CHAPA DE TIRO AO ALVO
 

 

Filomeno Pina  *

filompina@hotmail.com

18.01.2013

Por vezes sentimos uma presença fantasmagórica no nosso íntimo, a alma com perturbações de ansiedade e de medo, ensombrando tudo à nossa volta, um nevoeiro interno por detrás dos olhos, que não permite descontracção, tranquilidade, tornando confuso o nosso estado de espírito e pensamento. Inúmeras vezes, não sabemos definir este medo que amordaça o nosso corpo, até nos gestos mais simples que façamos, uma inquietude persistente e consciente está dentro de nós e até desconfiamos daqueles que perturbam a nossa própria respiração e Paz enquanto Guineenses, observadores do que se passa na nossa Terra-Mãe, torna-se-nos difícil fingir não ver o óbvio.

Este ambiente psicológico de tensão social é crónico para maioria de nós, motivo dum batimento cardíaco acelerado no cidadão comum Guineense. Provocando troca passo constante, desde que nasceu esta independência trouxe simultaneamente alguns problemas dum parto difícil. Esta criança (independência) que veio ao mundo e trouxe por arrastamento problemas de desenvolvimento, dificuldade de adaptação ao mundo novo, nasceu órfã e não conheceu o Pai AMÍLCAR CABRAL, cresceu deixando para trás ensinamentos, doutrina, regras de conduta verdadeiramente revolucionários a ter em conta para orientação política e administrativa do território nacional (depois da independência) tal como pensou o Pai da nossa nacionalidade, mas, que os lideres abandonaram após a sua morte os testemunhos escritos deixados. Vemos que os continuadores não conseguiram nunca aplicar qualquer projecto político progressista, de unidade e desenvolvimento do País, por falta de unidade no PAIGC que cedo se fez sentir em toda a República da Guiné-Bissau, desde o regime de partido único ao multipartidarismo da actualidade. Mergulhamos numa dificuldade muito difícil de transpor, a ausência de unidade em torno do Aparelho de Estado foi fatal, mas possível de vencer ainda e de ultrapassar com novas estratégias de combate à corrupção e com acordos multipartidários em torno de assuntos prioritários da Nação.

Esta independência logo à nascença se deparou com novas exigências e conteúdos que não soube compreender e adaptar-se no meio ambiente novo, com jovens dotados de inteligência académica e em plena aprendizagem política, uma sociedade aberta, numa festa da independência com liberdade de expressão sem medos, convivência e espírito novo, começa a assistir ao inesperado paradoxo desta liberdade jovem dos anos/70, que nunca foi tolerada, houve um comportamento radical do PAIGC, uma intolerância para com a irreverência da Juventude Guineense e, neste ambiente social, deixou de haver tolerância e, cedo, tudo passou a ser interpretado e conotado politicamente como sendo “reaccionário” quando são apenas ideias diferentes que qualquer um pode ter.

Esta conotação (reaccionário/revolucionário) passou a ser um novo critério de selecção na aproximação ideológica do PAIGC. Com muita pena, porque triste é o pai que não aceita um filho “deficiente” e o descrimina por ser diferente ou por ter ideias diferentes. Logo depois, é coagido a abandonar a Casa ou a morrer por resistir a ficar debaixo das saias da Mãe, triste sina para muitos que tombaram depois da independência, jovens. Passou a haver uma descriminação centrada na cidade de Bissau e arredores, mas apenas para alguns, outros, reconhecidos pelo regime “safaram-se” e, mesmo assim, também alguns destes, mais tarde, vieram a morder a própria língua, sendo vítimas do próprio veneno que desconheciam da nova convivência.

A época da desejada independência, desde o inicio demonstrou lacunas perante expectativas de progresso rápido e desejado por todos nós, ideal fantasioso, próprio do ideal do eu, lançado na altura, mas longe do que as pernas reconhecem, palmilhando o chão que pisam, faltou autonomia, experiência e maturidade política de muitos dirigentes do PAIGC que não a teriam na época, afinal confirmaram a dificuldade global e também especifica na altura, no entendimento desta transferência das zonas libertadas para o pós-independência na capital Guineense.

A ausência de ferramentas humanas, de uma ideologia adaptada a novas circunstâncias e condições encontradas num País jovem Independente, provocou um caos gradual e progressivo, uma politica que cedo introduziu o “método” de subtracção física, afastando e perseguindo pessoas ou chegando algumas vezes a matar o próprio filho. Sempre que haja um que desobedeça ou pratique uma má acção conotado politicamente, irmãos contra irmãos, e cada um interpretando o Pai à sua maneira, o mais forte abusa do mais fraco, acha-se no direito de o fazer, não querendo ver pela frente o seu rival, esta loucura tem mudado de rosto e de perfil, ainda está este modo de actuação a vigorar no País e tem actuado ciclicamente fazendo subir o número de mortes.

Vislumbrou-se uma perturbação de desenvolvimento social característico de um défice político grave nas capacidades demonstradas no geral. Era esperada uma compreensão libertadora neste processo de independência, revelou-se pouca ou inexistente, tanto do ponto de vista humano como material necessários para um arranque positivo.

Progressivamente, foi surgindo uma perda de liberdade de expressão no meio social, dando lugar a uma descriminação política e sócio familiar (com uns apelidos respeitados e outros não, de acordo com a aproximação destes ao PAIGC), o que trouxe medo inicial e o começo da depressão social, comparativamente com a sociedade Bissau-Guineense, encontrada na altura.

Deixamos de nos expressar na voz própria para colarmos a linguagem da “mentira”, adaptando-nos, através da imitação camaleónica, para agradar e salvarmos a pele, tornando difícil evitar semelhante bloqueio consequente. Afinal somos coagidos, manipulados pelo medo, medo de assumirmos este estado de agitação interior que nos afecta, medo de não dizermos o que sentimos. Que esperar, senão o empobrecimento da mente e da capacidade criativa?

Quando pensamos surge uma sombra, surge a imagem de tanto sangue derramado ao longo de quarenta anos de independência, surge a ideia de vampiros (Kassyssas) que, de quando em vez, se passeiam, por aí, aos tiros, no escuro. À frente do nosso nariz, fingimos não ver, numa sensação desesperada que invade a nossa tolerância à frustração, tornando difícil conseguir a calma necessária, como cidadãos livres.

Saber quem era quem, no tempo da PIDE, por exemplo, sabíamo-lo e bem, foi uma realidade com a qual aprendemos a lidar antes da independência, mas hoje, também a nossa alma anda fugida do corpo, desconfiada, vivendo em cantos, a fugir das sombras da morte “súbita”, só para os marcados para morrer é verdade, mas quem sabe disto.

Uma sorte maldita sem hora marcada, anda de dia e de noite à procura de sangue, o argumento da sua doentia forma de ser e de estar em sociedade, sem Justiça social e liberdade do Povo, matando para “sobreviver” como se estivéssemos ainda numa guerra é o que temos assistido.

Fugir para nos protegermos da morte provável, é quase impossível, ninguém aguenta tantos anos de violência e abuso de poder sem perder muito de si próprio nesta situação injusta, é imperdoável, crimes que se perpetuam impunes, onde a maior vítima vai sendo o Povo Guineense, BASTA!

Só vemos sombras que nada têm que ver com o corpo, ouvimos balas perdidas quebrando o silêncio pacato da nossa gente, sinais de catana no corpo, a desconfiança do veneno presente nas mortes, em casa, na rua ou ainda nos desaparecidos sem volta, um cenário brutal hoje possível de constatar na Guiné-Bissau pós-independência.

Presos ao medo estamos, todos temos medo, dentro ou fora do País, quem está fora e deixou familiares no terreno tem medo e sabe o porquê. Há muito que assistimos a matanças, um a um, ou em grupos, já sem esconderem esta intenção macabra, cirúrgica de decapitação selectiva de adversários políticos e outros líderes, apagando uma história viva que ficará por contar e para sempre, o que é muito grave.

Pássaros loucos desta matança a poisarem nos ninhos de famílias de bem, inocentes, são como serpentes venenosas ou como gaivotas em terra, em sinal de morte anunciada.

Precisamos de anjos protectores que nos acudam, vozes desesperadas de protesto, sussurrando no silêncio, de revolucionários sem balas mas com boas palavras, de lápis afinado, já ninguém liga chorando em terra e com medo, é compreensível este hábito de ver e sentir a morte por perto, então vamos mudá-la.

Há abutres enlouquecidos nos cantos, criminosos prontos de olhos atentos ao movimento desta chapa de tiro ao alvo, os atiradores são abutres que passam a pente fino os seus alvos confirmados numa lista de óbitos, assinada por alguém escondido, ou arrogantemente expostos no meio social, de destaque. O mandante é desconhecido, ninguém sabe com provas apresentadas quem é, mas também se alguém o sabe, não o diz, por medo, ainda.

Temos assistido a crimes contra Guineenses humildes, inteligentes e bons políticos, a saírem precocemente de cena por assassinatos. Políticos brilhantes e outros líderes carismáticos, são mortos ou obrigados a sair do País para salvar a pele, por medo, essencialmente, esta é a única certeza absoluta, neste momento do reconhecimento do estado em que se encontra a Guiné-Bissau.

Hoje, este fantasma do mal come os próprios filhos, outrora poupados, perdeu emoção cultural de identificação, agindo por reflexo condicionado primário, básico, eliminando os seus adversários, querendo contudo, fazer parecer normal nesta doença.

Vemos um “chefe” mafioso e já com medo da sua própria sombra, um mandante do crime, este camaleão, que já confunde a sua sombra com a dos seus adversários, por isso vai matando quantos consegue, num ritual de terror sanguinário, as mortes por encomenda, à mistura com vitimas de balas perdidas, apagando testemunhas oculares, forçadas a fazer companhia aos marcados para morrer.

A presença cíclica de defuntos tombados na rua ganha cada vez mais carácter de permanência no território nacional Bissau Guineense, é psicológico este sinal, um reflexo colado ao coração da sociedade Guineense, pois, toda a gente sabe que se mata e o crime fica impune o que elege o criminoso ao primeiro lugar no pódio, é triste e perverso muita coisa que se passa entre nós.

Uma interrogação a martelar as nossas consciências, é este um dos factos/problemas, porque o medo da próxima vítima derramar o sangue, acontece e pode ser de qualquer um, dentro ou fora do País, sangue oferecido ao diabo, obedecendo a loucura do seu mandante, e contra os próprios irmãos, este Povo.

Este mandante pensa que sobreviverá sozinho com o seu grupo “escolhidos a dedo”, esquecendo que outros foram como ele, mas hoje estão no outro mundo, talvez arrependidos antes de morrer pelos mesmos enganos cometidos contra filhos da Guiné-Bissau que foram mortos com as mesmas armas. Armas essas que estiveram, anteriormente ao serviço da luta da libertação, que forjaram vitórias no terreno, hoje, infelizmente estão ao serviço de uma cirurgia criminosa de eliminação selectiva de contestatários, de adversários políticos e de rivais invejados, por motivos de carácter material, financeiro ou apenas político e pessoal.

Estes acontecimentos criminosos com ocorrência na Guiné-Bissau, têm carácter reincidente e compulsivo, inserem-se num conjunto de sintomas considerados muito graves na patologia comportamental, denotam requinte de malvadez nas torturas consumadas, prisões arbitrárias e sem o controle da justiça, são crimes odiosos com fundamentação ou motivação paranóica, as manias de perseguição que mais tarde se traduzem em crimes cometidos, alegando “legitima” defesa, resta saber se têm por base factos reais ou elaboradas paranóias.

Ao longo de décadas tem sido uma realidade cíclica este desassossego e desconcentração no desenvolvimento deste jovem País, deixando transparecer um conjunto de agitadores reaccionários e desestruturais no sistema político, mas com capa de “anjos” continuam como defensores do Povo, mantendo acções subterrâneas, cercando a máquina deste comboio gigante (Guiné-Bissau), minando e manipulando tudo que há de bom, provocando atrasos graves no desenvolvimento do País, com golpes e contra golpes de Estado, de estação em estação, num pára arranca, tudo porque os homens teimam em se dar mal, por inveja, mentira, alienação, pouca tolerância à frustração, imaturidade política, ignorância e défice democrático generalizado nas instituições do Estado.

Andamos à deriva mas a caminho da dita Democracia, no entanto registamos um clima de instabilidade crónica, embora cíclica, para muitos destes actores de agitação, é um clima propício para encherem os bolsos, apropriando-se indevidamente do que é do Povo e de todos nós. Esta confusão faz bem a muita gente, mas muito mal ao País. Este medo faz calar, mas não impede de pensar, este Povo sabe quem são os maus ou criminosos, também tem o sentido de oportunidade na atitude colectiva e de resposta, atitudes firmes no momento certo, isto é verdade, acredito que não se morrendo da doença, na cura, podemos mudar de terapêutica ou de médico, se assim o desejarmos. E vai acontecer, esta mudança.

O crime político trouxe esta ansiedade fatal e o medo irracional de morte, na sociedade Bissau Guineense e não só, principalmente nas “elites”. Tudo tem servido para amordaçar os estados de espírito, ódios, vinganças, provocando comportamento social inibido. Quando surge um foco de agitação, os fracos andam sem “sono” profundo deambulando pela cidade, dormindo com um olho de cada vez, mudando de casa durante a noite, fugindo à hora do lobo para se misturarem no meio de insuspeitos ou de familiares, por uma noite de sono tranquilo, com receio de morte estampado no rosto.

Estas pessoas por mais atentas e esclarecidas que sejam, vivem com medo, pior ainda, quando sabem ou desconfiam da aproximação do criminoso infiltrado no próprio meio da sua convivência “familiar”, torna-se muito triste o estilo de vida a adoptar para escapar à chapa de tiro ao alvo.

Sabemos que esta ameaça invisível é cruel para o pensamento na dinâmica social, traumatiza o normal funcionamento das instituições, ela é um acontecimento traiçoeiro por natureza, injusta para além de criminosa, doentia e selvagem. Uma ameaça social, na impunidade generalizada no que toca aos crimes de sangue, crimes políticos, todo um problema global grave que temos de resolver, i. é, acabarmos com esta organização criminosa, banirmo-la do meio de nós, obrigá-la a mudar de vida para passar a haver justiça para todos, igualdade de direito e de responsabilidade para os cidadãos, só assim haverá Paz desejada e desenvolvimento sustentado.

Os marcados para morrer desconfiam sempre de transportar um rótulo invisível “colado” à cabeça quando se sentem alvos a abater pelo regime, aquele que desconfia, nunca mais dorme descansado até conseguir escapar da mira dos criminosos.

Sempre foi assim e quando morre alguém não de morte natural, assassinado, normalmente sabemos na comunidade como tudo se passou, onde, como, e com detalhes impressionantes ou até, os últimos desejos da vítima antes de morrer, são contados.

Infelizmente, sabemos maltratar o que de melhor a natureza nos dá, o ser humano, por não gostarmos uns dos outros, alguns de nós com poder matam o seu semelhante e, justificando ou não o acto, acham-se no direito de o fazer por livre iniciativa “revolucionária”, isto paradoxalmente vivido num País sem pena de morte, um Estado de Direito. Há que mudar e devolver à Justiça o seu papel principal, o de julgar e condenar, se necessário for, nunca permitir substituir esta Sede por fantasmas com capa de justiceiros.

Há um fundo mau e doentio nos homens responsáveis por estas mortes cíclicas que continuam impunemente a crescer sem um ponto final, vazias de razão ou fundamento credível, muitas vezes com mentiras para justificar o injustificável, os crimes cometidos contra inocentes.

A vítima muitas vezes morre sem deixar as provas recolhidas, como causa de morte vemos sinais de balas no cadáver, de catana ou outras. Às vezes não se chega a saber do corpo e nem os familiares podem enterrar com dignidade os seus mortos, chorá-los livremente, por medo de retaliação silenciosa, perseguições, não vá o “snaiper” estar por perto e continuar a matar.

Aqui jaz fulano de tal e perguntamos porquê, chegamos à conclusão que o seu único crime foi manifestar as suas ideias, capacidades materiais, opções políticas diferentes.

Este ciclo de tiro ao alvo tornou-se num ritual compulsivo tendo na sua base a luta pelo poder político e militar, método utilizado quando pretendem alterações da sua conveniência e exploração material. Provocam mudanças politicas, escolhem as vitimas a afastar e entregam nomes aos executantes que obedecem cegamente aos mandantes do crime. Muitas vezes, eles próprios, (criminosos) acabam abatidos para eliminação de provas, algum tempo depois o suspeito do crime também é morto, este ciclo mantém como tarefa aberta a sua actuação, continuando a matar, de acordo com circunstâncias do esquema montado, perpetuado para liquidação cirúrgica e criminosa de alguns Guineenses lideres.  

Mas tudo isto tem os dias contados, acredito que quando a Justiça falar com a dignidade que lhe é esperada num Estado de Direito, tudo vai acabar bem.

Talvez um dia saibamos mais pormenores destas histórias, tudo indica que não será para breve, mas que será contada, é certo como chover na Guiné-Bissau.

O esquadrão da morte escolheu seu pecado, a matança cirúrgica programada de adversários políticos e militares, perseguindo com gosto cruel e executando com requintes de malvadez. Coabitamos com esta loucura à solta, nos vários palcos da Guiné-Bissau, criminosos misturados com gente séria, cidadãos comuns, vamos roçando as nossas vestes, porque estão próximos de tudo que fazemos, uma assombração invisível dia e noite.

Porque entram em nossas casas com pretextos infundados e arbitrários, há abuso de direito sem limite, acabam quase sempre sujos de sangue inocente, sem se redimirem, sem uma palavra dirigida a Deus pedindo perdão, e muito menos aos familiares das vítimas, gente como nós, sofrida nas mãos dos próprios irmãos com armas nas mãos, travestidos de gente de bem, mas, realmente diabos com corpo humano, plantados num sistema corrupto, responsável, ao longo de décadas, por milhares de crimes que não sei se seremos capazes de perdoar, mas seria preciso virar esta página, sem mais mortes e avançar um novo caminho de Paz, só.

Voltarmos a conviver juntos sem mágoa neste tempo que nos resta, é um desejo Guineense refundado na sua natureza social hospitaleira, a de receber bem quem vier por bem, seja magro, gordo, manco, feio, bonito, desgraçado, engraçado, hipócrita, amoroso, homossexual, heterossexual, mau, bom, com boas maneiras, cornudo, fiel, religioso, ateu, génio, ingénuo, imbecil, alto, baixo, preto, branco, vermelho, castanho, arco-íris, djambakúz, muruz, protestante, católico, ateu, muçulmano…, desde que queira viver com todos, praticando o bem em sociedade. Pode até parecer difícil, mas é possível, basta mudarmos de atitude, sermos mais tolerantes e respeitarmos as diferenças culturais, políticas e de pontos de vista, tudo numa base de respeito mútuo, avançaremos juntos para vitórias em poucos anos.

Proteger a vida humana, recuperar e reeducar os actos no sentido de preservarmos o melhor de cada um de nós, perdoar os criminosos depois da justiça feita, mas condenados para uma reintegração social obrigatória, com observação sistemática através de controlo Institucional periódico, para evitar reincidir de forma gratuita e livremente.

Temos criminosos que matam com prazer, parecendo cumprir um ritual supersticioso com sangue humano, em vez de animal, o que ganhou “estatuto” esquisito que gera o medo nas pessoas, medo de fantasmas.

Há derramamento de sangue sempre que há confrontos militares, em vez de debate de ideias, ouvem-se tiros, o medo instala-se na alma, garantindo o receio e recalcamento no cidadão comum. Ninguém ousa enfrentar este “monstro”, não há coragem física e moral neste momento, perdemos o essencial, como liberdade de expressão, há um conceito perverso acerca do que é a verdade ou verdadeiro, do falso/verdadeiro, trocam-se palavras por balas e o resultado é este, habituados a um espectáculo macabro cíclico, associados às intentonas levadas a cabo pelos mesmos de sempre, ora falsos, ora verdadeiros os seus argumentos, dados a conhecer ao grande público.

Temos militares sobre a influência dos políticos e vice-versa, sempre que acontece alguma coisa de mal (golpes, mortes e outros) na terra, vemos sangue derramado e corpos estatelados no chão, no mesmo teatro das operações, neste palco de Bissau tem servido para tudo, para dançar, comer, brincar, manifestações políticas, muitas alegrias, mas há três décadas que tem sido campo de batalha com mortes, quase sem alegria nenhuma pergunto porquê, meu Deus. Esta maldade compulsiva, fez crescer mais ódios, vinganças e, consequentemente, um atraso de desenvolvimento cultural, político e social na Guiné-Bissau.

Coabitamos paredes meias com esta realidade macabra atrás da porta, a matança, já com pouca reacção ao luto psicológico, o luto espiritual condigno aos entes queridos mortos com violência do crime organizado, uma memória triste, sempre que há tiroteio estamos a falar da Cidade de Bissau, o palco predilecto da acção criminosa e do banho de sangue.

Hoje reconhecemos que fomos ficando progressivamente dessensibilizados em relação ao respeito e impacto do luto psicológico no ser humano. Quando ouvimos que alguém morreu, mesmo sendo conhecido ou da nossa relação, parece haver menos emoção no meio social Bissau-Guineense, parece que perdemos um pouco a capacidade de ficar triste com a morte (habituados a ver morrer muita gente já receamos perguntar por alguém conhecido na Terra), este País com elevada taxa de mortalidade por doença, associada a outros em circunstâncias materiais precárias, que afectam todo o território nacional, o que pode ter a ver com este fenómeno de insensibilidade em relação à morte.

A esperança media de vida não chega aos cinquenta anos de idade, este factor consciente de risco acrescido, tem a sua influência, parecendo que estamos habituados a conviver com a morte sem espaço de intimidade na relação com o luto psicológico e sua influência. Uma das provas em relação a esta constatação, é o facto de termos imagem da nossa sociedade “tranquila” logo no dia seguinte após um golpe de estado, como se nada fosse, cada um vai a sua vida, deixando transparecer que o problema não é com ele mas com os políticos e militares. Há uma dessensibilização, tanto em relação ao luto, como em relação ao golpe de estado no País. Estas reacções funcionam como mecanismo de defesa inconsciente (tendo medo mas sai à rua, e no luto dá ideia de menos tempo e espiritualidade, porque a vida é cada vez mais curta nestas circunstâncias).

Factos que têm a ver com a repetição dum estímulo em excesso no número de vezes, provocando reacções de “indiferença” no individuo, mas que ao mesmo tempo se prende com a corrida contra o tempo para manter a sua vida, por isso faz de conta, sai e vai à luta do seu dia a dia, debaixo de “fogo”, se for necessário.

Hoje estamos mais inibidos, amarrados a preconceitos, vícios, mentiras e ausências, mas deixamo-nos estar fisicamente, no uso da figura de corpo presente, demitidos da nossa função sem abandonarmos o “cargo”, está-se bem mas “Ele”, não está.

Esta dimensão humana mudou muito nesta matéria, morrer é assunto que já não prende ninguém agarrado ao passado do morto, no dia seguinte enterra-se a cabeça na areia para não ver, ouvir e falar do mesmo, sobretudo quando se trata de uma morte suspeita de crime cometido sem visibilidade ou prova, gera medo e muito mistério à volta. Então, há que agarrar a vida pessoal e fugir quanto baste, para se esconder no silêncio de si próprio e talvez, chorar depois.

Logo mais continuar este jogo de loucos como quem foge desta vida sem sair do sítio, dando cotoveladas para “engolir” a vida alheia, saber, mas para prejudicar alguém, estamos nisto há muitos anos. Temos “calos” na alma, aprendemos a engolir em estado de dor profunda, friamente comer e beber em cima de “sangue” ainda fresco, isto já não dói tanto perceber.

O que nos aflige mais é reconhecermos impotências e aflições com tudo o que se passa à nossa volta, sendo que tudo isto tem solução pacífica, tudo é triste, mas ao mesmo tempo pode ser estancado, se os Guineenses quiserem por cobro, dominar este mal e travar a sua evolução, porque há recursos humanos para fazer este trabalho, só assim a Terra arranca de vez rumo a bom porto, acredite se quiser, porque não é preciso matar ninguém ou prender por longos anos outros tantos, há que haver confiança numa estratégia sistematizada de busca dos melhores e colocá-los à frente dos nossos destinos para SERVIR A NAÇÃO.

Como pode haver luto com dignidade merecida se o acto de matar começa a banalizar-se no seio da sociedade, onde não se tomam medidas para julgar determinados crimes de sangue, esses foram simplesmente ignorados até aqui. Já poucos morrem com a dignidade clínica reconhecida da doença, por velhice ou morte repentina. Neste contexto ainda há fantasmas a este respeito, o óbito como ciência deu lugar a respostas paranóicas para explicar a causa da morte. Havendo sempre um potencial criminoso moral ou físico por detrás dos acontecimentos, porque em Bissau já quase ninguém (figura pública) morre por destino de Deus, não, é por maldição, inveja de alguém, ódio, influência de maus espíritos… Tudo, supostamente, associado, como motivo de morte ganha corpo, às vezes sobe de tom semelhante dúvida, mas mesmo assim não há medidas periciais e medicina legal para confirmar um diagnóstico cientifico e ponto final, ficando simplesmente como duvidosa, a certidão de óbito “arquivada” no “museu”, para inglês ver, sem respostas, o que vem permitir o levantamento também deste fantasma, sempre que a morte sai à rua.

Só o pobre-diabo do Zé-Povinho ainda morre descansado e sem fantasmas ou talvez não, ainda há entre nós a desejada “morte Santa”, parece que hoje é assim, pelos vistos uma realidade que causa estranheza, e não há direito, não se confirmar a causa da morte quando há suspeita de crime.

Habituados a chorar os mortos com sentimento e emoção, vemos, hoje, este lugar de culto transformado num ponto de encontro para por o “correio” em dia, exibir toilettes, comer e beber, misturado com emoções perversas e clivadas num fundo sentimental mórbido e recalcado. Para alguns, tudo isto é aliviado com uma forte bebida alcoólica, tomada em boa dose para ajudar a suportar a racionalidade calcada até ao estômago.

Não vá o diabo fazer falar livremente quem tem boca, mas escolheu não falar, dizer o que sente da sua verdade ou apontar o dedo certo à causa da morte de alguém, não vá a língua atraiçoar os dentes na boca e contar o que sabe, o mais provável num terreno fértil em mentiras e perseguições, tínhamos mais um que acabou mal.

Simplesmente espancados arbitrariamente até à morte, torturados, abusados, mortos à queima-roupa, abatidos por sentença criminosa, enterrados em lugar desconhecido, hoje isto acontece e sobretudo com Bissau-Guineenses, onde esta realidade tem vindo a por o País nas bocas do mundo.

A impotência invadiu tudo pela repetição dos crimes impunes, sem consequência Jurídica, Cultural e Social, constatamos este desgaste psicossocial grave na sociedade Guineense de hoje. Uma perturbação intensa que “deixou” de perturbar, perturbando. Por isso quem está dentro, vivendo no País, sobretudo em Bissau, muitos perderam esta noção por mecanismo de defesa inconsciente, uma via de sobrevivência psicológica positiva que tem permitido esta sociedade viver no limite.

Esta sequência de crises politicas, institucionais, social e cultural invadiu a nossa sociedade, produzindo mentalidade negativa e desleixo nos modos de vida adoptados hoje, estamos com pouca reacção, há uma inibição causada pelo medo nas pessoas expostas a este estímulo abstracto, há já alguns anos.

Na maior parte das vezes este estímulo faz vítimas silenciosas, perdemos reacção consciente e ficamos indiferentes ao estímulo como se nada fosse (o perigo de se elegerem os mesmos vem daqui por ex.), isto está a passar-se na nossa Terra. Provocando um desgaste na natureza social, afectando o meio ambiente sócio-emocional do Guineense (sobretudo do Bissau /Guineense radicado nesta cidade). Contudo, e não querendo afirmar que só a este grupo, isso nunca, pois penso que afecta a todos nós, uns mais do que a outros, independentemente da sua localização física geográfica de identificação no País, estando dentro ou fora, afecta sempre com níveis diferentes, tendo consequência material e psicológica, afecta por identificação projectiva na relação humana, o que explica bem claro porque sofremos juntos o que se passa na Guiné-Bissau e não só, a Guineensidade é irmã reconhecida por todos nós nisto e noutras.

As vítimas deste agressor matador, são vistas como chapas ambulantes de tiro ao alvo, não importa onde estejam escondidas, desaparecidas e fora do país, rodeadas de guarda costas ou não, em abrigos ou fora do horizonte visual, não importa mesmo, porque quando querem que aconteça este ritual de sangue, há sempre “festa” grossa de tiros.

Já matam friamente e não lhes causa perturbação nenhuma, a seguir dormem descansados, “dormem” porque pensam que todos temos medo, este medo visceral inquietante que causa até inibição social e ausência de vozes de protesto na sociedade civil, alguém tem dúvidas desta afirmação, penso que não.

Deixo um poema em crioulo que não vou transcrever para Português, perde a sua essência e espírito na sua intensidade sentimental, por isso prefiro sentir esta emoção toda nua e crua, a passar nas veias, como dor de morrer mas sentindo na pele que vale a pena estarmos vivos e agradecer a Deus, por tudo.

Às vezes parece que o Guineense não gosta um do outro, principalmente neste quadro político e social de lutas pelo poder, onde se mantém um imbróglio existencial na busca de um lugar ao sol. A mentira latente minando tudo e todos é uma realidade enquanto se disputam lugares nas guerras pelo mesmo “troféu”, notamos mais oportunistas, talvez porque em vez de competência damos os lugares aos esquemas montados nos corredores e bastidores. Os adversários não vêm meios para atingir o fim, existe o hábito triste de se conseguirem as coisas gerindo influências mafiosas, comprando favores e obrigações a preço de ouro, compromissos assumidos na base de chantagem interpessoal, com cobranças difíceis de dívidas antigas, pois nestes “contratos” subterrâneos que mais tarde se vem a saber, temos o “azeite” como a principal traição da mentira.

Devemos interpretar o País como pessoa de bem, o seu Povo a maior relíquia e gerir este valor com a melhor massa cinzenta (Guineenses) espalhada pelo mundo inteiro, só assim, seguiremos o caminho da prosperidade na Nação Guineense. 

Há sinais de mudança no País, penso que vamos ter alterações importantes no “teatro” e painel político Guineense, vamos assistir ao emergir de novos rostos na política nacional, haverá provocações intrapartidárias e interpartidárias, por desconforto causado pelo novo estatuto de lideres que vão ter de afastar-se do aparelho partidário ou serem afastados para dar lugar a outros militantes melhor preparados, o que é normal em democracia. Também na Guiné-Bissau vamos ter de nos habituar à ideia de que todos nós somos filhos da Terra, em igualdade de condições e de circunstâncias, com diferenças em cada um de nós, efectivamente nas capacidades materiais e intelectuais. Mas precisamente com estas diferenças é que se garante um desenvolvimento para um País, do melhor e para todos, sem excepção, porque precisamos de todos por inteiro, respeitando o método democrático como filosofia de base.

Este poema que vos deixo ilustra um pouco o que há de muito mau em nós e que é preciso corrigir já, temos uma das ferramentas necessárias connosco, é o amor, esta energia que emana do ser humano, do mais profundo, na expressão sentimental do homem, fazendo parte daquilo que temos de melhor em nós próprios, é com esta ferramenta que vamos conseguir transformar uns aos outros, um trabalho necessário e urgente para o nosso País, acredite!

GUINEENSES.

Sê n’dyamta ku Tuga
sy káu fênhy
hy’ta mata, Guineense

sê n’dyamta, ku kabryanu
sy káu fênhy
hy’ta mata, Guineense

sê n'dyamta, ku Angolano,
Moçambicano, Hô-utrúz
sy káu fênhy,
hy’ta mata, Guineense

sy nó n’dyamta, anty-dynóz
sy káu fênhy
nô-ta mata hum’hutru

pá-kôbardyssa, ku ódio
nunka nô mata hutrúz
nô hôssamty, na darma
samguy dy cumpanhêr
máz, nô-mêdy bardady

hy kyl’gôra-dê, tê-gôssy
assym-som, nô-ka muda·
tudu futhcêrruz Guineense
kamysty sy kumpanher
kuma djamfa kabaly

par’Deus

Filomeno Pina. - 1981.
 (letra de canção)

É hora de estancarmos este derrame para não morrermos todos de anemia silenciosa, sem darmos conta que nenhum de nós fica cá para semente ou viverá duzentos anos.

Desde o período pós-independencia, aprendemos a conviver com a presença de mortes impostas pela lei dos homens, por fuzilamentos e outros, tudo continuou igual em Bissau, passamos a viver com perseguições de pessoas, torturas, mortes de guineenses, mas nunca se matou mais do que filhos da Guiné, outras nacionalidades sempre estiveram presentes /ex-PIDE’s, e outros colaboradores do antigo regime colonial, mas que tiveram a sorte de não figurar na lista de óbitos, nada lhes aconteceu, tiveram tempo para estar no território enquanto quiseram e, sair calmamente. Mortes que a justiça não explicou, nas quais as vítimas não tiveram direito à defesa sequer, tombaram na sua maldita sorte de não ter.

Os líderes da terra tinham preferência pelo sangue do irmão, e porquê, eis a questão que espero um dia poder trazer com uma análise mais profunda como opinião, só.

Há aqui qualquer coisa de muito esquisito, mas explicável também à luz da psicologia que não vou misturar aqui agora, mas oferecer pelo menos um raciocínio pertinente nesta chamada de atenção, vamos estando enterrados neste ódio entre irmãos, fizemos a nossa escolha fatal desde cedo, continuamos a matar irmãos na falta de inimigos “estrangeiros”, como que identificados numa sequencia pós-traumatica de guerra, ainda hoje, só morrem filhos da Guiné e por crimes cometidos só por Guineenses, esta é que é a verdade que todos sabemos e conhecemos, somos nós próprios que promovemos matanças, atrasos e deficiências de que somos vítimas, ATÉ QUANDO CAMARADAS, pergunto e não espero pela resposta, mas pense nisto.

Confesso que não gostei de escrever este artigo de opinião bastante sombrio ou o que lhe quiserem chamar, tive dificuldades em terminar algumas ideias por me sentir assaltado, várias vezes, por instintos menos bons, há certa inibição e evitamento conscientes comigo e, ao mesmo tempo, uma raiva bloqueante que dava murros no meu estômago, por isso, isto que aqui fica não é mais do que um apelo à PAZ entre irmãos, pedido talvez ingénuo, mas com humildade o faço, pedindo a Deus a bênção para esta fase da vida do nosso País. Viva a Guiné-Bissau.

Djarama. Filomeno Pina.

Filomeno Pina

* Psicólogo clínico

 

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