Consumir Natural, Consumir Nacional

(Ponto de Vista)

“O perigo agora mora em nossas mesas”.

Semedo

Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo

rjogos18@yahoo.com.br

11.01.2011

Rui Jorge SemedoUm dos grandes problemas que a humanidade enfrenta à escala planetária é a questão alimentar. Os interesses econômicos hegemônico das grandes multinacionais impuseram ao longo das duas últimas décadas regimes alimentares mediante a disseminação de manipulação genética agro-alimentar.

Reconhece-se que os indivíduos de várias sociedades passaram a viver em situações de vulnerabilidade, devido a um regime alimentar altamente desenraizado e desequilibrado, sustentado num marketing feroz nos países desenvolvidos (hoje com um elevado índice de pessoas obesas, hipertensas, diabéticas, além de outros distúrbios biológicos que sacrificam o organismo humano, como por exemplo, o caso do cancro) e disfarçado em políticas de ajuda aos países pobres e em vias do desenvolvimento para o combate à fome.

Em África, o impacto das políticas de ajustamento estrutural que pregava o conceito de “menor Estado, melhor Estado”, teve como consequências o enfraquecimento do Estado e simultaneamente o desincentivo à produção agrícola e abriu caminho para transformar as sociedades africanas em sociedades de importação e comercialização.

Hoje com a nova vaga da chamada Aliança por uma Revolução Verde em África - AGRA*, e as mudanças que ambicionam transformar a agricultura familiar e biológica (através da manipulação genética e introdução de insumos químicos), é uma das grandes ameaças à soberania alimentar dos países africanos, podendo ficar estes mais dependentes na sua produção e capacidade de se alimentarem duma forma saudável sem perder as identidades locais.

É com base nestas preocupações que observo a relevância da realização no passado mês de Dezembro de 2010, das primeiras Jornadas do Consumo Nacional como uma ação pedagógica e patriótica da Tiniguena e seus parceiros nacionais e estrangeiros**, com a finalidade de chamar a atenção dos decisores e dos cidadãos sobre a necessidade de adotarem uma atitude alimentar mais proactiva, privilegiando, por um lado, o consumo de produtos naturais e locais, e por outro lado, ao adquirirmos os produtos locais, estamos a incentivar a produção nacional.

Contudo, deve-se reconhecer que estamos perante um desafio que não é fácil, num contexto onde existe baixo poder de compra e alto índice de analfabetismo, parece ser ainda um terreno fértil para a indústria publicitária sucumbir os nossos produtos através das propagandas (muita das vezes enganosas às mentes dos consumidores indefesos, basta ouvir Rádios!).

Daí que urge aos nossos decisores políticos e a classe empresarial assumirem a liderança e o engajamento, investindo na produção e mercados locais, na adoção e prática de políticas favoráveis e de incentivo à produção, na melhoria de infraestruturas produtivas e de comunicação e na superação de altas taxas fiscais (às vezes ilegais), que concorrem para o desencorajamento da produção nacional e simultaneamente reduzindo as opções do consumidor no momento da escolha.

Na Guiné-Bissau, estamos ainda a tempo! Estamos a tempo de mudar, melhorando a nossa qualidade de vida. Isso passa necessariamente, entre outros, por uma educação alimentar que implica a adoção de práticas saudáveis que fortaleçam o organismo e garantam a longevidade – a educação do gosto. Temos agora uma verdadeira possibilidade de estimular essa aprendizagem aos mais novos, tendo em conta que em 2010, foi introduzido a disciplina da Educação Ambiental no curriculum escolar, podendo o Ministério da Educação Nacional ancorar o seu programa nas dinâmicas e experiências em curso no país (como é o caso das ações levadas a cabo por este grupo de trabalho).

Numa outra diapasão, quero aqui chamar atenção para a necessidade de existir internamente uma adequada política de produção, fiscalização e distribuição de bens alimentícios nos mercados. A aposta das organizações não governamentais na produção nacional de coisas naturais oferecidos pelo nosso rico e diversificado ecossistema, em parte, pode ajudar, mas não substitui a ação do governo, sobretudo no controle e fiscalização dos alimentos importados de péssimas qualidades e que agridem o nosso bem-estar, aqui, é de enaltecer o trabalho de denúncia da Associação para a Defesa de Consumidores - ACOBES – que tem alertado para a qualidade duvidosa dos famosos maioneses, sumos em pó e de latas com e sem gás, arroz ditos perfumados, óleo vegetal, manteigas e caldo de galinha (entre nós conhecido como gusto)… e que muita das vezes desconhecemos as procedências.

Sem etnocentrismo, é bom dizer alto e em bom som, que não há nada melhor e bom para um guineense que levar à mesa um prato de caldo de mancarra, um brindji de skilon, um cigá de candja com ostra, gandin, cuntchurbedja, um cuntango de combé, ou de lingron, ou de djorontche com óleo de palma, um caldo de tcheben, um caldo branco de bagre fumado, uma cafriela e outros que excitam os nossos paladares… é ali que encontramos a nossa identidade, na sabura do nosso pó di buli!  E com esses deliciosos pratos, nada melhor acompanhar com vinho de cajú, ou de palma. E se a opção for sumo a lista é quase interminável, e frutas orgânicas como cabaceira, foroba, ondjó, veludo, fole, tomate, laranja, mandiple, miséria, ananás, papaia, e outras garantem o sabor de primeiríssima qualidade.  E que tal um cuscuz, um fidjós e outros no pequeno-almoço?

Termino este artigo dizendo que, a vida parece-me uma coisa igual às páginas do livro, precisa ser desfolhada, lida com carinho e atenção para ser assimilada e aproveitada intensa e racionalmente. Por isso, a meu ver, as Jornadas de Consumo Nacional além de ter sido um belo presente aos guineenses e amigos da Guiné-Bissau no ano findo de 2010, é sem dúvida, um livro e uma oportunidade que é gratuitamente oferecida para repensarmos o nosso hábito e a nossa identidade alimentar daqui para frente.

 

Rui Jorge Semedo                


 

* Para maior informação, ver o site da Coligação para a Defesa do Património Genético Africano – COPAGEN. Esta organização Panafricana tem procurado construir alianças para defesa das comunidades camponesas africanas e ao mesmo tempo leva a cabo acções de informação e sensibilização na África subsaariana.

** Realizada pela ONG Tiniguena em colaboração com o Grupo de Trabalho para a Promoção dos Produtos da Terra (este integra ACOBES, AD, Artissal, Caritas, COAJOQ, Divutec, KAFO e Tiniguena). A acção insere-se no âmbito do projecto Kil Ki Di Nos Ten Balur, co-financiado pela União Europeia e pelo IPAD e executado pela Tiniguena em parceria com o CIDAC.

 


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