CRIMES, ENFIM, EXUMADOS NA GUINÉ-BISSAU?

 

Artur Sanhá « nas malhas da justiça » [1]

 

 

 

Artur Sanhá

 

 

Por: Norberto Tavares de Carvalho, « O Cote »

 

 

Genève, 25 de Abril de 2006

 

 

Pelo seu carácter, deve-se dar uma exlusividade a este acontecimento. Porque até à data presente os Tribunais guineenses julgam sem punir e o poder pune sem julgar. E o cúmulo de tudo é que quando há condenações, os sentenciados vão para casa e não para a cadeia. Resultado, até hoje dirigente algum foi efectivamente pungido pelos actos de abuso de poder, de sevícias ou de crimes cometidos durante o seu mandato. Por esta simples razão, vale a pena interessar-se pelo julgamento do caso da morte da Sra Florinda Tavares que decorre no tribunal de Bissau e onde o ex-Primeiro Ministro do ex-Presidente Kumba Yalá comparece como « declarante » 1 correndo o risco de ser condenado, já de rompante, por

«  falsas declarações ao Tribunal ». 1

 

Este processo releva de uma certa importância sobretudo porque abre um antecedente na lista dos casos de crimes cometidos e passados sob silêncio na Guiné. A audição, no tribunal, do Sr. Artur Sanhá é um caso exemplar independentemente do que vai ser o seu desfecho. Porque, a exemplo do que lamentavelmente se tem passado no Supremo Tribunal de Justiça com as suas decisões, deve-se duvidar da maneira como se vai deliberar a implicação do presumido autor moral do crime ou a pena que lhe poderá ser imputada. Mas, por enquanto, notemos simplesmente que se passa algo novo nos anais da justiça.

 

Até aqui as sucessivas autoridades guineenses não fizeram nada para elucidar as circunstâncias de vários crimes e traduzir os seus presumíveis autores em justiça. As tímidas tentativas empreendidas redundaram em fracasso.

 

Ora, o Direito Internacional obriga os Estados a inquerirem sobre as violações dos Direitos do Homem. A procura da verdade completa é uma obrigação absoluta e um direito inalienável das vítimas e da sociedae em geral. De origem judiciária ou administrativa, o direito à verdade tem uma projecção individual e colectiva.

 

As múltiplas experiências do tratamento da questão dos crimes cometidos, nomeadamente na América Latina, demonstraram que o direito à verdade das vítimas das violações flagrantes dos Direitos do Homem pressupõe a abertura de inquéritos judiciários também ligados ao exercício do direito ao recurso e à defesa. Esses inquéritos devem determinar as condições da perpetração das violações e identificar individualmente os responsáveis. Os familiares das vítimas têm o direito de saber como, quem, porquê e onde pereceram os seus.

 

Embora se saiba que há mais mortos fora do que dentro dos cemitérios, a Guiné não pode estar acima das disposições internacionais dos Direitos Humanos.

 

Quais foram os comandantes militares que ordenaram as execussões de Quêbo, de Cumeré, de Bafatá ou de  Farim ? Quem mandou matar o Sr. Otto Schat ? O cidadão Braima « Uni » suicidou-se ? Deveras ? Quem matou o Capitão Robalo ? Quem mandou matar o Sr. Nicandro Barreto? Quem assassinou o General Anssumane Mané ?  Quem mandou matar o General Verríssimo Seabra e o Coronel Domingos Barros? Quem? [2]

 

Em materia do Direito Internacional, o direito à verdaede é inalienável e imprescriptível. A este propósito o Direito Penal Internacional abroga as leis da amnistia como meio de garantir a impunidade dos autores de crimes e obriga o Estado a inquirir, perseguir, julgar e sanccionar os presumíveis autores.

 

Ficar sem saber as razões que levaram ao desaparecimento de indivíduos é uma fonte de sofrimento que constitui um tratamento desumano e agrava o mantimento da impunidade dos responsáveis de crimes.

 

O pacato guineense aceita, com relativa facilidade, a imputação de responsabilidades aleatórias,[3] tem tendência a se cobrir de um véu púdico porque tem vergonha do seu passado, das causas e dos excessos cometidos. Pensa que lembrar não é bom e que se deve esquecer para se reconciliar (Confesso que também eu, nos gloriosos tempos da juventude, cheguei a aceitar esta « filosofia » como noção de civismo !) Uma atitude errada porque nunca haverá reconciliação se a impunidade não for combatida no país.

 

E tão-pouco se pode falar de amnistia fora do processo da responsabilização dos culpados, da confrontação com as vítimas e do apelo à verdade. Só que na Guiné confunde-se amnistia e amnésia… e acredita-se que pode-se perdoar (ou ser perdoado) com uma simples e banal declaração de circunstância.

 

Depois de tantos anos de silêncio, é essencial que a questão da impunidade seja levantada. Várias mães e vários pais, mulheres, homens e crianças, familiares das vítimas dos crimes cometidos no pós-independência, durante a ditadura niinista e no regime kumbayalista, devem poder exumar os seus entes queridos e reivindicar as suas memórias.

 

Que a tragédia da nação guineense em construção não fique na história como um flagelo vindo dos céus, e que, a exemplo do julgamento do Sr. Artur Sanhá, não hajam impunidades pelos actos que tiveram lugar na desnaturalização do processo evolutivo do país e na acção criminosa dos homens que nela tiveram influência.

 

Assim se ganham as verdades e assim se repõe a História.

 

E é assim mesmo que a justiça deve proceder.

 
 


[1] Expresso Africa, 05.04.2006

[2] Antes de fechar o presente artigo, o “Didinho”, um dos defensores dos direitos do Homem, nos informa, nas colunas do “Notícias Lusófonas”, que acaba de ser cometido um novo crime na Guiné, na pessoa do seu tio o Sr. Fernando Varela Casimiro, industrial, ex-estudante da antiga  Escola Técnica de Bissau e excelente atleta do seu tempo. Quem?

[3] No golpe de Estado de 14 de Novembro de 1980, onde muito se falou de justiça, a maioria dos principais responsáveis pelos fuzilamentos e torturas nas prisões não foram importunados. O próprio chefe dos golpistas, N° 1 das altas patentes militares e mais tarde Primeiro Ministro, saldaria a sua implicação pessoal nos fuzilamentos e outras exacções, à base de … lágrimas (de crocodilo), pregando, sem vergonha, a sua « inocência ».

 

 

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