Cabral SEGUNDO FERNANDO JORGE P. Teixeira

 

 

Matteo Candido *

15.04.2010

 

1. O texto de Fernando Jorge Pereira Teixeira: 'A visâo, gesta, juramento e morte de A. Cabral (Nô djunta mon 20.3.2010), não pode deixar indiferente nenhum cristão, e convida-o para um pensamento,  que não querendo ser um contraste com aqueles que têm um outro sentimento religioso, oferece perspectivas para uma melhor compreensão da realidade em que vivemos.

O que escreve Teixeira permite, primeiro, distanciar-se da visão da história e da política que domina a cultura ocidental desde a Revolução Francesa. Isto é, do racionalismo iluminista que, reagindo ao cenário negativo socio-económico do 'Ancien Régime’, indicava como causa a sua conexão com a concepção transcendente da vida.

 Toda a vida civil e econômica foi, então, organizada, eliminando qualquer apelo à tradição e pensamento religioso. A visão iluminista alegou, como justificação incontestável, uma interpretação filosófico-cultural da história e do pensamento moderno, que o histórico-filósofo italiano Augusto Del Noce rigorosamente contestou, na sua longa pesquisa, especialmente nos livros  ‘O problema do ateísmo’, 1964, e  ‘Reforma Católica e Filosofia Moderna’, 1964-2001.

A clareza, a concretização e a eficácia que deviam suceder no cenário social iluminista, sem abusos e injustiças, não aconteceram. O resultado, ao invés do aguardado, foi um mundo político-econômico pior, mesmo apesar da hecatombe das duas guerras mundiais ter também contribuído para isso.

 

2. Houve quem achasse inapropriada a comparação feita por Teixeira entre Cristo e Cabral. Acho que o autor viu bem a distância infinita entre o Filho de Deus e o homem Cabral. Mas reconheceu o ideal que Cristo deixou aos seus: imitá-lo e não somente dizer: ‘Senhor, Senhor!’ Não falar e pensar somente, mas fazer. E fazê-lo para os outros, para o bem do povo. E isso fez Cabral. Basta consultar a longa série de dados, que marcam a sua vida. (Veja a seção do CONTRIBUTO: Amilcar Cabral). É o amor ao próximo o que Cristo pede aos seus seguidores, Cabral fê-lo até ao fim, e de forma semelhante a Cristo: morreu por traição, e por traiçâo dos seus. E enfrentando a morte, como  Cristo, sem recorrer à maldição, sem se defender. Apenas perguntando o porquê, aos seus executantes, tentando um diálogo esclarecedor que lhe foi recusado por uma brutal saraivada de balas.

 

3. Mas a vida e a morte de Cabral, reafirmam uma verdade bem conhecida para os cristãos. O mal da humanidade não é algo superficial que pode ser curado apenas com a mudança das estruturas e substituição dos painéis. É algo profundo que existe dentro do homem e que não pode ser erradicado sem haver uma vontade determinada de personagens fortes, capazes de resistir à fadiga e superar os obstáculos. Algo impossível de manter por muito tempo sem  uma ajuda sobrenatural. O cristão sabe-o da Escritura: ‘Se o Senhor não constrói a casa, em vão labutam os construtores; se o Senhor não guarda a  cidade, em vão vigiam os guardas’. 

 Mas quem não tem esta fé, e só pode basear-se na razão? Augusto Del Noce chega a dizer que a mesma razão mostra que a prática da democracia é de facto impossível, se não tiver base na dimensão metafísica-religiosa.

 Na verdade, o mesmo ‘conceito de democracia, como um ideal neutro, isto é, aceitável para as diversas posições do pensamento, deve ser considerado o mais irracional dos conceitos políticos" (O problema do Ateísmo, pag.522). Aqui, o filósofo católico não fala das sociedades tradicionais, abertas ao sobrenatural, mas às secularistas ocidentais, que rejeitam a intervenção jurídica-religiosa em questões sociais, políticas e económicas. E com razão. Mas eles se iludem achando que podem resolver esses problemas a partir de planos sociais, políticos e económicos.

Eles próprios, pois, quando contrariam a interferência religiosa, fazem-no a partir de posições que vêm antes do social, do político e do económico. O que é religião, fé, crença, ideologia, programa, projeto ... Isso estava muito bem representado no marxismo, visto que os militantes atuavam como numa "igreja", com práticas e cerimónias, tal como numa  confissão pública. Cabral, optou por esta ideologia, pelo zelo que podia dar aos militantes. Mas nele, nunca houve a abdicação de consciência e de lealdade para com as pessoas.

 Talvez por isso o marxismo internacional, que podia impedir a sua morte, deixou a intriga colonialista continuar o seu curso. E a cumplicidade dos mesmos companheiros de Cabral, explica bem o facto de que eles não partilhavam da sua própria convicção moral. Como aliás, acontece agora em relação a todos os seguidores de hoje, que se cobrem com o seu nome, mas não o imitam moral e eticamente.

 A sua visão metafísica-religiosa era: não subordinar a pessoa  a qualquer outra coisa, ainda que fosse algo importante e urgente. E o primado era a pessoa,  ele recebeu-o do cristianismo, onde há uma reivindicação e uma defesa absoluta da pessoa.

 

4. No texto de Teixeira há um outro aspecto que mostra a proximidade entre as tradições cristãs e as africanas. Como eu aprendi com um estudante guineense durante o meu tempo de voluntariado em Suzana, norte da Guiné: um diola de Casamance, Nazaire Ukeyeng Diatta. Ele graduou-se em 1982 na Universidade de Paris-École des Hautes Etudes en Sciences Sociales, com a tese: "Anthropologie et herméneutique des Rites Joola (funerailles, initiations)- 417 páginas, junto a um volume de provérbios de 502 páginas).

Regressado  a África, desempenhou tarefas em várias dioceses de África: Senegal, Côte d'Ivoire, Guiné-Conakry, no Alto Volta, actual Burkina Faso ... Ele fez comparações entre os mitos e os costumes de sua tribo e a religião católica. Inspirado no facto de que um de seus colegas - da mesma religião tradicional - tornou-se imã muçulmano.

Mostrou o papel crucial que tem o ancestral na  tribo, a sua função de "mediador"; como também o primogênito de uma geração ou de uma classe. A mediação dos ancestrais, entre a dimensão humana e sobre-humana, aquela  do primogênito na história de um povo reflecte precisamente a mediação de Cristo.

Como toda a humanidade descende de um homem, Adão, assim a nova humanidade descende de um começo novo, a partir de Cristo. Cristo como mediador teve a função de "modelo" e "matriz" para os que vieram depois. 

Na tradição africana, há um mediador em qualquer raça, tribo, aldeia ou família; a vida deste mediador não é algo estritamente pessoal, não vive só para si mesmo, mas para os que vêm depois. Cada um desses fundadores repete o que Cristo representa para toda a humanidade.

E porque a humanidade estava corrompida, Cristo sacrificou a sua vida. Sua morte foi uma fonte de vida. O mesmo se pode dizer de Cabral: ele é o mediador do povo guineense. Sua obra, sua vida e sua morte são a fonte e a base da nação guineense, o que a nutre e regenera como um povo, que realmente quer ter um futuro.

Uma nação, a sua ordem interna e o seu funcionamento institucional não podem surgir que a partir de um ideal e duma ética. Os ideais de Cabral na criação da nação Guineense suscitaram muito entusiasmo e reconhecimento em todo o mundo, ao ponto de ser recebido em audiência pública pela máxima autoridade da Igreja Católica, na qualidade de estadista em pleno processo revolucionário.

* Pedagogo italiano, amigo da Guiné-Bissau.

 

A VISÃO, GESTA, JURAMENTO E MORTE DE AMILCAR CABRAL 20.03.2010 Fernando Jorge P. Teixeira

 


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