UMA (IM)PERFEITA ENCENAÇÃO

Por: Fernando Casimiro (Didinho)

didinho@sapo.pt

23.11.2008

O povo votou, o povo decidiu, mas a acção do povo guineense não se deve ficar pelos processos eleitorais, ou seja, de simplesmente cumprir com um dos seus deveres cívicos, que é o acto de votar. É que o povo, sendo dono do poder, tem o dever e a obrigação de participar na governação do país através de um acompanhamento do cumprimento ou não das promessas do partido vencedor das eleições, bem como na aceitação ou rejeição das propostas de governação, consoante sejam benéficas ou prejudiciais para o país, tendo em conta os seus (povo guineense) interesses.

Para haver mudança, para haver um novo conceito de patriotismo assente no compromisso de todos para com o país, é necessária a participação, o contributo e o empenho de todo o povo guineense na exigência de uma governação transparente e eficiente, de forma a que os governantes saibam que acima deles está o povo e, ao povo terão que prestar contas!

O povo demonstrou civismo e maturidade. Mostrou que quer a Paz e a Estabilidade de forma a que, rapidamente se consigam ganhos de um percurso de recuperação socio-económico prometido pelo PAIGC, numa clara aposta que pode ser vista como uma nova oportunidade, o benefício da dúvida ao partido libertador.

Os resultados provisórios foram dados a conhecer pela Comissão Nacional de Eleições na sexta-feira, 21 de Novembro, sendo que o período limite para as reclamações foi estabelecido para 24 de Novembro e, o anúncio definitivo dos resultados finais para quarta-feira, 26 de Novembro.

O facto de terem sido divulgados os resultados provisórios não significa o fim do processo eleitoral e é com base nesta realidade que se questiona o facto de o general ditador presidente, Nino Vieira, inoportunamente, ter obrigado a Procuradoria-Geral da República a emitir uma notificação que impede a Kumba Yalá, presidente do PRS, o segundo partido mais votado nestas eleições, de se ausentar do país. É claro que Nino Vieira sabia que estava a destruir a boa imagem de civismo que o povo guineense transmitiu ao mundo durante toda a campanha eleitoral. É claro que Nino Vieira estava a demonstrar ser um mau perdedor, ele que, apoiou e de que maneira ! o PRID, partido que conseguiu apenas 3 mandatos nestas eleições; um apoio de muitos milhões, entre os 30 milhões de dólares do empréstimo conseguido junto do governo angolano, em nome da Guiné-Bissau e os dividendos da cumplicidade no narcotráfico...

Nino Vieira queixou-se e viu ser a sua queixa atendida num ápice, enquanto que, guineenses há, que esperam, desesperam e morrem, sem ver a Procuradoria-Geral da República ou outra entidade judicial do Estado considerar as suas queixas ou denúncias.

Será que Nino Vieira esqueceu-se dos crimes que cometeu ao longo dos seus mandatos ditatoriais? Serão precisas provas redigidas, documentadas a rigor, para se provar os crimes de sangue ou de corrupção em que Nino Vieira esteve ou está envolvido?

O povo guineense conhece o general ditador e sabe que a memória colectiva de todo um povo vale mais do que qualquer dossier, para mais, quando o regime de Nino Vieira destrói todas as provas possíveis de o comprometer de forma documentada.

Kumba Yalá já nas eleições presidenciais de 2005 tinha acusado Nino Vieira de ter assassinado muitos guineenses. Também outros dirigentes partidários fizeram o mesmo, mas, tal como Kumba, acabaram por apoiar Nino Vieira na segunda volta das eleições, demonstrando falta de carácter e definindo-se como traidores de suas próprias memórias e consciências. Foi o Kumba, foi o Fadul e tantos mais...

Hoje, volvidos 3 anos desde o regresso do general ditador ao poder, os abraços e sorrisos da segunda volta das presidenciais de 2005 deram lugar a intimidações com base numa alegada postura civilizada por parte de Nino Vieira, que não tem hesitado em apresentar queixas à Procuradoria-Geral da República, contra os que lhe são incómodos.

Que fique registado que, para além desta queixa contra Kumba Yalá, há outra contra Carlos Gomes Jr. ainda a propósito das declarações proferidas por Carlos Gomes Jr. aquando do assassinato do Comodoro Lamine Sanha, declarações essas que apontam Nino Vieira como o mentor desse assassinato. O processo está em andamento.

Se Nino Vieira ficou ofendido com as declarações de Kumba Yalá, está no seu direito, mas o seu direito não lhe confere, à partida, nenhuma razão que o convença de poder vencer qualquer disputa judicial, pois, ainda que não haja provas documentadas, os guineenses sabem que Nino matou, mandou matar e, tem sido cúmplice do narcotráfico.

Se recuarmos no tempo uns 3 meses, veremos que foi dada a conhecer uma tentativa de golpe de Estado, muito mal justificada, mas que serviu para desviar as atenções sobre a apreensão de 2 aeronaves estrangeiras carregadas de cocaína.

Sabemos da história toda que possibilitou o descarregamento da droga, bem como da fuga dos estrangeiros detidos na altura, mas sabe-se também que numa reunião de Conselho de Ministros, presidida pelo general ditador, ele mesmo se insurgiu contra o facto de se terem levado cães treinados e polícias internacionais para Bissau, com base na luta contra o narcotráfico. Alá bô tissi catchuris ku brancus...  Já trouxeram cães e brancos...

Um presidente que quer realmente colaborar na luta contra o narcotráfico deve ter este tipo de reacção?

Na verdade, Nino Vieira só consegue enganar quem não sabe nada sobre a Guiné-Bissau!

Esta madrugada o país viveu momentos de tensão, mais de 3 horas de intenso tiroteio...

O corajoso quando acompanhado, mas cobarde quando está só, do general ditador não podia armar melhor estratégia de vitimização para se tentar manter em pé, depois do desaire das eleições que o seu partido, na cumplicidade dos actos, o PRID, sofreu.

Na verdade Nino é um estratega da vitimização e mesmo sabendo dos riscos de uma encenação (im)perfeita, concretamente em relação a perdas de vida, importa para ele recolher a solidariedade de ingénuos, mas poderosos amigos, que aliás, prontamente manifestaram total solidariedade, como que, se algo tivesse sido apurado com argumentação credível para se definir a situação como uma tentativa de golpe de Estado.

Importa ter em conta algumas considerações que podem ajudar a perceber que estamos perante uma encenação situada na ambiguidade da perfeição e da imperfeição.

Perfeição, naturalmente para os ingénuos, os menos atentos e, acima de tudo, os que continuam a ser fiéis ao ditador. Uma casa destruída, as viaturas destruídas, 1 morto e alguns feridos. Salvaguardando o devido respeito e consideração pela pessoa que perdeu a vida e pelos seus familiares, bem como pelos feridos, e se a estratégia de assalto tivesse sido delineada pelo próprio presidente ditador?

Perfeição, na medida em que Nino Vieira consegue reunir apoios à sua volta e pode, em função das decisões que vier a tomar, "arrasar" muita gente incómoda a quem poderá acusar de tentativa de assassinato. Diz-se que houve 5 detenções... Já se está a ver os bodes expiatórios... As detenções podiam ser previamente arranjadas e ensinadas do que terão que dizer, para acusar este ou aquele de atentarem contra o presidente. Parece que todos já viram algo assim algures em várias partes do mundo, incluindo a Guiné-Bissau...

Perfeição, o general ditador consegue, uma vez mais, dividir o povo guineense, numa altura que as pernas já lhe tremiam e a sua queda era uma questão de tempo.

Perfeição, o general ditador consegue manchar, uma vez mais, a imagem dos nossos militares, fazendo as suas habituais intrigas de conotação socio-partidário, que envolve a classe castrense, políticos e sociedade...

Imperfeição porque:

 Os militares guineenses, que fique claro, se quiserem tomar o poder pela força, fazem-no, mesmo com as intimidações dos organismos internacionais. A Guiné não seria o primeiro exemplo.

Os militares guineenses, se quisessem matar o presidente general ditador, também o fariam, pois o próprio Nino sabe das capacidades dos nossos operacionais e sabe que querendo, não falham nenhum alvo e nunca deixam uma missão por terminar.

Como foi possível, em mais de 3 horas de intenso tiroteio, ninguém da família do presidente ter sofrido o que quer que fosse?

Ter sido constatado que durante mais de três horas de tiroteio, o Estado-Maior não foi contactado de pronto, mas o general ditador ter contactado de imediato o presidente do Senegal.

Se foi a segurança da residência presidencial que conseguiu suster o alegado ataque, onde estava o grosso dos militares guineenses para não se terem dirigido para a residência do presidente?

Ficou combinado ser assim?

Tal como há 3 meses atrás, está-se a inventar um golpe de Estado para desviar atenções da gravidade de circunstância consequente da aposta de Nino Vieira no PRID, que, ao sair derrotado das eleições do passado dia 16 de Novembro complica a honradez dos compromissos de cumplicidade que Nino Vieira tem com os seus fornecedores e financiadores e esses compromissos são sagrados...!

A Guiné-Bissau tem que mudar. O povo quer mudanças e essas mudanças não se sustentam com o narcotráfico, mas sim com o trabalho sério de todos os guineenses!

Chega de tanta vitimização, quando o queixoso é o diabo em pessoa!

Vamos continuar a trabalhar!


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