« Amilcar Cabral na pele do Gungunhana »

 

 

 

Norberto Tavares de Carvalho, « O Cote »

 

 

22.08.2006

 

A notícia foi dada com uma simplicidade extraordinária :

« EUA concluem que Portugal não esteve envolvido na morte de Amilcar Cabral. » [1]

Um abalo sísmico não teria provocado em mim a mesma reacção. Imaginei cenários, hipóteses, cálculos … nada conseguiu conter-me. Assim, resolvi interceder desta maneira.

Sem nenhuma pretensão monográfica, recordemos alguns antecedentes :

-        1970, Operação « Mar Verde», preparada psicologicamente pelo General António de Spínola na Ilha do Sugue, Arquipélago dos Bijagós, comandada pelo Capitão Almeida Bruno e pelo Major Alpoim Calvão, com o objectivo de aniquilar a direcção do PAIGC estabelecida em Conacry. A operação falhou e o futuro Presidente de Cabo-Verde, Aristides Pereira, escapou por um triz (algemado num barco portugês acostado ao largo da costa guineense - de Conacry- foi libertado in-extremis pelos « soviéticos ».)

-        1973, 20 de Janeiro, prisioneiros da PIDE/DGS, recém-libertados da prisão, a coberto do estatuto de militantes do PAIGC, e com o intuito aparente de reintegrarem o partido, acabaram por assassinar Amilcar Cabral. Um deles era de origem caboverdeana…

Qual é então o objectivo desta declaração estado-unidense ? Senão que a operação revisionista luso-yankee já vinha sendo orquestrada depois de um certo tempo. Um jornalista português já tinha preparado a representação ao tentar ilibar o General Spínola na morte do Cabral. No seu livro [2], para fazer crer à opinião pública de que o General não queria a morte do Secretário-Geral do PAIGC, o escritor serve-se do Capitão Otelo Saraiva de Carvalho, que num dia de completa falta de inspiração, fez a seguinte declaração : «  A captura de Cabral, permitiria a Spínola um enorme brilharete. É o espírito típico da Cavalaria : subjugar o adversário, exibi-lo como troféu, fazê-lo vergar, e, depois, negociar. Seria a reedição do que o Mouzinho de Albuquerque fez com o Gungunhana ». [3] Isto não é gozar com a gente? Negociar com o Cabral depois de o ter humilhado? Recorde-se de que negociar com Portugal d’outrora foi um dos cavalos de batalha do Amilcar Cabral. Infelizmente o Dr. Marcelo Caetano sempre vetou as intenções visionárias e humanistas do líder nacionalista. E o Spínola ia negociar com o Amilcar … contra a decisão do seu governo? O escritor russo, Oleg Ignatiev [4] estabeleceu categoricamente : a PIDE/DGS foi o cérebro do assassinato do Amilcar Cabral.

Que as circunstâncias da sua morte ainda não foram totalmente elucidadas, embora se tenham envidados esforços nesse sentido [5]  - isto é manifesto. Que não se pode rejeitar a cumplicidade de alguns membros do PAIGC no assassinato, isto também parece ser evidente. Mas que  o governo colonial português, pela PIDE/DGS - e o General Spínola intercalado -, « não esteve directamente envolvido na sua morte » [6] , a minha opinião é que tudo isto, longe de uma simples probalidade, cheira a diversionismo. Mas deixo a questão a quem de direito.


 

[1] Jornal Expresso, 7 de Junho de 2006.

[2] « Quem mandou matar Amilcar Cabral ? », José Pedro Castanheira, Relógio d’Agua Editores, 1995.

[3] Idem, p. 207.

[4]« Os três tiros da PIDE » Oleg Ignatiev (…).

[5] « Cabo-Verde : os bastidores da independência », José Vicente Lopes, Spleen edição, 2002.

[6] Jornal Expresso, 7 de Junho de 2006.

 

 

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