AOS MILITARES GUINEENSES

 

EXTENSIVO ÀS FORÇAS DE SEGURANÇA E A TODO O POVO GUINEENSE

Guiné-Bissau 1971. Amilcar Cabral e guerrilheiros do PAIGC Foto de Bruna Polimeni

"Quanto mais politizadas forem as nossas Forças Armadas, maior é a certeza na segurança da nossa terra e na vitória da nossa luta". Amilcar Cabral

Guinea-Bissau, 1971. Photo: Bruna Polimeni [ © ]

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

ARTIGO 20º

1 -       As Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP), instrumento de libertação nacional ao serviço do povo, são a instituição primordial de defesa da Nação. Incumbe-lhes defender a independência, a soberania e a integridade territorial e colaborar estreitamente com os serviços nacionais e específicos na garantia e manutenção da segurança interna e da ordem pública.

2 -       É dever cívico e de honra dos membros das FARP participar activamente nas tarefas da reconstrução nacional.

3 -       As FARP obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição e da lei.

4 -       As FARP são apartidárias e os seus elementos, no activo, não podem exercer qualquer actividade política.


ARTIGO 21°

1 -       As forças de segurança têm por funções defender a legalidade democrática e garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos e são apartidárias, não podendo os seus elementos, no activo, exercer qualquer actividade política.

2 -       As medidas de polícia são só as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.

3 -       A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só se pode fazer com observância das regras previstas na lei e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

 

Por: Fernando Casimiro (Didinho)

5.02.2006

Hoje tomo a iniciativa, (a liberdade tenho-a sempre!!!) de entrar directamente numa área considerada sensível: as Forças Armadas. No entanto, como a Guiné-Bissau, o país, deve estar acima dos nossos interesses, com base nesta visão patriótica e cada vez com mais adeptos, lanço a mim mesmo o desafio de levar a sensibilização aos nossos irmãos militares face aos problemas com que o nosso país se tem confrontado ao longo dos tempos.

Problemas de vária ordem é certo, mas que, de uma forma ou de outra têm sido sustentados pelo exercício camuflado de um Poder não legitimado como órgão de soberania da República, neste caso o chamado "Poder Militar",  sempre em conluio com o Poder Político representativo dos vários regimes de que o país tem memória.

Hoje, cada vez mais vozes se ouvem na atribuição de responsabilidades aos militares guineenses pelo estado lamentável em que o país se encontra.

Para este trabalho de sensibilização, quero situar a importância de uma comparação que Amilcar Cabral fez durante a luta de libertação nacional e em que dizia:" Não devemos confundir o povo português com o colonialismo português.."

Esta comparação de elevada lucidez, encaixa-se em muitas situações que se vivem no nosso país, bastando para isso substituir-se o termo comparativo original utilizado por Cabral, pelo termo comparativo que nos propusermos a comparar. Podemos e devemos aplicar esta comparação na abordagem que fazemos quando nos referimos aos nossos militares. Como?

Se atendermos ao facto de que a ética militar impõe princípios como a Disciplina e a Hierarquia como valores institucionais nas Forças Armadas e olhando para as várias lideranças da nossa instituição militar (da independência aos dias de hoje), facilmente chegamos à conclusão de que o grosso dos militares guineenses também tem sido traído e usado como bode expiatório pelas elites que dirigiram e dirigem a instituição militar.

Com base nisso, não devemos confundir os militares guineenses dignos da referência ao termo e que fizeram o juramento de bandeira, comprometendo-se com o país e com o povo guineense, com a liderança militar (altas chefias) da instituição que representam e que fizeram o juramento de bandeira mas comprometendo-se com as suas pessoas e as dos que lhes alimentam os seus interesses e necessidades!

Para este trabalho contínuo de sensibilização apresento 4 aspectos importantes como ponto de partida e que são justificativos da necessidade primeira em se criar e fortalecer um "cordão umbilical" entre os guineenses para além da visão superficial do termo irmão com que normalmente nos referimos uns aos outros.

1- O militar guineense não é senão um cidadão guineense!

2- O militar guineense não é senão irmão, parente próximo ou afastado de outro cidadão guineense, seja ele: pedreiro, carpinteiro, agricultor, pescador, enfermeiro, professor, engenheiro, economista, médico, etc.

3- O militar guineense não é senão irmão, parente próximo ou afastado de outro cidadão guineense, seja ele: Balanta, Fula, Manjaco, Mandinga, Pepel, Bijagó, Biafada, Nalú, Felupe, etc.

4- O militar guineense não é senão irmão, parente próximo ou afastado de outro cidadão guineense, seja ele: animista, muçulmano, católico, protestante ou seguidor de qualquer outra religião ou crença.

Na Guiné-Bissau que sonhamos e queremos construir, Pátria-Mãe pela qual muitos dos seus mais valorosos filhos: militares e civis deram a vida, a palavra de ordem é: Todos juntos e a favor dos interesses nacionais, todos juntos e em defesa das causas nacionais.

O militar guineense não deve pensar que, por usar um uniforme e uma arma de fogo em representação de uma instituição nacional com responsabilidade e missão de defesa e segurança está acima da lei e dos seus irmãos que, por motivos vários, usam outros uniformes que não os de uma instituição militar e outras armas que não as de fogo, mas uniformes e armas de representação multifuncional para se fazer face aos desafios e às exigências de desenvolvimento do país de todos nós.

O militar guineense deve orgulhar-se da sua missão de defender a integridade territorial do país e, por conseguinte, proteger os seus irmãos e concidadãos, mas deve igualmente orgulhar-se dos seus irmãos que não sendo militares trabalham e produzem para que à instituição militar e quiçá, aos militares, nada falte, dentro daquilo que lhes é possível produzir.


A politização das Forças Armadas no contexto actual da Guiné-Bissau.

Por: Fernando Casimiro (Didinho)

12.02.2006

Amilcar Cabral (Abel Djassy)"O trabalho político tem de ser um trabalho permanente no seio do nosso povo."

Amilcar Cabral

"Há camaradas que morrem nas frentes de combate sem saberem o que é o Partido. Porquê? Às vezes só porque os nossos comissários políticos não sabem o que é o Partido. Temos que acabar com isso. Há os que sabem bem, mesmo sem instrução às vezes, mas sabem bem. Há os que fazem trabalho político a sério, mas grande parte não faz trabalho político no seio das Forças Armadas, e às vezes o próprio comandante não deixa o comissário político fazer nada, porque ele, comandante, é que manda em tudo. 
Esquece-se de que o primeiro comissário político é ele mesmo. Ele é comissário político e é comandante, o outro é comissário político. Devem trabalhar juntos, fazer política juntos, junto das nossas Forças Armadas, porque, quanto mais politizadas forem as nossas Forças Armadas, maior é a certeza na segurança da nossa terra e na vitória da nossa luta."


"Não podemos permitir de maneira nenhuma que as nossas Forças Armadas, os nossos militantes ou os nossos responsáveis, se esqueçam, por um momento que seja, que a maior consideração, o maior respeito, a maior dedicação, devem ser para o povo da nossa terra, para as nossas populações, sobretudo nas áreas libertadas da nossa terra. Quem está disposto a morrer com um tiro qualquer, nesta guerra, mas que é capaz de faltar ao respeito aos filhos do nosso povo, às gentes das tabancas, à população, morre sem saber porque é que está a morrer ou então morre enganado."


"Nunca é demais dizer que o trabalho político é um trabalho fundamental da nossa luta, tão fundamental que, como vos disse há pouco, cada tiro é um acto político também. Tão fundamental que, para o nosso Partido, os dirigentes na luta armada são dirigentes políticos."


"Nós sentimos que não fazemos distinção entre política e outras coisas, porque tratar da saúde da nossa gente, ensinar, fornecer à nossa população tecidos e outras coisas 
para poderem melhorar a sua vida, é política. Dar tiros, trabalhar no plano internacional, é política. Mas dado que a nossa vida é complexa, com várias funções, há pessoas que têm um trabalho concreto, que é dedicarem-se ao trabalho político."

Amilcar Cabral em "Para a melhoria do nosso trabalho político"

Capítulo 1- As bases de uma interpretação

Recuando no tempo e ao período da luta de libertação nacional, indo ao encontro das convicções de quem concebeu os projectos: político (primeiro) e militar (depois) para a libertação dos povos da Guiné e de Cabo Verde da dominação colonial portuguesa, encontramos em todo o percurso libertador o que Amilcar Cabral chamava de "trabalho político".

A criação do PAIGC a 19 de Setembro de 1956 foi um trabalho político.

A greve dos marinheiros e estivadores no cais de pindjiguiti a 3 de Agosto de 1959, foi um trabalho político.

A mobilização das populações para o início da luta armada, foi um trabalho político.

Toda a luta de libertação nacional foi sustentada por um trabalho político!

O trabalho político foi fundamental  na consciencialização dos povos da Guiné e de Cabo Verde para a luta contra o colonialismo, mas também, para a sensibilização e elucidação de outros povos e países no apoio às causas apresentadas, justificadas e defendidas pelo PAIGC.

Cabral dizia: "Devemos lutar sem corridas, lutar por etapas, desenvolver a luta progressivamente, sem fazer grandes saltos. Se repararem bem, vêem que muitas lutas começaram por criar Bureau Político, Estado Maior, etc.; nós não começámos por isso. Muitas lutas começaram criando logo um exército de libertação nacional; nós não começámos por isso. Nós começámos a nossa luta como quando se lança uma semente à terra, para nascer. Deita-se a semente, nasce uma planta pequenina, que cresce, cresce até dar flor e fruto: esse é que é o caminho da nossa luta, etapa por etapa, passo a passo, progressivamente, sem saltos grandes. Aliás, cada etapa significa ao mesmo tempo maiores exigências no nosso trabalho, na nossa luta."

Cabral concebeu as estratégias da luta de libertação à sua imagem, ou seja: à imagem de um homem consciente dos seus propósitos, de um homem lúcido, de um homem com ampla capacidade de interpretação, em suma: de um homem politizado!

Cabral era um politizado e por isso, sentia a necessidade de transmitir o conceito da politização a todos quantos estavam envolvidos na luta de libertação nacional e essa transmissão só poderia ter resultados práticos através do trabalho político.

Mas em que consiste afinal a politização?

A politização é sinónima de consciência política nacional. Uma consciência política nacional em que as vertentes: social e institucional devem ser referências dos direitos e deveres dos cidadãos.

Um povo que não tem noção do que é a política é um povo que está sujeito à demagogia, à manipulação. É um povo que não pode aspirar a ser participativo nas decisões que a ele próprio dizem respeito!

Quando Cabral diz que quanto mais politizadas forem as nossas Forças Armadas, maior é a certeza na segurança da nossa terra e na vitória da nossa luta, está a estender a necessidade de incrementação do trabalho político nas Forças Armadas, porquanto os militares serem parte do povo e, por isso, terem o direito e o dever de, entre outras coisas, saber como se relacionar com o povo a que pertencem e, acima de tudo, saber quais são as motivações que os levaram a pegar em armas para lutarem contra o colonialismo português.

Tornou-se claro que não se podia dar simplesmente uma arma a uma pessoa e dizer-lhe: agora és um militar, vais ter que combater contra o exército português! Até poderia resultar durante um certo período de tempo, mas de certeza que esta iniciativa iria fracassar, pois não teria consistência, não teria motivações fundamentadas, não teria suporte de consciencialização. Faltar-lhe-ia estruturação, faltar-lhe-ia definição. Em vez de se criar um exército, estar-se-ia a criar um bando de homens armados.

O trabalho político desenvolvido no seio das populações e dos combatentes foi extraordinário e os resultados conseguidos mostram-nos 2 factos inegáveis:

1- É possível fazer-se trabalho político junto de populações analfabetas, como era o caso.

2- É possível fazer-se trabalho político sem que se tenha que definir uma ideologia política concreta com base em definições científicas.

Citando Cabral "Ter ideologia não significa necessariamente que se tenha que definir se se é comunista, socialista ou qualquer coisa assim. Ter ideologia é saber o que se quer em determinadas condições próprias. Nós queremos que o nosso povo não seja mais explorado. O nosso desejo de desenvolver o nosso país com justiça social e com o poder nas mãos do povo, é a nossa base ideológica."

Nos dias de hoje, há quem diga que a politização das Forças Armadas defendida por Cabral não serve o modelo republicano das nossas Forças Armadas.

Contrariando esta tese e, apesar da realidade circunstancial dos factos, penso que devemos saber converter os fundamentos de Cabral numa apreciação alargada, para que de facto saibamos interpretar os seus pontos de vista.

Cabral referia-se ao PAIGC como a vanguarda dos povos da Guiné e de Cabo Verde. Era o partido que reunia no seu seio filhos destas 2 terras, com objectivos claros, numa primeira fase, em relação às independências de ambas.

Politizar não significa partidarizar, Cabral melhor do que ninguém sabia disso. No entanto, durante a luta de libertação nacional, o PAIGC tinha o estatuto de Partido-Estado, situação que deveria ter sido reformulada de pronto, no pós independência da Guiné e de Cabo Verde e não foi!

Essa definição de vanguarda atribuída ao PAIGC, influenciou no entanto, leituras e interpretações tendenciosas na fase posterior às independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. A ausência de Cabral era notória, porquanto, o trabalho político se ter estagnado.

Não se soube enquadrar o conceito de politização num prisma de carácter nacional, onde o estatuto de vanguarda atribuído ao PAIGC : " força, luz e guia do nosso povo na Guiné e Cabo Verde" deveria desaparecer, dando lugar a uma nova referência de vanguarda, ou seja: a República, o Estado.


Por: Fernando Casimiro (Didinho)

16.03.2006

 

Nota introdutória

É o tempo o eterno juiz da razão!

militares guineenses

 

Para aqueles que ainda duvidavam ou duvidam da necessidade de semear e expandir a politização no seio das Forças Armadas guineenses e quiçá, no seio do próprio povo guineense, pois ninguém nasce militar e os que hoje são militares provêm do povo, nada mais esclarecedor do que os últimos acontecimentos protagonizados pelo Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, o general Tagme Na Waie.

Como escrevi anteriormente, não devemos confundir os militares guineenses dignos da referência ao termo e que fizeram o juramento de bandeira, comprometendo-se com o país e com o povo guineense, com a liderança militar (altas chefias) da instituição que representam e que fizeram o juramento de bandeira mas comprometendo-se com as suas pessoas e as dos que lhes alimentam os seus interesses e necessidades!

Nota: Aguarda desenvolvimento

 

 Capítulo 2- A ausência de trabalho político e o reflexo das suas  consequências no campo militar - Nota: Aguarda desenvolvimento

 

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