CASAMENTO OU MORTE !

 

 

 

 

Filomena Embaló

fembalo@gmail.com

27.04.2010

 Filomena EmbalóQuando em julho de 2009 abordei o caso da menina iemenita Nojoud Ali, divorciada aos 10 anos, depois de um casamento forçado e de um árduo combate para a sua libertação do cativeiro em que se encontrava, não imaginava que no interior das nossas fronteiras se pudesse impor às meninas a sentença: “casamento ou morte!”.

 

Foi o que aconteceu a Tânia Na Ntchongo, jovenzita de 15 anos da tabanca de Botche Mendy, na região meridional de Tombali. Tânia, que conseguira ludibriar uma primeira tentativa de ser levada à força para o casamento, recusou-se, em plena cerimónia nupcial, a aceitar o marido que a família lhe impunha. Em resposta, foi espancada até à morte por mulheres que participavam na referida cerimónia, segundo um artigo do jornal Bissau Digital. O mesmo artigo noticiava que as autoras deste assassinato (pois o termo é mesmo este) encontravam-se em liberdade, na data em que o artigo fora redigido (24/04/10).

 

Tânia perdeu a vida por querer dizer NÃO à tradição.

 

Tânia perdeu a vida em nome da salvaguarda da tradição.

 

Tânia perdeu a vida porque na Guiné-Bissau algumas práticas tradicionais vão contra os direitos fundamentais do cidadão, consagrados na Constituição da República e na Declaração Universal dos Direitos do Homem referenciada na própria Constituição..

 

Tânia perdeu a vida porque no país em que nasceu as instituições competentes recuam perante pressões de grupos quando devem legislar de modo a fazer respeitar a Constituição da República em matéria de direitos humanos.

 

Tânia perdeu a vida por ter nascido num país onde ainda impera o obscurantismo, o analfabetismo e o subdesenvolvimento que o Estado não consegue vencer por ter como prioridade a salvaguarda de interesses de grupos ou de indivíduos, em detrimento do interesse da Nação.

 

Tânia perdeu a vida por ter nascido num país que hoje prima pela prática da violência e da impunidade e em que a violência se transformou em “instrumento e ato de cultura”.

 

Os usos tradicionais fazem parte da identidade de um povo. Passados de geração em geração, eles pretendem perpetuar de forma idêntica as tradições ancestrais. No entanto, as sociedades evoluem e desenvolvem-se. Uma sociedade essencialmente comunitária, progredindo do ponto de vista económico, cultural, social e político, evolui para a uma sociedade em que a liberdade do indivíduo começa a impor-se e com ela os seus direitos. Do contato com outras sociedades vai também adquirindo novos usos e costumes ou fazendo evoluir as suas próprias práticas que se vão revelando obsoletas, nocivas ou contrárias à liberdade do indivíduo.

 

Na Guiné-Bissau temos uma Constituição que define e defende claramente os direitos do cidadão, mas na prática essa Constituição é completamente alheia às comunidades rurais (e não só...), regidas, acima de tudo, pelas tradições ancestrais. Não é de admirar que isso aconteça, pois esta Constituição emana de um tipo de sociedade que não é o dominante na Guiné-Bissau. É sim, a Constituição de um Estado que se pretende moderno e que se baseia em valores morais e sociais que não são os imperam nas sociedades tradicionais onde a liberdade individual deve submeter-se ao interesse coletivo.

 

Como reagir perante um caso destes?

 

Como julgar estas mulheres que espancaram até à morte esta jovem, julgando ser seu dever de a casar à força? Não tem sido essa a tradição ao longo dos tempos?

 

Terão elas cometido um crime ou apenas demasiado zelo no cumprimento das tradições?

Quem são os réus? As mulheres que espancaram Tânia, as tradições, a sociedade ou o Estado, que em mais de 35 anos de independência não conseguiu promover o desenvolvimento das suas populações?

 

Mas ao mesmo tempo pode-se perguntar: não tinham estas mulheres consciência da violência dos seus atos? Ou será que, perante a rebeldia da moça, se pretendia com essa violência servir de exemplo e desencorajar outras jovens de se  rebelarem contra o casamento forçado?

 

Seja o que for, perante as leis do Estado estamos face a um assassinato, um crime que viola as disposições do Art. 37 da Constituição da República, segundo o qual a integridade moral e física de todo o cidadão é inviolável. Este gesto viola também o Art. 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo esse que preconiza que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. E como todo o crime deve ser julgado de acordo com as leis em vigor.

 

Perante tragédias desta natureza, tal como foi o caso da bebé de 3 meses que em agosto do ano passado faleceu em consequência do fanado praticado pela própria mãe, o que fazer para proteger as vidas das crianças, quando sabemos que só uma evolução da sociedade acabará por pôr um termo definitivo às praticas culturais nocivas à saúde e atentatórias à vida das cidadãs?

 

Como apoiar e complementar a ação das organizações e igrejas que têm vindo a realizar todo um trabalho de sensibilização e de formação com vista à eliminação dessas práticas?

 

Vamos esperar de braços caídos até que a sociedade evolua para que essas tradições, que não se coadunam com os direitos humanos, deixem de existir, a pretexto de que em matéria de tradições culturais não se deve usar a coerção?

 

A meu ver, o legislador  tem um papel preponderante a desempenhar nesta fase, criando instrumentos dissuasivos que exerçam pressão sobre as populações, instrumentos esses que devem ser enquadrados num plano global de sensibilização e de formação.

 

Temos uma Constituição para ser aplicada e não apenas para o “inglês ver”, criemos, pois, condições para que ela o seja.

 

O CASAMENTO FORÇADO Filomena Embaló 14.07.2009

 

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