraram-se expectantes com o desfecho do julgamento e com a situação dos réus. A euforia do julgamento acabou por traduzir-se, mais uma vez, num acto de mobilização e politização dos guineenses, que há muito davam sinais de compreender e até apoiarem a luta pela independência. Lembro ainda de que a razão da condenação de Inácio Júlio Semedo, Epifânio Souto Amado e Fernando Fortes residia no facto de os mesmos se terem deslocado a ponta de Víctor Robalo em Bigimita, a fim de tentar seduzir este a filiar-se no Movimento. Teria sido, provavelmente, o próprio Fernando Fortes a dar essa informação num dos seus autos de interrogatório, pelo que perante a eminência do Tribunal Militar vir a ilibar grande parte dos arguidos, a PIDE arrolou Víctor Robalo como testemunha, acabando as suas declarações por pesar na condenação a 2 anos de prisão de Epifânio Souto Amado, Inácio Júlio Semedo e o próprio Fernando Fortes, apesar de ser verdadeira a sua declaração e de não ter tido qualquer intenção malévola ao dizer simplesmente a verdade. Quanto ao Nosoline, o problema dele tinha tão  somente a ver com o facto de alguém entre nós ter afirmado que ele se avistara com o Miguel na prisão. Posto no tribunal perante a necessidade de confirmar ou não esta suposição, ele ficou hirto, a transpirar por todos os lados, sem que conseguisse dizer uma só palavra. Isto valeu-lhe a condenação, pois bastava apenas que respondesse com convicção para que ficasse ilibado(..)”.

 

Mas vínhamos relatando o condão mobilizador de Rafael Barbosa de que não abdicou apesar da cisão entre o MLG e o PAI, passando doravante  a trabalhar exclusivamente para o PAI, em regime de clandestinidade. Enquanto ele prosseguia esses trabalhos de mobilização, cujo êxito superavam de longe as expectativas iniciais em virtude da cisão consumada entre o MLG e o PAI, crescia a olhos vistos o número de elementos que integravam em Conakry  o Lar dos Combatentes entretanto ciado por Amílcar Cabral para receber e treinar jovens que Rafael Barbosa enviava de Bissau para “obterem as noções mínimas da luta de libertação nacional”. Para uma melhor percepção dos métodos de que Rafael Barbosa se socorria na sua ciclópica tarefa de mobilização, achamos importante evocar alguns exemplos que melhor elucidariam a praxe.  E a forma como dava um pequeno “toque” e dizia ao visado que um outro membro influente o queria falar. Foi o que aconteceu com Estevão Fernandes[60], segundo as palavras do visado: “(...)quando um dia à noite, cerca das 19.00 horas, passeava pela Estrada da Cintura, na proximidades do depósito de água, no local denominado Alto Crim, cruzou-se com o seu conhecido e amigo Rafael Barbosa que havia sido “apontador” de obras de construção civil, de quem era vizinho, o que se verificou exactamente a 24 de Dezembro de 1959. Ao cruzar-se comigo, cumprimentou-me perguntando-me se estava bom e como se dava por Mansôa. Depois, inteirou-me do que estava a passar nesta cidade, isto é, da existência de uma organização que visa pugnar pela libertação denominado PAI e movimento de libertação, dizendo-me de seguida que sobre este assunto o Epifânio pretendia falar comigo. Encontro-me com o Epifânio à saída da sua casa e pergunta-me o que pretendo, sinal de que ele nada sabia e quando o informei de que Rafael Barbosa disse que ele pretendia falar comigo disse-me que ali na rua não era possível termos uma conversa, mas que o assunto se prendia com a minha adesão ao Partido(...)[61].

 

Dado os aborrecimentos que a sigla PAI suscitava junto as autoridades senegalesas, foi nesta estada em Dakar que ao PAII resolveu-se acrescer o “GC”, passando doravante essa formação política a usar a sigla PAIGC. Assim, em finais de 1962 foi anunciada oficialmente em Dakar a criação do PA1GC (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde), apoiado pela URSS e subsidiariamente pelo Senegal e pela Guiné-Conakry. E logo em 1963 tiveram lugar as primeiras acções de guerrilha no interior da Guiné Portuguesa. Como é evidente, não era fácil a Portugal enfrentar com êxito uma guerra subversiva nesta província dada a grande extensão das suas fron­teiras terrestres, através das quais as guerrilhas baseadas nos países e nos pontos quase inacessiveis ao Exército português no interior podiam infiltrar sem a menor dificuldade e atingir ao fim de pou­cos dias de marcha todos os centros populacionais importantes. Por outro lado, mandava o mais elementar bom-senso que não se desviassem para a Guiné, onde pouco havia a perder, meios militares que tão necessários eram para a defesa de Angola e de Moçambique, onde estavam em jogo interesses muito mais importantes e onde as probabilidades de êxito eram muito maiores.

 

Em Janeiro de 1962 Cabral criou em Bonfim (um bairro em Conakry) o Lar dos combatentes, sendo o Domingos Ramos o responsável do mesmo. Estavam lá Simão Mané, Alfredo Cá, Rui Djassi (que era instrutor de luta de guerrilha, tinha estado em Pequim), João Tomás Cabral (“Ocante”), Marcelino Mendes, João Có, Alexandre Albino Gomes (mancanha)[62], Alexandre Albino Gomes, papel, professor de português), Carlos Magno Víctor António Silva, Pedro Ramos, (que regressou em Maio de 1961 de Pequim), Carlos Leal, João de Deus Lima, Eusébio Ribeiro, Sebastião dos Santos, Vitorino Costa (que esteve em Pequim), Bobó Queta, que foi jogador do Benfica, Cesário Domingos de Carvalho de Alvarenga, que morava noutro sitio), Lacha Mendes, Lino Correia, que foi jogador da UDIB e que faleceu a 25.11.62. Dormiam em colchões de saco e comiam arroz com peixe ou carne. Levantavam-se as 7 e tomavam o pequeno almoço. Às 8 começava a instrução até as 12.00 horas. Recomeçavam as 15 horas  e terminavam as 17. A instrução era a aprendizagem do português, dada por aqueles que conheciam a língua e a tarde tinham aula militar, estudo de espingarda, explosivos e minas, lutas de guerrilha e doutrinação política, usando como quadro uma velha porta. Às 17 iniciavam o jogo de futebol e jantavam às 20, após o qual passeavam até a hora de dormir. Aos sábados tinham dispensa até à 24.00 horas e aos Domingos até as 23.00 horas.. Que no início, esta instrução durou um mês, pois as autoridades da Rep. Da Guiné proibiram-nos, pois só anuiu em relação a aprendizagem do português. Nessa altura, o PAIGC já tinha enviado o Rogério de Oliveira e João António Araújo (Jacó) para a Rússia.

 

 

O PAIGC organiza vários campos de treino onde os recrutas eram submetidos a instrução de ordem unida e de guerrilha, no mato. Eram os seguintes os campos de treino; Farajanto (a 100 metros da fronteira com a Guiné) onde cerca de 120 homens chefiados na altura por João da Silva antes de ter ido a Praga fazer um curso de preparação militar. Nessa altura, esses recrutas dispunham já de pistolas 6.35 m/m da marca “Unic”. Em Samine (a 15 Km de Bigene) existiam cerca de 70 homens comandados por Leandro Vaz[63] que frequentou um curso de preparação militar em Praga. Esse grupo já dispunha de pistolas e armas ligeiras. Em Ziguinchor havia cerca de 130 homens instalados em casa do alfaiate Aniceto Lima do Rosário que dormiam em esteiras na varanda, cozinhando para eles a Henriqueta Ramos, irmã de Pedro Gomes Ramos. Outros ainda em Ziguinchor instalavam-se na casa de Cohen da Costa e de Apolinário que foi motorista da SCU, coexistindo toda essa gente do PAIGC com elementos que lhes eram claramente hostis tal como o José Francisco Gomes “““Maneta”””, e Gregório “Marreco”, os quais andaram por toda a faixa da fronteira Norte a recolher quotizações entre os manjacos para comprarem armas e dar sequências aos ataques iniciados antes.. Em Ousonie, existiam cerca de 70 rapazes que eram chefiados por Tiago Aleluia Lopes. Nessa altura, sempre que Cabral se deslocava a Ziguinchor era hospede do Governador de Casamança e também era amigo do Comissário-Chefe da “Suretê.”.

 

 

Igualmente, como já se referiu, Rafael Barbosa também mobilizava jovens, aliciando-os com expectativas e irem estudar para o estrangeiro, com uma bolsa de estudos. Socorremos, do exemplo de John Eckert que foi mobilizado por Rafael Barbosa. Diz John Eckert que  “(...)dirigiu-se um dia à noite novamente à sede clandestina do Partido e quando ali entrou perguntou ao Rafael Barbosa sobre a sua ida para o exterior. Que o Rafael Barbosa alegou que a mesma ida provavelmente só decorreria trinta dias depois, pois não só os guias ainda haviam regressado, como ele Rafael Barbosa ouvira na Rádio Conakry que a carreira aérea Ziguinchor- Conakry fora cancelada. (...)Em face da resposta do Rafael Barbosa, dois dias depois, ainda sobre o mesmo assunto da sua ida para o exterior e com vistas ao beneficio da anunciada bolsa de estudo, abordou o Constantino Lopes da Costa na casa deste, tendo-o dito que até a data não houvera saído para o mesmo fim e que o facto de devia à recomendação do engenheiro Amílcar Cabral que chamara à atenção para não mandar rapazes para Conakry, visto que os mesmos chegavam ali e depois teriam que ali aguardar durante algum tempo, antes de lhes ser contemplada a bolsa de estudos. Quando tomei pois a decisão de ir passar férias em Lisboa e ali ver a possibilidade de estudar, Rafael Barbosa disse-me que isso não era aconselhável que como africano era aconselhável que ele avisasse primeiramente os estudantes guineenses do Partido que lá se encontravam, nomeadamente Maurício Gregório Dias, Leonel Vieira e Avito José da Silva. Cheguei a Lisboa no dia 2 de Março de 1962 e imediatamente pus-me em contacto com os estudantes que sabia através do Rafael Barbosa que estavam de alguma forma ligados ao Partido. Contactei Leonel Vieira (estudante de engenharia), Avito José da Silva (estudante de agronomia), Joaquim Correia (empregado da Caixa Sindical dos Correios), Maurício Gregório Gomes (estudante de medicina), Domingos Vieira (radiotelegrafista reformado dos CTT), Víctor Freire Monteiro (estudante de económicas e financeiras), Cornélio Vieira (Estudante do 7º ano dos liceus), Maria da Conceição Mendes (empregada industrial e namorada de José Ferreira Crato (ausente em Conakry), José Lima (enfermeiro na situação de licença da Junta, Gastão Segui (funcionário judicial na situação de licença da Junta) e Pedro Godinho Gomes (empregado em Lisboa na Estatística). Fui detido por esta Policia a nove do mesmo mês e uma semana depois reenviaram-me novamente para Bissau. O meu objectivo, na verdade era criar as condições para poder estudar, na medida em que era a minha ambição, mas também juntar-me aos estudantes ligados de alguma forma ao Partido e com eles trabalhar politicamente, de acordo com as directrizes que passaria a receber de Bissau, por intermédio de Rafael Barbosa e Inácio Soares de carvalho(...)[64]

 

Rafael Barbosa divulgou ainda informações, segundo as quais o PAI precisava enviar alguns rapazes para a Academia Militar em Pequim e que deveria vir armamento para ser distribuído pelos componentes do Movimento. Aliás, a prova d que a acção mobilizadora do Rafael Barbosa estava a ser eficazmente conduzida, foi provada quando, em plena reunião, pretensamente feita para o desmascarar e expulsa-lo do MLG, entram três indivíduos (Domingos Ramos, ex-praticante da Repartição das Finanças e soldado em Bolama e Bissau), Constantino Teixeira (ex-condutor da firma Augusto Custódio Gouveia e soldado em Bissau  e Tiago Aleluia Lopes (ex-enfermeiro e microcopista da Missão do Sono) e Rui Djassi (ex-soldado em Bissau e ex-cobrador da Farmácia Moderna que foram apresentados a todos pelo Rafael Barbosa, dizendo que os mesmos precisavam da ajuda de todos e que em frente de toda agente entregou-os 200$ a cada um, tendo indicado o Lourenço Gomes, também presente na reunião, como pessoa que os haveria de guiar para Conakry. Curiosamente, todos estes jovens acabaram por receber treinamento militar em Pequim e vieram a revelar nos mais prestigiados comandantes militares das várias frentes da luta do PAIGC.

 

Que pouco depois recebeu através dos Correios uma carta escrita por Cabral em francês, para iludir as autoridades. Nessa carta, Cabral pedia apoio dos guineenses. Sugeriu que alguém fosse a fronteira encontrar-se com ele ou então que o encontro tivesse lugar em Dakar. Rafael Barbosa entregou esta carta ao Presidente José Francisco Gomes que a fez circular, chagando-se, inclusive a aventar-se que devia ser o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior ir encontrar-se com Cabral, em virtude de ser a pessoa mais habilitada. Nesse sentido, José Francisco Gomes deslocou-se a Bolama a propor-lhe a ida. Que, porém, aquele, para aquele fim pretendeu receber 10.000$, pelo que, como tais fundos não existiam, decidiram mandar o Rafael Barbosa, pois José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior recusara. Foi nessa altura que Cabral despachou para Bissau os primeiros panfletos que foram trazidos para Bissau por um empregado do jornal “Afrique Nouvelle”  que para tal aproveitou a vinda a Bissau a equipa de futebol de Dakar que jogou com a Associação Académica de Coimbra que se encontrava em Bissau, os que falavam de 3 de Agosto, encarnados e amarelos e cinzento claro. Esses panfletos foram lançados pelo Alfredo de Meneses e por Pedro Gomes (ajudante de mecânico em Ilhéu do Rei) e pelo carpinteiro Manuel Azevedo, empregado do construtor civil Adriano Martins Paredes, também patrão de Rafael Barbosa. Rafael Barbosa só seguiu para Dakar  a 28.8. 1960depois desses panfletos. Foi via Bissorã, Bigene, Samine. Levou nessa viagem cartas de José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior a Cabral, cartas essas em que o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior solicitava dinheiro para posteriormente se deslocar a Dakar.

 

 

Em entrevista que gentilmente nos concedeu, Epifânio Souto Amado refere que “(...) Cabral esteve em Bissau ,em Setembro de 1959. Que Rafael Barbosa procurou-o na Farmácia e disse-lhe que havia a necessidade de três ou quatro pessoas se encontrarem com ele. Que o Rafael Barbosa fez igual convite ao César Mário Fernandes e ao Meneses. Ficou assim combinado que o Rafael Barbosa, o Meneses e o Fernando Fortes iam em primeiro lugar abordar Cabral. Por isso, ele Epifânio  e César Mário Fernandes esperaram na rua defronte do portão do Hospital onde Cabral ia primeiramente visitar um doente, tendo combinado com o Rafael Barbosa que essa operação seria às 18.00 H.. Que esperaram até às 19.00 H sem que vissem surgir Cabral ou qualquer dos outros indivíduos, pelo que se retiraram e caminharam em direcção ao campo de futebol. Que, na esquina, quando já ia despedir-se o César Mário Fernandes viu o Rafael Barbosa aparecer e a dizer que, afinal, haviam localizado Cabral na Praça de Império e que o mesmo houvera já conversado largamente com eles os três, Rafael Barbosa, Meneses e Fernando Fortes e que a este último tinha entregue um papel de cujo conteúdo depois se daria conhecimento(..)”.

 

Doravante, ao mesmo tempo que prosseguia os trabalhos de mobilização, Rafael Barbosa nunca descurou a possibilidade de reconquistar a simpatia e a benção política do patriarca do MLG, José Ferreira de José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior, funcionário aposentado que,  afastado das tricas políticas, encontrava-se a residir em Bolama, onde quase todos se deslocavam. Nesse sentido, Ladislau Lopes Justado viajou a Bolama a mando de Rafael Barbosa em fins de Novembro de 1959, inteirando-o da intenção de Rafael Barbosa em avistar-se com ele, no sentido de o solicitar  uma credencial para que pudesse sair e ir a Dakar contactar com os elementos do Movimento naquela cidade, o que o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior efectivamente emitiu.

 

Em Dezembro de 1958 apareceu em Bolama o Fernando Fortes , Ladislau  e o Rafael Barbosa(este levava a tiracolo a máquina fotográfica que Cabral lhe deu) e provocaram nova reunião com o grupo de Bolama. Na reunião Fernando Fortes começou por se referir a divergência entre guineenses e cabo-verdianos e que havia a necessidade de acabar com isso, porque, ao contrário do que

 se dizia, Amílcar Cabral não tinha pretensões de Governar a Guiné com os cabo-verdianos no poder, e que por isso estava ali para convida-lo a fazer parte do PAI.. Fernando Fortes foi secundado por Rafael Barbosa que disse que tudo não passava de calúnias e que ele próprio esteve em Dakar e constatou que os rapazes de lá se reunião quase nus num barracão onde apareciam bebidos, acabando normalmente as suas reuniões à pancada. O José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior, não obstante as explicações e umas cartas de Amílcar Cabral e uma outra que lhe era endereçada por Cabral, as quais Fernando Fortes exibiu na altura, José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior abanava a cabeça em jeito de reprovação.

 

Passado algum tempo, Ladislau Lopes Justado voltou a aparecer em Bolama a fim de entregar ao  José Ferreira de José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior três cartas para o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior que estavam todos em envelopes abertos. Que um desses envelopes, sem remetente e sem endereço, continha uma carta particular dirigida ao José Francisco Gomes, escrita à mão, a tinta, que dizia existir desentendimento entre os dois grupos – cabo-verdianos e guineenses –  e que, por isso, a partir daquela data ambos passavam a trabalhar separadamente. Que um outro envolve, sem qualquer indicação exteriormente que continha escrita à máquina uma carta subscrita por Balbino da Costa, que endereçada a “Camaradas guineenses” e que falava mal de Cabral, dizia que este não era natural da Guiné Portuguesa, aludia à separação entre cabo-verdianos e guineenses e criticava o comportamento de Rafael Gomes Barbosa quando este estivera em Dakar.

 

Esta carta, ao lado da assinatura de Balbino da Cosa continha um carimbo rectangular com os dizeres “Movimento de Libertação da Guiné e Cabo Verde”, Secção de Dakar”, mas sobre a expressão “e Cabo Verde” fora feito um duplo risco a tinta. Que um terceiro envelope sem indicações de remetente e de destinatário continha uma cópia de uma carta com a indicação “cópia da carta enviada ao Governo da República da Guiné como protesto contra a prisão de César Mário Fernandes e outros guineense em Conakry”. O texto desta carta abordava o assunto relacionado com a prisão do citado guineense e outros cuja autoria atribuía pura e simplesmente à inimizade do engenheiro mencionado para com eles. Ladislau Lopes Justado era também portador de uma recomendação de Rafael Barbosa, desta vez, para o solicitar em seu nome uma credencial em nome de Amílcar Cabral, a fim de o creditar junto das autoridades da República da Guiné, “com o objectivo de tomar conta do grupo de rapazes que em Conakry se encontravam a trabalhar mas muito mal e que necessitam de ser orientados. Novamente o velho José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior anuiu e lavrara um texto que o próprio Ladislau Lopes Justado e Rafael Barbosa se encarregaram de despachar para Conakry[65], onde Cabral já se encontrava.

 

Tendo tido conhecimento das iniciativas de Rafael Barbosa junto de José Ferreira de José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior em Bolama, José Francisco Gomes deslocou-se em meados  de 1960 a Bolama na companhia de Ladislau Lopes Justado, tendo dito ao dito ao José Ferreira de José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior o seguinte:

 

-          que havia desentendimentos entre os elementos do MLG na medida em que Fernando Fortes escreveu a dar conhecimento a Cabral dos desentendimentos entre o Rafael Barbosa e o Fernando Fortes., na medida em que este último queria ser o responsável, Rafael Barbosa também queria ser e igualmente o César Mário Fernandes queria ser. Sobre este particular, José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior aconselhou o José Francisco a regressara Bissau e a apaziguar os desentendimentos;

 

Novamente, José Francisco reapareceu  em Bolama e numa reunião com o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior a que presenciou Isidoro Ramos, Faustino e Nicolau Martins (na altura funcionário da Comissão Municipal de Bolama)  explicou que:

 

-          que recebera uma carta de um seu primo Vicente Có em Dakar que lhe dava conta da sua indignação pelo facto de ao Amílcar Cabral ter sido dado “direitos” de dirigir o movimento, mas que este já tinha constituído o seu Governo só com cabo-verdianos. Que a constituição desse Governo era a seguinte: Amílcar Cabral, Luiz Cabral, Fernando Fortes, Adriano Araújo, Mário Lima Whanon e um tal Mário (engenheiro das obras públicas);

 

-          Que Amílcar Cabral era um revolucionário comunista que já tinha vendido a Guiné, na medida em que já havia recebido dinheiro por conta da Guiné dos americanos e que tinha deixado parte desse dinheiro com Luiz Cabral em Dakar;

 

 

-          Que Amílcar Cabral tinha recebido bolsas de estudo os quais dava apenas aos filhos de Cabo Verde (a exemplo de uma bolsa atribuída a um tal Gil Vicente Vaz Fernandes) enquanto que os guineenses que não possuíam a instrução eram mandados para a tropa em Conakry onde eram recebidos no quintal da casa de Cabral e não chegavam a contactar com os outros rapazes do movimento que já lá se encontravam;

 

-          Que alguns rapazes que saíram de Dakar (entre os quais César Mário Fernandes) para irem esclarecer essa situação com as autoridades da República da Guiné-Conakry foram presos e acusados de espiões e que só não foram fuzilados porque  faziam-se acompanhar de José de Sá que dominava bem o francês, acabando os mesmos por serem recambiados para Dakar; Inácio Semedo escreveu uma carta  na casa de Ladislau a interpelar Amílcar Cabral sobre a prisão destes, carta esta que solicitava esclarecimentos sobre os desentendimentos entre guineenses e caboverdianos e ainda pedia a Cabral para que a Emissora de Conakry continuasse a dar notícias em crioulo e português e outros dialectos, pois a mesma deixou de funcionar dado os desentendimentos. Nessa altura, curiosamente, José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior que fornecia a maior parte dos noticiários que eram lidos nas emissões em português, crioulo e dialectos) enviou um telegrama de esclarecimentos à Rádio Conakry sobre a forma como deviam fazer-se ase missões à Guiné “Portuguesa”.

 

Voltando a Bolama, José Francisco insistiu com o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior em como recebera uma carta de Dakar na qual se perguntava quem é que tinha investido Amílcar  Cabral de direitos de dirigir o MLGC, porquanto este já havia constituído um governo de elementos caboverdianos. Depois de todos terem comentado de forma indignada o pretenso procedimento de Cabral, José Francisco Gomes ofereceu-se para se deslocar a Dakar e Conakry a fim de expor a indignação da Guiné em relação ao procedimento de Cabral. Após esta exposição do José Francisco Gomes, José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior, Faustino e Nicolau Martins responderam ao José Francisco de que “a ideia deles não era propriamente uma independência imediata mas sim primeiramente o estabelecimento de uma comunidade com Portugal que permitisse estagiar os guineenses nas Câmaras e nos Conselhos do Governo e que mesmo assim era impossível uma independência imediata visto na Guiné não haver suficientes homens preparados para a administração. Dizia José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior que eram contra a ideia da independência imediata porque tal colocaria os guineenses sob a subordinação dos cabo-verdianos, situação essa que originaria revolta na medida em que os guineenses tinham mais queixas contra os cabo-verdianos do que os portugueses, pelo que José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior chamou decidiu desmascarar Amílcar Cabral, oferecendo-se imediatamente José Francisco ofereceu-se para ir até Dakar e Conakry para esse fim[66].

 

 

O aumento da força de mobilização do PAI e a influência crescente de Cabral junto das autoridades de Conakry fazem precipitar a acção de José Francisco Gomes («““Maneta””»), na altura o mais activo animador do MLG. A conse­lho de João da Silva Rosa, este último desloca-se a Bolama para solicitar a |sé José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior a elaboração dos estatutos, que, entretanto, nunca vieram a ser aprovados em assembleia constitutiva como estava previsto, porque tal foi condicionado ao regresso de uma deslocação que o «““Maneta””» planeou realizar a Conakry a Conakry a fim de “eliminar o MLGC e o PAI e retirar a Amílcar Cabral a credencial que lhe foi ilegalmente passada por Rafael Barbosa”. Porém, mercê das vagas de detenções que se assistiu em Bissau, José Francisco Gomes não regressou a Bissau, tendo permanecido em Conakry e depois em Dakar, agregando-se, respectivamente, ao já extinto Movimento de Libertação dos Territórios sob a Dominação Portuguesa e ao MLG da secção de Dakar.. É digno de registo o facto de que a maioria dos membros desse movimento, exceptuando os poucos elementos que posteriormente aderiram ao PAIGC, continuou pelo resto da vida a combater o partido de Cabral.

 

Em fins de Novembro de 1959,  Fernando Forte e Rafael Barbosa, na qualidade de portadores de uma carta de Cabral para o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior, ainda tentaram demover José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior a integrar o PAI como forma de promover a convergência,  argumentando os mesmos que tudo não passava de calúnia dos elementos de Dakar que não se comportavam convenientemente. Fernando Fortes foi abordado por Rafael Barbosa no dia 25 de Novembro de 1960 a fim de o acompanhar a Bolama.. Que o Rafael Barbosa fez essa abordagem “quase como género de imposição[67]”, a fim de nesta cidade falar com o José Ferreira  Júnior, com quem queria abordar assuntos ligados a desinteligências no Movimento entre guineenses e caboverdianos. Que no dia seguinte seguiram para Bolama na companhia do Ladislau Justado Lopes. Em Bolama, foram recebidos por Isidoro Ramos que os conduziu a casa do José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior. Que ali, Rafael Barbosa disse que tinha tido um contacto com Abel Djassi, de quem levava uma carta pessoal para José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior. Entregou-lhe a carta e frisou que a deslocação a Bolama tinha por objectivo dissipar as desinteligências entre guineenses e caboverdianos que se estavam a esboçar-se no exterior, receando que essas desinteligências penetrassem no interior. Que Rafael Barbosa disse que brevemente iria receber um plano de trabalho detalhado, com actos de terrorismo e armas para quem quisesse, tendo apenas o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior manifestado uma certa apreensão pelas aludidas desinteligências. O José Francisco que igualmente estava em Bolama e até participou nessa reunião disse que iam formar o seu grupo e que a única pessoa que ele reconhecia com Presidente do país depois da independência era o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior, ideia essa apoiada por Ladislau Justado Lopes, também presente na reunião. Após esse sua viagem de Bolama, José Francisco disse que ia fazer uma viagem a Dakar e Conakry com o intuito de cancelar ao Cabral todos os direitos no estrangeiro.

 

José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior, porém, não aceitou a proposta de adesão ao PAIGC, tendo queimado posteriormente a carta de Amílcar Cabral. Em Dezembro de 1958 apareceu em Bolama o Fernando Fortes , Ladislau  e o Rafael Barbosa(este levava a tiracolo a máquina fotográfica que Cabral lhe deu) e provocaram nova reunião com o grupo de Bolama. Na reunião Fernando Fortes começou por se referir a divergência entre guineenses e caboverdianos e que havia a necessidade de acabar com isso, porque, ao contrário do que se dizia, Amílcar Cabral não tinha pretensões de Governar a Guiné com os cabo-verdianos no poder, e que por isso estava ali para convida-lo a fazer parte do PAI.. Fernando Fortes foi secundado por Rafael Barbosa que disse que tudo não passava de calúnias e que ele próprio esteve em Dakar e constatou que os rapazes de lá se reunião quase nus num barracão onde apareciam bebidos, acabando normalmente as suas reuniões à pancada. O José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior, não obstante as explicações e umas cartas de Amílcar Cabral e uma outra que lhe era endereçada por Cabral, as quais Fernando Fortes exibiu na altura, José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior abanava a cabeça em jeito de reprovação.

 

Aliás, nos inícios de 1961, conforme relatou posteriormente  Isidoro Ramos em autos de interrogatório na PIDE/DGS, “(...)foi o João Rosa quem abordou a questão da grande divergência entre guineenses e cabo-verdianos, quando esteve em Bolama. Que voltou depois a Bissau com o compromisso de encarregar o José Francisco Gomes de elaborar uma lista de guineenses que passariam a militar tão somente no MLG, porquanto os cabo-verdianos estavam a fazer um jogo que consistia em apressar a independência uma vez que tinham homens na administração na Guiné, quando o que deveriam era fazer era a propaganda para independência de Cabo Verde e não da Guiné(...)[68]”.

 

Instigado por vários indivíduos originários da Guiné  residentes em Dakar, e sobretudo pelo seu amigo sobretudo pelo João Rosa[69], José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior resolveu fundar um movimento para guineenses, que intitularam MLG, suprimindo a letra “C” da sigla, que até recentemente o MLG tinha incorporado. Seguidamente, elaborou uma lista de guineenses que passariam a militar tão somente no MLG, porquanto os cabo-verdianos estavam a procurar apressar independência com fins malévolos uma vez que tinham homens na administração na Guiné, quando o que deveriam era fazer era a propaganda para independência de Cabo Verde e não da Guiné, José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior produziu o essencial do MLG (Estatutos) e formou um novo Directório.

 

Os documentos produzidos por ele foram depois passados à máquina de escrever que José Francisco Gomes   (“““Maneta”””) subtraiu da casa do Ladislau  quando voltou a Bissau , antes de parti ir para o Senegal e Conakry. Esses trabalhos foram dactilografados por Ladislau Lopes Justado. Para além desses documentos, José Francisco Gomes fez-se acompanhar de uma violenta carta contra Amílcar Cabral[70], carta essa dirigida ao Presidente do Partido Democrático da Guiné (Conakry).Em Conakry, prosseguia entretanto as acções do Movimento de Libertação dos Territórios sob a dominação portuguesa. Dos documentos disponíveis (poucos), destacamos uma Acta datada de 10 de Outubro de 1959[71] cujo teor remete-nos para uma situação de profunda crise nesse movimento, reunião essa, aliás, cujo principal objectivo prendia-se com a tentativa de sanar o mal estar instalado pelas intrigas formigueiras, sobretudo entre os guineenses, assistindo-se outrossim, a tentativa de organização do Movimento em órgãos e estruturas. A presente Acta permite-nos ainda estabelecer a lista dos notáveis do movimento participantes a essa reunião, bem como as funções para as quais foram indigitadas nessa data. Por ordem alfabética, são eles:

 

 

 

-          Adriano Correia

-          Adriano Correia , Guiné-Bissau (Comissão Política e de Organização)

-          Adriano Lima Araújo, Guiné-Bissau[72] (Comissão Política e de Organização)

-          Amadú Djaló

-          Amâncio Gomes

-          António Correia

-          Armando Ramos, Guiné-Bissau (Comissão Política e de Organização)

-          Arnaldo Dias da Cruz

-          Basilio Correia

-          Belarmino Gomes, Guiné-Bissau  (Comissão Política e de Organização)

-          Dauda Bangurá

-          Ernestina da Silva, Guiné-Bissau (Bereau Político)

-          Francisco Mendes (Chico Té), Guiné-Bissau

-          Gabriel Gomes da Costa

-          Guilherme Turpin

-          Hugo Azancot de Menezes, S. Tomé/Angola (Bereau Político)

-          Inácio da Silva, Guiné-Bissau (Comissão Política e de Organização)

-          João da Velha, Guiné-Bissau (Comissão Política e de Organização)

-          João Fernandes[73], Guiné-Bissau

-          João Fernandes, Guiné-Bissau (Comissão Política e de Organização)

-          João Monteiro

-          Joaquim Gomes

-          Joaquim Gomes

-          José Gonçalves

-          José Silva Araújo

-          Joseph Gomes, descendente de guineenses

-          Laudelino Fernandes Gomes

-          Lina Tavares, Cabo Verde

-          Luís da Silva, Guiné-Bissau (Bereau Político)

-          Luís Gomes

-          Mamadú Djaló

-          Manuel Gomes, Guiné-Bissau

-          Marcelina Costa

-          Marcos Souto Amado, Guiné-Bissau (Comissão Política e de Organização)

-          Maximiano Soares da Gama, Guiné-Bissau (Bereau Político)

-          Mussá Fati

-          Osvaldo Oliveira

-          Paul Gomes I[74] (Presidium das reuniões)

-          Paulo Dias[75], Guiné-Bissau (Comissão Política e de Organização)

-          Paulo Gomes II, Guiné-Bissau

-          Pedro Gomes Ramos[76], Guiné-Bissau

-          Pedro Tavares, Guiné-Bissau (Comissão Política e de Organização)

-          Richard Turpin, Guiné-Bissau[77] (Comissão Política e de Organização)

-          Touré Toumane

-          Verónica Tavares, Cabo Verde

 

Convém todavia salientar-se ao facto de o MLTDCP ser um Movimento que era um Movimento que reunia vários nacionalistas das colónias portuguesas, apesar das suas acções serem desenvolvidas sob a cobertura geral do MAC, guiado num primeiro momento pelo médico Hugo Azancot de Menezes que com entusiasmo, desenvolvia um trabalho impar. Numa carta que escreveu a Henry Lopes, dizia: “(...) Il faut que tu viennes voir ce pays extraordinaire que est la Guinée. – oú je me sens, vraiment libre ». É nesse ambiente que Hugo Azancot se instala em Conakry, sem que todavia aos nacioanalistas ainda tenha sido dada a autorização formal de aí se estabelecerem para desenvolverem a sua actividade política[78].

 

Aliás, vários documentos do espólio de Hugo Azancot de Menezes demonstram que ele nunca tinha abandonado as directrizes que ainda em Lisboa estabelecera com os restantes elementos do MAC. Todavia, em Fevereiro de 1960, as autoridades da RG nada tinham ainda decidido sobre os apoios concretos ao MAC[79], o que levou a FRAIN, ex-MAC, novamente por intermédio de Hugo de Menezes, a endereçar uma carta ao BP do PDG a pedir que os elementos mais influentes do MAC possam estabelecer-se em Conakry.  Efectivamente, numa carta datada de 31 de Agosto de 1959, Hugo Azancot de Menezes, em nome do MAC, escrevia uma carta ao Bereau político do PDG que autorizasse os membros do MAC radicados na Europa a irem estabelecer-se em Conakry a fim de desenvolverem a luta contra o colonialismo português.

 

Nesta carta, o MAC, por intermédio de Hugo de Menezes, solicitava ainda ao BP do PDG a devida autorização para a instalação de um escritório do MAC em Conakry; Asilo político aos membros do MAC; passaporte  para os membros do MAC; A permissão para a utilização da Rádio Conakry para as acções de informação e propaganda do MAC ; que seja feito um empréstimo a ser pago após a libertação, Que seja controlado os cidadãos das colónias portuguesas residentes na RG; que sejam tomadas medidas urgentes no sentido da responsabilização do Governo Português pelo massacre de africanos no Porto de Bissau ocorrido em 3 de Agosto de1959.

 

É assim que se compreende que mesmo o MLTDCP onde o próprio Hugo Azancot de Menezes estava filado, teria nascido da ideia difusa que o MAC encarnava de que a uma luta era uma só. Cedo, porém, os dirigentes entenderam que podiam complementar esforços no âmbito de uma Frente, mas que os patriotas dos respectivos territórios deviam assumir o labor de luta pela libertação da sua pátria. Assim, sobretudo depois da instalação em Conakry de Amílcar Cabral, MAC (Movimento Anti-colonial) deu lugar a FRAIN (Frente Revolucionária de Luta para a independência Nacional), procurando não somente distanciar-se dos métodos e acções do MLTDCP, mas igualmente dar a ideia da necessidade dos nacionalistas de cada uma das colónias assumirem a direcção da luta anti-colonial nos respectivos movimentos e a estabelecerem igualmente as bases de uma permanente concertação entre os mesmos, facto esse que já se vinha revelando cada vez mais útil.

 

Em Outubro de 1959, Amílcar Cabral é referenciado[80] pela PIDE em como tendo feito uma viagem pelo Congo Belga, Ghana, República do Congo, Senegal e Guiné Conakry, a caminho de Lisboa, tendo também passado em Angola para estabelecer contactos para a luta contra o colonialismo português. No Congo, Belga, na ausência de Lumumba, ele contactou os senhores Madiana e Npolo, respectivamente Presidente e Secretário permanente do Movimento Nacional Congolês. Na mesma viagem, uma vez chegada ao Gana, Cabral procurou apoio do N’Krumah para a luta de libertação, tentando nomeadamente obter autorização para a instalação nesse país e na Guiné Conakry da sua base de luta e de propaganda contra o colonialismo português procurando sensibilizar as autoridades desses países no sentido de acusarem Portugal na próxima conferência pan-africana.

 

Assim, Cabral esteve  em Bissau, procedente Angola, entre os dias 14 à 21 de Setembro de 1959. Foi a sua última estada em Bissau, na medida em que só posteriormente a PIDE referenciou informações do seu anterior périplo por alguns países africanos antes de ter ido a Bissau, onde permaneceu apenas uma semana. Porém, foi o suficiente para insuflar entre os seus e companheiros a ideia da luta pela emancipação. A ideia espalha-se, o movimento de libertação inicia-se e passa a desenvolver a sai organização, a constituir os seus quadros. Depois disso, Amílcar Cabral fixa a sua residência na Guiné Conakry cujo Presidente se propunha lutar pela extinção do colonialismo em África. Quando Cabral esteve em Bissau, deixou ao Rafael Barbosa com a incumbência de mandar para Conakry “200 alunos” para mandar para estudos universitários e para academias militares em Pequim. Congeminou com Rafael Barbosa e Fernando Fortes a integração do MLG no PAI (Partido Africano para a independência), que teria por fim orientar ou mesmo substituir o já estruturado MLG(C).

 

“(...)O MTSDCP existiu até 1960. Em Maio de 1960, Amílcar chegou a Conakry. Luís da Silva foi vê-lo. Parece-me que o Luís o levou à sede. João Fernandes foi contar-me o que se passou. Depois ficou decidido fazer uma assembleia para apresentação de Amílcar.. Já estavam em Conakry Viriato da Cruz, Lúcio Lara, Hugo de Menezes e Mário de Andrade. Na Assembleia, Luís da Silva apresentou o Amílcar como o primeiro homem que criou um partido político na Guiné, razão pela qual cedia o seu lugar a ele. Não sei precisar se a Assembleia estava ou não de acordo. A função de Secretário Geral, todavia, não passou para o Amílcar. O Bereau reuniu-se com o Luís da Silva e não chegamos a um acordo quanto a sua substituição pelo Amílcar e após um desentendimento, o Luís da Silva abandonou a reunião. Depois Amílcar pediu um encontro que se realizou na casa do Hugo de Menezes. O segundo encontro, em casa de Pedro onde ficou combinado um novo encontro. Depois não houve a reunião do Bereau. Em cada de Pedro eu disse ao Amílcar que estávamos com pressa. Pensávamos que não havia mais movimentos. Não chegamos a acordo com Amílcar que disse que já havia o PAI e era preciso dissolver o MLTDCP. Depois disso, houve muitos desentendimentos. Luís da Silva foi a Dakar e voltou. Decidimos acabar com o MLTDCP e depois de algumas consultas entre nós criamos o MLG com uma Direcção de dez pessoas que durou se tanto, dois a três meses, pois fomos comunicados pela Segurança da RG que o Movimento estava interdito(...)[81]”.

 

A acção aberta passa assim para o exterior, salientando-se as emissões da rádio Conakry que todos os Domingos em Português, crioulo e línguas nativas no decorrer dos anos de 1960, 1961 e 1962. Das emissões, passam à propaganda[82] e é de Dakar que saem os primeiros panfletos que são espalhados por entre a comunidade guineense e cabo-verdiana e ainda na Guiné dita Portuguesa[83]. Na Guiné, apesar da rapidez com que PIDE recolheu esses panfletos, produziram nas massas os feitos desejados, isto é, uma rápida catequização das mesmas na luta. Entretanto, devido a várias detenções efectuadas a organização do PAIGC apoia-se nos emigrantes guineenses e cabo-verdianos residentes em países africanos residentes no Senegal e Guiné Conakry e funcionam através e núcleos, secções, secções do Partido no exterior, com vista a conquista imediata da independência. A organização do PAIGC estruturava-se no grupo, como organização de base. O grupo é criado em todos os locais de trabalho, sempre que nesses locais existam três ou mais membros do Partido. Em escala ascendente de importância temos ainda a secção, a zona e o distrito e o seu órgão superior em cada território é a Conferência Nacional, sendo o Congresso o órgão supremo que se reúne de três em três anos, e nos seus intervalos dirigido por um Bereau Político com atribuições de uma Direcção Central.

 

Os panfletos lançados em finais de 1959 e princípios de 1960 levam a PIDE a aturadas vigias e investigações, até que se começou a notar que Bissorã era a cidade onde os panfletos eram mais lançados, tendo sido detidos e desmantelado aquele rede e depois a de Bissau e outras localidades. A PIDE entrou assim na organização e descobriu que toda a actividade do Movimento de Libertação vinha sendo orientada do exterior por Amílcar Cabral, que contava com o apoio da República da Guiné. Dá-se então a grande vaga de prisões. Numa primeira levo, foram presos José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior, João da Silva Rosa, (que veio a falecer na prisão)[84], Paulo Fernandes, Tomás Policarpo Cabral de Almada, Alfredo Meneses d? Alva, Elisée Turpin,  Nicandro Pereira Barreto, Epifânio Souto Amado, Ladislau Lopes Justado, Quintino Sebastião Nosoline, Fernando Ferreira Fernando Fortes, Elmer Barbosa Fernandes Brito, Rosendo Aurejano de Nolasco Pinto, Bernardo Aquino Pereira, Eduardo Manuel Bastos Pinto, Domingos Ramos Furtado[85], escapando Rafael Barbosa que passa a clandestinidade e José Francisco, que viajava para Conakry com propósitos de desmascarar Cabral. A PIDE descobriu que as informações eram enviadas para Dakar, Ziguinchor, Koldá e Conakry a partir de Bissau e as instruções sobre os métodos de acção eram por sua vez remetidas aos elementos do interior, por enviados especiais[86].

 

Uma descrição dos métodos que Rafael Barbosa usava para a mobilização: dava um pequeno “toque” e dizia ao visado que um outro membro influente o queria falar: Antes de proceder a reconstituição da rede clandestina após essa vaga de prisões, Rafael Barbosa começo a li na palhota que viria a ser a sede do PAIGC em Bissau a reunir-se com elementos vizinhos, servindo-se de Aié Pá, seu amigo e confidente, para mobilizar os vizinhos antes de novamente estender-se a cidade de Bissau. Relativamente às populações rurais, a mobilização era envolta em segredo profundo, na medida em que tal era feito mediante juramento de “cola e da galinha” que os proíbe de prestar informações.

 

A 21 de Janeiro a PIDE procedeu a uma acção de busca nas casas de Quintino Sebastião Nosoline , na Rua de Gã Jugudé a residência de Estevão António Tavares em Bissorã, os quais, apesar de não ter sido encontrado nada, foram presos nos dias seguintes pela PIDE, precisamente no dia em que Rafael Barbosa volta de uma viagem que efectuou a Farim para se encontrar com Lourenço Gomes que o comunicou que os rapazes chegaram bem a Conakry. Rafael Barbosa que já sabia dessas prisões, fez um relatório sucinto a Cabral de que foi portador o Lourenço Gomes a informar das desistenligências e das prisões, bem como a pedir dinheiro para abandonar a Guiné. Nessa sua estada em Farim Rafael Barbosa viu cerca de dez pessoas credenciadas pelo MLG (José Francisco Gomes, Paulo Gomes Fernandes e Ladislau Justado) que iam para Conakry ter com Paulo Dias. Desses elementos que inicialmente foram para o MLG de Conakry muito deles acabaram integrados no PAIGC tal como o Alexandre Nunes Correia (ex-funcionário das obras Públicas), Tomás Cabral (ex-empregado da tipografia) Caetano Semedo (ex-empregado das instalações de Bolola da SCU e o Braima (Dakar?), que foi jogador do Sporting[87].

 

A 25 de Fevereiro de 1961, Rafael Barbosa foge da casa da Mãe e refugia-se em Bissalanca, onde permaneceu na clandestinidade. Entendeu-se com Albino Sampa, pedreiro e conseguiu alojamento na palhota de Jorge Monteiro, também pedreiro, que na altura se encontrava ausente e a quem forneceu a sua casa onde funcionou a sede do PAIGC. Aí contou com a preciosa ajuda de Inácio Soares de Carvalho, na altura, continuo do Banco Nacional Ultramarino, que o levava compridos, algum dinheiro, pasta dentífrica, etc. Que passou muito tempo sem ter contactos com a organização até que em Maio de 1961 recebeu o contacto de Constantino Lopes da Costa, funcionário aduaneiro que o havia visitado na casa de Jorge Monteiro a fim de o esclarecer acerca do Partido. Neste mês de Maio, mandou o Albino Sampa entregar umas cartas ao Luiz Cabral, através das quais relatava a sua situação e solicitava ajuda de caracter pessoal que lhe permitisse prosseguir na clandestinidade, inclusivamente um mosquiteiro, capa de chuva, sabonetes, medicamentos e outros artigos. Que instruiu o Albino Sampa no sentido de dirigir-se de Dakar a Koundara, fronteira com a Guiné Conakry, e aí contactar Marcelo Ramos de Almeida que é delegado do PAIGC naquela localidade a fim de o entregar uma carta e outra para que ele fizesse seguir com destino a Cabral.

 

Nesta carta, Rafael Barbosa descreve a sua situação e pede novamente a Cabral o envio de dinheiro para que possa sair e arma ou um punhal destinado a defesa e pessoal. Na carta ao Marcelo de Almeida, Rafael Barbosa pedia-lhe que mantivesse o Albino na casa dele até que chegasse uma resposta de Conakry. Como o Albino Sampa demorava, Rafael Barbosa viaja para Samine e Sedhiou durante 5 dias. Ali esteve com Luciano Ndau (ex-empregado da firma de camionagem “Lulula”) que o informa que tinha estado a efectuar preparação militar na China e que estava a treinar por sua vez mais trinta rapazes mobilizados que eram de Bissorã e de Uói. Nesse interregno ainda Rafael Barbosa chegou de pensar ir a Bathurst onde podia através de um seu primo obter uma colocação que o ajudasse a ajudara família. Seguiu depois para Sedhiou onde se avistou com o primo de djila Lourenço Gomes de nome Augusto Gomes, junto de quem permaneceu cerca de dois meses. Foi igualmente neste interregno que Mamadú Turé visita Rafael Barbosa e pede-lhe para passar a habitar consigo, em virtude de estar a ser perseguido pela PIDE. Alguns dias depois, Rafael Barbosa passou-lhe uma carta de apresentação a Cabral que utilizou para a sua viagem a Conakry. Momo volta de Conakry com uma carta de Cabral que dizia que ele foi abonado com 10000 FCFA para conjuntamente trabalharem juntos em Bissau (ele, Rafael Barbosa, e Pedro Ramos[88]) para o Partido, isto depois de Cabral lhe ter proporcionado uma viagem a Alemanha Oriental e Checoslováquia[89].

 

Momo, apesar de confidenciar a Rafael Barbosa que comprometera com Cabral ficar em Bissau para desenvolver trabalho partidário, mas que a sua intenção era sair de novo se conseguisse meios para levar a sua mulher, as acções de clandestinidade reacenderam-se com a sua chegada, pois os três começaram novamente com reuniões nos Bairros de Bissau. Luiz Cabral responde-lhe através de Albino Sampa e manda-lhe os artigos, mas não manda dinheiro e informa-o de que a situação em Dakar piorou, razão pela qual iria juntar-se ao irmão em Conakry. Cabral responde-lhe com Lourenço Gomes (que fez a viagem de volta levando novos rapazes mobilizados por Rafael Barbosa, entre os quais o Augusto Pequim, António Bento Entrudo, Bacar Casamá) e Biague Saque com quem se encontraram no barracão de vigia de feras de Bissalanca, por alturas de Junho de 1961 e envia-lhe encorajamentos, pistola, punhal que o Rafael Barbosa deixou cair no rio Mansôa em João Lamdim. E ainda 1500 escudos. Lourenço Gomes trouxe ainda panfletos, seguindo depois Biague para Bafatá a fim de aliciar os seus patrícios.

 

A casa de Jorge Monteiro transforma-se assim na verdadeira sede do PAIGC, pois que o Alfredo Meneses de Alva que foi absolvido ofereceu ao Partido uma máquina de escrever onde o Inácio Soares de Carvalho ia a noite actualizar alista de militantes e a questão das cotas. Foi Augusto Pequim que, servindo-se de elemento de ligação entre Cabral e Rafael Barbosa enviou outros materiais que completariam a feição da sede: bandeiras, Jornais Libertação e emblemas[90]. Pequim que fez o vai vem várias vezes, acabou por sair na véspera de Natal de 1960 para Conakry com Estevão António Tavares, José Luiz Vasconcelos Barbosa e o Alfredo de Meneses, estes últimos porque se queixavam serem alvos de vigilância da PIDE.

 

Porém, no dia 8 de Março de 1962, Augusto Macias foi informado de um local denominado “Ponta Negado”, situado junto a Bissalanca, onde costumam pernoitar seis ou oito indivíduos entre os quais Momo Turé que andam fugidos da PIDE.. Rafael Barbosa, Momo Turé, Paulo Pereira de Jesus e Jorge Monteiro foram presos a 13.3.62; Inácio Soares de Carvalho, Constantino Lopes da Cosa (“Amadú Ferrel”) presos no dia 15 e Carlos Sambé, Estevão Adriano Fernandes, presos no dia 23.

 

A 12 de Fevereiro de 1962, a PIDE recebeu informações concretas sobre a localização da sede do PAIGC em Bissau, bem como dos seus ocupantes: Rafael Barbosa, Pedro Gomes Ramos e Momo Turé. No dia 14 de Fevereiro, Costa Pereira, Chefe da Subdelegação de Bissau dava conta numa nota dirigida ao PIDE Central de que, segundo um colaborador da PIDE em Bissau, que a mulher de Ilberto Soares de Carvalho, há poucos dias fugido para o Senegal, saiu de casa e na companhia de um indivíduo tomou um táxi e dirigiu-se a Bissau Novo dizendo ao motorista para o ir buscar uma hora depois. Que o motorista saiu mais cedo e viu a Ema na companhia de Rafael Barbosa e Momo Turé saindo da última rua que liga a estrada alcatroada à estrada de Bôr, no Bissau Novo.

 

Antes porém de enviar a nota, Costa Pereira decidiu no dia 13 de Março de 1961 assaltar a sede do PAIGC em Bissau e prende Rafael Barbosa, o principal dirigente do PAIGC no interior, que apenas estava subordinado ao engenheiro, Jorge Monteiro, que era proprietário da casa transformada em sede, habitada igualmente por ele e  Mário Mamadú Turé. Pedro Ramos, que usava o pseudónimo de Latranco da Costa, que tinha recebido preparação militar nalguns países comunistas, nomeadamente na China (Pequim), conseguiu fugir. Na sequência desses assalto, a PIDE apreendeu a bandeira tricolor da  futura Guiné independente, bastante propaganda do Partido, um aparelho de rádio, uma bicicleta, uma máquina de escrever, latas vazias para a confecção de granadas, latas de óleo para viaturas para a composição de mistura detonante, bastante literatura de subversão ensinada na Academia Militar de Pequim, relatórios de responsáveis de vários grupos, sectores e zonas, uma quantidade enorme com nomes e listas de filiados, largas dezenas de elementos do Partido com nomes e localidades, várias cartas datadas de dois dias antes para das Repúblicas do Senegal, Guiné e Ghana, cartas de Cabral com instruções para o Rafael Barbosa, eleito pouco tempo antes, secretário de Controle, que havia sido pouco tempo antes eleito Presidente do Comité Central e responsável pela organização da Guiné e de Cabo Verde, emblemas metálicas do PAIGC, plantas de aquartelamentos, das prisões da PSP, do aeroporto, planos de ataque a vários locais como jangadas, aeroporto e central eléctrica.

 

Neste assalto, foram detidos os seguintes indivíduos: Constantino Lopes da Costa, Inácio Soares de Carvalho, John Eckert, Manuel Alage Jaló ( ou Amadú Corca) que sendo cabo da PSP, servia de elemento de ligação entre os presos e os dirigentes do Partido), Estevão Adriano Fernandes que tinha a missão, com Soncum Sissé, de organizar o Partido em Mansôa., Carlos Sambú, do grupo de Mansôa. Rafael Barbosa, Mário Mamadú Turé, Paulo Pereira de Jesus e Estevão Adriano Fernandes detentores de pistolas de 7,65 mm, com as respectivas munições de fabrico checo. Na casa que servia de sede do PAIGC foram apreendidas várias pistolas  e respectivas munições, para além de correspondência[91] e materiais de propaganda.

 

Numa nota da PIDE datada de 16 de Março de 1962, diz-se que desde há cerca de um ano que a PIDE estava a tentar descobrir e deter Rafael Barbosa, o responsável por toda a agitação dentro da Província como elemento directivo do PAIGC, vindo a PIDE através de um colaborador a saber o esconderijo do Rafael Barbosa, na clandestinidade há mais de um ano. “O signatário, na segunda-feira de manhã dia 12, pôs-se em contacto com o Excelemtissímo Comandante Militar o qual chamando o senhor capitão Sacramento, comandante dos caçadores especiais, lhe deu instruções no sentido de auxiliar a PIDE nas diligências que eram necessárias levar a efeito naquela noite. O signatário ainda propôs que fosse feito reconhecimento aéreo da área onde se encontravam as duas casas, e assim no mesmo dia 12,acompanhado pelo senhor capitão e um avião tripulado pelo senhor 2º comandante do Aeródromo Base n2, foram feitos alguns voos sobre o local, ficando-se com a ideia nítida da localização das referidas casa. O assalto às casas foi combinado com o senhor Sacramento para as 02.00 horas do dia 13 e nessa operação interveio todo o pessoal disponível desta Subdelegação ajudado por 4 sargentos, dois oficiais e 16 praças com dois postos emissores portáteis para comunicação entre os grupos que actuaram numa casa e noutra.

 

Uma das casas era a sede do PAIGC e nela foram encontrados a bandeira da futura Guiné Independente, tricolor, bastante propaganda do Partido, papel timbrado, uma máquina de escrever[92], um aparelho receptor de telefonia, uma bicicleta, latas vazias para a confecção de granadas, duas latas de óleo para viaturas para a composição de mistura detonante, bastante literatura sobre a guerra subversiva e de guerrilhas ensinada na Academia Militar de Pequim, relatórios dos responsáveis de grupos, sectores e zonas, uma quantidade grande de listas com nomes e números dos filiados com largas dezenas de fotografias de elementos do Partido com nomes e localidades, várias cartas datadas de dois dias antes para os Presidentes das Repúblicas do Senegal e Ghana, cartas do engenheiro Amílcar Cabral com instruções para o secretário de controle (Zain Lopes) há pouco eleito Presidente do Comité Central e responsável pela organização da Guiné e de Cabo Verde, emblema do PAIGC iguais aos que em devido tempo foram enviados a V. Ex.-, plantas de aquartelamentos, a das prisões da PSP e do Aeroporto, planos de ataque a vários locais (jangadas, aeroporto, central eléctrica, etc.)

 

Na outra casa, autentica casa forte, com portas resistentes, foram encontrados e presos: Rafael Paula Gomes Barbosa, Mário Mamadú Turé, Paulo Pereira de Jesus, Jorge Monteiro (os dois primeiros foram encontrados empunhando pistolas que posteriormente se verificou conterem uma bala na câmara). Na busca realizada resultou na apreensão de duas pistolas de calibre 9mm, cinco de calibre 7,65mm e três de 6,35mm e ainda 79 cartuchos de 9mm, 200 de 7,65mm, 130 de 6,35mm e 5 de espingarda 7,9mm. Várias outras armas foram distribuídas e vai esta Subdelegação tentar recupera-las por virtude de nos documentos apreendidos constar  nome dos seus detentores. Nesta residência foi também encontrado um indivíduo de nome Pedro Gomes Ramos que conseguiu fugir por entre os soldados e a coberto da escuridão da noite. Este havia estado em Pequim onde aprendera a guerra subversiva e de guerrilha e era o responsável militar ligado a Inácio Soares de Carvalho. Dão ordens de prender o John Ekert que segui a 22 de Fevereiro para Lisboa. De salientar ainda o facto, dos elementos detidos, à parte os elementos islamizados, serem todos, doutrinariamente, protestantes. Os Serviços militares já estão a aproveitar-se dos apontamentos sobre a guerra de guerrilheiros, apontamentos esses considerados de muita valia. (Datada de 16 de Março de 1962 Ass. Ilegível, Augusto Macias)

 

Foram os seguintes os materiais e documentos apreendidos pela PIDE/DGS, segundo o relatório de busca, produzido pelo mesmo: “quarenta e dois impressos de carta, timbrados, com a designação e iniciais, respectivamente, Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde – PAIGC contendo aquelas uma estrela de cinco pontas e as indicações da sede de Bissau e do Secretariado Geral em Conakry (República da Guiné BP 298; uma carta dactilografada num impresso dos anteriormente citados, constituída por duas folhas, dirigida ao Secretário do Controlo e Camaradas, subscrita com o nome e pseudónimo, respectivamente, de Amílcar Cabral e Abel Djassi; uma carta dactilografada, em impresso dos aludidos, dirigida ao Secretário Geral e aos companheiros de luta; uma carta dactilografada, em impresso aludido, dirigida ao Presidente da República da Guiné Sekou Touré, enviada pelo Bereau Político com a data de Bissau 11.3.1962), uma carta dirigida ao Presidente da República do Senegal Leopoldo Seddar Senghor, com a data Bissau, 1.3.1962, emanada do Comité; 18 livros do PAIGC intitulado “Cento e Cinquenta perguntas a um guerrilheiro, de Alberto Bayo, traduzidos e adaptados por Helena Vilhena Rodrigues; um rectângulo de papel branco comportando o desenho e aguarelas de uma bandeira a cores vermelha, amarela e verde com uma estrela preta de cinco pontas e as iniciais PAIGC sobre o fundo vermelho; um rectângulo de papel branco comportando entre outros elementos os desenhos de um tigre, de um paralelepípedo pintado a verde e vermelho encimado um compasso e um esquadro e tendo sobre o referido fundo vermelho pintada uma estrela preta e os dizeres “Fora do nosso país o homem branco” e os dísticos PAI e “Progresso da Juventude Africana da Guiné e Ilhas de Cabo Verde; um rectângulo de papel branco encimado pelas iniciais “OASG”, contendo os desenhos de um olho, uma estrela de 5 pontas e o mapa da Guiné e mais as iniciais  PAIGC uma relação de “ingredientes”, “de arrumação e conservação de armamento e de indicações para o lançamento de granadas e indicações para o lançamento de granadas; uma petição formulada pelo Comité a Modibo Keita, Presidente da República do Mali – Bamako; uma petição endereçada ao Ministro da defesa nacional da República da Guiné; uma carta para o Presidente do Gana, Doutor Kwame N’Krumah Uma carta na qual o Comité pede apoio ao engenheiro Amílcar Cabral ao Presidente Sekou Touré; uma carta em que o Comité ao Ministro da Defesa Nacional da República da Guiné onde se pede facilidades de armamento consignadas ao engenheiro Amílcar Cabral; uma folha de papel contendo gravura esquemática da estrada de Santa Luzia relativa às habitações dos oficiais e sargentos do aquartelamento militar existente naquela artéria da estrada de Santa Luzia; um pedaço de papel branco contendo uma planta das prisões da segunda esquadra da POP de Bissau[93] acompanhada ainda com várias indicações relativas às mesmas prisões e dos horários do render das sentinelas; um croquis feito à lápis do aeroporto de Bissalanca e suas dependências e imediações[94]; um croquis da zona de Varela em Bissau; , Farim, Bula, S. João, Fulacunda e Bolama, alusivo a greves gerais; uma cata de Latranco da Costa dirigida ao “Caro irmão Ambrósio Djassi[95]; uns apontamentos relativos a explosivos;, sabotagens de pontes, táctica terrorista e camuflagem”; um documento intitulado “Objectivos da nossa luta”; um documento intitulado “ocultação e ordem de defesa da secção”; uns apontamentos sobre “OP Estado e o objectivo do Estado dum povo revolucionário” ; umas folhas sobre “apontamentos sobre a História geográfica da Guiné e África do ponto de vista da segurança defensiva e emprego táctico”; uma folha contendo manuscritas várias perguntas de orientação partidária e do objectivo principal: a greve; um esboço de propaganda contendo no frontispício manuscrito um trecho de propaganda exortando os guineense à luta e no verso um esboço alusivo ao aeroporto de Bissalanca e várias e nomes de Luciano, Osvaldo, Mamadú, Tomás, Martinho e Marcelino; uma folhas contendo uma listagem dos vários países africanos independentes; um rascunho de Latranco da Costa ao Secretário Geral; uma folha de relatório das actividades realizadas e a realizar em Bissau pelo PAIGC; ; um prospecto do PAIGC intitulado “Desmascaremos os que querem dividir a nossa gente e servem o colonialismo português, de Janeiro de 1961; um prospecto do PAIGC intitulado “Memorandum à Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas de 26 de Setembro de 1961; um exemplar de um projecto de constituição de uma Frente de Libertação da Guiné e Cabo Verde (PAI; um exemplar do Rapport General de autoria de Amílcar Cabral datado de Julho de 1961; um desenho em cartolina da planta do Quartel General de Bissau e de todas as instalações militares que o circundam; um caderno de folhas de papel pautado relativo a “Expediente confidencial” datado de 10 de Fevereiro de 1962; um caderno intitulado “Conta corrente do PAGC” com a data de 1.2.62; um caderno intitulado “Organização da zona 2”; um caderno intitulado “Missões no Exterior; um exemplar intitulado Mao Tsé Tung: De la guerre prolongees das edições en Langues Etrangéres, Pequim; um exemplar do livro A vida e a doutrina de Buda” de Rod. Delius; um exemplar do livro “O país que mais amo” de  Oswald J. Smith Litt.D.; um exemplar do livro “Esperanto de L. Einenstein el. Unel; um exemplar do livro A fé Bahá’ i o caminho da nova era; um exemplar do livro “contos evangélicos; um exemplar do livro “Discurso pronunciado pelo Presidente Gamal Abdel Nasser na Sede das Nações Unidas por ocasião da décima sessão da AG em vinte e sete de Outubro de 191960; um exemplar “instruções provisórias para combate de infantaria, Parte II, da Direcção da Arma de Infantaria de 1955; um exemplar do livro “Quem dominará o mundo? De Pierre Lanarès; apontamentos manuscritos em língua francesa e portuguesa, com indicações de terem sido tirados na Academia; um exemplar da Bíblia Sagrada; 38 latas vazias cilíndricas de 220 gramas; cinco latas cilíndricas de 360 gramas, de leite condensado; duas latas cheios de óleo 20 para automóveis, contendo 0, 946 da marca Sacor; uma lata cilíndrica de 15 gramas de suco de  pêra;  um par de luvas medicinais; uma máquina de escrever, portátil, da marca Remington, contida na respectiva caixa; uma bandeira do PAIGC em pano; vinte e cinco medalhas do PAGC adonisado; pistolas várias;  650 escudos em dinheiro; 3800 francos da República da Guiné”.

 

 

 

 

 

 

Em Março, depois da acção repressiva  contra o PAIGC, este editou um panfleto em que dizia[96]: Neste momento em que a Gestapo colonial portuguesa, apoiada pelas metralhadoras das forças armadas, acaba de prender dois responsáveis do nosso Partido, dos quais o seu Presidente Rafael Barbosa, o PAIGC crê ser seu dever chamar a atenção da opinião publica mundial para alguns dos recentes crimes perpetrados pelos colonialistas contra o nosso povo. Além dos frequentes assaltos às cidades e aos bairros africanos, além de repressão económica e do terror constante imposto às populações desprovidas de meios de defesa, eis alguns dos crimes que os colonialistas portugueses se preparam para cometer:

 

-          Tortura sistemática dos nacionalistas presos,. Estas torturas provocaram a morte de vários nacionalistas, entre os quais a de João Rosa, casado, chefe contabilista, e António Teixeira, casado, mecânico de trabalhos agrícolas.

-          Recusa de curar os doentes suspeitos de serem nacionalistas. Em Bissau, centenas de doentes vêm recusar-se-lhes o tratamento em consequência desta medida.

-          Assassinato por meio de injecções de produtos venenosos, de nacionalistas que se encontram nos hospitais de Bissau e de Bissorã. Esta prática teve como consequência  mais de uma dezena de vitimas, das quais quatro mulheres grávidas.

-          Adição de doses de veneno aos medicamentos à venda nas farmácias de Bissau, designadas a clientes reputados de inimigos do regime colonial.

-          Detenção, nas prisões da PIDE, de vários patriotas, entre os quais Fernando Fortes, casado, empregado dos CTT, Epifânio Amado, ajudante de farmácia, Inácio Semedo, casado, agricultor, Quintino Nosoline, casado, após terem sofrido a pena que lhes tinha sido injustamente aplicada.

 

Ao chamar a atenção da opinião pública mundial para estes crimes que confirmam sem equívocos o caracter retrogrado e genocida do colonialismo salazarista, o PAIGC fiel ao seu programa e às suas justas aspirações do nosso povo à liberdade, à paz e ao progresso, forçado a responder pela violência criminosa dos colonialistas portugueses  No início de Março de  1962, grande parte dos elementos de Bissau fogem para o Senegal ou para Conakry. Foi o caso de Augusto Pequi, encarregado da Granja de Bissorã, Estevão Tavares, para Conakry, Domingos Cunha, Lassaná Silá, António Bento “Entrudo” (Samine), Bacar Camará (servente da escola em Samine)

 

Entretanto, em Dakar, pouco a pouco, a secção o MLG começa a partir de 1959 a contar para as suas fileiras com ex-militares guineenses, sobretudo da etnia manjaca que em França tinham tomado parte na II Guerra mundial. Esses ex-militarares foram sobretudo mobilizados por François Mendy que foi guarda de corpo de um Comandante francês na Argélia, na medida em que enquanto titular da nacionalidade francesa foi alistado para Argélia, tendo redobrado as suas actividades de mobilização quando regressou a França para aí para fazer a segunda parte do seu BAC. Nessa altura, François Mendy aproveitou para escrever aos inúmeros compatriotas que se alistaram no Exercito francês, culminando todo esse processo de mobilização na criação da Associação dos naturais do Sul do Senegal, uma vez que não podiam registar qualquer Associação com o nome da Guiné “portuguesa”[97].

 

Já em Dakar, depois de uma intensa mobilização junto de emigrantes guineenses em França (sobretudo manjacos) François Mendy regressou a Dakar nos finais  da década de “50” não somente para dar continuidade aos trabalhos de mobilização, mas igualmente para organizar o MLG e tentar materializar a ideia de constituir o braço armado da organização. Esse seu trabalho incidiu fundamentalmente sobre os manjacos emigrados no Senegal, os quais suportavam basicamente as necessidades financeiras da organização. Os fundos provinham da cotização dos militantes que, não obstante serem irregulares, eram significativas, pois muitas vezes a cobrança da quotas era feita de forma coerciva e sob veladas ameaças junto de cerca de  10.000 militantes, sobretudo entre os manjacos emigrados no Senegal, mas também os radicados em França, onde devia existir entre 6 à 8 mil militantes. Foram esses importantes fundos que permitiram o MLG iniciar em Janeiro de 1960 a preparação para a acção armada.

 

Nessa altura,  um grupo de cerca de 130 “militares” do MLG de François Mendy realiza exercícios “militares” perto do mar em Grand Yoff, Dakar, num espaço suficientemente grande para isso.  Havia nessa preparação umas 130 pessoas que, para evitar uma excessiva  concentração de pessoas que pudesse alertar as autoridades senegalesas, dividiam-se em 2 ou 3  subgrupos[98]. Faziam ginástica, marcha, preparação de ataques, retirada de ataque, apesar de não terem armas, porque utilizavam paus. Fizeram arcos e flechas e aprenderam a atirar com essas armas. A instrução militar durou cerca de um ano e meio, pois em Julho de 1961, como adiante veremos, o MLG realizou o seu primeiro ataque à Guiné “portuguesa”. Tinham cerca de 10 instrutores militares, alguns dos quais tinham feito preparação militar na Argélia. O principal instrutor e o mais novo dentre eles era um indivíduo de nome Luís Correia, mas havia também o Joseph Mendy, que veio a morrer em S. Domingos, aquando do ataque que o MLG realizou a esta localidade, sob o comando de François Mendy.

 

Aliás, antes mesmo das primeiras acções militares protagonizadas na fronteira Norte por elementos do MLG de François Mendy, alguns desses indivíduos fizeram estágio de preparação militar de 11 meses no Mali em 1961, entre eles António Rodrigues Santy, Rui Ramos (que vivia em Dakar em 1970), Pedro da Costa (que vivia em Dakar em 1970), Augusto Orquecha (esteve na Mauritânia entre 66 a 69 e depois voltou a Dakar, onde vivia em Dakar em 1970), Ocandje ( exercia a profissão de tecelão em Dakar em 1970), Martinho Nanqui (vivia em Dakar em 1970 onde exercia a profissão de tecelão), Romão Tavares (vivia em Dakar em 1970 de expedientes, era pintor. Na Guiné era motorista de um dos barcos do Peralta), Honório da Costa (era na Guiné motorista de um de barcos do Peralta, vivia em Dakar em 1970), Fernando Có  (filho de Vicente Có), Lúcio Soares da Gama, que em Fevereiro de 1970 se encontrava no lar da FLING em Ziguinchor; Basilio Correia, que foi depois para Angola em 1964; Cirilo Rodrigues que estudava em 1970 na Universidade de Dakar e depois fundou na década de 1990 o Partido Socialista em Bissau; Domingos Jorge, que em 1970 trabalhava como maquinista num barco em Dakar; João Carlos Gomes, que em 1970 em Dakar onde trabalhava como enfermeiro.; Sérgio Gomes, que depois integrou-se no MLG de Benjamim Pinto Bull em 1966 e residia em Bissau em 1970; Hóspede, filho de Nha Rosa, vivia em 1970 em Conakry;  Mussá Fati, militante da FLING, que vivia em Dakar em 1970; Saco Sandim, Idem, é carpinteiro; Mamadú Camará, que entrou depois para o PAIGC em 1967 e trabalhava na frente Norte. Os 15 instrutores do MLG de François Mendy foram instalados após o estágio no Mali em Sansalé-Dandula-Tenene, perto da fronteira com a Guiné-Bissau, onde administravam preparação militar a cerca de 315 rapazes nessa bases. Porém, não tinham material, para além de uma ou outra pistola, acabando muitas vezes por recorrer-se a emboscadas junto as povoações, onde apreendiam em favor do MLG as poucas carabinas dos chefes de tabancas.

 

Segundo declarações de Alpha Salifo Camara[99], esse grupo de cerca de 315 rapazes que eram dirigidos por Gabriel Costa e Cirilo Rodrigues, foram depois para Gowal, território da Guiné-Conakry, onde deviam partir para o Senegal a fim de esperar algum material bélico com que iniciariam as acções militares contra a Guiné” Portuguesa[100]. Nessa localidade, foram todos presos pelas autoridades desse país e enviados para a prisão Central de Conakry, sendo posteriormente acusados de pertenceram ao MLG que escrevia panfletos contra a República da Guiné. Foram libertados após alguns meses, sob condição de não voltarem a fazer política senão nas fileiras do PAIGC que, entretanto, já tinha conquistado a plena aceitação das autoridades da República da Guiné-Conakry. Os rapazes, em número de 37, decidiram ir para Dakar, onde acabaram tidos por aderir a FLG Frente de Libertação da Guiné), a percursora da FLING, frente de luta entretanto criado em Dakar por inúmeros outros movimentos de libertação da Guiné “portuguesa” que pululavam no Senegal, mas que se encontravam profundamente divididos.

 

Todavia, a FLG teve uma existência fugaz, na medida em que, numa primeira fase, era sobretudo animado por François Mendy  e Doudou Seydi, dirigentes lideres de dois movimentos de libertação sediados em Dakar que, mais tarde, tentam conquistar a adesão dos guineenses do MLG de Conakry, para onde se deslocavam com alguma regularidade. Porém, certa vez, segundo declarações de Paulo Dias, (...) a estadia da delegação coincidiu com a realização de uma assembleia Geral promovida pelo Governo da Guiné-Conakry para se certificar se era o PAI ou o MLG que possuía a maioria. O Governo decidiu no final desta Assembleia Geral apoiar o PAI a partir dessa data. Nós continuamos a nossa actividade. A delegação da FLG informou-nos que o Governo do Mali podia formar-nos gente. Mandamos o primeiro contingente para preparação militar em Bamako. Eu devia ir ao Mali ver as condições da formação. Doudou não tinha contado uma coisa clara. Mandei a família para Dakar. Tirei um bilhete para Bamako[101]. O meu cunhado, Michel Carvalho, pediu-me para ir a Dakar ver a família antes de seguir para o Mali. Em Dakar a minha família não estava de acordo com a minha viagem. A FLG também não estava de acordo. Em Conakry a Ernestina estava como representante da Frente juntamente com Marcos Souto Amado. Antes da minha partida para Dakar, reunimo-nos na casa de Nha Rosa onde fui encarregue de ir ver a organização da Frente em Dakar para depois comunicar-lhes. Em Dakar, encontrei a Frente dividida. Doudou de um lado e Francois do outro. Mandei comunicar os camaradas que a Frente não existia como estávamos a pensar. Resolvi ficar em Dakar(...)[102]

 

Aliás, Barry Mamadou, Secretário Geral da Union Populaire de Liberation de la Guiné Portugaise, que foi um dos grandes impulsionadores da FLING, entregou, em jeito de colaboração ao cônsul Luiz   Ferreira uma séria de documentação que já nessa altura punha a nu as desinteligências entre os seus membros. Um dos documentos, emanados pela FLING, da UPLG e do MLG insurgiam-se contra Henry Labery a que as autoridades senegalesas permitiam que continuasse a ter acesso a Radio Senegal. Outros documentos foram enviados em virtude dos ataques que aquele programa fez contra Amílcar Cabral, aproveitando-se a UPLG e o MLG para fazer queixa contra Labery, enquanto que a UPLG que não manifesta qualquer simpatia por Cabral, aproveita a guerra com Labery para solicitar as autoridades senegalesas a autorização para que o PAIGC se instalasse em Dakar. Num outro documento, Barry Mamadou da Union Populaire de Liberation de la Guiné Portugaise .apresentava-se discretamente contra o PAIGC, pois que referiu em carta as autoridades senegalesas a sua posição contra a violência na Guiné “portuguesa”.

 

Na segunda quinzena de Janeiro de 1962, pelo menos, existia em Dakar o MLGC que, depois da dissidência com caboverdianos, foi integrada na UPG[103]. Existia ainda o MLG de François Mendy e José Francisco Gomes (manjacos em geral)[104]; Existia ainda o RDGA, partido dos islamizados, chefiado por Doudou Seidi, Mamadou Candjan e Cheik Mané, o primeiro dos quais foi detido por ser um dos principais responsáveis pelo atentado verificado na região de Tambacounda contra o Presidente Senghor; Existia ainda o PDG, movimento de mandingas de Farim, chefiado por Paulo Lomba; Existia o UPG, que era de guineenses em geral, chefiado por Henry Labery, Manuel Lopes da Silva, Armando Faria[105] e Jonas Fernandes[106]; Existia UPLG, chefiado por Mamadou Barry; Existia a FNLG, chefiado por Ibraima Djaló; Existia a UNGP[107] (União dos Naturais da Guiné Portuguesa que defendia a integração da Guiné num regime de comunidade lusíada, e ainda um partido pelundense, formado somente por gentes de Pelundo, cujo responsável se desconhece. De todos esses partidos apenas o MLG e a UPG tinha certa preponderância no Senegal. Tem havido interesse de conciliação desses partido no Senegal.

 

 

Em Julho de 1962, por pressão do Governo senegalês, exortou-se os diferentes Movimentos de Libertação existentes em Dakar a admitiram o principio de constituição de uma Frente, tanto mais que o Governo senegalês havia declarado que estes Movimentos designassem dois dos seus representantes para elaborarem o diploma de constituição da Frente, um regulamento interno e o respectivo programa.. Na sequência desses trabalhos, uma delegação composta de 5 pessoas e chefiada por François (Kankoila) Mendy, foi recebida pelo Presidente do Conselho do Governo senegalês, Mamadou Dia, a 20 de Julho de 1962. Anteriormente, foi entendido que para além da declaração, deviam  submeter ao Presidente Mamadou Dia uma relação de necessidades para no âmbito da ajuda imediata declarada pelo Governo senegalês. Porém, na qualidade de porta-voz dos Movimentos, François Mendy ignorou tudo quanto tinha dito, para apenas falar em armas que o Senegal o havia confiscado e que lhe deve. É então que o Barry Mamadou, também membro da delegação, levanta-se perante o Mamadú Dia a quem lhe pede conselhos e sugestões, com o fim de cortar conversa das armas ao François Mendy. Depois da recepção, François Mendy classificou isso de traição e ameaçou Barry Mamadou de morte, logo que este descesse a Casamança.

 

A 21 de Julho de 62, reunidos alguns membros da equipe encarregue de preparação a constituição do FLING, apareceu François Mendy e a proferir injúrias e ameaças contra os mandingas, pelo que a UPLG resolveu retirar-se dos trabalhos de constituição da Frente, em virtude de não ser possível qualquer entendimento com François Mendy. A 31 de Julho, quando novamente o grupo preparatório da constituição da Frente trabalhava em casa de Diallo, chegou Henry Labery, Cheik Mané e François Mendy retomarem os trabalhos da constituição da FLING.

 

Entretanto, nessa mesma altura, em Conakry, Ernestina da Silva e Luís da Silva, estavam a formar um Partido de oposição a Amílcar Cabral. Este Partido que inicialmente tinha a designação do MLGC acabou por se limitar a designação MLG, agrupando alguns poucos dissidentes do PAIGC. Por isso, nessa altura, tanto Rogatien da Silva como Luís da Silva, procuravam em Dakar captar simpatias de um ou mais grupos, de maneira a poderem ser considerados como uma força importante. Com este intuito dirigiram-se ao Ibraima Diallo “Corona” uma carta em que propunham a formação de um Armée de Liberation Nationale e a unificação de todos os guineenses. À esta carta respondeu o Bereau National da UPLG em termos de dar a entender que também lutavam pela união de todos os naturais da Guiné, embora em desacordo com uma adesão imediata e incondicional a qualquer Frente de luta. A referida carta não agradou aos homens de Conakry, pelo que enviaram a Dakar uma delegação constituída por Luís da Silva e Armando Faria que, não confiando na UPLG ou na FLING, acabaram por aderir ao grupo de Labery por o saberem em oposição com Amílcar Cabral. Várias cartas foram assinadas por Úmaro Gano que na altura se dizia apenas ligado a FLING com Ibraima Diallo e Barry, com objectivo de os sensibilizar para a não violência e cooperação com Portugal.

 

A 1 de Agosto de 1962, realizou-se uma reunião, em reacção a adesão de Labery ao “Front Africain de lute contre les colonies portugaise” uma reunião com vista a preparação dos documentos necessários a constituição da FLING.  Nesse dia, este grupo de trabalhos preparatórios recebeu Ernestina da Silva do MLG de Conakry. Seguidamente, quando estavam em processo de audição do MLG de Dakar e o RDGA, os trabalhos foram interrompidos por Henry Labery que ali permanece calado mais do que duas horas. Encontraram-se ainda no mesmo dia na casa de Balbino da Costa com todos, excepto o François Mendy que chegou com meia hora de atraso que disse que tinha chegado atrasado porque estava no Coliseu a comer e a beber, em jeito de hostilização dos restantes elementos .Após a retomada dos trabalhos, François Mendy, em jeito de provocação, manda vir uma garrafa que coloca em cima da mesa e logo depois de acabar de beber o conteúdo da garrafa levantou-se subitamente os elementos de “polícias” e de “trampas”. Chegou mesmo de dizer que o Governo do Senegal já lhe havia entregue as suas armas e que estava pronto a liquidar todos  os presentes. Seguidamente bateu brutalmente sobre a mesa, o que levou o Diaalo, presidente da sessão a cortar-lhe a palavra. François Mendy agarrou numa cadeira a atirou-a contra o Diallo, e os seus homens precipitaram-se sobre os restantes delegados que procuraram defender-se como podiam.

 

 

 

A FLING foi fundada em 3 de Agosto de 1962 em Dakar, visa unicamente a independência da Guiné Bissau e resultou da fusão do MLG (Movimento de Libertação da Guiné), UPG (União Popular da Guiné), UPLG (União Popular de Libertação da Guiné) e mais tarde do UNGP (União dos Naturais da Guiné Portuguesa). Os dirigentes da FLING eram:

                                                     Manuel Pereira Correia

                                                     Diallo Mamdou Bintou

                                                     Alfa Camara

                                                     François Mendy

                                                     Manuel Lopes da Silva

                                                     Ernestina Silva

                                                     Balbino Olímpio da Costa

                                                           Jonas Mário Fernandes

 

 

 

Nessa data, foram apresentadas e aprovado um Regulamento interno de constrição que, para melhor conhecimento da FLING, transcrevemos na integra:

 

“ Preâmbulo

 

A unidade é universalmente reconhecida como fundamental e de êxito para todos os que lutam para defender uma causa justa.

 

A vitória inevitável do povo africano da Guiné chamada portuguesa assenta infalivelmente sobre a unidade de todas a suas forças patrióticas e nacionalistas. A realização concreta dessa unidade impõe-se portanto a todas as organizações nacionalistas da Guiné chamada portuguesa sem distinções nem discriminações como indispensável para o seu êxito na luta de libertação nacional contra o colonialismo português que se verifica como o mais reaccionário e o mais retrogrado de todos os tempos.

 

Para a independência imediata e total da Guiné chamada Portuguesa,, as forças patrióticas e nacionalistas exigem, com vista ao desenvolvimento harmonioso da sua luta, a realização prática da unidade sobre a base da luta armada.,

 

As organizações nacionalistas da Guiné chamada portuguesa, estão plenamente conscientes das retumbantes vitórias alcançadas pelos grandes exemplos no mundo que em África se empenham com determinação numa frente e luta para a conquista da independência e da dignidade africana.

 

Assim foi que, reunidas em Dakar em  de 1962, as organizações nacionais da Guiné chamada portuguesa lançaram as bases e princípios duma frente de luta que estão definidas no presente diploma.

 

Entre as organizações nacionalistas da Guiné chamada portuguesa a seguir mencionadas: MLG – UPLG – UPG, é criada uma frente de combate para liquidação total da dominação colonial portuguesa.

 

Esta frente é denominada Frente de Luta para a independência nacional da Guiné – FLING

 

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

 

Frente de Luta para a independência nacional da Guiné – FLING é uma organização revolucionária aberta a todos os nacionalistas da Guiné chamada Portuguesa e a todos os combatentes que, para a liberdade do mundo, sem distinção nem discriminação, reserva-nos evidentemente o rigoroso respeito das aspirações legitimas do povo da Guiné chamada portuguesa e de seus filhos.

 

O objectivo da FLING é a liquidação imediata da dominação colonial portuguesa sob todos os aspectos, a conquista e pelas armas da independência da Guiné chamada Portuguesa.

 

Para atender a este objectivo, a FLING, plenamente consciente da pesada responsabilidade que deve assimilar e que assimilará através de tudo e contra todos, até à vitória final, determina-se claramente e com a maior firmeza na luta armada contra as forças portuguesas de ocupação.

 

Neste caminho, que é a luta armada para a independência total e imediata da Guiné chamada portuguesa, a FLING dirigir-se-á a todos os países independentes e em particular aos Estados africanos independentes. A FLING afirma claramente que tem necessidade da colaboração de todos, de todas as forças patrióticas e democráticas do mundo incluindo as de Portugal, com a condição evidente que elas reconhecem antes de tudo o direito à autodeterminação do povo da Guiné dita portuguesa.

 

A FLING reafirma a posição das organizações nacionalistas compostas aqui e no que respeita ao povo português e seu governo colonialista. A FLING não confunde nem confundirá pontos na sua luta armada para a independência nacional da Guiné chamada portuguesa ao povo oprimido de Portugal, ao fascista e colonialista governo português.

 

A FLING criará enérgicos laços de amizade e de solidariedade com todos os países em luta para a sua independência nacional e particularmente com os povos das outras colónias portuguesas: Angola, Moçambique, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e Timor.

 

Neste quadro a FLING está pronta a encontrar-se com as frentes de luta criadas nas outras colónias portuguesas numa conferência com vista a pôr de pé um conjunto maior de luta contra o colonialismo português na base da cooperação e solidariedade.

 

A FLING precisa todavia que não espera o concurso deste ou daquele governo e desta ou daquela organização para empreender a sua luta armada contra os colonialistas portugueses porque, está como nunca, consciente de que a luta para independência nacional dum país pertence, antes do mais, às organizações revolucionárias dos filhos deste país.

 

A FLING está também convencida que não estará isolada na sua luta. A Guiné chamada portuguesa faz parte integrante da África, a FLING conta firmemente com a posição concreta e positiva que tomarão os Estados independentes africanos e particularmente com os Estados limítrofes: as Repúblicas irmãs do Senegal e da Guiné. O Governo racista e colonialista português é de todos o que continua insensível à emancipação de África.

 

Por toda a África, as antigas colónias tornam-se nações independentes e soberanas, só as colónias portuguesas que apesar do firme jugo colonialista português e da áspera luta clandestina interna e da criação das organizações nacionalistas no exterior, continua na escravatura, no obscurantismo e na miséria negra.

 

A FLING por sua parte conta imediatamente com todas as diligências já tomadas pelas organizações nacionalistas que a compõem, com vista a que um regulamento pacifico do problema colonial português se obtenha resolutamente no caminho que o próprio governo português impôs: o caminho da Luta Armada para a libertação total e independência nacional da Guiné chamada portuguesa.

 

Por esta luta que se afirma difícil mas cujo único resultado não pode ser senão a vitória, a FLING entende mobilizar por inteiro o povo da Guiné chamada portuguesa, dota-lo de meios e quadros capazes de assegurar um desenvolvimento harmonioso e liquidar rapidamente a dominação colonial portuguesa.

 

Nesta base da luta armada e da formação de quadros, a FLING fará apelo a todos os povos amantes da paz e da liberdade, particularmente aos povos africanos e aos seus governos para que uma ajuda concreta e imediata lhe seja concedida com vista a uma liquidação muito mais rápida e muito mais fácil da dominação colonial portuguesa na Guiné.

 

A FLING, dirige-se mais particularmente às Repúblicas irmãs do Senegal e da Guiné, cujos povos estão unidos aos da Guiné chamada portuguesa pelos laços étnicos, históricos e económicos.

 

A FLING espera firmemente que estes dois países irmãos não hesitarão a seguir o exemplo da Tunísia, de Marrocos e do Congo (ex-belga), em relação à Argélia e Angola.

 

A FLING precisa todavia, e no mais alto grau, que para a independência imediata e total da Guiné chamada portuguesa utilizará todos os meios à sua disposição.

 

ORGANIZAÇÃO

 

 A FLING é dirigida pelo Comité revolucionário que designará no seu seio um Bereau.

 

O Comité revolucionário é a instância suprema da FLING. O Bereau eleito no seio do Comité Revolucionário é o executivo da FLING.

 

A luta armada na base de um exercito nacional criado pela FLING será dirigida por um Estado Maior.

 

A composição e o funcionamento estes organismos serão objecto de um regulamento Interno assim como questões omissas no presente diploma.

 

CONCLUSÃO

 

A Luta armada que vai conduzi o povo da Guiné chamada portuguesa e a FLING para a libertação e independência nacional é uma luta justa. Ela inscreve-se no espirito realizador da unidade africana e na resolução da AG da ONU relativa à liquidação do colonialismo. A FLING está mais do que nunca convencida do seu êxito e deposita toda a sua confiança no povo da Guiné chamada portuguesa e em si própria. Está também convencida que os países do mundo que têm conhecido a dominação estrangeira e particularmente os países africanos hoje independes não ficarão indiferentes a esta luta:

 

Para a dignidade e liberdade dos povos africanos

Para a unidade e solidariedade africana

Para a paz em África e no Mundo

Viva a Guiné independente e soberana

Viva a FLING

 

 

 

Porém, em Junho de 1962, PAIGC e MLG travam uma batalha sem precedentes com vista à conquista da simpatia das Nações Unidas. A 9 de Junho de 62, o MLG enviou uma composição à Comissão da ONU encarregado de proceder ao inquérito sobre a situação dos territórios ultramarinos portugueses, publicando um comunicado  com o seguinte teor:

 

 

1.       Que a Portugal fosse aplicada a declaração do fim do colonialismo votado na 15ª sessão da AG da ONU ;

 

2.       Que a Portugal fosse obrigado a conceder autonomia no território africano da Guiné, no mais  curto espaço de tempo, com o fim de o seu povo se preparar para a autodeterminação (a obter após referendo controlado pela ONU) ;

 

3.       Que fossem libertados todos os presos políticos e repatriados os que tivessem sido levados para fora da província.

 

4.       Que as forças de ocupação retirassem imediatamente para a Metrópole.

 

 

No entanto, todas as acções armadas e as actividades políticas desenvolvidas  estavam entretanto a cargo de MLG de Dakar. A de Bissau deixara de dar sinal de si e da Conakry começava a sofrer pressão  por parte do PAIGC que já nessa altura desfrutava da protecção do governo de Sékou Touré. Por seu turno, o PAIGC anunciava através da  emissão do dia 8 de Junho de 1962 na Rádio “Portugal Livre” que Amílcar Cabral havia prestado declarações na ONU, mais concretamente no Comité Especial da ONU

 

 

Na segunda quinzena de Abril de 1962, François Mendy que liderava os manjacos e queria  novamente alicerçar homens para o ataque a Guiné “portuguesa”, juntou-se ao Doudou Seidy, que representava os mandingas. Fez-se uma grande reunião em Grad Dakar com os responsáveis manjacos e mandingas de Casamança e da Gâmbia que ali se deslocaram. Nessa reunião, François Mendy era partidário de um ataque imediato a Guiné “portuguesa”, ideia essa que foi desaconselhada pelos restantes membros que asseveram que era preciso dinheiro, mantimentos e armas. Como François Mendy havia arrecadado o produto das cotizações e por fim disse não ter dinheiro para fazer a guerra, foi suspenso das suas atribuições, pelo que os manjacos que o seguiam e cotizavam foram avistar-se com Úmaro Gano.

 

Em Abril de 1962, Tiago Aleluia, Luiz Oliveira, catequista, Augusto Pequim, Osvaldo Vieira andavam a mobilizas camponeses em Quide, zona de Nhacra, com o apoio de Rui Barreto[108], que foi preso, na altura chefe do Posto de Nhacra. No seu interrogatório feito por Costa Pereira no dia 27.7.63, Rui Barreto disse que sempre considerou justas a aspiração à independência, mas dentro de um bom entendimento geral e que como cristão e como católico acha que devemos e podemos ser todos amigos. Em interrogatório de 14.1.64, aceita que em 1962 Duarte Cabral[109] fora portador de uma carta de Osvaldo para ele em que lhe mandava pedir cigarros. Chegou-se de encontrar nesse ano com Osvaldo, chegando a recebe-los em casa, na mesma hora que o comandante do batalhão foi a sua casa pedir-lhe um copo de água. Um dia, estando Osvaldo Vieira e Augusto Pequim a mobilizarem pessoas na zona de Nhacra, Rui Barreto mandou um emissário avisar-lhes para fugirem, porque podiam ser presos. Aconselhava as populações a receberem bem os nacionalistas e a darem o apoio e a alistarem-se no PAIGC Fornecia viveres ao rapazes em mobilização, Alberto Cabral, Constantino Teixeira, Tiago Aleluia Lopes, Osvaldo Vieira e elementos da população mobilizados.

 

Indivíduos enviados por Cabral para mobilizarem a zona de Ingoré ( Mário Eduardo Nicolay (, 10.6.1942, Bissau, mestiço de Alemão e manjaco)  e Mamadú Baldé (Bafatá, 25.2.1937) foram presos pela população e entregues aos militares portugueses. Foram com eles apreendidos pistolas Walter de calibre 7, 65 mm de 46 cartuchos, 1 exemplar dos Estatutos do PAIGC, 1 exemplar dos Estatutos da UNTG, 1 exemplar de “L’ organization et la propagande dans le mouvement syndical”, 1 bloco de notas com inscrições dos nativos que aderiram ao PAIGC.

 

No mês de Maio, indivíduos do PAIGC em missão de mobilização, percorrem diversas tabancas armados de pistolas. No dia 25 de Junho de 1962, foi atacado a vila de Catió, marcando-se do lado do PAIGC à passagem a acção armada. Neste ataque, registou-se a destruição da jangada de Bedanda e cortes de fios telefónicos. Na noite de 27 de Junho de 1962, há a assinalar ainda que numa operação na tabanca de Utasse, área de Bigene, foi morto a tiro por elementos do MLG de François (Kankoila) Mendy o agente da PIDE de nome Augusto Macias, sendo feridos dois oficias e um cabo da PSP.

 

Perante os acontecimentos de Fevereiro de 1961, em Angola, e a feroz repressão policial e militar que se seguiu, Cabral e o PAIGC foram fortemente pressionados, na medida em que o MPLA este quase a “apropriar-se” das primeiras acções do MLG de François Mendy no Norte da Guine para proclamá-las perante a opinião pública mundial como o início da luta armada na Guiné. Claro que o MPLA visava, sobretudo, chamar a atenção da comunidade internacional para a bárbara repressão a que se assistia em Angola, aliviar a vaga de repressão, forçando o Governo português a dispersar as suas forças militares para outras frentes de combate. A declaração, prematura, da passagem da luta à acção directa contrariava os planos de Cabral, que apostava, ao contrário de outros movimentos de libertação, numa mobilização criteriosa e profunda da população antes de passar à fase armada. Não querendo ceder, mas conciente da importância da solidariedade no âmbito da CONCP, Amílcar Cabrall anunciou, a 3 de Agosto de 1961, a passagem à acção directa, vindo somente a anunciar o início da luta armada nos princípios de 1963, após o envio de um memorando à Assembleia Geral das Nações Unidas. Com esse documento histórico, o líder do PAIGC, baseando-se na Resolução  de 14 de Dezembro  de 1960 sobre a descolonízaçào e na inexistência comprovada de mecanismos que obrigassem as potências coloniais a cumprirem os princípios universalmente aceites da autodeterminação, forçou a introdução no ordenamento jurídico internacional de um novo direito: o da legitimida do recurso a todos os meios disponíveis, inclusive os violentos, para fazer valer o direito à autodeterminação dos povos[110].

 

Na noite de 30 de Junho para 1 de Julho,  os militantes do PAIGC fazem jús à anuncida passagem à acção directa[111] e isolam todo o Sul do país (estradas interrompidas, fios telefónicos e telégrafos cortados, pontes incendiados, etc. Seguiu-se-lhe então uma verdadeira repressão, com torturas, pessoas queimadas vivas, etc. Os portugueses encontraram poucas armas e julgaram que a revolta estava sufocada e libertaram alguns prisioneiros. Em Julho de 62 durante uma acção de mobilização, foi abatido no dia 15 de Julho de 1962, em Santa Joana, um dirigente do PAIGC de nome Vitorino Costa que havia estado em Pequim. Ao terem disso conhecimento, as autoridades portuguesas exibiram a cabeça cortada de Vitorino Costa em várias localidades, visando dissuadir as populações a aderirem ao PAIGC. Embora a luta armada propriamente dita tivesse começado na Guiné, como dissemos, em Janeiro de 1963, houve uma fase prelimi­nar de um ano e meio de "acções directas", designadamente actos de sabotagem e desobediência civil59, que coincidiu com um período de intensa mobilização política entre os camponeses do Sul do país, levada a efeito pêlos quadros do PAIGC que estavam fixados ao longo da fron­teira com a Guiné-Conakry.

 

Porém, só foi depois das prisões efectuadas pela PIDE e os Serviços militares a alguns elementos que trabalhavam em acções de mobilização que as autoridades portuguesas ficaram a saber que o PAIGC era uma organização estruturada e que os seus membros mais destacados usavam armas e eram formados em Pequim e em Praga.À propósito da morte de Vitorino Costa e de outras ocorridas em circunstâncias idênticas, refira-se que muitos mais guineenses tiveram o mesmo destino, mesmo pacatos elementos civis da população – diferentemente por isso do caso de Vitorino Costa – que foram torturados e mortos, pelo simples facto de terem manifestado simpatia ou terem de alguma forma colaborado como PAIGC. Foram os casos de Víctor Vaz Martins e Alselmo de Carvalho, mortos em 1962 e enterrados conjuntamente com outros nacionalistas em valas comuns; Aliás, segundo Paulo Gomes Fernandes[112], “(...) houve uma grande vaga de prisões em 1966 porque alguém, que até hoje não se conseguiu identificar, escreveu uma carta anónima para a PIDE a dizer que certos nacionalistas tinham em seu poder algumas armas. Dentro os primeiros elementos desse grupo a ser preso, estava o Inácio Júlio Semedo. Sob pressão e creio também tortura, houve da parte dele  uma falsa confissão arrancada pelos agentes da PIDE a custa de atrozes sevicias. Lembro-me, por exemplo que levaram-no para a sua casa em Gã Biafada e depois de o terem revistado tudo e chegado a conclusão de que a denuncia de que esses elementos eram portadores de armas era falsa, esbofetearam-no da varada da sua casa, que não era nada baixa, indo parar desmaiado ao chão. Efectivamente, após aturadas investigações, a PIDE depois chegou a conclusão de que a denuncia era falsa, isto depois de terem torturado até a morte quatro pessoas, entre as quais, o José Ferreira de José Ferreira de Lacerda Júnior, o Víctor Pinhel, o Godofredo Vermão de Sousa e o Duarte Marques Vieira e terem deportado o resto dos elementos para Angola, em pleno deserto de Moçamedes[113]. Só saíram dali creio que 1968, quando o Spínola assumiu o Governo da Guiné(...)”.

No entanto, o PAIGC que vinha desenvolvendo uma intensa mobilização, não tinha armas suficientes e as que tinha não eram qualitativamente melhores que os usados pelo Exército português. Após redobradas pressões dos guerrilheiros que actuavam no teatro de operações, a Direcção do PAIGC decidiu que, custe o que custasse, iriam fazer entrar armas. Era assim que “(...) tudo servia para contrabandear armas, quando o objectivo era a luta pela independência. Tudo, literalmente. Caixas de medicamentos repletas de granadas. Maços de tabaco com detonadores. Sofás com estofos forrados a metra­lhadoras. Armários cheios de munições. Vivia-se a alvorada da luta pela independência na Guiné--Bissau, ainda os anos 60 davam os primeiros passos. A Conakry chegavam as armas, oriundas de Marrocos — «o rei dava-nos todas as que pedíssemos[114]» —, que abasteciam os cor­religionários de Amílcar Cabral.

À propósito da acusação de tráfico de armas de que foi alvo o PAIGC em Conakry, acusação essa que saldou-se na detenção pelas autoridades dos principais dirigentes do PAIGC na altura (Amílcar Cabral estava ausente), entre os quais Luiz Cabral, Aristides Pereira, Vasco Cabral e outros, existe um curioso relato que não resistimos em citar:

“(...)Luiz, o irmão, que viria a ser presidente, ia frequentemente ao porto buscar os documentos ao despachante. Tudo corria sobre rodas. Mas há sempre um dia ... Naquele, em Janeiro de 1963, o carregamento era, supostamente, de sardinhas, milha­res de latas empilhadas umas sobre as outras. Fosse de caixas de medicamentos, fosse de sofás, fosse de armários, ainda vá lá, não teria havido problema, mas latas de sardinha! Quando a fome apertava tanto os habitantes da Guiné-Conakry?

 

O pessoal da estiva não esteve com mais delongas, atracou--se às sardinhas, salvo seja, logo ali. Só que não há fome que não dê em fartura. Latas abertas, espanto geral, saciedade adia­da, as sardinhas eram balas! Milhares e milhares de balas espa­lhadas pelo porto. Resultado: foi uma razia da polícia no quartel-general do PAIGC em Conakry. O que se viria a descobrir depois, em termos de arsenal, levou um sargento a balbuciar: «Mais ils sont fous ...» A casa estava à cunha, até debaixo da cama se encontraram espingardas, e eles, o grupo de guerrilheiros deti­dos, não pareciam nada preocupados quando, na camioneta que os levou ao «segredo», se sentaram em cima daquele arse­nal. Mais ils sont fous ...

 

Luiz Cabral recorda agora o episódio confortavelmente ins­talado num sofá da sua residência em Miraflores. Na altura, em que esteve preso durante cerca de um mês, não terá achado tanta graça, tal como, por outras razões, o presidente Sékou Touré.

 

Da prisão de Luiz, como conta o próprio, soube Amílcar através de Gentil Viana, que fazia parte do núcleo do MPLA em Conakry. Aquele não queria entrar em conflito com Sékou Touré, este não sabia que o território do país de que era pre­sidente servia de entreposto de armas. Um berbicacho. Que envolveu a União Geral dos Estudantes da África Negra sob Dominação Colonial, pois Carlos Belli-Bello não poupou os termos, na sua mensagem telegráfica, para denunciar a prisão daqueles «combatentes pela liberdade».

 

Nada feito. Pedia, Conakry, a presença de Amílcar. Invo­cavam, os guerrilheiros, que «a logística estava paralisada». Haveriam de ser libertados, cerca de um mês depois, Sékou Touré até desbloquearia as armas vindas da Checoslováquia dois anos antes, mas antes, outra estória merece ser con­tada.

 

Os familiares dos detidos levavam-lhes comida, mas, exceptuando os filhos mais pequenos, não podiam manter contacto directo com eles. A primeira mulher de Luiz Cabral, Lucette, era portadora de uma mensagem, mandou que o filho a dissesse ao pai. Dito e feito. Em voz alta: «Ó pai, a mãe diz que está aí, dentro de uma papaia, uma mensagem do tio.» O que vale é que falou em crioulo ...Luiz Cabral ri, outra vez.(…)[115]”.

 

Entretanto, tendo em conta as divergências que existiam entre as formações políticas que no exterior reivindicavam para si o exclusivo de luta pela independência da Guiné realizou-se um Congresso em Bamako, capital do Mali, sob o patrocínio de Modibo Keita, um Congresso que teve lugar no dia 16 de Abril de 1962, visando estabelecer-se um acordo entre os vários partidos: Labery-Vicente Có, Francois Mendy, Amílcar Cabral e Ibraima Djaló. Apesar deste Congresso ter terminado com a assinatura de alguns acordos entre essas formações políticas, as mesmas não lograram constituir-se numa frente de luta, como era desejo de Modibo Keita.

 

Porém, enquanto se assistia a uma guerra sem quartel entre os formações políticas guineenses em Dakar, o MLG lança os primeiros ataques[116] ao território da Guiné “portuguesa”, numa altura em que os efectivos do Exército português na Guiné apenas contavam-se em 1000 homens.  Os ataques feitos pelo MLG tinham como objectivo chamar a atenção da opinião pública internacional e, também, a instalação de um ambiente de segurança que fornecesse o aliciamento dos guineenses. De qualquer modo, esses ataques foram precipitados na medida em que apenas visavam um avanço sobre o PAIGC que, entretanto, desenvolvia  no Sul da Guiné uma silenciosa mas eficiente campanha de mobilização. Parece tam­bém natural que visavam esses ataques instalar uma insegurança local que, pelo medo, favo­recesse o aliciamento das populações para essa formação política. Talvez por isso, depois de terem atacado Guidage[117], a nordeste de Bigene, os grupos do MLG de François Mendy cessaram praticamente a sua actuação, para só voltarem a alguma actividade militar no princípio de 1963, isto é, quando era sabido que o PAIGC se preparava a qualquer momento para dar início a luta armada. Nessa altura, embora o Senegal mantenha a decisão de impedir ataques a Guiné a partir do Senegal, não se excluia a hipótese de uma reviravolta precipitada de atitude dado o seu receio de que só Conakry venha a explorar a situação, fingindo ignorar os ataques partindo do Senegal, ou então que os nacionalistas de Dakar, apesar de desunidos e sem possibilidades de realizar ataques eficientes, dado o Senegal não lhes facultar bases de reabastecimento e de recuo táctico, tentem infiltrações pela fronteira de Casamança, movidos pela ideia da fraca resistência portuguesa, à semelhança do que sucedeu em Goa.

 

Aliás, pouco tempo antes do encerramento do consulado senegalês em Bissau, a frente do qual estava o senegalês de origem guineenses, Dr. Gabriel Carvalho, as relações entre Portugal e Senegal deterioraram-se consideravelmente, a ponto do  Dr. Gabriel Carvalho desenvolver uma autentica campanha contra as autoridades portuguesas de Bissau. De quem aliás ele se dizia vitima, em virtude do seu carro ter sido revistado pelas tropas portuguesas. De regresso a  Dakar conferenciou com Senghor e o Ministro dos Negócios Estrangeiros senegalês, na sequência do qual Senegal decidiu pelo encerramento do seu consulado em Bissau, da interdição das actividades do consulado português em Dakar, aliás, medidas essa que há muito vinham sendo reclamadas nas instâncias internacionais africanas.

 

No dia 7 de Setembro de 1962, Úmaro Gano, Mamadú Sambel Baldé e Paulo Gomes Dias[118], todos residentes em Dakar, entraram na Guiné dita portuguesa por S. Domingos e dali regressaram no dia 10 do mesmo mês. Contactaram com o Governador, sem que porém se tivesse falado na independência ou descolonização., fazendo ver ao Governo a sua intenção de colaborar com Portugal na sua política de não violência. Em finais de Dezembro de 1962, numa altura em que as autoridades coloniais se preparavam para assestar um golpe diplomático ao PAIGC, utilizando obviamente elementos desavindos de longas guerras fratricidas em Dakar, numa altura em que estava tudo preparado e tudo combinado para se fazer partir para as Nações Unidas dois guineenses que iriam defender os princípios da não violência e cooperação com o Governo Português, um desses emissários – Paulo Dias – foi denunciado como colaborador e acusado de ser espião português e logo preso conjuntamente  com Sambel Baldé.

 

 

Em 1963, Benjamim Pinto Bull aderiu aos Bloco dos Naturais da Guiné “portuguesa” do qual era líder o Úmaro Gano. Apesar deste continuar a ser formalmente o líder dessa formação, na prática era Benjamim Bull quem desempenhava essas funções, na medida em que, muito provavelmente, a sua adesão ao BNGP deve-lhe ter sido proposto por Senghor e Lamine Guey, respectivamente Presidente da República e Presidente da Assembleia Nacional do Senegal na altura, os quais não escondiam a sua simpatia com as propostas “pacifistas” do grupo de Úmaro Gano, apesar de não lhe reconhecerem idoneidade e nem competência para se afigurar como interlocutor credível para negociar com as autoridades de Lisboa. É neste quadro que enceta contactos com o cônsul português em Dakar, Dr. Gonzaga Ferreira, no sentido de se encontrar uma solução pacífica para o caso da Guiné. Basicamente, a proposta de Benjamim Pinto Bull referia-se a uma autonomia progressiva que culminaria com uma eventual independência, não sem antes se referir a necessidade crescente e formação de quadros e de adopção de uma postura de gradual africanização dos lugares chaves da administração na Guiné. Em Lisboa, foi o único líder de um movimento emancipalista das colónias portuguesas a ser recebido por Salazar, a quem expôs o seu plano para a Guiné.

 

Contudo, as motivações de Benjamim Pinto Bull ao encontrar-se com Salazar, bem como os compromissos assumidos por cada uma das partes como resultado da abordagem dos assuntos tratados, não são claros, constituindo até hoje motivo de recorrente indagação. Benjamim Pinto Bull asseverou por várias vezes que deslocara-se a Portugal para se encontrar com Slazar por intermediação das autoridades senegalesas, porque tinha garantias minímas de que o seu projecto de autonomia progressiva, nos moldes já descritos, era bem vista e até acarinhada por Lisboa. Aliás, posição semelhante é defendida por Gonzaga Ferreira, ex-consûl português em Dakar[119], que às justificações de Pinto Bull, panas deixa subentender que a ida de Bejamim Pinto Bull ateve-se com um plano a que chmaram “operação camaleão”, urdido entre o Goverdador Peixoto Correia em Bissau, o consûl português em Dakar e o BNGP, por intermédido de Pinto Bull. Gonzaga Feereira, no seu livro, vai mais longe, procurando demonstrar que à última da hora Salazar resolver cercear quaisquer propósitos negociais, tácita e explicitamente aceites incialmente, numa altura quando apenas faltava as equipes negociais sentarem-se uma em ferente da outra, para gizarem possíveis soluções para o caso da Guiné, uma vez que ambas as partes concordavam com o memo, em princípio.

 

Porém, o na altura Ministro das Colónias tem outra versão completamente diferente do ocorrido. Num seu livro, atravéz de um longo execerto que não nos coíbimos de aqui citar, Silva Cunha é perempetório nas suas afirmações, de resto não completmente coincidentes quer em elação àsposições de Pinto Bull, quer as de Gonzaga Ferreira. Diz ele que “(...)como já noutro lugar se disse, a FLING, apoiada pelo Presidente Senghor, estabeleceu contacto com o Governo Português para procurar uma solução pacífica para os problemas da subversão.O nosso interlocutor por parte daquela organização era   um guinéu que vivia há muito no Senegal (para onde  fugira  depois de praticar um desvio de fundos nos serviços de que era funcionário em Bissau). Tratava-se de Benjamim Pinto Buli, irmão do funcionário do quadro administrativo do Ultramar, James Pinto Buli, que veio u ser mais tarde o primeiro Secretário-Geral da Guiné no regime instituído pela Lei Orgânica de 1963. Benjamim Pinto Buli tinha uma certa cultura, ensinava no Liceu de Dakar e tinha acesso ao Presidente Senghor. Correspondia-se regularmente com o irmão e tinha contactos frequentes com o nosso cônsul naquela cidade, Dr. Gonzaga Ferreira. Por intermédio do irmão, em Junho de 1963, fez chegar ao Ministério um pedido de autorização para se deslocar a Portugal, pois pretendia expor ao Ministro e, se possível, ao Presidente do Conselho, o programa da FLING e um plano de acção interna na Guiné, em colaboração com as autoridades portuguesas, para com­bater a influência do P.A.I.G.C. A autorização foi-lhe concedida e o Chefe da FLING. foi rece­bido pelo Ministro, em audiência a que assisti, e pelo Doutor Salazar, estando presentes também o Comandante Peixoto Correia e eu. Pinto Buli não foi muito claro no que pretendia, mas continuou os propósitos de colaboração da sua organização e o apoio do Pre­sidente Senghor. Quanto a medidas de ordem prática, insistiu muito por que se intensificasse a africanização dos quadros da Província, confiando alguns lugares a gente da FLING, e admitiu deslocar-se a Bissau para localmente estudar o que se poderia começar a fazer imediata­mente nesta orientação. O Presidente do Conselho aceitou, em princípio, este plano e considerou útil que eu estivesse na Guiné quando aí fosse Pinto Bull. Também se julgou conveniente que lá estivesse por essa ocasião o Dr. Gonzaga Ferreira que, para isso, recebeu as necessárias instruções. Parti para a Província acompanhado pelo Secretário-Geral do Ministério, Dr. Almeida Coita, e pelo oficial-às-ordens do Ministro, Primeiro-Tenente Jorge Avillez Pereira. Já lá encontrei o cônsul em Dakar. Expus-lhe e ao Governador o principal objectivo da minha visita. O Dr. Pinto Buli, porém, não compareceu, nunca tendo ficado completamente esclarecidas as causas da sua atitude. Soube, muito mais tarde, que Pinto Buli alegara não valer a pena ter novos contactos com o Governo Português, em face do que o Doutor Salazar declarou no discurso de 12 de Agosto de 1963, em que, depois de fazer o ponto da situação política em África, definiu novamente os rumos da nova política em relação ao Ultramar[120]. Tivera conhecimento da intenção do Presidente proferir tal discurso no próprio dia em que saí de Lisboa. Pude ainda obter o seu texto que já se encontrava no então Secretariado Nacional da Informação para ser distribuído aos Jornais, à Rádio e à Televisão. Li-o durante a viagem e ouvi-o pela rádio, em Bissau, juntamente com o Governador e o Dr. Gonzaga Ferreira. A informação de que o discurso ia ser proferido obtive-a por via indirecta, visto o Presidente do Conselho nada me ter dito a esse respeito. Interpretei a decisão e as afirmações do discurso, num momento em que possivelmente se encetaria diálogo com representantes de um grupo adversário, como tendo o objectivo de definir com clareza a posição do Governo Português, para evitar que se gerassem equí­vocos acerca das nossas intenções. Estranhei que o Doutor Salazar nada me tivesse dito acerca das suas intenções, mas tinha de reconhecer que a análise objectiva do discurso não justificava a decisão de Benjamim Buli cortar os contactos  A reflexão sobre o modo como estes tinham sido estabelecidos, o conhecimento da maneira de ser e de negociar dos africanos, a análise da situação política na área em que se localiza a Guiné, nomeadamente no Senegal e em Conakry, os problemas das relações entre Senghor e Sekou Touré, as características da FLING., tudo me levou, depois, a concluir que Pinto Buli não compareceu por oposição de Senghor, que receou comprometer-se demasiado com um movimento de reduzido prestígio junto dos Estados africanos e com pouca influência nos guinéus, visto apoiar-se principalmente na colónia de cabo-verdianos de Dakar.Considero hoje que foi um erro de táctica do Presidente do Senegal, pois a sua atitude contribuiu para aumentar o prestígio e a força do PAIGC. e, indirectamente, reforçar a posição de Sekou Touré. As tentativas de contacto da FLING. renovaram-se mais tarde, mas o P.A.I.G.C. passou a ser o único adversário de Por­tugal com que havia a contar. No aspecto exposto, portanto, a visita à Guiné não teve êxito. Foi, porém, muito útil por outras razões(...)[121]

 

Aliás, é o mesmo Paulo Dias que após ascender ao cargo de Presidente da FLING Progressista em 1967, volta novamente a ser preso nas zonas libertadas pelo PAIGC, desta vez surpreendido em plena actividade de aliciamento de elementos das FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo). Antes disso, confessou nos autos de interrogatório que 1969, a FLING progressista, através do próprio, tentou infrutiferamente estabelecer na Gâmbia a sua representação, pois apesar de terem estado com um responsável, não conseguiu avistar-se com o primeiro Ministro. Nesse período, segundo as suas declarações, ainda escreveu inúmeras cartas a Sékou Touré a quem denunciava o perigo que os cabo-verdianos do PAIGC constituíam, ao mesmo tempo que solicitava, sem nunca terem obtido qualquer resposta, a mediação das autoridades da Guiné Conakry para que pudessem constituir-se numa Frente com o PAIGC. Estive  no FLING de Bull com Jonas como Secretário Geral até 1963, depois com Jonas como Presidente de 1964-1966 e Secretário Geral até a sua suspensão, passando a FLING a actuar clandestinamente. Em Agosto de 1965, fomos ao Mali[122] e o Presidente Modibo prometeu-nos ajuda em armas, desde que o Senegal autorizasse a passagem de armas pelo seu território. Contactamos seguidamente as seguintes embaixadas em Dakar: Tunísia, Mauritânia, e Senegal e os resultados foram nulos. Interessavam-nos ter armas. Muitas vezes sublinhamos isso ao Jonas. Sabemos que este recebeu um convite para ir a Israel. Em 1966 ele foi a Israel[123]. Começamos a reorganizar o Movimento. Pensávamos na questão das armas para os rapazes que fizeram o treino no Senegal e outros países. O Governo senegalês prometeu estudar o assunto e dar resposta. Antes de 1966, tínhamos a população mobilizada do lado dos Felupes, em Suzana, Ingoré, etc. Mas nada marchou(...)”

 

Confessou ainda que em 1969, por ocasião da reunião dos Comité dos Onze da OUA, a FLING progressista por ele liderada manteve um contacto directo com a GRAE de Holden Roberto. Holden[124]. “(...) Disse-lhes que nos pusessem em contacto com os americanos e que o Senghor e o Mobuto eram os melhores presidentes africanos. Escrevemos uma carta ao Holden, pois queríamos obter ajuda do Mobuto, por seu intermédio. Íamos ao Hotel e ali encontramos o Ministro do GRAE completamente bêbado. Depois, estabelecemos um contacto com a embaixada do Congo Kinshasa e este disse-nos que apoiavam o Benjamim Pinto Bull porque é pacifista[125]. De que já não era tempo de violência(...)[126] Nos seus autos do interrogatório do seu processo, Paulo Dias disse ele que “(...)a sua prisão, efectuada por um grupo e guerrilheiros chefiado por Duque Djassi nas zonas libertadas foi uma cilada montada pelo PAIGC, pois se soubesse, nunca teria contacto o PAIGC(...)”

 

Todavia, é o Alpha Camará[127], co-arguido de Paulo Dias, quem dá a verdadeira dimensão e os verdadeiros objectivos da FLING progressista nas zonas libertadas do PAIC. Com efeito, disse ele nos seu auto de interrogatório que “(...)Numa das deslocações que fiz a Kolda estive a falar ao Domingos de Pina Araújo da unidade sem o Benjamim Pinto Bull e ele recusou-se a debater comigo esta questão, dizendo-me que era preciso afastar o ódio pessoal contra o Bull. Ali encontrei novamente o primeiro dos emissários, o Faama Faty que me disse que o Lamine Cissé queria falar comigo, pois o Inocêncio Kani e o Malam Gino  estavam igualmente em Kolda. Lamine Cissé fez-se acompanhar de um Comissário Político e disse-me que deveríamos mandar uma delegação ao mato e que trataria das coisas com Faama Faty. Mandamos Henry e Vasco Dabó, dois indivíduos da Comissão militar que levaram máquina fotográfica. Estiveram num local que não era a base de Lamine Cissé. Na FLING, alguns queriam suspender os contactos porque havia muita despesa. Porém, apareceu-nos em Dakar o Malam Sané com um recado de Lamine Cissé em como estes queriam uma reunião com o Bereau Político completo, pelo que mandamos uma delegação composta por Alpha, Malam e Henry. Vimos Malam Sané em Kolda. Faama tinha vindo connosco de Dakar mas seguiu para Sedihou. Mandamos avisar Lamine Cissé e mandou dizer-nos que não tinha segurança em Kolda e que devíamos ir para dentro. Mandamos o Henry ir ter com ele e este mandou dizer-nos que tudo acabaria se ali não fossemos até ao dia 27 de Setembro de 1969. Mandamos um telegrama ao Paulo em Dakar e ele veio. Partimos para o mato no dia 27.9.69. Quando aí chegamos, o Paulo começou a falar. Quando eu ia já fazer uso da palavra, fomos presos (...) o nosso objectivo era podermos definitivamente começar a guerra com as armas que iríamos receber da China. Assim, ocuparíamos a margem direita do rio Farim (base de Kunbangóre) e anunciaríamos ao mundo a Frente Popular de Libertação da Guiné ao mesmo tempo que lançaríamos depois da unidade com os descontes do PAIGC a ideia de um Governo Provisório. Íamos juntar-nos com os do PAIGC para combatermos os colonialistas portugueses. Faríamos igualmente entrar os nossos militantes, os nossos militares preparados.

 

Segundo ainda as declarações de Alpha Camará no mesmo auto de interrogatório, o plano consistia no seguinte:  “(...)Esperamos Paulo Dias 7 dias em Kolda quando resolvemos escrever ao Presidente Sékou Touré a falar-lhe da autonomia e a mostrar-lhe vantagens da mesma para os filhos da Guiné. Por outro lado, estávamos já a pensar o que faríamos com as bases do PAIGC, em caso de conseguirmos ocupa-las. Eram cinco as bases: Kunbagoré, Kandjanbari, Sambuia, Fáquina e  Ingoré. A nossa intenção era dar um Golpe de Estado contra o PAIGC, a fim de prosseguirmos a luta que, segundo nos constou, estava a decair de dia para dia. Sempre pensamos que toda a Direcção do PAIGC estava nas mãos dos caboverdianos e era por isso que queríamos acabar com a dominação dos caboverdianos; Durante a colonização, os caboverdianos mandaram sempre nos filhos da Guiné e que agora nos movimentos de libertação nacional os caboverdianos não deviam continuar a mandar. Depois da ocupação das bases devíamos libertar a margem direita do Rio Farim e depois lançar um apelo aos outros movimentos – MLG do François Mendy e PAIGC. Seria o PAIGC sem a Direcção, só ao nível das bases. Não chamaríamos a Direcção do PAIGC. Porém, não discutimos a decisão a tomar com os dirigentes do PAIGC. A colaboração que deviam ter era o encontro com os nossos combatentes a fim de assinarem em conjunto as condições em que tomariam o poder naquela área. Num primeiro documento, tínhamos em vista a criação de uma Junta Militar, a tomada do poder e a formação de um Comité Central de 38 a 40 membros. O Programa concreto devia ser estabelecido pela Comissão Militar, composta por Maurício Dias, Vicente Magrário, Vasco Dabó (militar) e Adjuko (militar). A instalação do Governo Provisório devia fazer-se em Farim. Devia-se ainda fazer-se um apelo aos outros movimentos nacionalistas. Da minha parte, o nosso dirigente principal devia ser o Rui Ramos. Paulo é grande trabalhador, mas falta-lhe algumas qualidades. É muito arrebatado. Não aceita a discussão. Pretendíamos ainda  fazer com que os nossos camaradas assinassem um documento em que se comprometeriam a tomar o poder, a criar uma Junta Militar e em seguida lançar o apelo um apelo a FLING para a sua adesão à referida Junta. Essa carta, assim como o comunicado, foi levado a Kolda e depois ao mato por Paulo Dias. Ao sermos presos, o PAIGC ficou igualmente com todos os nossos documentos que estavam na pasta que o Paulo Dias fazia transportar consigo(...)” De notar que foram igualmente presos Francisco Adjuko referiu-se a criação de uma Junta Militar[128] que da parte da FLING integraria Maurício Dias, Vicente Magrário, Vasco Dabó (militar), Adjuku (militar)

 

A 12 de Fevereiro de 1964, Césario Domingos Carvalho de Alvarenga, ex-chefe do Posto, apresentou-se as autoridades coloniais da Guiné, procedente da Gâmbia, “por discordar da política marxista de Amílcar Cabral explicando na altura as suas actividades desde a saída do PAIGC até a sua entrada na FLING. Foi nessa data que Cesário Carvalho de Alvarenga deu informações a PIDE de que havia uma centena de elementos do PAIGC, naturais da Guiné e de Cabo Verde, na aprendizagem de paraquesdismo, com o fim de darem início à luta armada em Cabo Verde no mês no próximo mês de Maio. Nesta data, com o Cesário, entraram Ernestina da Silva da FLING e Úmaro Gano da URGP, os quais , ao abrigo das facilidades prometidos pelo ex-consûl de Portugal em Dakar, iam estudar com as autoridades portuguesas a maneira de combater o partido comunista PAIGC.

 

No entanto, o MLG volta a dar sinal de si, com um ataque efectuado a 6 de Janeiro de 1963  a serração de madeiras de S. Domingos. A l1 do mesmo mês emboscaram duas viaturas militares. Em 17 abriram uma vala na estrada S. Domingos-Suzana e na noite de 30 para 31 assaltaram o posto administrativo do Sedengal, incendiando a escola e as casas dos cipaios, saqueando duas casas co­merciais e matando um cipaio e o chefe da tabanca local. Tratava-se, tal como em 1961, de grupos algo numerosos mas mal armados, constituídos por uma maioria de Manjacos. Em 6 de Fevereiro, foi incendiado o pontão sobre o rio Cole, entre Suzana e Varela. E em 8, uma força militar do Exército português sofreu uma emboscada no caminho de Gondo Grande a Bagodante, a Leste de S. Domingos. O MLG verificava, porém, que a receptividade das populações a esses ataques, continuava praticamente nula. Segundo parece, o ano e meio de intervalo fora mal aproveitado pelos agentes aliciadores do MLG, pelo que começaram a maltratar as populações procurando levá-los pelo medo a aceitar o que eles recusavam pelo simples convencimento.

 

Assim, em 17 de Fevereiro destruíram a tabanca de Campada Bajugate e, três dias depois, atacaram quatro cipaios em Branol, matando dois. No dia 14 de Março, na estrada de S. Domingos para M'Paque (fronteira do Senegal), um grupo numeroso do MLG de François Mendy montou uma emboscada às forças portuguesas, ferindo mortalmente o capitão comandante da companhia que guarnecia a região. Mais quatro soldados foram atingidos embora sem gravidade. Mas os elementos do MLG antes de fugirem para o Senegal, sofreram baixas muito sensíveis. Uma semana depois, em nova emboscada próximo da tabanca de Nhambal, a oeste de S. Domingos, o MLG causou outro morto as tropas portuguesas. E em 26, um grupo de cerca de duzentos elementos comandados por François Mendy, lançou um forte ataque contra a povoação de Suzana. As forças da guarnição sofreram um morto e três feridos mas, auxiliadas pelas populações locais, conseguiram debelar o ímpeto atacante do MLG. Este ataque, pelas baixas sofridas, deve ter arrefecido um pouco o entu­siasmo do MLG. No entanto, em Abril, além de assaltarem nativos e roubarem gado, ainda cortaram a estrada entre Sedengal e S. Domingos. Ata­caram também a tabanca de Canjandi onde foram severamente repelidos pelas populações locais.

 

Para fazer face ao problema da exiguidade de meios na defesa das povoações fronteiriças, as autoridades portuguesas proce­deram à concentração das pequenas tabancas em outras maiores situadas próximo das estradas. Aliás esta medida é mais fácil de propor do que de rea­lizar. Os nativos têm as suas lavras, os seus palmares que não podem abandonar. Mesmo assim, lá se conseguiu a concentração de algumas tabancas. Nelas foram construídos abrigos e colocadas redes de arame farpado. Aos homens foi dada instrução militar e distribuído armamento. E sempre que havia notícia de próximo ataque a esta ou aquela tabanca, um reforço militar acorria rapidamente. Entretanto, em 5 de Maio, o aquartelamento de Bigene foi atacado de noite e o mesmo sucedeu à vizinha tabanca de Samoge. Mais para oeste, elementos do MLG destruíram a pequena tabanca de Panta e incendiaram o autocarro da carreira entre S. Domingos e a fronteira.

 

Abundavam na altura notícias de existência de outros grupos de nacionalistas no Senegal, prontos a entrar na Guiné “portuguesa”. Aliás, em Agosto de 1961, pouco depois dos primeiros ataques do MLG no Noroeste da Guiné, o PAI anunciou que ia passar a acção directa, não somente porque não se queria ser ultrapassado pelo MLG, mas porque nesse sentido recebera Fernando Fortes pressões do MPLA. Os portugueses entenderam que a tentativa de abertura de uma nova frente na região Sul de Angola por parte do MPLA, como forma de dispersar os efectivos , fomentando os nacionalistas guineenses a abrirem a frente da Guiné.

A verdade, porém, é que a actividade do MLG a Norte do rio Cacheu come­çou a decair a partir de Junho. Neste mês ainda incendiaram um camião. Em Julho atacaram a tabanca de Sancatuto, na área de Suzana Inicialmente, é natural que o MLG contasse com mais apoio do Senegal superior ao que, na realidade, lhes foi prestado. De qualquer forma, que durante alguns meses, a actividade dos elementos do MLG quase que parecia desaparecer, pois que estiveram inactivos durante todo esse período, atacaram novamente a tabanca de Ingorézinho, a Norte do Ingoré e a pouco mais de um quilómetro da fronteira. Assaltaram e incendiaram mais tarde a tabanca de Sonco, na área de S. Domingos, aproveitando ainda  a ausência dos mora­dores que se encontravam a trabalhar as bolanhas. Além disso ata­caram alguns elementos “fiéis aos portugueses” que se deslocavam junto à fronteira, cortando-lhes as orelhas. Só em Fevereiro de 1964 o MLG voltou a revelar-se nesta área e mesmo assim apenas com um débil assalto a Sano, ao Norte de Barro, e com uma pequena emboscada a uma força militar próximo da tabanca de Catei. Desde então o MLG jamais voltou a aparecer em toda a região fronteiriça, desde o Ingoré a Varela. A falta de apoio por parte das populações aos dirigentes do MLC contribuiu para desencorajar o MLG[129].

 

Aliás, a partir de 1964, a desorientação era visível na FLING e os demais partidos ou movimentos de libertação da Guiné “portuguesa” que em Dakar digladiavam-se. É assim que Jonas Mário Fernandes, na altura Secretário Geral da FLING escreve uma carta, datada de 4 de Maio de 1964, ao Senhor Ministro do Ultramar, nestes moldes:

"Tenho sempre detestado e combatido estes irresponsáveis, instrumentos dos comunistas, que querem fazer de nossa Guiné um novo Congo"

"Por isso, depois da minha investidura no cargo de Secretário Geral da FLING - Frente que reagrupa todos os movimentos no exterior da Província e que é o reflexo autentico do Povo da Guiné - depois de ter afastado das nossas fileiras os Labery, Vicente Có, etc., pensei logo em procurar um terreno de entendimento com V. Ex.as"

"Estamos hoje conscientes da nossa responsabilidade e, convencidos de que não devemos de forma alguma virar as costas a Portugal, nem afasta-lo do nosso destino."

"Os cinco séculos de existência de Portugal na Guiné fizeram de nós africanos diferentes dos outros africanos. Diferentes sim, na maneira de pensar, de sentir, de encarar as coisas e de agir. È que somos detentores de uma Cultura e de uma Civilização seculares que Portugal nos transmitiu. Temos, pois, interesses comuns a defender, um património a defender - a nossa Cultura, já que para não falar da Civilização."

"Creia-me V. Ex. que hoje, mais do que nunca estamos dispostos a entender-nos com Portugal."

"Para concertar, com V. Ex.as sobre a nossa futura colaboração, tornou-se necessário um contacto."

"Nos princípios de Junho desloco-me a paris. Esperaria que V. Ex., por intermédio do Vosso Embaixador em Paris, me facilitasse a entrada em Portugal, discretamente."

"Tomo a liberdade de enviar a V. Ex. fotocópias dos meus documentos visto que se for a Portugal contactar V. Ex.as, gostaria de fazer algumas cadeiras do 7º ano, que não cheguei a concluir."

"Com mais elevada Consideração, subscrevo-me

 

                                 Jonas Mário Fernandes /Secretário - Geral da FLING/

 

Entretanto, em Julho de 1965, Jonas Fernandes, Secretário Geral do Bereau da FLING, pediu ao “Le Monde” que tornasse publico que o boato espalhado em Dakar, segundo o qual ele teria aceite discutir em França com responsáveis portugueses sobre a solução do problema da Guiné por via de negociações, é absolutamente infundado. Jonas disse que a FLING não poderia tomar, unilateralmente, a iniciativa de negociações, visto existirem outros partidos nacionalistas que lutam para a independência da Guiné.” Quando, na verdade ele próprio tinha escrito uma carta ao Ministro do Ultramar a pedir que continuasse os estudos em Lisboa.

 

Outro episódio que ilustra o ambiente de completa desorganização e desanimo, prende-se com o facto de em Maio de 1964, Manuel Lopes, Secretário Geral da FLING até Junho de 1964,depois de ter estado na Conferência da  OUA de Dar-es-Salam, passou a ser acusado de desviar seis milhões de fracos que a OUA pôs a disposição da FLING. Aliás, por estes e outros factos, a FLING nunca chegou propriamente a conquistar a adesão das populações, condição fundamenatl par a materialização dos seus objectivos de desenvolvimento da luta armada e da conquista da independência nacional. Aliás, ainda no tempo em que Jonas Fernandes era Presidente da FLING, a Libéria deu doou entre 500 a 750 milhões de FCFA1964, montante esse que foi desviado, aparecendo mais tarde acusações que circulavam entre Labery, Doudou Seidi e Jonas Mário Fernandes, não se sabendo ao certo quem foi o responsável pelos fundos postos à disposição da Frente.

 

Descendente da UNGP, o Bloco dos Naturais da Guiné Bissau BNGB (Bloc des Ressortissants de la Guinée Bissao) foi fundado em Setembro/Outubro de 1965, com Úmaro Gano como dirigente principal e com sede provisória em Sicap Liberté I n.º 1319. Encapotados na farsa do pacifismo e na não violência, o BNGP propunha conseguir a independência da Guiné através de negociações com o Governo Português. Aliás. O n.º 1 dos seus Estatutos alude claramente a possibilidade de instalação da sua sede definitiva em Bissau. O n.º 3 dos Estatutos afirma que “os seus irmãos primogénitos da África, nomeadamente os da expressão francesa, que tem uma projecção internacional no domínio da política, chegaram, por três etapas sucessivas – a formação de quadros, autonomia e independência – e isso sem violência nem derramamento de sangue e na amizade com o povo colonizador – a dirigir os destinos do seu país. O BNGB, segundo esse caminho e o exemplo enaltecedor, propõe-se consciosamente cooperar atravéz do diálogo como o Governo Português, no desenvolvimento intensivo da Guiné portuguesa e na formação rápida e acelerada dos quadros, para permitir que os naturais do país cheguem aos mais altos cargos e assumam desde já as mais pesadas responsabilidades, prelúdio das duas etapas seguintes da nossa luta – A autonomia e a soberania do nosso país”. Apesar dessa proposta mobilizou por algum tempo a simpatia das autoridades portuguesas, cedo veio a descobrir-se as verdadeiras intenções dos seus dirigentes, em especial Úmaro Gano, que passaram abertamente a colaborar com as autoridades coloniais de Bissau, sobretudo a partir de 1967.

 

Porém, apesar do verdadeiro impulsionador desse Partido ter sido Cesário Carvalho de Alvarenga, que de Bissau orquestrava como colaborador das autoridades coloniais e da PIDE/DGS as acções, a composição da Direcção desta formação política, à data da sua formação era a seguinte: Secretário Geral, Úmaro Gano[130]; Presidente, Ibrahima Safitou Mané, Vice-Presidente, Mário Correia; Secretário Geral Administrativo Doudou Bayo; Secretário Adjunto, José Gomis, 2º Secretário Adjunto Ansou Mané; Secretário Geral da Organização, Fodé Faty; 1º Secretário Geral Adjunto, Bacary Dianko  2º Secretário Geral Adjunto, Ibrahima N´Diaye “dit” Morès; Secretário da Propaganda, Keka Sané Katio; Adjunto, Malanaga Nanora; 1º Adjunto Mamadou Mané; 2º Adjunto, Kéla Bayo; 2º Adjunto, Bacary Camara; Secretário Geral de Informação, Antoni da Silva “dit” Passis; 1º Adjunto, Malang Faty;  Adjunto Souleymane Cise.

 

No entanto, foi emitido contra Úmaro Gano em 14.10.66, no Senegal, um mandado de expulsão n.º 14982, do Ministério do Interior, acusado  e mais tarde provado de estar a soldo dos portugueses e da PIDE, tentando aliciar 17 chefes militares do PAIGC da Região de Oio a receberem armas do PAIGC e depois a entregarem-se as autoridades portuguesas, numa altura em que o Governo do Senegal estabelece um acordo com o PAIGC que já apoiva abertamente nessa altura. Poi parte de Governe Senegalês nem sempre assim foi. Senghor, que de inicio prestava auxílio à FLING, talvez por receio do fomento de perturbações desenvolvidas pelo PAI (Partido Africano da Independência), partido de oposição com forte influência no Casamansa e que mantinha com o PAIGC estreitas relações, decidiu conceder apoio e celebrou mesmo um protocolo com o PAIGC, que estabelecia as modalidades de cooperação entre as autoridades senegalesas e os responsáveis do PAIGC. O trânsito de elementos e material para apoio era controlado através de escoltas, quer da Guarda Republicana, quer do Exército, por forma a evitar o seu desvio para as populações do Casamansa[131].Todavia, Úmaro Gano contava com a protecção do seu patrão, Lamine Guey, Presidente da Assembleia Nacional do Senegal, ausente na altura em França, o que talvez justificasse que pelo menos até ao dia 4 de Novembro de 1966, as autoridades senegalesas mantivessem Úmaro Gano em regime de prisão domiciliária e apertada vigilância.

No entanto, com o PAIGC, no Sul da Guiné a situação foi diferente, pois uma parte da população, bem mobilizada, colaborou com ele desde o princípio. Por outro lado, a configuração do terreno no Sul era extraordinariamente propicia à guerra da guerrilhai. A região ao Sul do rio Geba e a Oeste do Rio do Corubal, tem o aspecto de uma gigantesca mão cujos dedos, apontados para o Atlântico formam alongadas a sucessivas penínsulas separadas pelos rios Grande de Buba, Tombali, Cumbijã e Cacine. Só por si, esta configuração já dificultaria as comunicações rodoviárias. Sucede, porém, que cada uma das penínsulas se encontra extraordinariamente recortada por centenas de canais e de rios que quase as atravessam de um lado ao outro. E dada a enorme amplitude das marés na Guiné, quando as águas sobem, mesmo na época seca, as margens dos rios e dos braços ficam alagadas em enorme extensão, tanto mais que toda a terra é excepcional­mente plana e baixa.

 

Compreende-se assim a razão porque as estradas são poucas e más, e porque todas elas dispõem de inúmeras pontes e pontões. A destruição destas obras de arte, fácil de levar a cabo, determina o isolamento terrestre das povoações que passam a ficar dependentes da navegação fluvial ou das ligações aéreas. Não admira por isso que o PAIGC, conhecendo bem o terreno,  tivesse escolhido exactamente esta região para nela iniciar urna actuação que supunha poder levar a cabo com relativa rapidez e facilidade. Uma vez obstruídas as estradas com árvores cortadas (abatizes) e destruídos uns tantos pontões, as povoa­ções, praticamente isoladas, seriam uma presa relativamente simples. Contra elas realizaria o PAIGC ataques e flagelações constantes que acabariam por tornar impossível a vida dos respectivos habitantes. E a actuação das tropas portuguesas encontrar-se-ia muito dificultada não só pelo corte das estradas, como pela natureza do terreno, em grande parte ala­gado e pantanoso, e pela existência de exuberantes manchas florestais que for­neceriam abrigo seguro para os guerrilheiros do PAIGC.

 

Em Janeiro de 1963, nas vésperas do PAIGC do desencadeamento da luta armada,  Osagyefo Dr. Kwame N’Krumah lança as bases do seu pensamento político relativamente a unidade africana, o que contribuiu significativamente para alicerçar os movimentos de libertação. Foi neste ambiente favorável que os guerrilheiros do PAIGC começaram a actuar no princípio de 1963. Tite e Fulacunda foram das primeiras localidades a ser flageladas a 23 de Janeiro do mesmo ano, data histórica que assinala da parte do PAIGC o início da luta armada. Em meados de Janeiro de 1963 as forças portu­guesas executaram diversas acções contra um bando que operava na área de Fulacunda, apreendendo-lhe pistolas, granadas de mão, munições, emblemas e documentação muito importante. Ficou-se então a ter uma ideia da organização do PAIGC, de facto mais completa e bem estruturada do que seria de esperar.

Aliás, em entrevista publicada em Havana pelo jornal «Hoy», já Amílcar Cabral dissera que o seu «Exército de Libertação» seria em breve formado com os guerrilheiros que estavam sendo treinados e armados. E esclarecera ainda que a Guiné “portuguesa” (Guiné-Bissau, como desde essa altura era vulgarmente chamada na Imprensa estrangeira) estava dividida em regiões, zonas e áreas, cada qual dispondo de uma direcção que incluía responsáveis políticos e mili­tares. Ainda em Janeiro, um outro grupo do PAIGC atacou o aquartelamento de Tite, na margem Sul do canal do Geba, ande se achava instalado o comando de um batalhão. No mesmo dia houve também uma emboscada a duas viaturas próximo Nova Sintra, a doze quilómetros ao Sul de Tite. A partir de final do mês de Janeiro, a actividade terrorista militar do PAIGC deslocou-se para a área de Bedanda. Aliás, apesar de nos primeiros meses de 1963, as tropas portuguesas contarem-se 20.000 homens na Guiné, o ministro da defesa, Gomes de Araújo, confessou em Julho de 1963 que o PAIGC controlava cerca de 15% do território.

 

Nessa altura, as unidades de combate do PAIGC eram ainda rudimentares, pois eram formados por um núcleo de uma dezena de indi­víduos armados de pistolas-metralhadoras, pistolas, caçadeiras e granadas, grupo esse rodeado por uma centena ou mais de outros elementos munidos de  armas tradicionais e de espingardas roubadas aos cipaios. Em Fevereiro o PAIGC empregou pela primeira vez explosivos na destruição de pontões. A sua actividade aumentou tendo, no dia 6, flagelado o aquartelamento de Cacine e emboscado uma força militar em Salancaur, a nordeste de Bedanda. Três dias depois estiveram em Chacoal, ao Norte de Be­danda e na margem direita do Cumbijã, onde atacaram o  estabelecimento local da Sociedade Comercial Ultramarina e matando o empregado europeu de cujas armas se apoderaram. Pouco depois atacaram a povoação de S. João, separada de Bolama pelo canal do Porto, incendiando as casas dos cipaios e roubando duas viaturas civis que depois abandonaram. Convém notar que, até esta data, os grupos do PAIGC actuavam em espe­cial nas penínsulas de Bedanda (delineada pêlos rios Cacine e Cumbijã), de Tite (limitada pelo Seba ao Norte e pelo rio Grande de Buba ao Sul) e de Cacine (espremida entre o rio Cacine e a fronteira da República da Guiné). Nas outras duas penínsulas do Sul da Guiné, a de Empada e a de Catió, ainda não dera sinal de si.

 

Num parêntesis que consideramos necessário, devemos dizer que o êxito ou o insucesso neste tipo de guerra, dependem em grande parte da forma como se encara este delicado problema das populações, verdadeiramente colo­cadas entre dois fogos. Enquanto uma força militar permanece numa tabanca, a população local sente-se protegida e mostra-se satisfeita. Não é possível, porém, colocar um grupo de guerrilha ou uma guarnição do Exercito português em cada tabanca. E quando grupo de guerrilha ou uma guarnição do Exercito português regressa a base ou ao quartel, os habitantes que a acolheram ficam sujeitos às represálias do contendor inimigo.. Por outro lado, se dada população alimentou e alojou os guerrilheiros ou a tropa portuguesa, é claro que qualquer um dos contendores não a podem tratar bem. A grande dificuldade desta guerra está exactamente em saber como pro­ceder. Em saber distinguir a população que colaborou com o inimigo à força, da que o fez por livre arbítrio. Em saber fomentar, por uma atitude firme e justa, a vontade das populações em resistirem a um inimigo que só os explora. Em saber dar a possível protecção aos que só sob ameaça de morte, se deixaram subjugar pelo inimigo.

 

Com efeito, a par dessas pequenas acções militares, o PAIGC continuava porém a mobilização das populações rurais, nos quais aliás procedia a recrutamento de componentes para os grupos de guerrilha, mas também atravéz da qual procurava garantir o apoio e o sustento dos guerrilheiros, pois às populações das diferentes povoações o PAIGC obrigava a alimentar e por vezes alojar os seus guerrilheiros, para além de fornecerem tabaco, fósforo, lanternas, petróleo, agasalhos e outros artigos de que necessitavam. Essas tabancas (povoações) que se encontravam sob a esfera de influência dos grupos de guerrilha do PAIG ainda deviam fornecer, sob pena de represálias, elementos que pudessem servir de carregadores e de vigias que se colocavam em determinados pontos, em geral no cimo das árvores, correndo a avisar o grupo de guerrilheiros mais próximo da passagem das forças regulares que eram emboscadas no regresso.

 

A partir do dia 12 de Março de 1963 o PAIGC aumentou substan­cialmente a sua actividade. Assim, destruíram vários pontões nas áreas de Tite e de Buba; flagelaram Dar-es-Salam, na península de Empada; cortaram as estradas de acesso a esta povoação e os locais de embarque para Bolama; incendiaram o barco a motor da carreira Bolama-Ponta Bambaiã; impediram o carregamento de mancarra e arroz num barco atracado em Dana, a nordeste de Fulacunda, no rio Corubal; atacaram a tabanca fula de Priame, junto a Catió; flagelaram Cufar e Fulacunda; abriram valas em diversas estradas nelas fazendo cair um camião militar e uma auto-metralhadora; colocaram abatizes entre Empada e Dar-es-Salam, e finalmente, em 25, capturaram no porto de Cafine (rio Cumbijã) os barcos a motor «Mirandela», da casa Gouveia, e «Arouca», da Casa Brandão, tendo-os levado para a República da Guiné-Conakry com a conivência de parte da tripulação.

 

O PAIGC actuava então em quase todo o território da Guiné, devido ao facto de nessa altura serem muito escassos os efectivos militares do Exercito português e de as suas deslocações se tornarem cada vez mais difíceis em face das obstruções de toda a ordem realizadas nas principais estradas da região. Em Abril 63, o PAIGC atacou o aquartelamento de Chugué, a Norte do Bedanda, na margem direita do rio Cumbijã. Nesse ataque,  reagiram às forças portuguesas que foram realizar urna acção na ilha de Como e emboscaram outras na área de Jabadá (a nor­deste de Tite e na margem Sul do canal do Seba). Esta actividade do PAIGC levava na altura a admitir-se que, no Sul da Guiné, só estavam efectivamente sob controle das autoridades, as populações que viviam próximo das guarnições militares. As mais afastadas consideravam-se sujeitas à pressão do PAIGC.

 

Durante o mês de Maio de 1963 O PAIGC actuava na península de Cacine, junto à fronteira Sul, roubando camiões nesta povoação e em Gadamael e atacando, além desta última localidade, as de Cacoca e Sangonhá. Mais para Norte, montaram uma emboscada em Brandão (a Sudeste de Tite) e flage­laram com intervalos de poucos dias os quartéis de Buba, S. João e Bedanda. Na margem oeste do rio Corubal alvejaram uma patrulha militar em Incassol e assaltaram a tabanca de Canturé, a Leste de Fulacunda, única da área cujos habitantes ainda não haviam fugido para o mato. Em 18 de Junho um numeroso grupo atacou simultaneamente a tabanca fula de Príame e a povoação e o quartel de Catió. Foi nesse ataque que o PAIGC empregou pela primeira vez metralhadoras ligeiras. Aliás, desde essa altura, o PAIGC já dispunha de grandes quan­tidades de armamento, de características cada vez mais modernas e aperfeiçoadas. Durante as emboscadas, estes grupos, em regra bastante numerosos, actuavam sem qualquer preocupação de poupar munições, atirando de cima das árvores ou detrás dos morros de baga-baga. No final do mês de Maio, o PAIGC começou a actuar na área de Xime, na margem direita do rio Corubal, pois era quase nulo o movimento de viaturas do Exército português, porque inúmeras pontes e pontões haviam sido destruídas e centenas ou milhares de árvores atravancavam estradas e caminhos, interrom­pendo as ligações rodoviárias entre as principais povoações. E quando, com grande esforço, os soldados do Exército português levantavam algumas dezenas de abatizes, logo as encontravam outra vez caídas quando regressavam ao quartel. Esta situação era particularmente difícil em toda a península de Cacine a nos itine­rários Tite - Fulacunda, Catió - Tombali, Empada - Madina, Catió - Bedanda, Tite-Nova Sintra- Jabadá, etc.

 

Por outro lado a propaganda do PAIGC era também cada vez maior, uti­lizando não só as emissoras de Conakry e de Dakar mas também a de Brazzaville e diversas dos países comunistas. Em comunicado difundido pela estação do Congo ex-francês na primeira metade de Junho, o PAIGC afirmava que a ilha de Como, a sudoeste de Catió, fora completamente «libertada». Pouco depois, aproveitando a deserção de dois militares portugueses, o PAIGC reforçou a sua propaganda fazendo crer que o moral das tropas do Exército português era baixo. Aliás, já em Janeiro, Amílcar Cabral espalhara uma «mensagem aos soldados portugue­ses», convidando-os à rebelião.

A 11 de Julho de 1962, O consulado de Portugal em Dakar informou de que Amílcar Cabral, durante as suas últimas estadias em Dakar divulgou junto de guineenses e caboverdianos os êxitos da sua organização, dizendo que estava em curso um estudo das vias de infiltração, das vias de comunicação, e também de que já possua dois sistemas de rádio que o permitiam comunicar com os soldados do PAIGC. Nesse inicio de Julho, o PAIGC cria a frente Norte, na região de Mansoa-Mansabá-Farim. Aliás, Os ataques a Xime, seguindo-se às actuações em Incassol e em Canturé, atrás referidas, mostravam que o PAIGC procurava estender a sua actividade paru Norte e nordeste. Aliás, não vinham senão confirmar as informações forne­cida! por alguns prisioneiros feitos pelas tropas portuguesas, de que, no princípio das chuvas, o PAIGC começaria a actuar na área de Mansôa. Esta ameaça não podia ser subestimada pois quer a área de Xime quer a de Mansôa são muito importantes, por várias razões. Em primeiro lugar, é na área de Xime que o larguíssimo Geba se adelgaça imenso, tornando assim mais fácil a sua travessia («cambança», se chama na Guiné). A região constitui por isso um trampolim para a passagem de grupos do PAIGC do Sul para Norte ou vice-versa. Em segundo lugar Mansôa é uma das «portas» da enorme região de Oio, habitada por populações tradicionalmente rebeldes. Em terceiro lugar, Oio e em especial a área compreendida no quadrilátero Mansoa-Bissorã-Olossato-Mansabá, é uma região de florestas densas e quase sem estradas, constituindo portanto excelente refúgio para os grupos guerrilheiros do PAIGC e difícil terreno para a actuação de tropas do Exército português.

 

Em 30 de Junho de 1963 um grupo armado inutilizou a jangada de Barro, no rio Cacheu, a qual garantia a ligação entre Bissorã e Barro. A tripulação desarmada, foi maltratada e obrigada a fugir. Este foi o primeiro indício de que o PAIGC ia atacar na região, conforme já se previa. Não se esperava, no entanto, que essa actuação fosse desen­cadeada com tanta agressividade nem que os grupos guerrilheiros do PAIGC dispusessem de arma­mento tão aperfeiçoado e em tal quantidade. No primeiro dia de Julho foram alvejadas viaturas entre Binta e Farim, na margem Norte do rio Cacheu. Em 2 os grupos guerrilheiros do PAIGC tentaram destruir com explosivos diversas pontes e pontões nas estradas Olossato-Farim, Olossato-Mansabá e Mansôa-Nhacra . Montaram também uma emboscada na estrada Mansoa-Bissorã, fazendo  5 feridos as tropas do Exército português.. Em 4 atacaram Binar, onze Km a Leste de Bula. E Olossato, entre Bissorã e Farim. Em Binar mataram o régulo e raptaram o encarregado do posto administrativo, No Olossato saquearam as casa comerciais situadas a uma certa distância do edifício onde estava aquartelada uma pequena guarnição local. Em 6 de Julho, ao entardecer, os  grupos guerrilheiros do PAIGC emboscaram uma força militar de Mansabá quando ela regressava de um reconhecimento a Morés. Os moradores desta tabanca haviam recebido bem os soldados do Exército português e insistido até em que se demorassem um pouco mais. Afinal, soube-se mais tarde, pretendiam apenas dar tempo a um grupo armado do PAIGC de atingir a estrada por onde as tropas do Exercito português iriam regressar, em local propício à emboscada que tinham planeado montar. A tropa, confiada pela recepção que lhe fora feita, foi colhida de surpresa, sofrendo quatro mortos e ficando os restantes feridos.

 

Na noite de 12 para 13, porém, os grupos guerrilheiros do PAIGC destruíram vários pontões na estrada Olossato-Mansabá. E em 18 atacaram Encheia onde não havia qual­quer força militar. A situação deteriorou-se depois, apesar dos esforços desesperados feitos pela tropas do Exército português que se multiplicava para acorrer aos pontos atacados. Os efectivos militares eram, porém, muito escassos. Pelo contrário, o PAIGC dispunha de numerosos grupos, todos dotados de armamento aperfeiçoado e abundantes munições. A breve trecho, em grande parte da região do Oio, as populações nativas, aterrorizadas pelos contendores, ou faziam causa comum com eles ou eram expul­sas das suas tabancas. Aquelas que resistiam ou que queriam manter-se neutrais, eram castigadas ou dizimadas e as suas tabancas incendiadas. Assim aconteceu em Bigine, Canfandá, Mamboncó, etc.

 

Era evidente que a actuação do PAIGC obedecia a um plano bem definido. Em princípios de Janeiro de 1962, a PIDE de Bissau tinha informações exactas de que havia todo um plano para o desencadeamento de acções armadas na zona Norte na Guiné.. Tinha informações de que tal acção seria desencadeada por guineenses residentes no Senegal. Aliás, nessa altura, na região de Ziguinchor, os nacionalistas contavam com perto de 300 elementos em Samine e com perto de 500 que já tinham metralhadoras. Inclusive a PIDE tinha informações segundo as quais havia no interior cerca de 6645 elementos adeptos para a luta, e de que havia um depósito de armamento em Biombo (Concelho de Bissau). Tinham igualmente informações de que os movimentos de libertação pretendiam sabotar os aviões e barcos e que estavam a aguardar mais material para distribuir nas áreas de Bula e Cantchungo, onde a principio pensavam desencadear as acções militares.  Na sequência dessas informações foi preso no dia 25 o chefe da Alfândega de Ouassadou que colaborava com a PIDE, denunciado pelo movimento de libertação. No dia 27, o furriel Augusto Brito Lança, fugiu com mais três indivíduos para o exterior, passando para o Vellingará. Assim, o Costa Pereira deu todas essas informações ao Governador e ao Comando Militar no dia 2 de Janeiro, dizendo-o que apenas aguardava “ o momento próprio para actuar o que deve verificar-se dentro de breves dias, a fim de fazer abortar os manejos subversivos pois já conhece os elementos mais activos e responsáveis.

 

O plano do PAIGC consistia em estabelecer-se nos matos cerrados de Morés e impedir ou dificultar ao máxima a aproximação das tropas do Exército português. Provavelmente, o PIGC julgava-se com força suficiente para manter no centro do Oio um simulacro de Quartel-General, de onde os grupos guerrilheiros armados irradiariam para atacar Bissorã, Olossato, Mansabá e Mansoa ou para montarem emboscadas nas estradas que ligam estas povoações. Por isso, em poucas semanas todas as estradas da região tinham as pontes e os pontões destruídos ou estavam cheias de abatizes. Em especial a estrada Bissorã-Mansabá - que dá acesso mais fácil à zona de Mores - foi metodi­camente cortada com o evidente objectivo de evitar que as nossas tropas a utilizassem. Além de criar um vácuo que lhe proporcionasse refúgio seguro em Morés, o PAIGC pretendeu também inutilizar os eixos rodoviários de interesse econó­mico para a Província. O principal destes eixos era a estrada Mansôa-Mansabá--Bafatá, por onde se escoava boa parte da mancarra produzida pelo Leste da Pro­víncia e alguma da madeira cortada na região do Oio. A povoação de Mansabá, em si, constitui um importante cruzamento de estradas, pois por ela passam, além do eixo Mansôa-Bafatá, os de Bissorã-Bafatá e Farim-Mansôa. Daí que, a certa altura, parecesse ser intenção dos grupos guerrilheiros do PAIGC isolar Mansabá. Em todas as estradas que concorriam na pequena povoação, o PAIGC colocara abatizes ou fazia emboscadas.

 

Esta actuação fez diminuir o trânsito rodoviário para o Leste da Província com o que ficaram sobrecarregados os já congestionados transportes fluviais pelo rio Geba. Ao chegar-se ao final de Agosto de 1963, a situação na enorme região que abrange Bissorã, Binar, Encheia, Mansoa, Mansabá e Olossato, não era muito diferente da existente em grande parte do Sul da Província: populações fugidas, tabancas abandonadas ou destruídas, estradas obstruídas, a vida administrativa e a actividade comercial profundamente afectadas. O alastramento da actividade terrorista ao Oio foi anunciado por Amílcar Cabral num comunicado difundido em Agosto pelas Emissoras de Dakar e de Conakry. Em finais de Dezembro de 1962, a PIDE tinha informações de concentração de efectivos em Koundara, os quais haviam de desencadear o primeiro ataque contra o quartel de Tite, a 23 de Janeiro de 1963, enquanto que ainda se mantinha activo o grupo de François Mendy que se encontrava disseminado entre Oussouoie, Ziguinchor, Batoupa, Samine, Sedhieioe Tanaffe, havendo também a assinalar em alguns desses locais a presença de elementos do PAIGC

 

Co efeito, Amílcar Cabral disse então que o seu partido ia «intensificar a luta para tornar mais sólidas as suas posições no Sul da Guiné ao mesmo tempo que estenderia a acção armada ao centro e ao Norte». Afirmou ainda que o PAIGC estudava o estabelecimento de um Comando militar único no interior da Guiné Portuguesa, afirmação esta que correspondia à refeição da sugestão feita anteriormente pela FLING no sentido de tal comando englobar elementos seus e ter o Quartel-General num dos países da África Ocidental. De facto, irradiando do Oio, os grupos guerrilheiros do PAIGC tentavam infiltrar-se na direcção de Binar e de Bula e em especial na região de Tama-Biambi, sobre a estrada Binar-Bissorã. Este troço rodoviário foi daqueles em que o PAIGC montou maior número de emboscadas, em toda a Guiné. Em certos locais, a estrada está pra­ticamente coalhada de invólucros.

 

A intensificação da luta, anunciada por Amílcar Cabral, correspondeu à realidade.  No Sul, o PAIGC, além de continuar obstruindo as estradas com abatizes ou valas, aumentou o número de acções contra aquartelamentos militares, tendo sido especialmente visados os de Fulacunda, Catió, Buba, Cacine, Chugué, Em­pada e Bedanda. Estas acções foram quase sempre realizadas de noite e com maior ou menor violência. Alguns dos quartéis foram visados mais que uma vez, como sucedeu a Fulacunda, Cacine, Bedanda e Catió. Em 1964, Portugal mandou para a Guiné tropas de Angola a fim de combater o PAIGC que controlava já todo o território a Sul do rio Corubal, excepto Madina de Boé. Nessa altura o exercito português contava já com cerca de 20.000 homens. Em Junho de 1964, a Comissão Especial as Nações Unidas para os territórios ultramarinos de Portugal aprovou a exposição do PAIGC, apresentada com o fim de dar a conhecer a verdadeira situação destes territórios – último bastião colonial no mundo oeste-africano completamente livre, visando reclamar o direito da população da Guiné à autodeterminação e à independência. Julho de 1964.  Após isso,  Senghor recebe Amílcar Cabral e anunciou poucos dias depois em Conferência de imprensa que a FLING e o PAIGC deveriam reconciliar-se de modo a formarem uma única frente. Adiantou ainda que “o conhecimento que tinha dos movimentos, o levava a declarar que o PAIGC parecia provido de elementos mais competentes e por essa razão recebeu Amílcar Cabral. Na Segunda metade de 1964 a FLING, frente onde entretanto integrou  o MLG de François Mendy que tinha realizado algumas acções militares, parecia condenada. Em meados de Julho, na medida em que a delegação do PAIGC for distinguida pela maioria   das representações africanas, ao contrário do memorando apresentado por Jonas Fernandes, Presidente do Comité Revolucionário da FLING. A verdade é que a FLING começou a desenvolver mais actividade só depois desta conferência. Aliás, não é por acaso que na sua edição de 5.7.64, o New York Times referia-se que Portugal encontrava-se na Guiné entre a espada e a parede.

 

Duas coisas devem ainda notar-se. Nesta primeiros anos de guerra armada, , na totalidade dos casos, os grupos guerrilheiros do PAIGC fugiam sempre após as acções que empreendiam, com receio de serem envolvidos pelo infalível contra-ataque dos soldados do Exercito português. Posterior­mente, esses grupos guerrilheiros do PAIGC melhoraram a sua técnica de fazer emboscadas, evi­denciando ensinamentos que foram receber à Argélia, à Checoslováquia, à Rússia e mesma à China comunista. Mas em meados de 1963, limitavam-se a disparar e a lançarem granadas procurando de seguida livrar-se das munições e das granadas que transportavam consigo. O segundo facto que desejamos frisar é que os ataques e flagelações do PAIGC contra aquartelamentos do Exército português, em especial antes de utilizarem morteiros e lança-granadas-foguete (bazucas), eram realizadas nos primeiros tempos da guerra com reduzida eficácia, raramente causando vítimas, tanto mais que o objectivo do PAIGC nesta fase  era criar insegurança à tropa do exercito português e mante-la sob constante nervosismo.

 

Na segunda metade de Outubro, o PAIGC iniciou o emprego generalizado minas e fornilhos anti-carro. No Leste, o primeiro engenho assinalado explodiu na estrada Bambadinca-Xitole. Com receia de represálias,  numerosas tabancas da área começaram a ser abandonadas pelas populações futa-fulas muitas das quais se acolheram a Bambadinca. Nos últimos dois meses de I963, a actividade dos grupos guerrilheiros do PAIGC pareceu dimi­nuir no Sul onde, no entanto, Cacine, Bedanda e Fulacunda ainda foram repetidamente flageladas. Verificou-se também um certo incremento da acção do PAIGC contra os navios portugueses que tinham a seu cargo o reabastecimento de todo o Sul ou que patrulhavam os inúmeros rios e canais da região. Escondidos no tarrafo das margens, os dos grupos guerrilheiros do PAIGC disparavam contra os barcos do Exercito português, em especial, nos rios Cobade (que separa a ilha de Como da península de Catió), Corubal e Cumbijã. Pelo contrário, a Norte do Geba e em especial no Oio, a acção do PAIGC fazia-se sentir com crescente importância, tendo os seus grupos revelado novas armas (como uma metralhadora pesada assinalada num ataque ao Olossato, no princípio de Dezembro). O porto madeireiro de Binta, a oeste de Farim, a tabanca de Cutia, na estrada Mansôa-Mansabá, e a própria vila de Farim sofre­ram flagelações nos últimos dias de Dezembro.

 

O aumento das obstruções nas estradas e em especial o aparecimento das minas, levou depois à paralisação do trânsito civil sem protecção. Organizavam-se então comboios com escoltas militares, garantindo-se desta forma a actividade económica da região, baseada na produção de mancarra. Ao findar o ano o PAIGC actuava com certo à-vontade em grande parte do Sul da Província, considerando mesmo algumas regiões como estando já «li­bertadas» (uma delas era a ilha de Como). O movimento das nossas tropas era dificultado ou impedido por milhares de abatizes e pela destruição de numerosas obras de arte. No extremo Leste do Canal do Geba, os dos grupos guerrilheiros do PAIGC actuavam nas áreas de Porto-Gole, Enxalé, Xime e Bambadinca, região esta que lhes servia de ligação entre o Sul e o Norte.

 

Com um significativo avanço que a luta do PAIGC conheceu no plano militar político e diplomático, dificilmente poderia bem sucedida a tarefa da Comissão mista da Guiné Conakry e do Senegal encarregada de “estudar os meios e coordenar esforços dos movimentos nacionalistas com o fim de os formarem numa frente única que os agrupasse”, Comissão essa cuja decisão reporta-se ao encontro havido a 24/OUT/63  entre  Sékou Touré e Senghor em Tambacumba (Senegal), onde acordaram apoiar o povo da Guiné na sua luta contra o colonialismo. 

 

Da sua criação aos princípios de 1965, a FLING atravessou  um longo período de letargia, pois não se lhe conheceu durante todo esse período qualquer acção combatente além de emissão de uns comunicados, realização de reuniões e alguma participação em conferências internacionais. Tudo isso acontecia numa altura em que o PAIGC alastrava a sua influência na Guiné  Conakry, no Senegal, enquanto que  FLING restringia mais a sua.

 

Nos finais de Outubro de 1964, Senghor ainda aparentava ter enormes dificuldades em lidar com o PAIGC, o que se explicava pelo facto do PAI senegalês ter na altura ligações com diversos países comunistas, com a República da Guiné Conakry e simpatias no PAIGC, de resto, ligações que susceptíveis fornecer armas a esse Partido senegalês que por mais de uma vez deu sinal de enveredar-se por acções armadas. Apesar de tudo, Senghor permitiu a passagem através do Senegal de armamento do PAIGC, bem como a fixação no Senegal de grupos armados., pois se o PAIGC tomasse conta da Guiné não convinha que Senegal fosse olhado com ressentimento por não ter ajudado na conquista da independência e se tivesse êxito na fusão do PAIGC e a FLING, o seu prestígio internacional aumentaria significativamente. Como quer que seja, refira-se que nos finais de 1964 as posições de Senghor contra o PAIGC endureceu bastante, na medida em que aumentaram nessa altura a acção da oposição subversiva de Casamança, admitindo porventura ele que tal aumento não fosse também estranho ao PAIGC, o que talvez explica que as reuniões entre Senghor e Sékou tivessem aumentado, na medida em que para além do encontro de Tambacounda, já referida, os dois chefes de Estado ainda encontraram-se  em Dezembro de 1964 em Dakar e em Julho de 1965 em Conakry.

 

Em Fevereiro de 1965, a conferência da União de Estados da antiga União Africana e Malgache, realizada em Nouakchott proporcionou aos delegados da FLING  uma actividade que foi favorecida pela ausência de uma delegação do PAIGC. Ao pressentir o ressurgimento da UAM (sob a forma da OCAM) a FLING recobrou a esperança que a OUA lhe estava retirando e sentiu que podia expulsar a nova tendência separatista que em África  divide “os moderados” dos “revolucionários”. Foi por isso que a FLING apareceu nessa altura com um novo alento na reunião  dos Ministros dos Negócios Estrangeiros da OUA onde foi reconhecido a necessidade de envio de uma nova comissão de inquérito que se deslocaria os campos de batalha para verificar a importância do PAIGC e de FLING no terreno. 

 

Ao regressar da viagem, o ministro dos negócios estrangeiros da Guiné Conakry declarou que a OUA reconheceu o PAIGC como o único movimento de libertação da Guiné, e era verdade, apesar dos desmentidos da FLING a 24/3/65, e do os ministros dos Negócios Estrangeiros e da informação do Senegal. Verificava-se assim que o Senegal não desejava abandonar a FLING. Por isso, ainda Senghor ponderou a possibilidade de conceder uma ajuda substancial a FLING antes da chegada da Comissão de Inquérito da OUA, mas foi desaconselhado pelo facto de um hipotético auxílio a FLING pudesse resultar  na entrada da Guiné “portuguesa” dos grupos armados da FLING que certamente não se limitaria a atacar as forças portuguesas. Atacariam e seriam atacados pelo PAIGC, contribuindo por um lado para o aumento da tensão entre o Senegal e a República da Guiné e, por outro,  entre os “moderados” e os revolucionários ao nível da OUA.

 

Ao PAIGC não podia agradar a hipótese do Senegal e a Libéria armarem a FLING, só para este partido mostrar que também actuava militarmente, pelo que fez tudo por apressar a luta, não dando tempo a FLING para se organizar  e armar. No entanto, quer junto aos apoiantes da FLING, quer junto aos apoiantes do PAIGC, nunca se pôs de lado a hipótese duma invasão a Guiné “portuguesa”, a avaliar pelos países que o Senegal e a Guiné Conakry faziam justo as Nações Unidas. A invasão  não teve lugar porque a rivalidade entre o PAIGC e a FLING era, em certa medida, a rivalidade entre os “moderados” e os “revolucionários” o que criou dificuldades a partida na composição das forças e comando destinada a esse fim, apesar de várias delegações de países africanos terem feito ameaças veladas em sessões da Assembleia Geral da ONU que a Guiné “portuguesa” poderia vir a ser uma nova Goa.

 

No Oio, porém, o PAIGC conseguira fixar-se, protegido pelas enormes manchas florestais existentes e procurava alastrar a sua actuação em todos os sentidos: para Oeste, na direcção de Binar e Bula, com o objectivo de atingir o impor­tantíssimo sub-sector de Cantchungo onde cerca de 80000 Manjacos não ofereceriam (pensava o PAIGC) grande resistência ao aliciamento; para Leste, penetrando na região dos Fulas, a quem pensava converter pelo terror; para Norte, através do rio Cacheu, a fim de conseguir fácil ligação com o Senegal. Da parte do Exercito português, a chegada de reforços permitiu contrariar a acção dos grupos guerrilheiros do PAIGC no Oio e dificultar ou impedir o seu alastramento para Leste e para oeste. Previa-se uma operação para expulsar esses dos grupos guerrilheiros do PAIGC da ilha de Como. E espe­rava-se «fechar» a fronteira Sul instalando tropas desde Aldeia Formosa a Cacine e Campeane. A tarefa, porém, não era fácil porque o PAIGCC dispunha de nume­rosos  grupos  e  recebia  constantemente reforços e reabastecimentos, enquanto que a   Conakry chegavam   navios, sobretudo de países comunistas,  que transportavam  armas e munições destinadas ao PAIGC.

 

Aliás, esta complicada situação em que o Exército portuguesia se encontrava na Guiné, foi constactada pelo então Ministro Silva Cunha que assim odescreveu posteriormente: “(...)Enquanto estive na Província, visitei praticamente todo u seu território, contactando com as autoridades civis, os comandos militares e as populações. Reuni com os vogais dos conselhos legislativo e de governo, tive longas sessões de trabalho com o Governador e recebi toda a gente que quis falar comigo. Ouvi queixas, tomei conhecimento de carências e aspirações. Fiquei com o conhecimento exacto da situação gravíssima que a Província atravessava. Os seus aspectos mais alarmantes eram a rivalidade patente, inequívoca, entre o Governador e o Comandante Militar, a incapa­cidade deste para fazer frente às dificuldades e a sua falta de fé na possibilidade de o fazer. A intenção da manobra do PAIGC era nítida: dividir a província, de Norte a Sul, com base nas zonas do Mores e do OIO, em duas partes, para isolar Bissau e tornar cada vez mais difícil a defesa da zona Leste, onde era mais densa a concentração dos fulas que se nos mantinham indefectivelmente fiéis.Depois de dominar esta região, seguir-se-ia a ofensiva sobre o «chão manjaco» (Teixeira Pinto) e, finalmente, sobre Bissau. Do nosso lado, não havia uma ideia de manobra bem definida e, o que era mais grave, não se acreditava que fosse possível resistir eficazmente ao adversário. As nossas guarnições estavam distribuídas pelo território numa quadrícula nem sempre bem concebida, mantendo-se nos aquartelamentos, numa posição de pura defensiva. Praticamente, não havia força de intervenção e se nessa altura não sofremos um revés sério foi mais por falta de força dos adver­sários do que em resultado da nossa acção. Regressei a Lisboa profundamente preocupado e, perante um mapa da Província, descrevi ao Chefe do Governo e ao Ministro da Defesa as minhas conclusões acerca da situação. Pouco tempo depois (julgo que em consequência do que eu expusera), o Brigadeiro Louro de Sousa foi chamado a Lisboa. Recebi-o no meu gabinete do Terreiro do Paço e ouvi-o sobre o que pensava da evolução da situação na Guiné. A guerra, disse-me (isto passava-se em 1963!), estava per­dida! Não havia exemplo de alguma vez se ter ganho uma guerra subversiva! Dei imediatamente conhecimento desta conversa aos Ministros da Defesa (General Gomes de Araújo) e do Exército (Coronel Joaquim da Luz Cunha). Dias depois assisti, na sede do Departamento da Defesa, no palácio da Cova da Moura, fui a uma reunião do Conselho-Superior Militar, para ouvir uma exposição do Brigadeiro Louro de Sousa aos responsáveis pela condução da guerra. Fui em representação do Ministério do Ultramar, por o Ministro estar ausente em Angola, onde acompanhava a visita do Chefe de Estado. Confirmou-se, e agravou-se, a deplorável impressão que me tinham deixado os anteriores contactos com o Chefe Militar da Guiné. Naquela reunião solene, onde se encontravam todos os Ministros, Secretários e Subsecretários de Estado das pastas militares e os Chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das Forças Armadas, Louro de Sousa iniciou a sua exposição declarando não saber o que estava a fazer na Guiné! Continuou, desfiando um rosário de queixumes contra o clima, a deficiência de instalações, a não preparação das tropas, a falta de meios, a força e a combatividade do inimigo(...). Saí dali convencido de que u Brigadeiro Louro de Sousa seria substituído por um no comandante-chefe militar da Guiné. Não sucedeu assim, porém!  Chegou-se finalmente à conclusão de que se impunha substitua o Governador e o Comandante Militar e reunir as duas chefias na mesma pessoa. A decisão foi tomada pelo Presidente do Conselho, ouvidos os Ministros da Defesa e do Ultramar. A escolha do substituto recaiu no Brigadeiro Arnaldo Schultz, oficial-general de prestígio, que exercia as funções de Ministro do Interior em 1961, quando se iniciou o terrorismo em Angola e ocorreu o incidente entre o Presidente do Conselho e o Ministro da Defesa, General Júlio Botelho Moniz(...)”. O Ministro do Ultramar foi encarregado de fazer o convite, pois sendo o cargo de Governador de natureza política e tendo sido resolvido juntar as duas funções na mesma entidade, não era suficiente a nomeação pelo canal militar(...)[132]”.

 

Motivados pela difícil situação militar em que o Exercito Português se encontrava na Guiné desde o início da guerra na Guiné, foram inúmeras as individualidades que desde essa altura vaticinavam uma solução política imediata para a Guiné, mesmo alguns sectores próximos de Salazar, na medido em que do ponto de vista estritamente militar, era de certa forma generalizada a convicção de que ponto não vali à pena disperdiçar meios e homens em detrimento de Angola e Moçambique, por cima, num território que já era e que viria a ser, como se comproviu o calcanhar de Aquiles do Império olonial Português em África. A esse próposito, Saturnino Monteiro escreveu que “(..) perante o facto consumado da eclosão de acções de guerra subversiva na Guiné, a única coisa que havia a fazer teria sido, em nosso entender, abandoná-la à sua sorte o mais depressa possível, por muito doloroso que isso fosse para o nosso orgulho nacional e para a nossa sensibilidade. A imediata realização de um referendo em 1963 ou 1964 poderia ter sido uma forma airosa de resolver o problema. Mas, mais uma vez, Salazar falhou, mostrando-se inflexível perante a hipótese do abandono de qualquer parcela de território juridicamente por­tuguês, tal como acontecera no caso da índia. A sua tese era de que um referendo numa qualquer província ultramarina constituiria um precedente que obrigaria a efectuar referendos em todas as outras. Pela nossa parte pensamos que se tratava de uma tese falaciosa. Faz parte das mais elementares obrigações de um político encontrar justificações para aquilo que entende que deve ser feito e para aquilo que não deve ser feito. Neste caso, seria fácil argumentar que o referendo não tinha sentido em Angola nem em Moçambique, uma vez que a sua independência a longo prazo era inevitável e que os referendos em Cabo Verde e São Tomé seriam realizados a seu tempo, quando as circunstâncias o justificassem. De resto, pouco importava que estes argumentos fossem ou não acei­tes. Uma vez que os nossos adversários tinham escolhido a via da luta armada para resolver o problema da descolonização, a única coisa que interessava era criar as condições necessárias para podermos ganhar a guerra. E uma dessas condições era indubitavelmente não empenhar na Guiné meios militares, incluindo cerca de 15 000 soldados metropolita­nos, que podiam ser muito melhor aproveitados para reforçar as guarni­ções de Angola e de Moçambique, que contavam nas suas fileiras com cerca de 30 000 e 25 000 militares metropolitanos, respectivamente. Além disso, o teatro de operações da Guiné apresentava graves des­vantagens no campo da acção psicológica, factor decisivo numa guerra subversiva. Por um lado, dadas as facilidades que esse teatro de operações oferecia às guerrilhas, a acção destas era muito mais intensa e eficaz de que em Angola ou em Moçambique. Daí que a tensão psicológica e as bai­xas sofridas pêlos militares metropolitanos que eram mandados para a Guiné fossem bastante superiores às que se verificavam nas outras pro­víncias onde lavrava a subversão. Por outro lado, em Angola e em Moçambique era notório um progresso económico e social, alicerçado na presença da etnia branca, que, era óbvio, seria um crime interromper, o qual só por si constituía argumento suficiente para explicar ao soldado metropolitano a razão por que se encontrava ali a combater, coisa que não era tão evidente na Guiné. Daí que durante toda a guerra do Ultramar o teatro de operações da Guiné tenha sido um cancro que foi corroendo material e psicologicamente as Forças Armadas Portuguesas até as levar à desagregação e à derrota.(…)[133]”.

 

Em Julho de 1963, seis meses depois do começo da guerra, o Ministro da Defesa Português, general Gomes de Araújo, surpreendeu os outros membros do regime e também os observadores estran­geiros ao admitir publicamente que o PAIGC dominava uma parte importante do território, dizendo inclusive que “grandes grupos bem armados treinados no Norte de àfrica e nos países comunistas penetraram numa zona da Guiné que constitui cerca de 15% da sua área total”. Numa espécie de tentativa para limitar os prejuízos desta declaração, os servoços de informação das Forrças Armadas portuguesas respondeu com uma declaração insistindo em que “em 85% da Província a vida é completamente normal[134]

 

Porém, uma coisa é o que poderia ter sido feita em 196 para evitar a guerra da Guiné e outra coisa é a realidade desta guerra que viria a prolongar-se, passando por vários momentos decisivos como o de 1964, que analisaremos adiante. Contudo, sobretudo do ponto de vista militar, quase que foi sempre o PAIGC a proatgonizar os acontecimentos do lado dos nacionalistas, tanto mais que o o MLG de François Mendy, que tudo fez para antecipar nesse quadro o PAIGC, ia perdendo terreno a olhos vistos, apesar de ainda ter conseguido realizar os seus últimos ataques nos primeiros meses de 1964 as povoações de Sano, Ingorezinho e Nhambata, respectivamente,  em Março, Abril e Outubro de 1964.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

[1] – Entrevista de Rafael Barbosa com Leopoldo Amado em Bissau.

[2] – Vide Pereira, Aristides, Guiné-Bissau e Cabo Verde – Uma luta, um Partido, dois Países –, Editorial Noticias, 2002, p. 80.

[3] – Duarte, A independência da Guiné-Bissau: a descolonização Portuguesa, Edições Afrontamento, 1977, p. 32

[4] – Cabral foi contratado pelo Ministério do Ultramar como Adjunto dos Serviços Agrícolas e Florestais da Guiné até 18.3.55, data em que regressou à Metrópole. Sua mulher, portuguesa, engenheira viticultora de profissão e ex-colega de curso chamava-se Helena Ataíde Vilhena Ataíde,  desembarcou igualmente em Bissau a Bissau a 2.11.52.

[5] Amílcar Cabral subscreveu, em Março de 1952, com elementos ligados ao PCP e da esquerda portuguesa, uma exposição ao Presidente da República, em que entre outras coisas, reclamavam a retirada de Portugal do Pacto do Atlântico. 

 

[6] – Na altura, a PVIDE (Polícia de Vigilância do Estado), a antecessora da PIDE (Polícia Internacional de Defesa) e da DGS (Direcção Geral de Segurança) ainda não tinham uma instação em Bissau. Tal só veio a acontecer em 1958.

[7] – Barata, Manuel Themudo, In Guerre Mondiale et Conflit Contemporains (Le Portugal dans le conflit du XXº  Siécle), nº 178, Abril, 1995, p. 75.

 

[8] – De notar que nessas reuniões, Cabral nunca parava o seu carro em frente a casa de João Rosa, mas sempre um pouco mais afastado, furtando-se assim a eventuais controles da polícia.

[9] – Proc. N.º 3589 – CI (2)9

[10] – Proc. PIDE/Abril/61, Torre do Tombo.

[11] – Cf. Proc. 4415 – CI(2), Arquivos da PIDE, Torre do Tombo, fls. 34.

[12] – O re­latório oficial dos acontecimentos, publicado na Província de Angola, de ó de Agosto, indica 7 mortos e 15 feridos; Amílcar Cabral, por seu turno, aponta para um "autentico massacre" com mais de 50 mortos e 100 feridos. Segunda Luís Cabral, foi Fernando Fortes, chefe da Estação Postal de Bis­sau, quem meteu no correio, nesse mesmo dia, cópias de um comunicado elaborado sobre os acontecimentos, endereçadas às emissoras mais escutadas em Bissau. A Rádio Brazzaville, Rádio Conakry e Rádio Dakar  transmitiram a noti­cia.

 

[13] – Cf. Proc. 5466 – CI, Arquivos da PIDE, Torre do Tombo, fls. 307.

[14] – Nos tempos da clandestinidade, o pseudónimo de Epifânio Souto Amado era Amadú Jaló

[15] – Rafael Barbosa era também conhecido pelos seus correligionários políticos pelos nomes de Zain Lopes ou Namgunbé. O mais íntimos tratavam-lhe também por “Coxo”, em virtude de uma deficiência de que é portador numa das pernas.

[16] - De nome compelto Paulo Gomes Fernandes, também chamado pelos seus correligionários por “Nikita Krushov”, ela fazia-se acompanhar nessa altura por Hipólito Fernandes, César Fernandes e José Francisco Gomes, de quem era amigo.

[17] De notar que princípios de 1959, César Mário Fernandes, José Francisco Gomes, Rafael Barbosa, Alfredo Meneses[17] e Paulo Gomes Fernandes fizeram uma reunião em que versaram sobre a conveniência de usar números em vez de pseudónimos.

 

[18] – Na lides da luta clandestina, o pseudónimo de Alfredo Meneses d`Alva  era Alex Juve. Foi mobilizado por Rafael Barbosa em fins de Novembro de 1959 a fazer parte do MLGC, tendo sido o primeiro Secretário do MLGC antes de ter sido nomeado cobrador das quotizações.

 

[19] - Foi mobilizado por Rafael Barbosa em fins de Novembro de 1959 a fazer parte do MLGC, tendo sido o primeiro Secretário do MLGC antes de ter sido nomeado cobrador das quotizações.

[20] – Ao Rafael Barbosa foi não somente confiscada a máquina de escrever que estava sob a guarda de Ladislau assim como imensa documentação e um livro intitulado “Unidade Africana” de Modibo Keita, Presidente do Mali que confiou a João dos Santos que afinal era da facção do José Francisco Gomes a quem aliás entregou todo o material.

[21] – Paulo Gomes Dias nasceu a 2.2.1930 em Bafatá, filho de Gregório Gomes e de Eva Pina Araújo.

[22] – Auto de interrogatório de Isidoro Gomes Ramos na PIDE/DGS de Bissau , datado de 10.3.1961.

[23] Convém, no entanto,  referir que de Conakry, Belarmino Gomes animava um programa radiofónico em que com notícias da revolução na Guiné-Conakry, notícias essas que evidentemente insuflavam redobradas esperanças entre os guineeses de poderem rapidamente aceder  a independência. Na altura, Adriano Araújo e Rafael Barbosa trocavam correspondência, aliás, expediente esse de que Belarmino Gomes recorria para transmitir algumas notícias da Guiné “portuguesa” na Rádio de Conakry. O fulgor com que os guineenses era tanto que César Mário Fernandes chegou de escreveu uma carta datada de Janeiro de 1959 ao Ministro da Informação da República da Guiné a quem solicitou que fossem dados noticiários sobre a Guiné Portuguesa em crioulo. Nessa altura, já Belarmino Gomes estava a trabalhar como locutor na Rádio Conakry.

 

[24] Segundo as próprias palavras de Fernando Fortes (auto de interrogatório de Fernandes Fernando Fortes na PIDE/Bissau), foi Aristides Pereira quem mobilizou quando ocupavam a mesma residência, dizendo-lhe que a sua missão principal missão seria a de trabalhar no sentido de obstar a que deixasse de existir desentendimentos entre os guineenses. Que o Aristides Pereira apresentou- lhe o João Rosa, Epifânio Souto Amado, José Pereira de Lacerda Júnior, de Bolama, Ladislau Justado (Badará Turé), Elisée Turpin, Hipólito Fernandes, Rosendo Pinto do BNU, Elmer Barbosa Fernandes, Isidoro Ramos, César Mário Fernandes, Paulo Fernandes, Ladislau Justado, José Francisco Gomes, Nicando Barreto, José de Barros, Aquino Pereira, Luiz Cabral, todos do Movimento. Que o Rafael Barbosa apresentou-o mais tarde o Tomás Cabral de Almada, em finais de 1959.

 

[25] – Segundo Paulo Gomes Fernandes, “(..) o MLG, nunca foi MLGC. Isso aconteceu numa certa altura em que o Fernando Fortes fez questão que Cabo Verde figurasse. A prova acabada disso é o facto de rapidamente termos voltado ao MLG inicial, após a cisão com o grupo de Amílcar  onde estava o Rafael Barbosa e Fernando Fortes. A partir dessa data, nós passamos a ser  os principais responsáveis do MLG (Entrevista concedida a Leopoldo Amado em Lisboa a 2.6.2003 em Odivelas, Lisboa.).

 

[26] – Nessa altura, Domingos de Pina Araújo informou a Rafael Barbosa de que tinha sido ele a escrever ao seu sobrinho Paulo Dias no sentido deste fugir para Conakry a fim de ali trabalhar como enfermeiro, informando-lhe ainda de que estava disposto a receber mais enfermeiros tais como um tal Djacó, filho de João Araújo, João Fernandes a e Manuel da Silva Júnior. Informou ainda ao Rafael Barbosa de que facilitaria a viagem para Conakry a todos os elementos que o desejassem.

 

[27] – Cabral pediu ao Fernando Fortes para que mantivesse em segredo a ideia de se instalar em Conakry para a partir daí se intensificar toda a acção na Guiné e em Cabo Verde., na medida em que na sua documentação não constava que ia a Conakry e fizera constar que iria apenas a Bissau para visitar a mãe.

[28] – Cf. auto de interrogatório de Isidoro Gomes Ramos na PIDE/DGS de Bissau , datado de 10.3.1961.

 

[29] – Andrade, Mário, Obras Escolhidas de Amílcar Cabral – A prática revolucionária (Unidade e luta II, Vol. II, Comité Executivo de Luta do PAIGC, Seara Nova, 1977, pp. 27 à 31.

 

 

[30]– Andrade, Mário, Obras Escolhidas de Amílcar Cabral – A prática revolucionária (Unidade e luta II, Vol. II, Comité Executivo de Luta do PAIGC, Seara Nova, 1977, p. 33-34.

[31] - Mário Mamadú Turé, de nome completo. Nasceu a 11 de Maio de 1939 e era empregado comercial em Bissau.

[32] – António Correia, estava em Conakry antes da independência. Em 1970 trabalhava num barco em Dakar como mecânico. É militante da FLING.

 

[33] – A adesão plena de Ernestina da Silva ao PAI talvez devesse ter dado a partir de Rafael Barbosa, pis este chegou de dar indicações numa reunião em Bissorã no sentido de a mesma ser contactada em Bafatá.

 

[34] – Fernando Laudelino Gomes foi  para a República da Guiné em 1959. Trabalhou juntamente com Paulo Dias no Hospital Ballay. Saiu da RG em fins de 1962, para Dakar, por alturas de Novembro ou Outubro. Em 1964, encontrava-se com problemas psíquicos em Dakar, pelo que a sua mãe foi busca-lo a Dakar e levou-o a Bissau. Em Bissau,  foi preso pela PIDE em 1966.

[35] – De nome completo Paulo Gomes Dias, nasceu a 2.2.1930 em Bafatá, filho de Gregório Gomes e de Eva Pina de Araújo. Abandonou Bissau em meados de 1959 e fixou-se em Conakry onde aderiu ao MLG em Março de 1963 e mais tarde a FLING.

[36] – João Fernandes veio posteriormente a estudar medicina com uma bolsa. Regressou da URSS em 1967 e esteve em Dakar cerca de dois meses antes de partir para Bamako, onde passou doravante a exercer como cirurgião.

[37] Paulo Gomes (Néné) Foi para a RG desde 1956 e era pedreiro.

 

[38] Desconhecemos o apelido de um tal Abel que vivia em Conakry nessa altura. As únicas referencias era que o mesmo era casado com Amélia Vintassem

 

 

[39] –Também conhecido pelo nome “Liís Tchalumbé”.

[40] – Cf. declarações de Paulo Dias a uma Comissão de Inquérito do PAIGC encarregue  em 1967 de ouvir em processo cerca de duas dezenas de elementos da FLING que teriam tentado conseguir a desmobilização das FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo) e a proclamação da independência da Guiné-Bissau, com capital m Farim. Após a conclusão do processo, Paulo Dias foi acusado de ser o cabecilha da conspiração referida e, em consequência, foi condenado a morte. Foi fuzilado nas antigas áreas libertadas

[41] – Espólio documental de Hugo de Menezes gentilmente cedido pelo filho.

[42] - Aliás, disso se queixava Mário de Andrade numa carta que escreveu a Lúcio Lara de Frankfurt, datada de 3.12.59, na qual dia que “  Certas burocracias não permitiram ainda que  nos instalássemos num país africano. De certo modo sentimos um pouco que não há uma correspondência real entre aquilo que os actuais responsáveis da política africana dizem e o que se tem feito em prol dos nossos países ainda sob dominação colonial”- acrescenta.

[43]– Espólio documental de Hugo de Menezes gentilmente cedido pelo filho.

 

[44] Na entrevista que gentilmente nos concedeu em Lisboa a 2.6.2003 em Odivelas, Lisboa, Paulo Gomes Fernandes disse que “(...) apesar da forte vigilância, tanto o MLG como o PAI nunca pararam as suas actividades políticas. Lembro-me perfeitamente nessa altura de que ainda mandar dezenas e dezenas de rapazes para Conakry depois da cisão com o PAI, rapazes esses que e eram enviados por Rafael Barbosa Barbosa. A certa altura, a PIDE resolveu investigar o caso e eu acabei novamente preso a  31.12.63, com mais 31 jovens que se encontravam mais ou menos  preparados politicamente para saírem para Conakry, a quem, aliás, o Rafael Barbosa aproveitava para a tarefa de distribuição clandestina de panfletos pelas principais artérias de Bissau. Foi nessa altura que a PIDE interpelou o Degol Barros (Filinto Barros) e Dinis Barros, tendo ainda preso o Augusto  Rodrigues, Paulo Mendes Cesário Rodrigues, e três ou quatro meses depois, o António Pinhel(...)”

 

[45] – Rafael Barbosa lembra-se de Amílcar Cabral lhe ter mostrado ainda em 1959 a bandeira que viria ser a da Guiné, a qual, segundo Cabral se passaria a chamar-se “República da Guinela, por ser o nome da bacia do rio Geba.

 

[46] – Autos de interrogatório de Rafael Barbosa Barbosa, 1963, Arquivo Nacional Torre do Tombo,

[47] - Inicialmente Amílcar Cabral foi impedido de sair do aeroporto de Dakar, na medida em que constava que ele era o líder do PAI, coincidentemente, a sigla de uma formação política senegalesa dissolvido pelo Governo. Cabral acabou por entrar  em Dakar, após Lucette Andrade Cabral ter intercedido nesse sentido junto de um sobrinho de Senghor, de nome Late Senghor.

[48] - Com esta atitude Rafael Barbosa revelava um alto sentido

de luta na clandestinidade, pois receava ser preso e, se assim acontecesse, ao menos o dinheiro ficava à salvo.

[49] – De reparar que José Luís Barbosa que passou depois a residir em Dakar era considerado agente dos americanos que o equiparam completamente um estúdio fotográfico.

[50] – É nessa reunião que Rafael Barbosa vai distribuir os cargos, não contemplando nada ao José Francisco, deixando em aberto a possibilidade dele trabalhar como adjunto de Ladislau Lopes Justado que ficou como Secretário de Defesa. Ninguém, porém, aceitou o cargo ou o assumiu na plenitude.

[51] - Víctor Teixeira foi mobilizado por Aristides Pereira em Dezembro de 1959, que lhe falou do PAI. Mais, tarde, porém, acabou por aderir ao MLGC por convite de José de Barros, seu colega de repartição nos CTT.

[52] – Auto de interrogatório de José Barbosa na PIDE/DGS de Bissau.

[53] – No seu auto de interrogatório na PIDE datado de 5.4.62, John Eckert refere nessa altura foi contactado per João da Silva Rosa que o perguntou porque razão é que ele e os nativos da Guiné não haviam de tomar parte num movimento de modo a poderem , além dos caboverdianos, defender os seus próprios interesses”.

[54] – Da imensa  documentação, destaca-se um livro intitulado “Unidade Africana” de Modibo Keita, na altura, Presidente do Mali.

[55] – Citado por  Franklin, António George C. de Sousa (António de Cértima), Cf. “A Ameaça Islâmica na Guiné Portuguesa (comunicação apresentada ao IV Congresso da União Nacional, Lisboa, 1956, p. 24

 

[56] – Em 1956 que  viviam na Guiné cerca de 1.700 cabo-verdianos. Na sua maioria são funcionários públicos e empregados comerciais, profissões em que se agrupam também os metropolitanos. (Cf. Franklin, António George C. de Sousa (António de Cértima), Cf. “A Ameaça Islâmica na Guiné Portuguesa (comunicação apresentada ao IV Congresso da União Nacional, Lisboa, 1956, p. 24

 

[57] – António de Cértima é o Pseudónimo literário de, António George C. de Sousa Franklin, que após se ter licenciado em Ciências Históricas e Filosóficas e Diplomado no Curso Colonial, desempenhou funções administrativas em Timor e na Guiné, vindo depois trabalhar como funcionário do Ministério do Ultramar e desempenhado as funções de cônsul em Dakar. É  autor de considerável textos de Literatura Colonial.

 

[58] – Cabral, Luiz, Cónica da Libertação, Edições O Jornal, 1984, p. 11 e ss.

[59] – Entrevista concedida a Leopoldo Amado em Lisboa a 2.6.2003 em Odivelas, Lisboa.

[60] – Estevão Fernandes, Estevão Adriano Fernandes, de nome completo. Nasceu a 10 de Abril de 1932. Era microcopista na Missão da Doença do Sono. Usava o nome clandestino de Bubacar Nanque e chegou de ascender a membro do Bereau Político do PAIGC

[61] – Declaração de Estevão Adriano Fernandes, em auto de interrogatório à PIDE no dia 30.3.1962.

[62] – Nasceu em Bissau  em 1927. Era ajudante de mecânico, filho de Albino Gomes e Maria Gomes.

[63] – Leandro Vaz era irmão de João Vaz.

[64] – Auto de interrogatório do dia 5. 4.62 na PIDE/DGS em Bissau.

[65] - Depois do Ladislau Lopes Justado ter copiado à mão essa carta, Rafael Barbosa Bateu-o à máquina e expediu por via postal.

[66] - Acabou por realizar essa viagem em princípios de 1961, talvez em Janeiro ou Fevereiro.

[67] – Auto de interrogatório de Fernando Fortes na PIDE/DGS.....

[68] – Auto de interrogatório de Isidoro Ramos.

[69] João Rosa era particularmente sensível a questão de formação de quadros guineenses. João Rosa chegou de escrever para o Governo do Senegal a pedir bolsas de estudo para os nacionalistas guineenses, tendo, porém, sido o filho do Vicente Có o primeiro a beneficiar dessa bolsa.

 

[70] – Proc. PIDE/Abril/61, Torre do Tombo, fls. 234.

[71] – Do espólio documental de Hugo Azancot de Menezes, gentilmente cedido pelo filho.

[72] – Adriano Lima Araújo era guineense descendente de cabo-verdianos.

[73] João Fernandes era igualmente enfermeiro no Hospital Ballay. Depois foi estudar para a União Soviética. Em 1970 era médico e vivia em Bamako. É um cirurgião.

 

[74] – Paulo Gomes é de origem da Guiné Bissau e vivia em Conakry antes da independência deste país. Era casado com Amélia da Costa.

 

[75] – De nome completo Paulo Gomes Dias, nascido a 2.2.1930 em Bafatá, filho de Gregório Gomes e de Eva Pina de Araújo. Abandonou Bissau em meados de 1959 e fixou-se em Conakry onde aderiu ao MLG. Depois fez parte da MLG em Março de 1963 e mais tarde da FLING.

[76] – Pedro Gomes Ramos era irmão de Domingos Ramos, ambos já falecidos. O primeiro, na qualidade de alta patente das Forças Armadas da Guiné-Bissau, foi condenado e fuzilamento durante o regime de Nino Vieira, por acusação de conspiração. O segundo, na sequência de um recontro com tropas do Exercito português em 1966, em Madina de Boé,  ainda em plena luta armada.

[77] – Richard Turpin era descendente de uma família guineense há muito radicada na Guiné-Conakry.

[78] – Em carta datada de 31. 8.59, o deputado  Mara Diomba endereçou uma correspondência aos responsáveis do MAC em que lhes prometia uma resposta para depois de uma próxima reunião do BP do PDG (Parte do espólio documental de Hugo de Menezes gentilmente cedido pelo se filho)

[79] - Aliás, disso se queixava Mário de Andrade numa carta que escreveu a Lúcio Lara de Franfurt, datada de 3.122.59, na qual dia que “  Certas burocracias não permitiram ainda que não nos instalássemos num país africano. De certo modo sentimos um pouco que não há uma correspondência real entre aquilo que os actuais responsáveis da política africana dizem e o que se tem feito em prol dos nossos países ainda sob dominação colonial”.

[80] – Arquivo Nacional da Torre do Tombo – PIDE/DGS de Angola.

[81] – Auto de interrogatório de Paulo Dias junto a uma Comissão de Inquérito do PAIGC encarregado de constituição do Processo dos elementos da FLIG acusados de aliciarem elementos do PAIGC a uma insubordinação.

[82] – reuniões dentro das próprias casas; no interior e no exterior; deslocações de vários elementos entre várias localidades; obtenção de adesões; lançamento de panfletos pelas artérias das cidades, vilas e povoações; envio de panfletos pelos Correios a entidades oficiais, particulares e civis; afixação de panfletos nas montras dos estabelecimentos, paredes e prédios; elaboração de correspondência e remessa da mesma aos elementos em actividade no estrangeiro e ainda destinada aos governos de diversos países; obtenção de bolsas de estudo no estrangeiro; cobrança e arrecadação de fundos em dinheiro por meio de quotas, etc.

[83] Durante o ano de 1959, os panfletos espalhados em Bissau estiveram a cargo de  Alfredo João Tavares Meneses de Alva, Epifânio Souto Amado e Fernando Ferreira Fernando Fortes. No mesmo ano essa distribuição foi feita em Farim por Paulo Lomba e Víctor Paula Teixeira.

 

[84]Eis a carta que João Rosa Silva escreveu  ao Inspector da PIDE de Bissau: “Forçado pelas circunstâncias resolvi fazer-lhe estas linhas que V. Ex. saberá desculpar-me a ousadia e o tempo que lhe vou roubar. Há mais de 45 dais que os meus pés incharam-se para depois baixarem até ao normal. E, de repente começaram novamente a incharem e agora estão tomando proporções verdadeiramente alarmantes, pois o inchaço subiu até às pernas! Passo noites horríveis, insónias e abalos no coração provocados por tensão arterial muito elevada originando a asma cardíaca que abala-me o corpo e canso-me ao menor esforço. Se este estado de coisas se prolongar por mais tempo o meu estado de saúde passará de pior a péssimo e de grave a alarmante. Consequentemente, rogo a V. Ex. a minha hospitalização urgente ou a liberdade sob caução a fim de ser tratado pelo sindicato onde tenho médicos e medicamentos. Esperando que V. Ex., e atendendo o seu alto espírito de compreensão e de Justiça encontre a  solução para este problema tão grave como urgente, para o que deixo aqui expresso o meu profundo agradecimento e expressão bem sincera do meu maior respeito. Humildemente Ass. João Rosa”

 

[85] – Proc. PIDE/Abril/61, Arquivos da PIDE, Torre do Tombo.

[86] – Na altura, o melhor e mais seguro agente de ligação era Lourenço Gomes, mobilizado pela organização por Ladislau Justado Lopes que achou que este podia ser um bom elemento de ligação. Lourenço Gomes, natural de Calequisse era um tecelão que se dedicava especialmente a negócios de ouro entre a Guiné “portuguesa” e a Guiné Conakry.

 

[87] – Rafael Babosa, no seu interrogatório na PIDE e no dia29.3.1962, afirmou que os recrutamentos de jovens em Bissau pela facção do MLG era muito mal feita, porquanto “eram pouco escrupulosos. Recebiam dos interessados entre 50 a 100 escudos e não enviavam os interessados enquanto não apoderassem, por vezes, dos bens que deixavam, tais como, aparelhos de rádio, bicicletas e outros objectos que transformavam em dinheiro para outros fins da mesma organização, mas sobretudo para proveito próprio. Rafael Barbosa soube ainda que “depois que parte desses jovens acabaram por não alcançar o destino e os que alcançaram acabaram por se colocar sob a dependência do engenheiro Amílcar Cabral por o Paulo Dias não dispor das condições que antecipadamente eram anunciadas.

[88] – Quando cegou a Bissau, Pedro Ramos transportou um cesto de palha que continha oito pistolas.

[89] – Nessa ocasião, Momo Turé informa Rafael Barbosa de que a sua missão era desempenhar as funções de Responsável Político em conjugação com um Responsável Militar que entretanto chegara a Bissau havia um mês antes do regresso de Momo e que era o Pedro Ramos.

[90] – De salientar que tanto Rafael Barbosa como Pedro Ramos e Momo Turé ostentavam a medalha do PAIGC quando recebiam as pessoas na sede do PAIGC em Bissau.

[91] – Foi igualmente através dessa correspondência que foi possível a PIDE inteirar-se que Cabral fez deslocar os seus adeptos para o Senegal para toda a região fronteiriça com vista ao início da luta armada na região Norte da Guiné, dos quais Samine era o principal centro e ponto de apoio e as das ligações com o interior e Conakry.

[92] – Esta máquina de escrever era da marca Remington, oferecida pelo Alfredo Meneses d`Alva a sede do PAIGC depois que foi absolvido aquando da sua primeira prisão pela PIDE.

[93] – Este esquema da esquadra de policia em Bissau intitulado “Um Rei Previdente”, onde se aprisionavam os nacionalistas do PAIGC foi de autoria do ex-preso Estevão António Tavares.

[94] – Este croquis foi entre ao Pedro Ramos por um cabo guineenses do Quartel de Santa Luzia

[95] – Ambrósio Djassi era o pseudónimo de Rui Djassi.

[96] - Novos crimes dos Colonialistas Portugueses, Bereau Político do PAIGC, de 24 de Março de 1962 datada de Conakry

[97] – Depoimento de Henry Batchatcha, membro do Comité Executivo da FLING, In Processo “FLING”, 1967,Arquivo do PAIGC. Henry Batchatcha foi condenado e fuzilado nas antigas áreas libertadas do PAIGC, acusado de aliciar militares do PAIGC a deporem as armas e a proclamar, consequentemente, a independência da Guiné-Bissau, com capital em Farim.

[98] – As autoridades senegalesas não estavam ao corrente dessa preparação militar em Dakar, pois  antes do seu início, François Mendy tentou em vão obter autorização de Henry Bodjane (elemento do Governo senegalês responsável por relações e  controle dos movimentos de libertação), para que o MLG pudesse dar inicio a preparação militar no território senegalês.

[99]– Alpha Salifo Camará nasceu em Cabunepe, Cacine. Foi preso por causa das cartas escritas pela Comissão de Controle da FLING, dirigidas ao Bereau Político do PDG insultando-o pelo apoio que este dava ao PAIGC. Em consequência disso,  esteve preso 5 meses e foi chamado ao BP para explicar a razão destas cartas. Refira-se que essas cartas foram escritas por Armando Faria e Bartolomeu de Carvalho Alvarenga, que foi posteriormente viver para Angola.

[100]Autos de interrogatório de Alpha Salifo Camará, elemento da FLING preso em 1967, perante uma Comissão encarregue de constituição do Processo de dirigentes da FLING acusados de aliciamento às unidades de guerrilha do PAIGC nas áreas libertadas do PAIGC, no Norte da Guiné-Bissau.

 

[101] - Paulo Dias esteve 4 vezes a Bamako. A primeira vez, em 1964, foi de comboio com viagem paga por si. Tinha ido ver as possibilidades de instalação de uma representação da FLING em Bamako. Fez isso por sua conta, pois Jonas não concordava com isso. Da segunda vez, em 1965, numa delegação da FLING; Da terceira vez foi em Setembro de 1967 foi quando esteve a contactar os chineses a propósito do envio de armas; Da quarta e última vez, foi em Fevereiro de 1968 onde contactou novamente as embaixadas da Correia do Norte, da China e do Vietname.

[102] – Auto de interrogatório de Paulo Dias junto a uma Comissão de Inquérito dos Serviços da Segurança do PAIG, 1967.

[103] – Os responsáveis mais sonantes da UPG em Dakar eram Henry Labery, Vicente Có, Jonas Mário Fernandes, Luís Alfredo da Silva, Ernestina da Silva, Malam Mané, François Luntam, Armando Vieira Faria (ex-alferes) e António Augusto Brio Lança (ex-furriel).

[104] – Eram ainda responsáveis do MLG o Honoré Cabral, Corona Djaló, Andrade, Djosa, Luís Teixeira Barbosa (Luís Barré (estes três últimos de Cabo Verde).

[105] – Armando Faria nasceu a 26.10.931 em Bissau, filho de Albino Vieira Faria e Leopoldina Antónia da Silva.

[106] – Nascido a 4.2.1933 em Bissau, casado, filho de Mário Fernandes e de Isabel Maria de Pina, tinha sido aspirante provisório dos Serviços Administrativos antes da sua especatcular fuga em Dakar durante uma escala técnica num num aviaão do TAGP (Transportes aérios da Guiné Portuguesa). Veio mais tarde a ascender ao cargo de Presidente da FLING.

 

[107] – Os lideres eram Úmaro Gano, Benjamim Pinto Bull, Paulo Dias e Sambel Baldé

[108]De nome completo Rui das Mercês Barreto, nasceu em Bolama a 7.5.1929.

[109] – Duarte Cabral nasceu em Bolama  em 1944, filho de Raimundo Quadé e Cecília Mampasa.

 

[110]Cabral, Amílcar, Notre Peuple, Le Gouvernement Portugais et l´ONU, Serviços de Informação do PAIGC, Junho de 1970. Este texto foi em primeira mão apresentado por Amílcar Cabral perante o Comité Especial dos Territórios Administrados por Portugal e, posteriormente, , em 1970, à intenção da Conferência Internacional de Solidariedade com os Povos das Colónias Portuguesas em Roma, em Junho de 1970.

[111]A expressão «acção directa» nasceu aquando da primeira conferência dos movimentos de liberta­ção das colónias portuguesas realizada em Londres, em 1961. Convencionou-se assim chamar de «acção directa» a luta armada, na medida em que aconselharam os nacionalistas da paradoxal aver­são dos Ingleses à violência. «Acção directa» seria pois um eufemismo da expressão «luta armada». Do ponto de vista do PATGC, e considerando sobretudo as circunstâncias em que foi proclamada a acção directa, ela representou a fase de sabotagens praticadas pelo PAIGC entre 1961 e 1963 nas estradas, pontes, vias de acesso, etc.

 

[112]Entrevista concedida a Leopoldo Amado em Lisboa a 2.6.2003 em Odivelas, Lisboa.

[113] – Dentre os guineenses deportados para o deserto de Moçamedes em Angola (ceda de 12 pessoas) estavam Epifânio Souto Amado, Pedro Pereira (Pipi Pereira), Aquino Pereira , António Barbosa, entre outros.

[114]Rabat é uma cidade particularmente importante para o PAIGC. Ali. "(...) processaram—se efectivamente as bases que vieram tornar possível o arranque do combate vitorioso contra o colonialismo no nosso pais. Afirma Luís Ca­bral, para se referir de seguida a "(...) Dezenas de carabinas, de pistolas-metralhadoras para os nossos combatentes - milhares de balas, [que] foram carregadas num camião civil no pátio do Ministério da Defe­sa e me foram entregues ali, ao portão, sem qualquer formalidade(...).

 

[115] – Fernandes, Cadi, Retratos de Ontem, Diário de Notícias, - Textos & Documentos, Editorial Notícias, 1994, pp. 225-226.

[116] – Vide Felgas, Hélio, Guerra na Guiné. 1967.

[117] – Augusto Macias, dos mais activos e mais temido elementos da PIDE de Bissau é morto aquando dos ataques do MLG de François Kankoila em Bigene ou Baro (verificar) na segunda quinzena de Junho de 1962.. Era o instrutor meticuloso dos processos que se constituíram nas grandes vagas de prisões efectuados pela PIDE aos nacionalistas guineenses nos inícios dos anos “60”, pelo que foi substituído nesse processo pelo agente Virgílio Ferreira dos Santos.

[118] – Paulo Gomes Dias nasceu a 2.2.1930 em Bafatá, filho de Gregório Gomes e de Eva Pina Araújo

[119] ­– Ferreira, Luís Gonzaga, “Qaudros de viagem de um Diplomata, àfrica-SenegalGuiné-Cabo Verde, 1998, pp. 39 e ss.

[120]– Salazar, oliveira, Discursos e Notas Políticas - Política Ultramarina, VI, 1959-1966, Coim­bra 1967.

 

[121] Cunha, Silva, O Ultramar, a Nação e o “25 de Abril”, Atlântida Editora, Coimbra, 1977, p. 108-113.

[122] - A delegação que foi ao Mali era composta de Dousou Seydi, chefe da delegação, Gabriel Gomes da Costa e Paulo Gomes Dias. No Mali, não viram pessoalmente Modibo Keita. Tiveram um encontro com Madeira Keita, Ministro da Justiça e com Eusoune Bah, Ministro dos Negócios Estrangeiros. Estes aconselharam-nos a voltarem em Setembro do mesmo ano, altura em que o Presidente estaria disponível para os receber. Entretanto, depois da delegação ter sido indigitada (Jonas Fernandes, Doudou Seydi e José Francisco Gomes), Jonas Fernandes, segundo as palavras de Paulo Dias, “arranjou uma série de artimanhas para evitar que a delegação saísse, justificando-se depois que se tratava de um país comunista, sendo portanto preferível não ir. Contactaram ainda nessa viagem de Agosto as embaixadas da China, Cuba e Vietname.

[123] - Jonas, Labery e José Francisco Gomes eram os elementos da FLING de Jonas que contactavam as embaixadas. Eles realizavam esses contactos secretamente, pelo que só depois dos contactos havidos com a

embaixada de Israel é que os restantes membros da Direcção vieram a saber dos mesmos.

[124] - Nessa altura, a FLING de Paulo Dias escreveu uma carta ao Holden Roberto a pedir-lhe que aceitasse receber uma delegação da FLING no Congo e uma outra ao Presidente Mobutu a quem pediam duas passagens para que pudessem deslocar-se ao Congo para conversações com o Governo. Dessas duas cartas, não obtiveram resposta.

[125] – A acção de Bull entre 66 e 67 atraiu muitos dos elementos da FLING para Ziguinchor, os quais acabaram por ir a Bissau, tais como Sérgio Gomes, Mário Té, António Có, Abdú Biai (saído da Gâmbia) e Sana Cassamá (saído da Gâmbia).

 

[126] - Segundo palavras do auto de interrogatório de Paulo Gomes Dias, “quando suspendemos o Jonas mandamos os rapazes para Kolda e Ziguinchor. Bull aproveitou-se da nossa situação difícil financeira, deu ao Domingos Araújo dez mil francos e conseguiu apoderar-se dos rapazes. Por intermédio de Domingos Araújo, queria que o nomeássemos Presidente. Eu disse ao Domingos de Pina Araújo que o Bull é agente dos portugueses. A partir dessa data, Bull passou a dizer que é Presidente da FLING. Foi ao Congo como representante da FLING em 1967 e nessa qualidade também foi à ONU. Arranjou permanência em 1965 e convidou um representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Senegal e o Embaixador dos Estados Unidos para a inauguração. O Governo do Senegal apoia o Bull, apesar de saber que Bull vai passar todas as suas férias a Portugal. Denunciamo-lo como agente dos colonialistas portugueses e do imperialismo internacional”.

[127] - Na sua audição, afirmou que nunca fiz trapaças. Fui da oposição do Partido. Estive no Partido dos filhos da Guiné. Neguei porque havia cabo-verdianos. Fui o primeiro responsável de Boké. Dirigi os rapazes para a fronteira de Dandula e Sansalé em 1963.

[128] - De notar que uma carta da FLING endereçada a Mamadú Indjai continha em anexo uma lista de 50 comandantes da zona Norte do PAIGC, curiosamente, todos de origem mandinga, os quais deviam assinar o comunicado que anunciava o golpe, pois estavam convencidos de que só com armas na mão é que o PAIGC aceitava fazer unidade com eles em condições iguais.

[129] Em Março de 1964, os manjacos refugiados no Senegal foram apresentar uma queixa ao Governo senegalês de que François Mendy enviava os seus homens a Guiné Portuguesa assaltar as povoações, provocando mortes e roubando vacas que mandava depois vender a Gâmbia, sendo por isso perseguido pelas autoridades senegalesas.

 

[130] – Nasceu em Gabú em  1925. Em Dakar desde há anos que exerce a profissão de criado em casa do “Maire” senegalês Lamine Guey. Úmaro Gano pertenceu a extinta UNPG (União dos naturais da Guiné Portuguesa, com Benjamim Pinto Bull.

[131] –  Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Supíntrep n°. 32, "Ordem de Batalha do PAIGC Instrução, Táctica e Logística", Secreto, Junho de 1971.

 

[132]– Cunha, Silva, O Ultramar, a Nação e o “25 de Abril”, Atlântida Editora, Coimbra, 1977, p. 108-113.

[133] – Monteiro, Saturnino, Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa (1808-1975), Vol. VIII, s/d, pp.187-192.

 

[134] –Citado por Guerra, João, Memóia das Guerras Coloniais, p. 214.