Um olhar  sobre  o período 1998-2003 (2)

 

Eduardo Monteiro

eemonteiro@hotmail.com

19.09.2010

 Pois ainda a continuação do olhar ao período 1988-2003, a situação criada pela guerra de 1988, conforme já disse, na primeira parte, a vinda das forças estrangeiras não ajudou em nada, antes pelo contrário. Digo, uma guerra que não tinha razão de ser, se porventura fosse possível o diálogo. Ora, dada a característica do próprio Presidente, João Bernardo Vieira, nada era possível por esta via; sentiu-se super musculado, logo que, teve o respaldo das forças estrangeiras, os Presidentes do Senegal e da Guiné Conacry, enviaram de imediato as tropas.

A verdade é que, em toda a história da humanidade, dificilmente um povo perde a guerra no seu próprio “País – Terra”. Podem conhecer, sim, varias derrotas e muitas batalhas podem perder, mas a guerra finalmente é sempre o veredicto do povo dominado, a proclamação de vitória é sempre do povo. Há inúmeros exemplos recentes: Vietname, as antigas colónias portuguesas, Timor em particular, Iraque, Palestina, e assim também, será Afeganistão, muitos exemplos longínquos, podia aqui citar, não merece a pena.

A guerra consequentemente levou à queda literal do governo Presidido pelo Então Primeiro-ministro, Carlos Correia, por fugas, abandono de muitos Ministros e Secretários de Estados, dados por parte incerta o que levou à queda natural, porque já não existia o governo no seu todo.

Também as negociações de ABUJA, permitiram que a Junta Militar, entre outros pontos, impusesse um governo de transição, onde as partes, posteriormente implementaram, indicando os membros para a composição da GUN, e coube à Junta Militar a Primatura. 

Vários constrangimentos, ocorreram, durante períodos de cessar-fogo, assinados e sistematicamente violados, mesmo com o governo de transição a funcionar.

As forças estrangeiras sofreram baixas terríveis e saíram da Guiné-Bissau, completamente humilhadas. Nino Vieira foi derrotado, recebeu protecção e exilou-se em Portugal.

Desde então, o Governo de transição GUN, dirigido pelo Francisco Fadul, que durou muito pouco tempo, um governo de transição que funcionou, deu sinal de boa governação e de credibilidade. Neste contexto, o então Primeiro-ministro, Francisco Fadul, parecia humilde, fazendo crer aos outros que se tratava de uma figura coerente, séria, firme e sem apetência ao poder. Hoje não é essa opinião partilhada pelos guineenses, amigos atentos da Guiné e políticos, pelos seus sucessivos pactos e acordos celebrados.

As eleições Legislativas e Presidenciais, realizadas foram ganhas pelo PRS. Cumba Yala, Um líder populista, imprevisível, diga-se de passagem; um líder que não se lhe conhece nenhum projecto de sociedade, e nem ao governo dirigido pelo seu Primeiro-Ministro, Caetano Intchama, sem qualquer plano estratégico de desenvolvimento.

Consideremos assim a 4ª República. Parecia termos entrado numa nova era democrática, uma vez que, supostamente, muitos acharam que tratava-se da chegada ao poder de nova geração. Como também para outros subsistia muitas dúvidas quanto à capacidade dos mesmos em promover a paz e o desenvolvimento. Foi a era do Cumba Yala, nova geração dos políticos, Presidente de um Partido PRS, fundado por ele, abraçados por muitos quadros revoltados, oriundos da escola piloto, formados na sua maioria nos países de leste, Cuba, Portugal e França. Porém, constatou-se uma rápida etnização do Partido e consequentemente do governo em todos os quadrantes.

A Presidência da 4ª República, iniciou com uma indefinição algo tumultuosa: quem manda no País, o Presidente eleito ou o dito Co-presidente, Brigadeiro A. Mané. (Junta Militar)?

Efectivamente, o país acabou por conhecer pouco depois e de novo, situações de convulsões que culminaram, entre outros, no assassinato do malogrado Brigadeiro, Ansumane Mané.

Desde então, assistimos a um desmontar do País, do Estado; a demonstração de força; a gestão do país entregue à desordem total.

O Governo de coligação PRS/BAFATA, foi de pouca dura, logo numa das primeiras contradições o PRS descartou-se da coligação. O governo e o Presidente transformam-se em órgãos musculados. O Primeiro-ministro, Caetano Intchama, ficou às ordens do então Presidente Cumba Yala. Assim, deu-se início a perseguições desenfreadas de todas as vozes críticas. Diariamente, assistia-se a excessos e bacoradas que se cometiam no então consulado do ex-Presidente da República.

Enquanto Presidente da República, Cumba Yala ultrapassou todos os limites razoáveis e constitucionais. Interferiu, imiscuiu concomitantemente em todos os órgãos de soberania, interferiu vezes sem conta na governação, demitiu e nomeou vários governos em tão pouco tempo do seu consulado; interferiu no Supremo Tribunal, nas primeiras instâncias judiciais, promoveu mobilizações na calada da noite de mancebos da sua etnia para as Forças armadas, com o único objectivo de controlar todos os poderes e tornar-se num Presidente absoluto.

Esse período, foi dilacerante, amedrontador, com sucessivas surpresas anunciadas diariamente na comunicação social, sempre pela negativa. Deixou um carimbo muito forte na nossa história recente, onde todas as figuras públicas, intelectuais, críticos, nomeadamente os jornalistas, (rádios e TV) passaram pelas prisões arbitrariamente, libertados sem acusações formal, sem julgamentos e sem saberem o porquê das detenções.

Nunca o cidadão guineense, foi tão atingido e fustigado no seu âmago, como nessa época, violando os direitos mais básicos do exercício da cidadania e Direitos humanos.

Nas forças armadas tinha feito promoções arbitrárias e visivelmente tendenciosas, embora tendo encontrado algumas dificuldades porque o então general Veríssimo Seabra, não lhe permitia a total intromissão nas FARP.

Foi assustador para todos os guineenses, dentro e fora do país, todos esperavam a passos largos um Estado Tribal, a qualquer momento.

Para isso cito: Cheikh Anta Diop (Senegalês) dizia: se algum político africano, pensar que é possível proclamar um Estado tribal em África, está redondamente enganado, pode sim, utilizar a sua tribo ou etnia, como trampolim para chegar ao poder e uma vez chegado, terá a consciência que é uma utopia ter um Estado tribal, neste contexto contemporâneo. O exemplo recente é a tentativa do Ruanda que a memória da história jamais apagará.

O Antropólogo e Sociólogo, Maliano, Kissima Démbélé, escreveu no seu livro, em 1962, que, os Estados africanos, serão imperativamente construídos sempre com base no mosaico etno-cultural que caracteriza a África, como Estado-Nação, à luz do que se passa noutros continentes, apenas regulados à nossa realidade objectiva: Ásia, Europa, América e América Latina, todos os Estados são suportados pela multiplicidade das suas diferenças com o projecto Estado-Nação. Estado étnico é um bluff.

Acredito piamente que Cumba Yala, que eu conheço e muito bem, fomos colegas da mesma faculdade, nunca teve projecto de Estado Tribal, mas, tinha estratégias para absolutizar no poder, por via de etnização dos órgãos de soberania.

A 4ª República, sob ponto de vista da governância e desenvolvimento foi um período de uma total frenagem da nossa economia, descalabro total; o governo não tinha qualquer projecto económico, social e político. Viveu-se o dia-a-dia, com grandes convulsões, nomeações e exonerações, arbitrárias feitas de forma avulsa, reflexo da sua própria personalidade inconstante.

Os guineenses e Imigrantes, que viviam e vivem no país, viram o país a bater no fundo e cada vez mais se apercebiam que havia sempre mais um degrau para descer. A comunidade Internacional já não sabia o que fazer, entramos numa total autarcia entregue a nós mesmos.

Restava a única alternativa para muitos, olhar para fora. Registou-se assim a maior debandada para a emigração, da nossa história recente. Ninguém sabia o seu dia de calabouço, não havia empregos e os salários largos meses em atraso.

A Administração pública, uma anarquia total, não sabia distinguir o que é publico (Estado) o que é pessoal. O rápido enriquecimento dos governantes foram exemplos vivos e escandalosos.

Chegou – se ao ponto de, Governo, Tribunais e a Assembleia Nacional Popular, serem completamente controlados pelo ex-Presidente, podendo-se dizer que, o Presidente da República Cumba Yala se transformou no único Órgão de Soberania do país.

Mais grave e é estranho, como é que, em plena última campanha eleitoral o ex Presidente, faz tamanhas acusações gravíssimas aos seus adversários e ninguém o contra-ataca com um caso gravíssimo, o crime, da venda do maior Património do Estado guineense, Hotel Sheraton, hoje Hotel Líbia, vendido na sua Presidência e ”l´entourage”, sem concurso público e sem que o dinheiro tenha entrado no Tesouro Público devidamente.

Feito o inquérito, apurou-se a ilegalidade de ter procedido a venda de Património do Estado, sem concurso público. Sem que o dinheiro tenha entrado devidamente respeitando os procedimentos legais a ser observados perante o Tesouro público.

Ora, até à data o Ministério Público, nunca avançou com uma queixa-crime, aliás, para dizer verdade, nunca se conhece a promotoria de queixas crimes sérias, independentes, do nosso Ministério Público, apesar de inúmeros crimes cometidos ao longo de toda a nossa história no pós-independência.

Se não, vejamos: hoje, o ex Presidente, para não ser destabilizador do país, é instado pelas organizações sub-regionais, U.A. e alguns presidentes para sair do país a troco de benesse ou seja, tendo uma vida estável com mordomias de chefe de Estado e ficar calado. Assim foi, no mandato de Nino Vieira. Agora, a União Africana, de forma mais firme proíbe-o de intervir sob pena de lhe ser retirado as contrapartidas.


PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

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