BREVES PALAVRAS DE J. RAMOS-HORTA REPRESENTANTE ESPECIAL DO SECRETÁRIO-GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS NA REUNIÃO DO CONSELHO DE MINISTROS E PLENÁRIA DO PARLAMENTO NACIONAL DE TIMOR-LESTE DILI, 25 DE JUNHO DE 2013
 

 

José Ramos-Horta 1996 Nobel Peace Prize laureate

25.06.2013

Agradeço o amável convite que V. Exa. Sr. Presidente me dirigiu para fazer um relato da atual situação na Guiné-Bissau perante a Plenária desta Assembleia Magna, honra reservada apenas a Chefes de Estado, o que bem ilustra o carinho e interesse com  que Vossas Excelências acompanham os desenvolvimentos naquele Pais Irmão.

Acabo de me reunir com S. Exa. O Sr. Primeiro Ministro que teve a amabilidade de me convidar para logo a seguir me dirigir a uma reunião do CdM.

Vossas Excelências já me tinham concedido a honra de discursar nesta mesma Augusta Assembleia no dia 31 de Janeiro dias antes de encetar viagem para a Guiné-Bissau no cumprimento da missão que me foi confiada pelo Sr. Secretario-Geral da ONU.

Nessa ocasião, disse:

"Sua Excelência o Secretario-Geral da ONU confiou em mim a nobre e....complexa missão de ajudar a classe política e militar Bissau-Guineenses, estabelecendo pontes de dialogo, criando parcerias e consensos a nível nacional e regional, com vista a restabelecer-se naquele pais irmão a Ordem Constitucional, a paz e estabilidade".

"Tudo farei para bem servir os irmãos Bissau-Guineenses, na sua luta pela paz e liberdade;  honrar o bom nome do Secretario-Geral da ONU que confiou em mim esta honrosa e complexa missão - e honrar o bom nome do nosso Povo."

Nessa altura disse ainda:

"...a situação que prevalece na GB há mais de uma década pode caraterizar-se por:

1. Grande fragilidade do Estado;

2. Extrema pobreza, com indicadores sociais extremamente baixos;

3. Instabilidade política persistente;

4. Fragilidades e fissuras no Exercito;

5. Intervenção frequente de militares na vida política nacional;

6. Penetração dos cartéis de droga Sul-Americanos na Guiné-Bissau e em muitos outros paises da região, exacerbando as dificuldades naqueles países, criando novos focos de crime, tensões e perigos".

 Sr. Presidente, Srs. Deputados:

Permita que partilhe com Vossas Exas. excertos da intervenção feita numa reunião extraordinária do Conselho de Ministros do regime de Transição, convocado para me ouvir, poucos dias após a minha chegada a Bissau em meados do mês de Fevereiro.

Disse na ocasiao:

"Regressar Pátria de Amilcar Cabral quando se completam 40 anos desde o seu assassinato em Conakry em 1973 convida-nos a todos a refletir sobre o pensamento e herança deste grande Filho da África que tanto inspirou e influenciou milhões de homens e mulheres em todo o mundo".

"Para alem de grande estratega politico-militar, Amilcar foi acima de tudo um humanista que deu rosto humano a luta de libertação contra o colonizador Europeu, ensinando a solidariedade e igualdade entre os povos, a amar, perdoar e reconciliar, entre irmãos e mesmo com 'inimigos' do momento."

Sr. Presidente, Srs. Deputados,

Desde as primeiras horas da minha chegada a Guine-Bissau tenho feito apelos e desenvolvendo acoes concretas para semear as sementes da pratica do dialogo, da cultura da tolerância e nao-violencia. Ainda naquela minha primeira intervenção eu disse:

 "No pais de Amílcar Cabral não deveria haver nenhum cidadão sujeito a prisão arbitraria e muito menos a tortura. A Guiné-Bissau de Amilcar deve ser um pais modelo de respeito pelos direitos humanos, pela santidade da vida, de tolerancia, solidariedade, de inclusão."

"Nao dormiria tranquilo em minha casa se eu sei que nao longe alguém esta detido, sem processo legal justo, sem julgamento justo e célere, ou que esta sendo humilhado e torturado. "

Digníssimos Deputados,

Excelências,

Em Fevereiro, encontrei um Pais e uma sociedade vivendo em ambiente de incerteza, medo e forte tensão. A sociedade política Bissau-Guineense estava profundamente dividida. Era evidente o baixo moral nas Forcas Armadas - e a chefia militar esta consciente que nao tem solução para os graves problemas do pais.

Diferenças na abordagem da situação por parte dos diferentes atores internacionais eram visíveis e melindrosas, fragilizando a capacidade de influencia da comunidade internacional.

A Guiné-Bissau continua estigmatizada pela reputação de ser o primeiro e único "Narco-Estado" no mundo, adjetivo que nao corresponde a realidade no terreno. Em mais do que uma ocasião, publicamente dissociei-me desta nefasta alegação lançada contra todo um colectivo de pessoas.

Mas isto nao quer dizer que nao existe um problema serio de crime organizado na Guine-Bissau. Este flagelo existe na Guine-Bissau como em toda a região da Africa Ocidental e tem que ser combatido a todos os níveis.

No entanto, estranhamente a mesma comunidade internacional que denuncia a existência da ameaça do crime organizado naquele Pais irmão nega-lhe apoio financeiro, técnico e humano para apetrechar o Estado com os meios adequados para eficazmente poder fazer frente aos agentes dos cartéis da droga oriundas da Bolivia, Colômbia e Peru.

Cinco meses depois desde a minha chegada a Pátria de Amilcar Cabral posso partilhar com Vexas algum otimismo prudente. Ha progressos substanciais na área política mas ha uma degradação grave nas áreas social e econômica.    

1. Situação social, humanitária, segurança, direitos humanos, justiça

Segurança alimentar: precária, com índices muito elevados de extrema pobreza, sub-nutrição. Dado que a natureza continua generosa com abundância de uma terra fértil e água em abundância ainda nao ha registo de fome. Mas a situação pode alterar-se dramaticamente nas próximas semanas caso o Governo e o sistema da ONU nao receberem em tempo os auxílios alimentares e médicos necessários antes da época das chuvas que se acentua nos meses de Julho e Agosto tornando vastas regiões habitadas da Guine-Bissau inacessíveis. Ja ha indícios de cólera.

Direitos humanos e Justiça : Nao ha registo de casos de grave violação de direitos humanos - prisão arbitraria e tortura desde Fevereiro.

As condições prisionais sao extremamente precárias no plano da dignidade e conforto dos detidos e sentenciados.

O processo de julgamento do caso da alegada tentativa de "Contra-Golpe" de Outubro de 2012 decorreu sem incidentes mas o mesmo padeceu de falta de transparência e credibilidade.

A Guiné-Bissau tem juristas de grande calibre mas o poder judicial sofre das influencias negativas da elite política e militar.

Criminalidade: A Guiné-Bissau continua a ser um dos países no mundo com menor índice de criminalidade violenta. Pode-se caminhar dia e noite na maior parte do pais sem quaisquer riscos.

Esta situação de tranquilidade e segurança esta sendo perturbada pela presença na Guiné-Bissau de mais de 200 mil indocumentados originários dos países vizinhos, em particular da Guiné (Conakry).

2. Situação política

O ambiente político esta mais distendido, sem grandes tensões. Ha um processo ativo de dialogo e de busca de consensos entre as elites políticas, liderado pelo Presidente de Transição, Sr. Serifo Nhamajo.

O dialogo político, encorajado pela comunidade internacional, resultou num consenso sobre a data provável de eleições gerais e presidenciais, em simultâneo, durante o mês de Novembro deste ano em curso; eleição pela Assembleia Nacional Popular do Presidente da Comissão Nacional de Eleições; formação de um governo de base política ampla e representativa que mereceu a aprovação geral.

Outro fato positivo: O Primeiro Ministro de Transição, Eng. Rui Barros, um tecnocrata independente de grande experiência foi reconduzido nas suas funções. Sempre encorajei a manutenção do Primeiro Ministro para assegurar estabilidade governativa.

3. Eleições sem perdedores

Sempre advoguei que em situações pós-conflito em que os desafios sao grandes e complexos a estabilidade política torna-se a prioridade das prioridades e ela so pode ser conseguida através de parcerias ou alianças políticas, celebradas via dialogo paciente, tendo sempre presentes os superiores interesses do Pais. Sabemos que o dialogo nem sempre e fácil, as negociações podem ser intermináveis e frustrantes.

Os nossos irmaos da Guine-Bissau estão a dar provas de maturidade política e sentido de Estado.

Espero que o principio que nas próximas eleições nao haverá perdedores vai prevalecer - O partido mais votado convidara os outros seguintes a formar um Governo de grande inclusão para que juntos possam reorganizar todo o Estado, relançar as bases para uma economia sustentável, diversificada e equitativa; combater a corrupção e crime organizado.

Mas a comunidade internacional teria que assumir uma postura mais ativa e solidaria, apoiando generosamente a reorganização do Estado e o relançamento da economia.

Sem uma estratégia multi-facetada de apoio a reorganização do Estado a Guine-Bissau estara condenada a instabilidade e pobreza.

4. Comunidade internacional

Em diplomacia e relações internacionais ha princípios e valores, regras e formas de procedimento que devem alicerçar cada vez mais as relações entre Estados. Mas também sabemos que a comunidade internacional nem sempre e coerente e consistente: nalguns casos exige-se o cumprimento dos princípios e normas, invocando-se a política da chamada "tolerância zero" contra golpes de Estado ou outras formas anti-democráticas de alteração de uma Ordem Constitucional, impõe-se sanções diplomáticas e econômicas. Noutros casos, realpolitk prevalece e adotam-se atitudes mais pragmáticas apesar da similitude de situações.

No caso da Guine-Bissau a comunidade internacional optou pela política de "tolerância zero", impôs sanções diplomáticas, econômicas e financeiras. As consequências tem sido nefastas para o povo, este inocente, nao responsável do golpe. E todos sabemos como e sempre mais fácil imporem-se sanções contra países frágeis do que contra um pais maior, detentor de recursos estratégicos, vitais para as ditas democracias ocidentais.

Dados os progressos visíveis e substanciais registrados na Guine-Bissau espero que a comunidade internacional normalize as relações com o Pais, encete dialogo ativo com o novo regime de transição e reative os programas de ajuda.

5. Modernização das FAs

O processo de reorganização e modernização das FAs da Guiné-Bissau constitui uma das grandes prioridades do regime de Transição e da própria Chefia Militar.

A Comunidade Internacional nao pode continuar apenas a produzir estudos, talvez necessários e úteis; ela deve mobilizar os recursos financeiros necessários para financiar este processo que será moroso e terá que ser gerido com inteligência e prudência, sem dogmas e pressas.

A ONU terá um papel central neste processo mas nao se substituiria as autoridades de facto, a chefia militar e ao futuro regime democrático saído das próximas eleições.

Os nossos irmaos Bissau-Guineenses, autoridades civis e militares, apoiados pela comunidade internacional dirão como visualizam ou idealizam as futuras novas FAs do seu pais, assentes numa Doutrina de Defesa e Segurança, esta inspirada por uma missão patriótica adaptada aos desafios do momento e do futuro, e de acordo com as possibilidades financeiras do Pais.

O Sr. Primeiro Ministro e Ministro de Defesa decidiu contribuir para o processo da modernização das FAs da Guiné-Bissau através do envio de uma delegação das F-FDTL de alto nível chefiada pelo CEM, Brig.Gen. Filomeno Paixão, para participar num seminário a ser realizado no próximo mês, seminário esse que será o ponto de partida para o inicio do processo da modernização das FAs da Guiné-Bissau.

A experiência Timorense poderá ser útil para os nossos irmaos na G-B dado que T-L e G-B viveram experiências históricas similares e enfrentamos mesmos desafios na consolidação do Estado democrático.

Sr. Presidente, Srs. Deputados:

Deram-se passos positivos. Muitos outros sao  necessários. Haverá mais progressos. A comunidade internacional deve também dar alguns passos concretos de encorajamento e apoio a todos os homens e mulheres de boa vontade na Guiné-Bissau, os quais lutando contra todos os constrangimentos possíveis tem feito esforços notáveis no sentido do retorno a Ordem Constitucional.

O povo da Guine-Bissau esta muito grato pelo anuncio do apoio do Estado Timorense. Aguardamos todos com ansiedade a rápida implementação deste programa de ajuda para nao defraudarmos as expetativas daquele povo irmão.

Que Deus, o Todo Bondoso e o Todo Poderoso, continue a iluminar-nos a todos na nossa missão quotidiana de preservação da paz e harmonia entre os povos.

FIM

 


VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

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