Ainda temos Estado? 
 

Por: MSII

20.11.2007

Acabo de ler um artigo assinado por alguém que se dá pelo nome através das iniciais MS e publicado no site criado pelo Didinho, intitulado “A boa governação de Issuf sanha” e como sou um guineense convicto das minhas responsabilidades e por não estar contente com o andar da carruagem, mas também por uma questão de solidariedade e respeito para com a coragem evidenciada pelo MS, venho, enquanto quadro superior do Ministério das Finanças, dar a minha contribuição para o aprofundamento desta questão, que julgo, vai merecer uma atenção acrescida dos políticos, dentro de alguns dias. Não dou o rosto, por ter medo de represálias e sei por conhecimento o que pode suceder aos incautos e desprevenidos! 
 

Voltando ao nossos comentários, estamos persuadidos que vamos ter um programa com as Instituições de Bretton Woods não porque tenhamos obtido uma boa performance (isso ficou muito bem claro aos olhos dos técnicos dos diferentes ministérios e instituições nacionais e regionais), mas sim, porque a equipa de negociadores foi instruída para nos apertar e obrigar a mudar as nossas “conturbadas estratégias” para deixar passar um programa, como forma de estancar problemas graves existentes no país, entre outros, o narcotráfico, corrupção, salários em atraso, dívida pública, sector privado paralisado, etc. 
 

Foi uma grande vergonha a forma como a equipa do FMI ridicularizou Issuf Sanha e o seu “acordo secreto” com o ECOBANK. Este e outros problemas levantados quase fizeram uma grande maioria dos participantes esconderem-se debaixo da mesa das negociações, tamanha foi a vergonha. Daqui e antes de avançar numa análise mais aprofundada quero deixar um aviso ao actual Governo: Francisco Fadul foi nomeado Presidente do Tribunal de Contas e a alçada da sua competência passa igualmente pela análise dos contratos que são estabelecidos… 
 

Voltando para a minha análise, pergunto: Ainda temos Estado?

 
Em qualquer estrutura de Governo, a pasta das finanças é uma das mais proeminentes sendo sempre rodeada da maior minúcia e cuidados a escolha de quem a dirige. Num país de “um tiro1 onde todos ralham e poucos tem razão”, os cuidados devem ser redobrados e os critérios de selecção afinados na escolha do titular da pasta das finanças.

 
Já há muito tempo que perdemos a nossa autonomia financeira (se é que alguma vez a tivemos). O país funcionou relativamente bem nos primeiros tempos quando ainda contávamos com a ajuda da Comunidade internacional foi assim até a década de 80.  
 

A partir do momento em que as torneiras começaram a funcionar a conta gotas, exigindo-nos competências próprias e adequadas ao nível das responsabilidades que assumíamos surgiram os problemas e as crises sociais que até hoje se propagam. 
 

A situação do Ministério das Finanças é bem sintomática da nossa incapacidade de governar e de tomar conta dos nossos destinos. Hoje falamos de boa governação, de transparência, de competência, exaltamos as capacidades nacionais quando os sinais e os resultados são em sentido contrário nunca houve tanta desgovernação, arbítrio e opacidade nas finanças públicas e tanta falta de capacidade na administração e gestão das finanças públicas.

 
É certo, que os ministros procuram criar artificialmente a ideia do progresso, da complexidade das matérias, da transparência da sua gestão, rodeando-se de assistentes técnicos, de comissões de trabalho, de comités para gerir tudo e mais alguma coisa, vendendo a imagem de bons interlocutores do
FMI e BM, mas tudo isso carece de substancialidade.

 
O risco que impende sobre o desaparecimento da administração pública é iminente e são vários os exemplos bem ilustrativos;

 
Comecemos pelo
Orçamento Geral do Estado (OGE) ou melhor pelo estado caótico do processo orçamental.

 
O
OGE é um instrumento balizador e referencial da administração, de importância crucial em qualquer Estado minimamente organizado. De entre as suas inúmeras funções saliente-se apenas uma: a de dar a conhecer as despesas que o Governo se propõe a realizar, reflectindo dessa forma as prioridades ou programa do Governo que explicita ou implicitamente resultam da sua estrutura de gastos públicos, e as receitas que pretende obter num determinado período.

 
A própria proeminência do Ministro das Finanças, no xadrez governativo justifica-se pelos largos poderes que dispõem em matéria de
OGE e consequentemente sobre a efectivação prática do programa ou actividades dos outros ministérios. 
 

É alvitrante, que o OGE do ano em curso só venha a ser discutido e aprovado a um mês e meio do fecho do ano económico e civil. Aliás tem sido prática dominante na última década: as finanças deixaram de ser geridas com base  num modelo de racionalidade jurídico-financeira. 
 

As finanças passaram a ser “geridas” segundo a vontade dos ministros das finanças e não em conformidade com o mandato popular, que por lei constitucional é conferido aos deputados conceder autorização política ao Governo para realizar despesas e cobrar receitas durante um dado exercício. Consequentemente, os representantes do Povo não têm vindo a cumprir uma das suas missões mais importantes que é o controlo dos fundos públicos.

Seja “à priori”através da aprovação do OGE, nos prazos prescritos por lei seja “à posteriori” através da aprovação da Conta Geral do Estado que relata a execução do orçamento ou em outros termos a forma como foram gastos os dinheiros públicos. Ai Guiné!!! Saber que ainda em meados dos anos 70 a Conta Geral do Estado era publicada no Boletim Oficial faz-nos compreender o quanto regredimos. 
 

Outro caso patente de tudo o que se tem dito é a forma como tem sido gerida a tesouraria do Estado.  
 

O Comité de Tesouraria (CT) órgão criado supostamente “para conferir maior rigor, credibilidade e transparência na gestão da tesouraria do Estado”. Sem querer entrar em grandes detalhes, constata-se que mais uma vez o que conta é o que parece e não o que é. Com efeito, esses atributos são conseguidos pela simples presença das instituições e organismos internacionais (BCEAO, PNUD e UE) nas reuniões dessa estrutura e não tanto pelos reais poderes que o Comité de Tesouraria tem na programação das despesas.  
 

Além de ser discutível a manutenção dessa estrutura “no actual contexto de normalidade democrática” tendo em conta que ela surgiu no período de transição da ordem constitucional e para seguir a gestão dos fundos de emergência da Comunidade internacional, não deixa de causar perplexidade o seu actual funcionamento (pagamento de “senhas de presença” de montantes superiores aos respectivos salários) e composição. 
 

A composição do Comité de Tesouraria alargada actualmente aos Ministérios da Defesa e do Interior, ao gabinete do Primeiro Ministro e a organizações de classe é bem sintomático do peso preponderante dos militares e paramilitares, na vida política, económica e social dos guineenses. Compreender-se-ia melhor que os Ministérios da Saúde e da Educação nele tivessem assento, mas militares... Tenham paciência e vergonha!  
 

Em jeito conclusivo interessa reter que o Comité de Tesouraria amputa uma das funções nucleares do Ministério das Finanças: a gestão do tesouro público. Privado dessa função crucial, então que papel é reservado ao Tesouro Público?  
 

Arrecadar receitas? Centralizar os pagamentos do Estado? Nem isso sequer. Essa função foi igualmente cometida a uma entidade estranha ao aparelho do Estado o ECOBANK-Bissau. 
 

Na base de uma convenção assinada entre essa instituição bancária e o Ministério das Finanças aquela colecta todas as receitas públicas. 
 

De novo sem querer entrar em detalhes, a verdade é que este procedimento nada tem de transparente além de sedimentar o caos na administração das finanças. Actualmente, à excepção do titular da pasta das finanças ninguém sabe ao certo de quanto dispõem o Estado em recursos financeiros, do montante das receitas arrecadadas. 
 

A utilização da banca comercial é onerosa, os bancos cobram juros, taxas e comissões pelos serviços que prestam. Será que as condições negociadas pelo ME na sua política de endividamento são as mais adequadas? Será que o Ministro das Finanças tem sido diligente e exigido uma contrapartida pelos recursos que imobiliza junto daquela instituição bancária? Ninguém sabe! Essas operações efectuam-se no maior secretismo. 
 

Porque razão? Com que vantagens e para quem?  
 

A administração deve pautar-se pelas regras da neutralidade e equidade e não ser ela própria promotora das distorções no mercado (bancário) favorecendo um operador em detrimento de outros. No mínimo se o Ministério das Finanças pretender prescindir da gratuitidade dos serviços do banqueiro central que o faça em condições abertas, públicas e transparentes. 
 

Em resumo, ao longo destes anos foram sendo subtraídos, por razões de conveniência ou por falta de capacidade, importantes áreas que pertencem à esfera do Estado. Este exercício tomou como paradigma o Ministério das Finanças mas podia ser feito com um qualquer outro departamento do governo e as conclusões a que chegaríamos seriam similares. 
 

Do Estado restam apenas ministérios hipertrofiados de funções e hiperdimensionado em recursos humanos. O Estado passou a servir quase exclusivamente para isso, para dar o estatuto simbólico de funcionário público. O funcionário público finge que trabalha e o Estado finge que paga
 

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