CAN 2012: A Ilusão Dos Dirigentes Guineenses

(Ponto de Vista)

 

Precisamos andar com os nossos próprios pés e guiados pela nossa própria cabeça.

“Amílcar Cabral”

 

Rui Jorge  da Conceição Gomes Semedo

rjogos18@yahoo.com.br

04.06.2010

Rui Jorge SemedoApesar de ainda continuar a verificar dentro e fora de palcos dos espetáculos desportivos indícios de manifestações xenófobas, não há duvidas que o desporto represente, no momento, a atividade social mais próxima do ideal democrático participativo. Por ser altamente inclusiva, a sua prática não importa a nacionalidade, a origem social, a cor da pele, o sexo, a religião, a opção política, o nível acadêmico, o estado civil, ele sempre reserva espaço a quem reunir a habilidade e a disciplina tático-profissional para ajudar a somar conquistas individuais e/ou coletivas. Em torno dessa atividade que tem como finalidade não só cuidar da mente e do corpo dos praticantes, mas de oferecer um espaço de descontração, que, às vezes, provocam emoções que se traduzem em alegrias ou tristezas, paixões inexplicáveis que direta ou indiretamente mexem com ego das pessoas. E nesse universo múltiplo de atividades, o futebol tem sido entre as práticas desportivas o “mais popular em grande parte dos países” a nível mundial.

O futebol nasceu, cresceu, e, como quase toda a atividade desportiva transcendeu um mero espaço de lazer e se transformou num poderosíssimo mercado econômico. Fato pelo qual, nas duas últimas décadas, em alguns países, tem crescido fabulosamente a ponto de ser responsável por avultosas movimentações financeiras provenientes de compras e vendas de jogadores, treinadores e outros passivos adicionais dos bens do clube. Essa radical alteração na função social em termos de objetivos e fins, exige simultaneamente, um repensar e uma reorganização da atividade de forma a torná-la mais atrativa e rentável. Nesse aspecto, a Europa muito embora ainda não domine o mercado de produção de talentos futebolísticos, a sua ação organizativa e empreendedora, fê-la ser o continente que ainda consegue usufruir de maiores benefícios, tanto do ponto de vista de qualidade de espetáculo quanto em termos de rendimento econômico. Contrariamente, a África apesar de ser um dos celeiros de talentos é o continente que menos tira o proveito financeiro da atividade, devido a incapacidade organizativa e visão empreendedora de seus dirigentes desportivos.  

No desporto os resultados vêm de acordo com o investimento, ou seja, nesse aspecto a lógica é idêntica a das outras atividades, senão vejamos: para ser um bom aluno, tem que se dedicar a leitura; para ser um bom homem de negócio, tem que ter além de visão de mercado, acompanhar as inovações; para ser um bom político tem que ser um empreendedor de novas idéias e práticas; para ser um bom jogador tem que dominar a disciplina tática, para ter uma boa equipa, tem que formar um grupo coeso, e, para ter uma boa seleção, tem que construir uma escola de base.

Essa lógica, infelizmente, não é seguida por grande maioria de países africanos, com a exceção de alguns países do norte, por exemplo, a Argélia, Egito, Tunísia e Marrocos que apresentam um futebol disciplinado e diferenciado. Nos restantes países do continente, ainda continua a dificuldade de profissionalizar o futebol, os campeonatos são amadores e a atitude dos responsáveis continua a ser medíocres em relação ao que se deve fazer para dinamizar e dar mais qualidade a prática desportiva.

A Guiné-Bissau entra precisamente nesse grupo de países onde a situação do desporto em geral e, do futebol em particular, é deteriorante e não estimula jovens a abraçarem a carreira como um dos percursos necessários a um processo educativo saudável e rentável.  Talvez sem perceber ou entender o estado em que se encontra o desporto nacional, após o CAN2010 em Angola, despertou-se nos dirigentes guineenses a euforia de fazer a Guiné-Bissau participar da próxima fase eliminatória para CAN2012 a realizar-se-á simultaneamente em Guiné-Equatorial e Gabão. Realmente, há toda a necessidade de congratular com a intenção! Entretanto, é salutar questionar a forma como se pretende chegar a esse propósito? Pois, é necessário fazer o país competir, é fundamental para um país como o nosso marcar a sua presença num campeonato desse caráter (e não só) e é ainda prestigiante vencer um título internacional. Todavia, temos que reconhecer que acima da vontade de participar numa alta competição internacional há que existir uma organização, uma base sólida e um projeto definido. Essa organização, essa base e esse projeto têm que partir da existência de uma condição real, ou seja, de campeonato nacional e de equipas estruturadas em condições de produzir jogadores com qualidades. Nesse momento, não se pode falar da existência de um campeonato nacional o que levou o guineense amante do desporto a preocupar-se mais em acompanhar o campeonato português, inglês, espanhol, italiano, francês e alemão. Situação que além de ser uma vergonha, fere o orgulho nacional. Não existe mais da parte dos adeptos aquele fervor sentimental pelos clubes nacionais que se vivia nos tempos de gloria do campeonato nacional. Tempos marcados pelo Rufino, Nina, Manhiça, Domingos Cá, Nhu Rei, Bóbó, Latos, Panamunay, Ciro, Simão, etc… Contam-se pelos dedos números dos adeptos nos estádios. Hoje é quase impossível encontrar pessoas que saibam dizer, no mínimo, nomes dos três primeiros colocados da tabela classificativa.

Nesse contingente de caos e, sem perceber que precisamos iniciar pela base, foram contratar por elevados milhões de F.CFAs o técnico português Norton de Matos. Bem, a Guiné-Bissau já teve uma experiência positiva nas categorias de base (sub-17) com um selecionador português, Guilherme Farinha, que, inclusive, venceu o primeiro torneio da lusofonia realizado em Portugal. Não obstante, talvez fosse mais racional para o desporto nacional pensar num projeto em moldes daquilo que foi iniciado com Farinha no início da década de 90 que, infelizmente, não teve seguimento adequado. Estamos a criar ilusão de contratar um selecionador apenas pelo nome e não pela necessidade que temos de reorganizar o campeonato nacional e construir uma escola onde poderá sair talentos que terão condições de dignificar a bandeira e o desporto nacional. Essa preocupação não é só minha, mas de uma grande maioria de nossos líderes desportivos, entre os quais, podemos destacar Hussein Farah, dirigente de Sporting Club da Guiné-Bissau que foi o primeiro a contestar a inoportunidade da referida contratação. Pois, o considerável valor que será irracionalmente destinado à Norton de Matos podia servir melhor se fosse investido de maneira mais inteligente nos clubes nacionais e noutros elementos que contribuam na criação de bases de que necessitamos.

Somos um país altamente dependente de recursos externos, não podemos estar a cometer asneiras imperdoáveis, gastar milhões de francos em situações que sabemos de antemão que é um desperdício.  É verdade que está na moda em África a contratação de selecionador europeu que, normalmente, ganham um ordenado altíssimo, às vezes, incompatível com a realidade do país. Apesar de países como Angola, Nigéria, Senegal, Costa de Marfim, Camarões, Ghana, etc, estão a fazer, a Guiné-Bissau não pode entrar nesse luxo porque a sua condição financeira está aquém do nível desses países.

O que estimula a liderança desportiva africana a fazer um negócio sem rentabilidade? Pois, se o que lhes motiva a efetuar contratação milionária de selecionadores é o resultado, não hesitamos em afirmar que com a exceção dos Camarões em 1990 que conseguiu chegar meias-finais, as seleções africanas sempre tiveram uma péssima prestação nos mundiais, pois a maioria das seleções é eliminada logo na primeira fase.

Particularmente, vejo apenas contradições nessa onda luxuosa e ilusória de contratação de selecionadores que não têm condições de fazer milagres, ainda que no desporto não se possa pensar em milagres.

Existe um enorme contraste na nossa tomada de decisão: deparamos com graves problemas sociais e sempre com rostos sem vergonhas de pobrezinhos ficamos a deambular pelas portas de países desenvolvidos e instituições financeiras mundiais a pedir “esmolas”, depois quando conseguimos esse magro e “duvidoso apoio”, logo de seguida gastamos de forma irracional uma boa parte em coisas supérfluas ou apenas é dividido por uma meia dúzia de pessoas. Enquanto continua a degradar o nível de condição de vida das populações.

Existem algumas alternativas possíveis que possam ser seguidas para não onerar o cofre público: por exemplo, investimento em capacidades nacionais; aquisição de um selecionador estrangeiro de um custo acessível ou a nível institucional de cooperação bilateral com os parceiros como Portugal, Brasil ou França solicitar um profissional que possa nos ajudar a reestruturar o desporto nacional. Uma competição internacional (CAN ou Mundial, por exemplo) não se ganha de dia para noite ou vice-versa, é um processo que normalmente exige uma longa e boa preparação. Se realmente a Guiné-Bissau almeja um dia participar e também ser vencedor dessas competições, temos que investir e não gastar de forma menos inteligente como está-se a fazer. O próprio Norton de Matos reconhece e avisou sobre a provável impossibilidade que existe nesse momento de fazer a Guiné-Bissau chegar à fase final do CAN 2012. Pois, ele sabe que não se consegue fazer bons resultados com a forma como a Guiné-Bissau quer construir uma seleção. Isso para não mencionar o estranho e ridícula atitude de o selecionador residir no Senegal e o laboratório de trabalho está aqui na Guiné-Bissau. Ou seja, literalmente, percebe-se que os jogadores que militam no campeonato nacional estão fora de seus planos. A ver vamos até aonde essa canoa típica das coisas da Guiné-Bissau vai. 


PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

Associação Guiné-Bissau CONTRIBUTO

associacaocontributo@gmail.com

www.didinho.org