Salários chorudos

 

Sede da Assembleia Nacional Popular

 

Por: Francelino Alfa

 

 

08. 01. 2007

 

 

Ano novo, vida nova! Frase feita, não é! É a esperança que se renova para os guineenses, particularmente aos mais desfavorecidos, excluídos e esquecidos. A esperança na coesão nacional e maior justiça social. Um Bom Ano para todos!

 

Em meados de 2006, o Presidente da Assembleia Nacional Popular ANP da Guiné-Bissau, Francisco Benante, lançou um apelo: o país precisa de ter políticos com mais qualidade, referindo-se aos deputados numa sessão parlamentar. O Presidente da ANP pôs o dedo na ferida!

 

Pegando nesta deixa lançada pelo Presidente da ANP, pergunto: como harmonizar esta situação com a estrutura sócio-económica e cultural (isto é muito importante) da sociedade em que mais de 60% da sua população é analfabeta e pobre? Não seria necessário também que se fizesse uma catarse ou que se mexesse nas estruturas organizacionais e promover mudança de mentalidades dentro dos aparelhos partidários? etc., etc. Num passado recente, tivemos experiências de partidos de cariz essencialmente elitistas, de políticos que não queriam saber do país real para nada, não metiam a “mão na massa” passe a redundância; falavam, falavam mas não diziam/faziam rigorosamente nada. E isto não coaduna com a heterogeneidade que é salutar numa assembleia de representantes do povo e da obrigatoriedade dos políticos conhecerem o país que se quer progressista e desenvolvido! Vimos no que deu! Partidos satélites, políticos “postiços” e fantoches, etc., etc., etc. Hoje, onde estão?! Partidos que foram à vida. Políticos que abandonaram o barco à deriva! Fugiram! E hoje, infelizmente, as coisas não estão melhor!

 

Engano, quando se pensa que, ter canudo de per si, é sinónimo de realização pessoal e/ou profissional. É preciso não esquecer que as experiências da vida, o conhecimento humano, o saber ser, o saber estar e o saber fazer, são tão fundamentais quanto aos diplomas adquiridos. Dizia alguém que, a política moderna está carregada de exemplos de grandes políticos que foram governantes fracassados e, inversamente, de governantes sem história que se tornaram grandes homens de Estado: Jacques Delors, Mário Soares, só para mencionar estes dois exemplos. O que faz a diferença é a capacidade de aplicar a nossa inteligência e a reflexão à estratégia escolhida para triunfar.

 

A esquizofrenia política no burgo Bissau-guineense não compadecia com o espírito natalício/tabasqui: paz, amor e solidariedade. O país assistiu de novo, a histeria e o fanatismo político dos deputados a pedirem a demissão do Presidente da ANP. A política do “bota abaixo” nem deu tréguas. Nada de novo! O Presidente e os deputados estão de costas voltadas. 

 

Se os problemas estruturais do país são gravíssimos, porquê adiá-los ad eterno? Fala-se de tudo e não se resolve nada! As palavras de ordem têm substituído as soluções. Um país onde as invejas, as intrigas, a preguiça e incompetência se aliam frequentemente com mentiras e inverdades, e a corrupção a ajudar a festa, assistimos o instinto da sobrevivência a apelar o coçar as costas uns aos outros, defendendo cada um o seu feudo; passam o tempo a agitar a árvore das patacas para verem se apanham uma. O sistema está podre! Um país com imensos “cadastrados” e poucos são os políticos que não têm “rabu di padja”, dizem lá na terra, e um aproximar do lume, os levaria todos para o inferno. Estão desacreditados porque não têm autoridade moral nem a sabedoria! Os guineenses não sabem em quem confiar, metendo os bons e os maus no mesmo saco. Um dos nossos males também está aí no parlamento. Assistimos a interesses corporativos em detrimento de interesses públicos. 

 

Esquecemos este pequeno grande mal da nação que por não ser politicamente correcto ninguém quer ou se atreve falar: os salários dos deputados (uma fatia bastante significativa no orçamento geral do Estado (OGE), se olharmos para o nosso Produto Nacional Bruto; uma economia essencialmente agrária em que não se produz quase nada), se atendermos os seus desempenhos, sem esquecer os da alta patente das nossas forças armadas (são muitos generais! Tenentes coronéis, …) que a meu ver, penso desequilibrado, tendo em conta a estrutura militar, sobredimensionada no contexto actual, reconhecendo-as todavia, como instituição estruturante e o papel que poderiam desempenhar no país e na nossa sub-região, quiçá nas missões internacionais, não fossemos assistir sistematicamente a golpes de Estado e quezílias entre as chefias militares, promiscuidades com o poder político e intromissão sistemática nos outros órgãos de soberania.

 

Enquanto os nossos políticos usarem os militares como chamariz, o efeito boomerang estará sempre presente e não haverá reconciliação que valha e o país jamais passará dessa cepa torta!

 

Muitos dir-me-ão se queremos ter os melhores no parlamento, temos que pagar, porque a qualidade tem um preço. De acordo. Então o que custa mais ao país? Manter este número actual de deputados que ganham muito e fazem muito pouco, ou só fazem asneiras, ataques pessoais e insultos sistemáticos ou ter menos deputados, salvaguardando a representatividade dos partidos na assembleia – porque o número de deputados condiciona a aferição do partido maioritário na ANP como partido do governo – com remuneração compatível, têm competência e preparação e têm visão para o país? Reduzir o número de deputados não se estaria a contribuir para a redução desses partidos que por aí se procriam e, consequentemente menos subsídiosinhos para esses políticos profissionais no desemprego? Sejamos sérios e honestos e vamos debater esta questão!

 

Então vejamos: o salário/mês de um deputado da nação é aproximadamente 650.000 francos CFA fora as ajudas de custo – corrijam-me se estou errado. O ordenado médio na Guiné-Bissau é aproximadamente 28.500 francos CFA, o que equivale a € 48,85 (valor passível de correcção por defeito!). A inflação calcula-se que permaneça alinhada com os critérios de convergência da União Económica e Monetária Oeste Africana (UEMOA) em cerca de 2%. Isto, são números e a realidade é bem diferente, sendo demasiadamente penosa para a esmagadora maioria dos guineenses que vive com menos de 1 dólar por dia. Da maneira que o país está, o que dir-me-ão destes dois valores (650.000 xof e 28500 xof)? Por que é que toda a gente quer ser deputado? Não seria imperativo que esses senhores fizessem um acto de contrição e pensassem neste assunto? E assim, não estariam a ajudar para a redução do défice público? A ANP tem 102 deputados no total. O valor de câmbio oficial está em 650 francos CFA/1 €.

 

Ora, se fizermos as contas, vemos o seguinte:

102 * 1000 €/mês = 102.000 €/mês; num ano = 1.224.000 € além das ajudas de custo (!) que vem do erário público. Portanto, metade deste dinheiro (612.000 €) dava no mínimo, para ajudar a reabilitar as infra-estruturas físicas degradadas do hospital nacional Simão Mendes; ajudava na compra de medicamentos e equipamentos novos; ajudava na melhoria da dieta alimentar dos pacientes; proporcionava a elevação de qualificação dos seus profissionais; (…) ajudava a incrementar o salário/mês do pessoal técnico de saúde. Portanto, como se pode ver, não é um exercício contabilístico difícil. Se compararmos a produtividade dos nossos deputados com o salário (e mordomias) que auferem, chegaremos facilmente a seguinte conclusão óbvia: o dinheiro que vem do OGE tornou-se no exclusivo sustento, para variar, dos nossos políticos.

 

 

Agora comparemos o valor, 612.000 € com uma parte do valor (?) que o governo francês doou na mesa redonda realizada em Novembro último (520.000 €, Fonte: guiné.bissau.com) ao governo de Bissau para fazer face a grave crise sócio-económica que o país atravessa. 

 

Não estou a inventar a pólvora, e sei também que não há verdades absolutas, mas há países em África com uma superfície 2x maior que a nossa, e com maior número de habitantes, e têm 80/90 deputados e com melhor performance. São experiências positivas que possam ser tomadas em consideração.

 

A verdade é que os países são dirigidos por políticos e as decisões que tomam influenciam directa ou indirectamente a vida de todos nós, às vezes por muitos anos, para o bem ou para o mal. Por isso, devemos ser exigentes e rigorosos não dispensando de maneira nenhuma e sempre que possível, intervenção cívica e crítica, em que se defenda valores e ideias positivos e que se possa pensar o país a longo prazo nomeadamente o que queremos ser nesta era incontornável da globalização e da revolução tecnológica.

 

Derivando agora para a governação, o que se constata hoje, volvidos 14 meses, tanto no plano da obra, como no da transparência da coisa pública ou ainda no da prática democrática que anunciaram (nomeadamente berrando contra uma “arrogância” e “prepotência” que inventaram do governo anterior), “caíram em saco roto”. Ilusionismo muito, resultado, zero! Ainda que, com culpas no cartório, a generalidade dos guineenses está cansada e frustrada! Aqui está: fácil é atacar e prometer, mais difícil é fazer! Portanto, a falta de capacidade de gestão ou seja, a incompetência – alguns Senhores andam nisto há anos mas não superam – é a causa maior dos males, e essa não é camuflável, por mais manipulações, propaganda, promessas e ilusões que vendam. Qual a esperança se se pensa aqui D´ el rei!? “Manhotis na ronda” … é o prenúncio de mortes! Já temos que chega! Aos poucos, à sua maneira, quer tomar rédeas à sua embarcação mas jamais o conseguirá porque desta vez, o povo não se vergará! Ditadura, nunca mais!

PROJECTO GUINÉ-BISSAU: CONTRIBUTO - LOGOTIPO

VAMOS CONTINUAR A TRABALHAR!

Projecto Guiné-Bissau: CONTRIBUTO

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