UNIDADE GUINÉ E CABO-VERDE


 

 

Filipe Sanhá *

filipesanha@hotmail.com

08.09.2013

Filipe SanháHá uma questão que me feriu muito a inteligência, durante a sua prevalência. Não participei na luta de Libertação Nacional, nem fui militar colonial, porque não tinha idade legal para incorporação. No entanto nasci e cresci, no Norte do País, mais concretamente, em Olossato. Vivi e vivenciei a guerra, de forma inimaginável para a grande maioria dos meus contemporâneos, que longe dos cenários de guerra, viviam e residiam, tranquilamente, em Bissau. Muito cedo se começou a falar da unidade GUINÉ e CABO-VERDE. Era uma estratégia, político – partidária ou era uma realidade viável? Mas como? Nas obras de um dos maiores conceptualizadores da nossa Libertação, Amílcar Cabral, esta questão era muito séria, constituindo-se mesmo num tabu, de que nenhum guerrilheiro ou político ousava questionar. Seria um suicídio, uma aventura dessa natureza! Com a independência, quase todos, em uníssono, declamávamos, VIVA A UNIDADE GUINÉ e CABO-VERDE! A emoção da independência entupia-nos o cérebro! Estávamos empenhados nesse grande desígnio épico da LUTA. A Formação Militante, ora leccionada nas nossas escolas, era uma “BÍBLIA”, que todos comungávamos e sabíamos de cor e salteado. Não gosto de falar em nomes, mas em 1977, numa reunião Magna da JAAC, coloquei a seguinte questão a um alto dirigente do PAIGC, “Partido de todos os Guineenses e Cabo-Verdianos”, quando se concretizasse essa Unidade, onde ficaria a Capital? Depois de um silêncio quase fúnebre, respondeu-me que a Capital, resultante da Unidade não ficaria, de certeza, no Oceano Atlântico. Alguns colegas, que me tinha advertido para não fazer essa pergunta, pensavam que” tinha chegado o meu dia”, porque era uma pergunta proibitiva, na altura. Sim, eramos “todos do PAIGC”, quer se pensasse assim ou não, convictamente. Indagava-me, constantemente, porquê que alguns que em consciência, tinham dúvidas e reservas, não se podiam manifestar? Cabral disse, publicamente, em momentos históricos, em vida, que “ nem toda a gente é do Partido”. Apurei que durante a LUTA todos os anti - Unidade Guiné e Cabo-Verde eram abatidos, impiedosamente, pura e simplesmente, ou considerados “inimigos” e relegados para o segundo plano! E depois, na independência, a situação continuava, exactamente igual! As Secretas estavam, sempre atentas aos que, mesmo entre as quatro paredes, sussurravam: “a mim es kussa de Unidade, nka sibi nunde que é ba buskal nel”. Ainda em 1977, na qualidade do Sub-Director do Centro de Formação de Professores Combatentes (militares) Máximo Gorki, em CÓ, chefiei uma delegação com talvez 35 homens e alguns docentes, a Cabo- Verde, mais concretamente à cidade capital, a Praia. Fomos bem recebidos e tratados! Presumo que a nossa missão traduzia-se em, sinal para a “consolidação da Unidade”, consubstanciada em troca de experiências, no terreno. Depois de alguns dias de alojamento numa Escola Secundária local, fomos realojados a poucos quilómetros, em S. Jorge dos Órgãos. Essa localidade tinha uma quinta/ponta hortofrutícola que abastecia os Dirigentes, da República irmã. Era o local onde prestávamos “trabalho produtivo” em parceria com os nossos irmãos Cabo-Verdianos, membros da JAAC Nacional. Foi uma experiência muito interessante! Fui entrevistado, uma ou duas vezes, pela única rádio e nacional, então existente. As nossas viagens foram, largamente, facilitadas (gratuitas), pela Força Aérea Portuguesa, que na altura em resultado da excelente Cooperação ora existente, e de vento em popa, realizava voos periódicos entre Bissau e Lisboa, com trânsito no aeroporto da Ilha de Sal. Foi uma aprendizagem importante e beliscante, porque apercebi-me, que o entusiasmo pela Unidade que existia na Guiné-Bissau, estava longe do seu alcance na população não militante do Partido único, PAIGC no Arquipélago. A vida decorria, com a total normalidade, em Cabo-Verde e havia uma tolerada liberdade de expressão. Quando chegamos a Bissau tive momentos pessoais de reflexão profunda e dúvidas sobre a dita Unidade. A minha convicção era a seguinte: a UNIDADE GUINÉ – Cabo Verde era o maior EMBUSTE da LUTA e História de LIBERTAÇÂO NACIONAL! Amílcar Cabral, nunca escreveu, claramente, sobre a materialização dessa propalada UNIDADE. Só ele sabia o que isso significativa! Todos lemos e ouvimos as suas entrevistas de que, quando nos libertássemos, haveria lugar, numa primeira fase, Unidade na Guiné, Unidade em Cabo Verde, e na seguinte os respectivos órgãos soberanos decidiriam a modalidade dessa UNIDADE. Portanto supõe-se que essa questão tinha sido relegada para a fase pós independência. Até hoje, volvidos mais de 39 anos, nenhum dirigente intelectual do PAIGC, que se tivesse privado com Cabral, foi capaz de explicar o significado e as modalidades de concretização desse desígnio do Partido, PAIGC. Há sensivelmente 3 anos recebi, para corrigir e opinar, uma reflexão/ trabalho, de um conceituado intelectual, nosso conterrâneo, que apreciei muito, como excelente, a quem sugeri que melhorasse alguns aspectos que me pareciam menos conseguidos, podia publicá-la e talvez ajudasse a compreensão do assunto. Esse mesmo trabalho denotava a natureza irrealista (posição crítica dele) da Unidade que ceifara vida a tantos guineenses, antes e durante os primeiros anos da nossa independência e soberania identitárias nacionais. Sobre esta questão os guineenses temiam, e com razão, tecer posições/observações pessoais contrárias e públicas. Até as paredes falavam, na GB, portanto todo o cuidado era pouco!

A Guiné-Bissau, País dotado e equipado de um mosaico cultural invejável, ninguém, ainda hoje, questiona, quem é quem em termos tribais. Todos os nascidos na GB, são Guineenses, independentemente, da sua confissão religiosa, tribo, cor da pele, etc. Ao invés do que alguns possam pensar constatam-se intensas trocas comerciais entre a GB e Cabo-Verde. Essa sim parece-me ser a Unidade que prevalece, material e realisticamente, até porque também é um dos princípios fundamentais da própria União Africana. Mas como defendia o PAIGC, deixava-me muitas dúvidas, por falta de explicações convincentes e realisticamente suportáveis, por falta de fundamentos credíveis! Talvez Cabral tivesse pensado numa futura “República Federativa da Guiné-Bissau – Cabo – Verde” ou, provavelmente, num modelo de “ Estados Unidos da Guiné – Bissau – Cabo-Verde”. É uma especulação minha! Quem sabe? Talvez só ele podia clarificar o assunto, mas infelizmente não teve tempo para explicitar esse princípio e conceito! Seja como for, hoje, esse princípio faz parte da História, porque não consta do Programa do PAIGC. Nós partilhamos fronteiras terrestres e marítimas, com duas Repúblicas irmãs: Senegal e Guiné – Conacri, ambos com um número significativo dos nossos concidadãos, com uma identidade cultural muito próxima, donde transitam pessoas e bens, com a total liberdade. Assim como praticamos intensas trocas comerciais e políticas.

Felizmente, hoje ninguém fala da Unidade Guiné – Cabo Verde, mas na prática os dois Países, cooperam quase em todos os domínios, sem sobressaltos, a nível bilateral e multilateral, no âmbito da CPLP e da CEDEAO. A GB e CV, dois Países totalmente independentes, trabalham, afincadamente, para a cooperação e progresso dos seus respectivos países e povos. Os actuais dirigentes Cabo-Verdianos, nomeadamente, os que participaram na Luta de Libertação têm, tenho a certeza, um enorme afecto pela Guiné-Bissau. Ninguém esquece os momentos épicos da mesma e dos seus Camaradas! De mãos dadas, podemos contribuir e muito para uma nova imagem da nossa tão sacrificada e subalternizada África.

Filipe Sanhá

 

Filipe Sanhá

 

Criança

 

  * Psicólogo, Mestre e Doutorando pela Universidade de Coimbra (Portugal)

 COMENTÁRIOS AOS DIVERSOS ARTIGOS DO ESPAÇO LIBERDADES


VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

www.didinho.org

   CIDADANIA  -  DIREITOS HUMANOS  -  DESENVOLVIMENTO SOCIAL