TRIGÉSIMO SÉTIMO ANIVERSÁRIO

DA PROCLAMAÇÃO DO ESTADO

A QUESTÃO GUINEENSE IV

 

INTRODUÇÃO

OU A PROMESSA

 

Somos responsáveis por aquilo que fazemos, o que não fazemos e o que impedimos de fazer.

Albert Camus

 

 

Fernando Jorge Pereira Teixeira *

teixeira_ferjor@hotmail.com

25 de Setembro de 2010

 

Trinta e sete anos de existência como País independente. Trinta e sete anos de dor e sofrimento. Trinta e sete anos de alegria imensa. Trinta e sete anos… toda uma vida. Quem nasceu nesse maravilhoso ano já é homem feito; adulto; com filhos e com alguma sorte até com netos. Aqueles nossos avós que não viveram para assistir esse dia, não assistiram a glória na Terra, nem a transcendência do Homem Guineense, chegando por fim ao fim da sua História. Nesse dia os maravilhosos Rios da Guiné, depois de séculos de dor e esperança, rebentaram finalmente os diques da dominação e as barragens da nossa submissão para correrem livre e dolorosamente, levando-nos na garupa das suas águas revoltosas há 37 longos anos.

Muito se tem escrito sobre a Guiné “pôs Independência” - referindo-se a estes 37 anos com base em análises económicas, sociais e culturais. A maioria destes escritos nos chega acompanhada de um sentimento de amargura ou revolta, com dor ou com pena, mas raramente com alegria e satisfação. Mas o que mais caracteriza este sentimento é um misto de desilusão, resignação e esperança. Um sentir ambíguo.

Sobre estes trinta e sete anos quero escrever as histórias das vidas dos que os assistiram e ainda estão vivos para contar; dos que os viveram e já morreram sem poder assistir o dia da Redenção. Pois o destino dos que foram condicionados e dos que condicionaram o nosso processo histórico merece e deve ser contada. E não apenas para os contemporâneos ainda vivos - que também assistiram e participaram - mas principalmente para aqueles que não viveram esses “tempos primeiros da destruição” e para os que ainda não nasceram. Para que os nossos vindouros saibam que também fomos homens dignos, esperançosos, com imensos sonhos para com o porvir da nossa Pátria e a felicidade dos nossos filhos.

E que também como outros homens neste mundo, almejamos a ventura de poder deixar para eles uma Nação da qual viessem ter orgulho de pertencer. E se nada conseguimos, se nada deixamos, pedimos desculpas por isso e por muito mais. Mas só aceitarão as nossas desculpas se entenderem “como foi temperado o aço” e porquê que do seu cadinho não saiu a Pátria moldada conforme os moldes pelos quais se regem todos os outros seres humanos no mundo.

II

A PERGUNTA QUE SE IMPÕE

       

 O significado da vida é a mais urgente das questões. Só há um problema filosófico verdadeiramente sério: (…) Julgar se a vida merece ou não ser vivida é responder uma questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, vem depois.

Albert Camus

 

Por isso hoje, embora dia de festa, não posso falar apenas de “factos” políticos, “acontecimentos” sublimes e “proclamações” oficiais, sejam elas boas ou más. Pois como posso falar destes anos passados, deste sofrido País, se não falo dos seus filhos? Das suas dores e alegrias, do seu amor profundo a esta pequena Pátria que Deus nos deu? Além de que não quero falar somente das nossas “guerras” sejam elas de Libertação Nacional ou de Caba Ku Lebssimente

Quero contar dessa gente, deste sofrido povo, para que o meu contar faça com que um dia, estes trinta e sete anos não sejam apenas lembrados como um longo pesadelo na nossa história; ou como apenas um interregno infeliz, na longa caminhada do nosso povo.

Por isso primeiro devo falar das pessoas nesta primeira parte e depois dos factos nas partes seguintes, porque é minha obrigação acima de tudo falar deste Povo e desta Nação. Mas antes de avançar mais, tenho que fazer uma pergunta sacrílega que atravessa a nossa existência comum todos estes amargos anos. Uma pergunta nunca feita, que apenas existe no nosso subconsciente colectivo como povo. Uma pergunta que jamais será feita pois é uma pergunta sem resposta. E mesmo assim, hoje volvidos tantos anos, a pergunta que se impõe é: Valeu a pena a Independência?

(Aqui abro um parênteses para estabelecer uma analogia: Uma vez, há muitos anos li um artigo do Reader`s Digest, onde para exemplificar o sentimento de desencanto de muitos Africanos com relação a Independência dos seus respectivos países, punham a seguinte exclamação de um Queniano “ignorante” (alegadamente desagradado com o caminho que o seu País tomava depois da Independência) para ilustrar essa frustração: “Meu Deus, quando será que vai acabar a Independência?”. E o resto do artigo realçava um certo mal estar dos cidadãos Africanos de Países relativamente desenvolvidos como o Quénia, Zimbabwe, Tanzânia entre outros, que com o aceso a Independência teriam vindo a sofrer com a queda vertiginosa do seu nível de vida. Mas sem ir muito longe, aqui ao lado, em Cabo verde - quando as coisas ainda não marchavam tão bem -, houve forte vozes a abjurar a Independência dizendo que tal teria sido um erro, pois poderiam ser um estado a associado a Portugal como Açores e Madeira (a beneficiar de membros da Comunidade Europeia) e estariam muito melhor do que sendo independentes. Hoje essas vozes já se calaram (talvez não totalmente), embora no campo oposto vemos Madeirenses a desejar a Independência dizendo que se os Cabo-verdianos conseguiram o nível de vida e respeito internacional que têm - em alguns casos mais do que eles - então se eles fossem Independentes também de Portugal, embora sozinhos, conseguiriam até mais do que aqueles, pois situados mais perto da Europa e inclusive sendo membros da Comunidade Económica Europeia, poderiam beneficiar de muitíssimo mais ajudas do que os Cabo-verdianos.)

Isto apenas para situar o leitor acerca da minha pergunta acima feita: se “Valeu a pena a Independência”. Pois no nosso caso - mais do que todos esses povos africanos referidos atrás -, ela foi a mais traumática e a mais desaproveitada. Ouso dizer que na África inteira, fomos nós que mais desperdiçamos a nossa Independência e o nosso Povo.

Mas para responde-la temos que nos refutar visceralmente dizendo que esta pergunta nem se põe! No sentido que nós no fundo “nunca nos arrependemos” de ter sido independentes e nem da gloriosa Luta de Libertação Nacional e Secular para alcançar esta aspiração, apesar de todos os pesares e contrariedades destes anos. Apesar de tanto tempo perdido. Apesar de tantos sonhos lançados ao vento e de tantas vidas desperdiçadas…

 Mas se a pergunta “não se põe”, se não esta dentro de nós, então donde vem esta sensação de perda, de vazio, de sofrimento, que nos assalta de tempos em tempos?

Albert Camus, disse um dia, que “Julgar se a vida merece ou não ser vivida” é responder ao problema mais importante da Filosofia. Sem ser filósofo, no nosso caso concreto, a pergunta “se valeu a pena” é como perguntar a um homem no fim da vida, se valeu a pena “ter nascido”. A pergunta deve ser outra: se valeu a pena “ter vivido”. Se a sua vida teve significado, se a viveu condignamente.

A nossa vida comum como Nação, como Povo, teve significado? Foi vivida condignamente? Esta que é a pergunta. E ela é dirigida a todos nós de Manéira individual. Pois embora saiba que a responsabilidade é tão individual como colectiva, não a posso dirigir ao Povo no seu colectivo (embora em ultima instancia, quem responde pelo Povo no seu colectivo é o Presidente da Republica).

Que cada um responda, a si próprio, com honestidade e coragem: segundo a sua consciência e segundo os seus actos individuais, independentemente das funções desempenhadas, cargos ocupados e organizações nacionais e internacionais a que se pertenceu nestes últimos 37 anos que vão passar hoje a meia-noite. E a vossa resposta a vós mesmos será o inicio de uma nova relação com o vosso País e Povo. Porque independentemente de tudo, aceitemos ou não, existe a responsabilidade política e a responsabilidade moral. E não se pode fugir de ambas eternamente.

 

 

 

 

III

AS DUAS DIMENSÕES DA INDEPENDÊNCIA

"Um homem sem memória é um homem sem passado. Mas um homem que não sabe fantasiar é um homem sem futuro."

Albert Camus

 

Neste dia de comemoração e de alegria, em que lembramos com orgulho e emoção o outro dia igual a este em que pela primeira vez “no iça nó bandera: bandera di povo” (como diz a canção), há 37 anos, não escrevo apenas porque “quero falar” deste povo. Escrevo porque é meu dever primeiro; porque como vós, nasci deste povo, desta mãe terra; cresci no meio deste povo; só vejo e entendo o mundo desta maneira, porque o vejo e entendo-o através dos olhos do meu povo, através da sua cultura, através da nossa forma de ser; e sou o que sou, bom ou mau, feliz ou infeliz, porque nasci nesta terra, no seio deste povo que devemos amar mais do que tudo nas nossas vidas. Porque só temos orgulho em nós mesmos se tivermos orgulho nele. Pois sem orgulho nele não o podemos amar. Alem de que - não canso de o repetir - só amamos na verdade a nossa Pátria quando amamos os seus filhos.

E nesse pressuposto, entendo que a Proclamação do Estado, a Independência, tem duas dimensões: A real, a factual, feita de datas, símbolos, actos, locais, etc., e a espiritual feita do “sentir profundo de um povo”, da sua vivencia, das suas lutas diárias, dos seus sonhos, da sua historia comum e do seu heróico passado. Mas independentemente destas dimensões, ela é feita principalmente da promessa. Na promessa doradioso futuro”, do almejar da redenção, que a Independência como conceito, como realidade insofismável, como promessa possível, contem em si mesmo.

Por isso hoje vou falar dessa promessa, desse “Dia da Independência” e de todos os “outros dias” que sucederam a esse primeiro; vou falar desse que foi o dia mais maravilhoso ainda vivido pelo nosso povo. O dia em que soubemos que não éramos nem menos nem mais do que todos os outros povos deste mundo: Apenas iguais.

E como iguais não somos nem mais burros nem mais inteligentes; e como iguais não merecemos nem mais nem menos. E como iguais queremos “viver igual” com todos os seres humanos neste mundo. E esse querer ninguém nos pode tirar, pois é esse querer que na verdade, em último caso, nos faz “iguais” a todos os povos deste mundo. E é esse querer que realizará um dia, por fim, a “Promessa”.

É a “promessa” que sustenta a “Independência” e não a História, os actos, os feitos e as datas comemorativas. É a “promessa” que nos une e nos impelirá para frente, contra todos os reveses da vida. É a “promessa” que nos faz viver cada dia, pois é na promessa que se casam a dimensão real e a espiritual da Independência. É a “promessa” - embora saibamos com dor que não assistiremos a sua concretização - que faz com que tudo valha a pena. E por fim, é a sua realização que responderá a pergunta se “Valeu a pena a Independência”.

É desta Promessa que falo quando falo deste povo – que é o meu povo -, desta gente – que é a minha gente - que tudo sofreu e tudo sofrerá de novo, se assim for preciso, para que o dia da Redenção chegue. Este povo, que um dia cumprira o seu destino e será igual aos outros povos do mundo, construindo juntamente com eles o futuro da humanidade. 

 

FELIZ E BOM 24 DE SETEMBRO PARA TODOS VOCÊS E QUE SEJA O ÚLTIMO DO PERÍODO DA DESORGANIZAÇÃO E PARA QUE O PRÓXIMO SEJA O PRIMEIRO DO RECOMEÇO.

 

 

P.S. - ESTA É A PARTE INICIAL DO PRÓXIMO TEXTO

 

Atenciosamente

 

Arq. FERNANDO J. P. TEIXEIRA

 

 * Licenciado em Arquitectura (Rússia 1991). Pós graduado em Urbanismo (ISCTE)

 


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