Carta aberta à geração pós-independência: do analfabeto político

 

 

 

 

Eunice Lopes Queta

Ussumane Keita

03.04.2008

 

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não deve, não fala nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguer, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito, dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o lacaio das empresas nacionais e multinacionais” (BERTHOLD BRECHT,  escritor e dramaturgo alemão).

 

Iniciamos este texto partilhando algumas reflexões considerando o bem comum guineense: quais as aspirações dos povos guineenses? Quais as forças políticas que exprimem e defendem os interesses e o bem-estar guineenses? Quem defende interesses de classes? Porque temos de passar por esta degradação na nossa vida quotidiana? Porque temos de nos habituar a viver sem electricidade? Sem água? Sem museus, cinema, jardins e espaços verdes? Higiene pública e saneamento? Civismo e segurança pública? Quem são os obreiros da estabilidade política? Quem defende os interesses dos mais desfavorecidos? Quem anda a aniquilar a esperança, o desenvolvimento sustentado e o progresso guineense? Quais são os nossos problemas, obstáculos para ultrapassarmos a nossa triste e miserável situação? Falta de meios? De projectos? De infra-estruturas? De quadros qualificados? Corrupção? Analfabetismo? Iletrados com responsabilidades políticas? Falta de amor-próprio? Excesso de medo? Pseudo políticos? Falta de cultura? O que significa mérito na sociedade guineense? O que significa competência? Quais as nossas referências actuais?

 

Caros compatriotas,

Mais uma vez, atormentado, escrevo. Desta, juntei-me a outra guineense, residente no estrangeiro, ela também atormentada pelo estado da nossa terra. O tema da nossa mais recente discussão, o qual partilhamos com a comunidade, dizia respeito ao seguinte: de acordo com a definição clássica de partidos políticos, quantos partidos existem na Guiné-Bissau?

Caros compatriotas,

Face ao panorama político actual e das eleições que se avizinham, podemos iniciar o processo ilegalizando pseudo partidos políticos. Nada de mais elementar: até à presente data o Supremo Tribunal de Justiça legalizou 34-35 partidos políticos (um por cada ano de independência!!! Agora somos os mais democratas do mundo!!!). Questão essencial: de acordo com as definições clássicas de partidos políticos, quantos partidos existem na Guiné-Bissau? quantos partidos políticos têm mais de 1000-5000 militantes activos e implantação nacional? Quantos partidos políticos podem afirmar que os órgãos internos do partido funcionam como manda a lei? Quantos partidos políticos cumprem com o estabelecido na Lei Quadro dos Partidos Políticos no que diz respeito a fins, número de militantes, caracter nacional, princípio de associação ou militância única, disciplina partidária, fontes de financiamento e prestação de contas?

Recuando um pouco no tempo para melhor percepção do que se pretende. A Constituição da República Guineense consagra o princípio da liberdade de associação, princípio no qual o direito fundamental de constituir ou participar em partidos políticos entronca. A liberalização politica e o consequente estabelecimento de um regime democrático, plural e livre, fizeram emergir na ordem jurídica e constitucional guineense o aparecimento de partidos políticos tidos como associações privadas com fins constitucionais que visavam exercer, fundamentalmente, uma "função de mediação política", traduzida na "organização e expressão da vontade popular", na "participação nos órgãos representativos" e na "influência na formação do governo".

Tomando como marco tal efeméride, verifica-se que foi a partir dos anos 90 que surgiu a maioria dos partidos políticos, muito embora, em todos os actos eleitorais realizados até 2005, tenham sido criados novos partidos, sendo de ressaltar que apenas um número diminuto de partidos alcançou representação parlamentar consecutiva e até muitos deles ou não chegaram a apresentar candidaturas ou fizeram-no, apenas, uma ou duas vezes.

Acto contínuo: colocamos sérias dúvidas se todos são realmente partidos políticos. Não se trata de minar a democracia nem de discriminar minorias mas partidos políticos artificiais, satélites e outros encomendados é o que menos precisamos logo não deverão ser tidos em consideração. É a nossa opinião como cidadãos guineenses.

Todos os cidadãos têm o direito de se reunir em associações e o estado deve garantir condições para todos exercerem os seus direitos mas sem colocar em causa a essência da democracia e a representatividade dos interesses de quem vota e contribui financeiramente para o estado.

Cabe a cada um assumir as suas responsabilidades para não adiar e hipotecar ainda mais o nosso presente e o futuro dos nossos filhos. É sobejamente conhecido o fenómeno de manipulação política, religiosa e étnica das eleições. Se os apregoadores da democracia quiserem mostrar que realmente pretendem implantar um estado de direito que cumpram com as suas obrigações e respeitem a vontade dos povos guineenses e a Constituição da Guiné-Bissau.

Questão essencial a estudar e responder: o que são partidos políticos? Apresentar um conceito para partido político é bastante complexo mas podemos arriscar entender partido político como uma organização voluntária de cidadãos, de carácter permanente, constituída com o objectivo fundamental de participar democraticamente na vida política do País e concorrer para a formação e expressão da vontade política do povo. Uma das definições internacionais mais conhecidas de partido político é aquela que foi apresentada por La Palombara e Weiner, que assenta em quatro critérios ["The origin and development of political parties", em "Political parties and political development", J. La Palombara, M. Weiner, Princeton, 1966, pág. 6.]: organização durável, isto é, cuja esperança de vida política seja superior à dos seus dirigentes de momento; organização em que existe vontade dos dirigentes nacionais e locais de conquistar e de exercer o poder e não simplesmente exercer influência sobre o poder; organização em que existe a preocupação de procurar suporte popular através das eleições ou de qualquer outra forma.

O caso do sistema democrático guineense é paradigmático e pode afirmar-se que se funda num sistema de partidos. Como, de modo claro, ensinou Maurice Duverger, o desenvolvimento dos partidos aparece ligado ao desenvolvimento da democracia. Os partidos políticos são componentes essenciais do regime democrático, auxiliando os eleitores a tomar decisões, esclarecendo-os perante as diversas opções políticas e guiando-os na escolha dos que melhor podem governar. Cabem-lhes assim importantes funções, entre outras, a de formar a opinião pública e a de propor os candidatos à eleição, concorrendo, desta forma, para a formação e expressão da vontade política.

Nesta senda, os partidos políticos assumem (ou devemos dizer deviam assumir?!) a comunicação entre governantes e governados, promovendo a circulação das informações entre as bases e as cúpulas. Articulando os interesses sociais, que constituem a sua base de apoio na sociedade civil, os partidos políticos exercem uma função subversiva. Quer isto dizer que são a voz das aspirações da comunidade, por vezes não representadas nos órgãos de poder. Alguma discrepância com a realidade guineense é pura ficção!

No que concerne à República da Guiné-Bissau, os partidos políticos têm a sua constituição e organização reguladas pela Lei n.º 2/91, de 9 de Maio. No que toca à criação de partidos políticos, a mesma rege-se por um princípio de liberdade, já que, cumpridos os requisitos legais para a sua constituição, estes podem ser livremente criados, sem dependência de qualquer autorização, e prosseguir os seus fins estatutários sem interferência das autoridades públicas, com autonomia e liberdade de organização interna. Para além da definição, vaga, acrescenta que estes se propõem, entre outros, a contribuir para o exercício dos direitos políticos dos cidadãos e para a determinação da política nacional…; formular críticas sobre os actos do governo e da administração pública, estudar, debater e pronunciar-se sobre os problemas da vida nacional e internacional, promover a educação cívica e o esclarecimento político dos cidadãos.

Caros compatriotas, propomos exercício simples: apontar o nome de três (atenção: dos 34/35 partidos políticos legalizados apenas solicitamos a nomeação de 3 partidos políticos que cumprem com o estipulado na lei?

No artigo 12º relativo à extinção reza o seguinte: os partidos extinguem-se por dissolução deliberada pelos seus órgãos estatutários competentes; por verificação pelo Supremo Tribunal de Justiça de que o número de militantes é inferior a mil; por dissolução decretada pelo Supremo Tribunal de Justiça, por violação da Constituição, da presente lei ou quando o partido prossiga as suas actividades empregando métodos subversivos ou violentos ou ainda servindo-se de estruturas militares ou paramilitares. A quem cabe a averiguar estes preceitos? Alguma vez cumpriu com a sua obrigação?

Na sua organização interna os partidos políticos devem observar os princípios democrático e da publicidade. Em consequência do princípio da publicidade, os partidos políticos prestam contas ao Supremo Tribunal de Justiça, junto da Entidade das Contas e dos Financiamentos Políticos, dos fundos que anualmente movimentam e do seu património e, ainda, no que respeita às campanhas eleitorais, das receitas e despesas efectuadas. Alguma vez foi cumprido?

Caros compatriotas, mais notamos que, comparando a lei dos partidos políticos nacional e outras, verificamos que faltam princípios como o democrático, da transparência, da verificação do número de filiados, restrições e artigos que versem sobre a organização interna dos partidos políticos. Se a sociedade se preocupar com este facto antes da realização das eleições legislativas confirmará que daremos um salto qualitativo rumo à construção de um estado de direito (pois ainda estamos longe) e contribuiremos para a moralização da política partidária nacional.

Caros compatriotas, permitam-nos que convidemos os constitucionalistas, juristas, comentadores, jornalistas, políticos e todos os interessados no bem comum guineense a se debruçarem nesta problemática. O salto qualitativo no processo de construção de um estado de direito justificará a extinção de mais de metade dos partidos políticos guineenses senão mais. Alternativa a estes? Fusão. Nada mais elementar. Uma coisa garantimos: todos ganharemos na qualidade e profissionalização dessa classe.

A mudança é imperativa porque a comunidade guineense padece de falta de rumo político, social, cultural, geopolítico e identitário que se confronta ainda com a miséria e a pobreza (e inerentes consequências – prostituição, parasitismo, delinquência, perda de autoridade familiar, falta de respeito, etc), falta de expectativas, desilusão, desespero, abuso de poder e corrupção. E já está comprovado que com a vasta gama de partidos políticos que andam por aí não chegaremos a parte alguma.

Em nome do interesse nacional que é a consolidação de um estado democrático e o bem comum guineense é imperativo que se actualize e se adapte a lei quadro dos partidos políticos à realidade actual para que respondam aos interesses nacionais e imperativos da geração pós-independência.

ESPAÇO PARA COMENTÁRIOS AOS DIVERSOS ARTIGOS DO NÔ DJUNTA MON -- PARTICIPE!

PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO

www.didinho.org