O ACORDO DE ABUJA

 

Por: João Carlos Gomes*

João Carlos Gomes

27.04.2007

 

CHEGOU A HORA DO PRESIDENTE NINO VIEIRA INFORMAR AO PAÍS DE QUEM FOI A INICIATIVA QUE CULMINOU COM A ASSINATURA DO ACORDO DE ABUJA

1. “Matchu’ndadi i sigridu” (a valentia não precisa ser apregoada aos quatro ventos). Na semana passada, após ter lido um artigo publicado pelo meu colega de profissão Fernando  ‘Didinho’ Casimiro, no qual o mesmo dava a conhecer o facto de que o actual Ministro da Administração Interna da Guiné-Bissau, o Sr. Baciro Dabó teria afirmado ao jornal ‘O Independente’, que a iniciativa que culminou com a assinatura do ‘Acordo de Abuja’ teria sido sua, decidi publicar um pedido de esclarecimento ao mesmo sobre a autenticidade de tais declarações.  Eu acredito que todos temos direito às nossas próprias opiniões e posições em qualquer matéria.  O que não temos direito é aos nossos próprios factos.  Factos são factos e contra factos não há argumentos. 

2. Todas as decisões e posições que tomamos na vida têm as suas consequências, mais cedo ou mais tarde.  Assim sendo, torna-se imperativo aceitar que todos temos a obrigação de assumir as nossas responsabilidades, sobretudo quando se trata de questões que têm que ver directamente com as consequências dos nossos actos.  Pedi ao Sr. Ministro Baciro Dabó um desmentido ou esclarecimento num espaço de dias.  Volvido uma semana desde a data em que tornei pública a minha posição, o ciclo máximo de sete dias que compõem a semana está completado.  Consequentemente, venho pela presente agradecer ao Sr. Ministro Baciro Dabó pelo facto de não ter desmentido as minhas afirmações.  Partindo do principio de que quem cala consente, julgo que o facto de o Sr. Ministro Baciro Dabó não ter refutado as minhas declarações me dá implicitamente o direito de assumir que o Ministro decidiu não as contradizer.  Daí que posso prudentemente dar por encerrada esta discussão quanto à autoria da iniciativa que culminou com a assinatura do Acordo De Abuja.  No entanto, este episódio trouxe à tona questões que não deixam de constituir motivo legítimo de preocupação para todos os guineenses, ou seja, a importância do papel que não só a competência profissional mas também o carácter pessoal deve representar na liderança de um povo.

3. Como homem de informação, eu tenho sempre feito todo o possível por pautar por uma conduta caracterizada pela maior cautela não só nos meus trabalhos mas também nas minhas lides e tomadas de posição, sobretudo em questões de interesse público, seja qual for o tema em discussão.  O papel que desempenhamos, nós os profissionais da comunicação social, impõe-nos um certo nível de responsabilidade em relação ao público que servimos.  E nessa óptica que, consciente do facto de que para qualquer povo, não existe matéria mais sagrada do que a construção das bases da sua história, decidi assumir a posição que demonstrei ao fazer tal pedido àquele que hoje ocupa uma das pastas cruciais dentro do governo da Guiné-Bissau, com as responsabilidades inerentes, sobretudo num país que se auto-qualifica de ‘Estado de direito.

 4. Durante a ‘Guerra Civil de 1998-1999’ muito boa gente sofreu tanto na sua carne como na sua mente as consequências que lhes foram impostas, simplesmente porque defendiam que a via negocial era a única forma sensata de poupar mais sofrimentos ao povo da Guiné-Bissau.  Jamais esquecerei os gritos de desespero de uma mãe ao ser confrontada com o corpo ainda morno da sua jovem filha, ‘Tchempa’ de 23 anos de idade, que pouco depois de ter deixado a sua casa nessa manhã no Bairro de Sintra para comprar pão e – sem ter sido tocada por uma bala ou estilhaço - sofreu uma colapso cardíaco, surpreendida pelos estrondos aterradores dos bombardeamentos que tinham acabado de recomeçar.

5. Muitos foram aqueles que se recusaram a prestar atenção aos gritos de sofrimento do povo.  Em vez disso, e, em busca de benefícios pessoais, decidiram embarcar activamente em projectos de intriga politica contra os que eram pela paz, muitos dos quais  foram acusados, escorraçados e, nalguns casos, brutalmente espancados.  Outros houve que perderam a vida.  ‘Quim cu ca paranta ca dibi di passa dianti na ora di cume’ (quem não semeou não deve passar à frente na hora da colheita).  Este ditado muito valioso, do nosso povo, não tem por finalidade a punição ou a vingança contra ninguém.  Na vida real, o seu valor assenta, não na mesquinhez, mas no seu potencial de garantir, na próxima época produtiva, uma participação mais vasta na produção agrícola e assegurar uma melhor sobrevivência da comunidade.  Aqui, é preciso não esquecer também um outro ditado muito importante das nossas gloriosas Forças Armadas Revolucionarias do Povo (FARP): ‘Quim cu ca mati na guerra ca ta panha bala’ (Só apanha tiros quem vai a guerra).  Neste caso concreto, esperemos que, se por alguma ironia do destino o nosso povo tiver que voltar a enfrentar outro desafio semelhante - oxalá que não seja uma guerra - que haja mais gente a tocar o ‘Bombolon’ (instrumento de percussão tradicional cavado a partir de um tronco de árvore) e que dancemos todos juntos o ‘Djambadon’ (dança tradicional caracterizada por movimentos rápidos, sobretudo das pernas), não a caminho da guerra, mas sim, da paz.

6. Após a publicação do meu pedido de esclarecimento, recebi varias chamadas, entre as quais, uma de Washington, na qual me foi sugerido que, nas circunstancias actuais, e, cerca de dez anos após a assinatura do Acordo de Abuja, não seria má ideia que, como Chefe do Estado, fosse o próprio Presidente da República da Guiné-Bissau a anunciar publicamente quem tomou a iniciativa, em plena guerra, desafiando todas as opiniões contrárias e, numa altura em que mais ninguém o ousou fazer.  No que me toca - tendo em conta que já sabemos, e, foram devidamente reconhecidos, os indivíduos responsáveis pelos sucessos de eventos muito mais recentes como foi o caso da Cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) -  porque não concordar plenamente com tal sugestão, sobretudo como parte dos esforços com vista a promover uma reconciliação nacional genuína, e assegurar que, no futuro, os amantes da paz não sejam tratados como os vilões da fita?  Já agora, para quem não sabe, fui eu quem ensinou o lendário, José Carlos Schwartz a tocar viola; comandei o ‘Assalto ao Quartel de Guiledje’ e a ‘Tomada da Ilha de Como’, e; organizei o ‘Congresso do Cassaca’.  Só que ainda era adolescente na altura da independência em 1973/4.  Sr. Ministro Baciro Dabó, obrigado por esta oportunidade!

P.s.: O Acordo de Abuja foi assinado entre o Presidente Nino Vieira e Ansumane Mane, Comandante Supremo da auto-proclamada Junta Militar, em Abuja, Nigéria, a 1 de Novembro de 1998 e, pôs fim às hostilidades, tendo sido quebrado apenas nos acontecimento que viriam a resultar no assalto final a Bissau.

*Escritor/Jornalista

Nova Iorque

 

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