SEGUINDO O RASTO DO GENERAL JOÃO BERNARDO VIEIRA

 

O primeiro compromisso de todos os guineenses deve ser para com a Guiné-Bissau. Cabe ao povo guineense a acção da Mudança!

O maior desafio para todos os guineenses é criar mecanismos de mudança para a Guiné-Bissau.

Fernando Casimiro (Didinho)

 

Por: Fernando Casimiro (Didinho)

didinho@sapo.pt

17.08.2008

 Continua-se a falar de uma suposta tentativa de golpe de Estado na Guiné-Bissau.

De conferência em conferência, o Estado-Maior-General das Forças Armadas tem tentado convencer (sem argumentos) os guineenses e a Comunidade Internacional sobre uma alegada intentona golpista por parte de Bubo Na Tchuto, Chefe do Estado-Maior da Armada, exonerado do cargo e colocado sob residência vigiada, tendo, no entanto, conseguido iludir a segurança, fugindo para a Gâmbia, segundo declarações do porta-voz do Estado-Maior-General das Forças Armadas ou, estando algures na Guiné-Bissau, como faz supor uma chamada por telemóvel feita por Bubo Na Tchuto a uma estação de rádio guineense, em que refuta as acusações de tentativa de golpe de Estado e, acusa Tagme Na Waie, Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, de o perseguir.

Uma primeira questão se levanta sobre a veracidade da tentativa de golpe de Estado: Quem exonerou Bubo Na Tchuto e nomeou o capitão-de-fragata Estêvão Na Mena para o seu lugar, sabendo-se que é (unicamente) da competência do Presidente da República quer a nomeação, quer a exoneração do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, bem como, dos Chefes do Estado-Maior (três ramos das Forças Armadas: Exército, Armada e Força Aérea)?

Se a exoneração partiu do Presidente da República, qual foi o decreto presidencial que anunciou a exoneração de Bubo Na Tchuto, bem como o decreto presidencial que nomeou o novo Chefe do Estado-Maior da Armada, isto porque, oficialmente, não foi divulgado nenhum decreto presidencial até ao momento, nem emitida qualquer comunicação pela Presidência da República confirmando uma intentona golpista.

Também não foi tornado público nenhum documento presidencial denunciando um suposto abuso de poder e interferência da estrutura militar nas competências unicamente atribuídas ao Presidente da República, isto, se houvesse acção directa do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas em relação à acusação e exoneração de Bubo Na Tchuto.

Quer numa, quer noutra circunstância, o silêncio da Presidência da República é comprometedor e indicador de acções de conspiração de Nino Vieira, tendentes a materializar ajustes de conta no intuito de se desenvencilhar daqueles que o incomodam enquanto vivos, mesmo que, aparentemente tudo pareça estar bem nas  relações de hipocrisia com as chefias militares. Uma relação iniciada com o apoio ao seu regresso à Guiné-Bissau e ao poder em 2005 e que tem sido sustentado pelos rendimentos do narcotráfico por ele patrocinado e aberto às chefias militares como pagamento de favores!

Tomando em consideração o momento e os factos que se apresentam na Guiné-Bissau, Nino Vieira volta a merecer destaque pela negativa, bastando seguir os rastos do seu percurso do pós-independência aos dias de hoje, para se concluir que continua igual a si próprio: símbolo da intriga, da vingança, do ódio, da mentira e da destruição, entre inúmeras outras constatações factuais que servem para o caracterizar.

Adepto de simulações e especialista em vitimização, João Bernardo Vieira teve sempre a arte de inculpar (quando pressente que passou a ser suspeito) os que acreditando nele, se comprometeram a fazer "trabalhos sujos" a seu mando, comprometendo-os da pior forma, ou, em última instância, eliminando-os fisicamente.

Foi assim com vários assassinatos ocorridos ao longo de mais de uma vintena de anos de poder; foi assim com crimes de natureza económica lesivos ao Estado; foi assim com os negócios da venda de arma aos rebeldes de Casamança, entre outros e, é assim, agora, com a questão do narcotráfico na Guiné-Bissau.

O anúncio de uma tentativa de golpe de Estado, nesta altura, não podia ser visto de outra forma, que não uma encenação com paralelismos ao desvio de atenções sobre o narcotráfico, numa referência concreta à apreensão de duas aeronaves no Aeroporto  Internacional Osvaldo Vieira em Bissau, supostamente carregadas com droga.

As autoridades judiciais guineenses foram impedidas, pelos militares, de fazerem o seu trabalho e os carregamentos transportados pelas duas aeronaves desapareceram, o que dificulta a apresentação de provas sobre o que realmente transportavam.

Por quê os militares a barrarem o caminho às autoridades judiciais nas investigações levadas a cabo aquando da apreensão das aeronaves e a mando de quem, se a Constituição da  República, no seu artigo 20º, diz que " As Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP), instrumento de libertação nacional ao serviço do povo, são a instituição primordial de defesa da Nação. Incumbe-lhes defender a independência, a soberania e a integridade territorial e colaborar estreitamente com os serviços nacionais e específicos na garantia  e manutenção da segurança interna e da ordem pública"?

Por que é que não houve, nem tem havido colaboração das Forças Armadas na luta contra o narcotráfico e, pior ainda, porque não houve nenhuma declaração do Estado-Maior-General das Forças Armadas a respeito do envolvimento militar na obstrução das autoridades judiciais nas investigações às duas aeronaves apreendidas?

Por que é que só agora João Bernardo Vieira resolve denunciar, na qualidade de Presidente da República, o facto de "aviões aterrarem e levantarem voo a mando de fulano...; barcos que passam, por ordens de fulano..." , sem contudo ter a coragem de chamar o nome do fulano ou dos fulanos?

O general Nino Vieira sabe das movimentações de aviões e barcos e não sabe quem dá ordens?

E mesmo que hipoteticamente não soubesse, o que é que alguma vez fez, para saber quem está por detrás dessas violações da integridade territorial?

E por aquilo que aconteceu aquando do seu regresso a Bissau em Abril de 2005 a bordo de um helicóptero militar da vizinha Guiné-Conacri, os guineenses terão dificuldade em relacionar a questão ora levantada por Nino Vieira, conotando-a com a acção das chefias militares que permitiram o seu regresso ao país em 2005?

A leitura que se pode fazer é que, só a necessidade de encobrimento da verdade, perante as evidências de os carregamentos serem droga, poderia envolver a acção de bloqueio às investigações, acção essa que só poderia ser concretizada pelas Forças Armadas, tal como se verificou.

É a Guiné-Bissau um Estado de Direito, pergunta-se?

Claro que não é e há cada vez mais motivos para questionar quem manda no país e se, realmente, há separação de poderes na Guiné-Bissau.

Impedindo a recolha de provas, os militares desta vez não podem alegar que, tal como aquando do desaparecimento dos 674quilos de cocaína apreendida em Setembro de 2006 e depositada nas instalações do Tesouro Público guineense, as pessoas que foram vistas a transportar essa droga das instalações da Direcção-Geral do Tesouro para parte incerta vestirem uniformes das Forças Armadas guineenses, não pertenciam às Forças Armadas...

É que, desta vez, há provas de que as pessoas que descarregaram as cargas das aeronaves são militares!

O anúncio da tentativa de Golpe de Estado, mais do que uma jogada estratégica para dissimular o envolvimento de altas figuras militares e do poder político no narcotráfico, é também uma manobra que incita à rivalidade entre os militares, tomando em consideração que estamos perante dois pólos potencialmente explosivos e em que, neste actual cenário de crise, há, da parte dos protagonistas necessidade de confundir e dividir a opinião pública.

Apesar de inúmeras contradições, quase nenhum guineense acredita na suposta intentona de Bubo Na Tchuto contra o general João Bernardo Vieira, até porque, o mesmo Bubo tem sido um dos pilares da segurança de Nino Vieira. No entanto, consta que militares a mando de Bubo Na Tchuto é que teriam levado os carregamentos das duas aeronaves para parte incerta.

A droga tem dado muito dinheiro e poder a algumas altas patentes militares bem como a altos responsáveis do poder estatal, no entanto, é essa mesma droga que já  começa a provocar disputas entre grupos e interesses criados (a rivalidade é uma realidade nestes casos), fomentando, numa primeira fase, situações de culpabilidade ao mais alto grau, com respeito à segurança das Instituições da República por parte de quem tem mais poder, tal como se assiste na acusação que pende sobre Bubo Na Tchuto, de forma a não permitir qualquer argumento de defesa aos acusados.  Bubo Na Tchuto desta vez, como a seguir pode ser o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Tagme Na Waie.

João Bernardo Vieira estará hoje, provavelmente, mais perto de conseguir reunir todo o poder nas suas mãos, porquanto, ter materializado a sua estratégia manipuladora de dividir para melhor reinar, conseguindo levar avante esta estratégia, quer com a fiel colaboração dos seus amigos de sempre, com destaque para Manuel dos Santos "Manecas"  (seu mentor, o homem de negócios do regime, a ligação com o mundo do dinheiro fácil...etc.), quer com os camaleões do costume, que durante o período do seu exílio em Portugal e arredado do poder, agradeceram aos deuses por lhes terem livrado do "Chefe" , para hoje se posicionarem de novo, do lado do ditador caixeiro-viajante, "comendo" outra vez, das suas mãos...

João Bernardo Vieira, estará hoje também, mais próximo de ser desmascarado pelas negociatas, pelos males que tem causado ao país e aos guineenses, tal o  envolvimento e evidência dos seus passos por um lado, e os de pessoas da sua promíscua relação, por outro. "Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és...".

Analisando a tentativa de golpe de Estado atribuída a Bubo Na Tchuto, teremos necessariamente que pegar na apreensão das aeronaves que supostamente transportaram cocaína para Bissau, sendo que das várias leituras possíveis, há uma certeza: o narcotráfico de Estado é uma realidade e, em nome da República se farão ajustes de conta por traições ao narcotráfico.

 Daí se ter encontrado a fórmula da acusação de golpe de Estado, pelo repúdio que causa nos dias de hoje, não dando hipóteses de defesa aos acusados, que: ou fogem ou sujeitam-se a ser mortos e acusados, mesmo depois de mortos, de tentativa de golpe de Estado.

Associar Bubo Na Tchuto a Martinho N´Dafa Cabi, ex-Primeiro-ministro demitido recentemente, por forma a relacionar a alegada tentativa de golpe de Estado ao descontentamento provocado pela dissolução da Assembleia e da consequente demissão do governo, não passa de outra manobra conspirativa tendente a provocar acusações infundadas de uma pretensa conotação étnica - política e militar, para derrubar Nino Vieira.

A propósito da dissolução da Assembleia Nacional Popular, da demissão do governo do Pacto de Estabilidade e, tomando em consideração a justificação do Presidente da República de que decidiu devido à "grave crise institucional" que se vive no país, questiono:

E como fica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tornado público antes do decreto presidencial que dissolveu a Assembleia e demitiu o governo?

Por que é que o Presidente da República desconsiderou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça?

Porque se houvesse consideração e respeito pelo Acórdão, haveria direito à dissolução da Assembleia e à queda do governo, mas, igualmente, à anulação das decisões aprovadas pelos deputados durante o período especial extraordinário para a vigência desta legislatura, o que, por exemplo, iria anular a Lei Geral da Amnistia recentemente aprovada.

Assim sendo, o Presidente da República não dissolveu a Assembleia nem demitiu o governo tendo em conta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tal como deveria ser.

O Presidente da República salvaguardou, acima de tudo, os seus interesses pessoais na decisão que ditou a dissolução da Assembleia Nacional Popular e a queda do governo do Pacto de Estabilidade.

Numa outra leitura, entre várias possíveis, não seria de subestimar um possível jogo do gato e do rato, entre Nino Vieira e Tagme Na Waie, com Bubo Na Tchuto a servir de isco por parte de Nino Vieira para a polémica levantada em torno da alegada tentativa de golpe de Estado.

É certo que as altas patentes militares estão envolvidas no narcotráfico, como não há dúvidas de que Nino Vieira tem responsabilidades no assunto. No entanto, como de forma "diplomática" Nino não consegue exonerar Tagme Na Waie do cargo de Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, ao provocar um conflito de interesses entre este e Bubo Na Tchuto, não só estará a colocar Tagme Na Waie em causa, por exemplo, explorando o facto de que da Presidência da República não houve nenhum decreto presidencial dando conta da exoneração oficial de Bubo Na Tchuto, o que poderá supor, para certas leituras que o Presidente está refém de Tagme Na Waie, Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e que, igualmente, por este ter substituído o corpo de fuzileiros até aqui em serviço na Unidade da Marinha de Guerra Nacional, por militares da sua confiança, tal como recentemente acontecera em relação aos efectivos das Forças de Segurança do Ministério da Administração Interna, estará o mesmo Tagme Na Waie a querer controlar todo o poder militar, incluindo as Forças de Segurança do país, para um provável derrube de Nino Vieira, se a situação a isso obrigar.

Esta leitura poderia ser sustentada pela acusação proferida por Bubo Na Tchuto, na intervenção telefónica a uma rádio guineense e em que, sabendo-se que o único sector militar que Tagme Na Waie não controla é a Marinha de Guerra, com esta jogada, Tagme estaria a decapitar o único sector militar nacional de apoio a Nino Vieira.

Teríamos muitas leituras a fazer, mas todas elas relacionariam a questão do narcotráfico com a crise instalada no país.

O certo é que a Justiça guineense deve continuar a trabalhar e com celeridade, no sentido de apurar factos e responsabilidades em relação às aeronaves apreendidas, bem como salvaguardar, em nome da defesa dos interesses da República, a decisão da prisão preventiva dos detidos (nacionais e estrangeiros), aquando da apreensão das aeronaves.

Não será de estranhar que surjam iniciativas no sentido de pedir a soltura dos detidos, alegando incumprimento no período legal de prisão preventiva, etc.

Também não será de estranhar que se continue a intimidar e a ameaçar de morte personalidades nacionais comprometidas com a Justiça e a legalidade.

João Bernardo Vieira continua a jogar alto, muito alto para quem há muito deixou de ter trunfos na manga...

Chama-se a atenção da Comunidade Internacional para a situação prevalecente no país, bem como, reforça-se o pedido de colaboração com meios humanos e materiais no combate ao narcotráfico na Guiné-Bissau!

Como escrevi há tempos:  APERTA-SE O CERCO!

Estaremos atentos aos desenvolvimentos desta crise.

Vamos continuar a trabalhar!


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