RESPOSTA A INÁCIO VALENTIM

EM DEFESA DO POVO FULA

 

 

 

 

Alai Sidibé

Alai Sidibé

Politólogo

Londres, 26 Dezembro 2006

 

O senhor Inácio Valentim é um  homem minado por sentimentos que só ele sabe explicar contra os Fulas. Antes de escrever este texto tive o cuidado de apreciar minuciosamente as afirmações que o senhor fez neste espaço em relação ao meu humilde povo. Da mesma forma, tive todo o cuidado de, através de fontes fidedignas, me informar acerca das acusações – graves – que o senhor proferiu, concernentes a uma hipotética ditadura Fula no seio do Ministério da Educação guineense. Depois de recolher todos os dados de que necessitava, não pude deixar de manifestar o meu repúdio em relação à forma irresponsável e infundada como se atreveu a escrever tão grande calúnia. Caro senhor, compreendo a sua impotência e o seu rancor em ver tão prestigiada figura à frente da referida instituição, mas terá que isoladamente conviver com a sua mesquinhez. Talvez durante os anos que o nosso país leva de independência, o Ministério da Educação nunca tenha sido ocupado por tão competente figura, daí a sua inveja a ponto de o levar a falar de ditadura. O único aspecto, no entanto, que me leva a censurar o actual responsável da referida pasta prende-se com facto de ter aceite fazer parte de um governo sem legitimidade, sem legalidade, sem a moral nem a ciência para dar o impulso de que  o nosso país realmente precisa. Além do mais, devo dizer-lhe que, se todos os povos da Guiné fossem tão «ditadores» quanto o meu povo, talvez o nosso país estivesse hoje uns trinta ou quarenta anos mais desenvolvido. Daí, as suas acusações (inconsequentes) não deixarem de revelar aquilo que o animismo tem revelado desde a independência para esta parte: um comportamento inexplicavelmente agressivo em relação ao povo Fula. Ora como o senhor Inácio muito bem se recorda, os Fulas nunca ocuparam nem ocupam posições de destaque no aparelho do poder guineense. Talvez seja por este motivo é que o nosso país continua na cauda do mundo (devido à ausência Fula nos órgãos de decisão). Já agora eu teria todo o prazer em que o senhor me nomeasse um único primeiro-ministro que não fosse de etnia papel durante todo o reinado ninista (antes e depois da guerra civil). Tantos anos de (des)governo e insensatez animista levaram o nosso povo à situação de desespero em que hoje se encontra e, sem quaisquer perspectivas de dela se livrar. Senhor Inácio Valentim, seja sincero e vá procurar desculpas onde elas realmente existem, poupando-se do ridículo de imputar responsabilidades do nosso atraso ao povo Fula – Rei Absoluto de toda a África – que nem trinta e três anos de perseguições e animosidade animistas (passe o pleonasmo) conseguiu torcer a espinha. A verdade é que o meu povo – embora vedado ao aparelho do poder por puro preconceito tribal – tem, através de sabedoria, esforço e persistência, sabido dinamizar o pouco que resta da nossa economia, coisa de que outros não se podem gabar.

Dito isto, também em relação ao povo Balanta, igualmente objecto da sua ira, importa, contudo, rememorar algumas considerações sobre a vida do nosso PAIGC enquanto aspirante da independência para o nosso povo. O povo Balanta, embora sempre se tenha disponibilizado à causa da libertação, a verdade é que esta predisposição ou essa vontade, também criou certas dificuldades no seio do próprio PAIGC. Como o senhor Inácio concerteza não sabe, a ideia central de Cabral se consubstanciava numa visão de libertação em que a doutrina política se sobrepunha à acção militar. Aliás esta ideia dominou o primeiro Congresso do partido, que teve lugar em Cassacá em Fevereiro de 1964 a algumas milhas da batalha de Como. O Congresso, então dominado por fortes princípios ideológicos fundados no pensamento maoista, deu caminho a algumas lutas no interior da organização. De referir, no entanto, que Cabral sempre insistia de que os do “PAIGC eram militantes de um partido que, perante o autismo salazarista, haviam pegado em armas, e não o contrário (Itálico meu).” Esta primazia do político em detrimento da acção militar foi completamente ignorado pela maioria dos combatentes Balantas que, fazendo tábua rasa das directivas políticas do partido, se lançava em ataques descoordenados com o simples objectivo e prazer de matar o português. A afirmação da disciplina no seio do PAIGC – como aliás em todas as organizações humanas – era implacável e, aparentemente envolveu algumas execuções, tidas como necessárias para manter a coesão do partido. A minha visão, no entanto, é de que tais execuções eram totalmente desconhecidas por Cabral. De qualquer forma, tal clima serviu para, de forma absurda, agravar velhas clivagens concernentes à predominância de cabo-verdianos e mestiços no seio liderança da organização nacionalista, coisa que para mim era perfeitamente legítima, devido serem mais letrados.

Depois do clima de nacionalismo exacerbado e de violência desenfreada direccionados contra os mestiços e descendentes de cabo-verdianos, levados a cabo pela ira animista e que resultou no 14 de Novembro de 1980, eis que as perseguições e abusos continuaram através da substituição - à margem da lei - de quadros na administração pública guineense contra “djinti burmedjo”, levando  à administração pública a incompetência e a corrupção de que o nosso país é hoje número um mundial. De referir ainda que depois da substituição do regime colonial, como todos se recordam, abusos de vária ordem foram levados a cabo tanto contra o povo Manjaco (o que levou à fuga maciça destes para França), como contra a nação Fula, mas esta última, fazendo jus à sua valentia, historicamente reconhecida, conseguiu fazer finca-pé, perante a estupefacção animista. É exactamente este o clima de intolerância e de racismo tribal que o Inácio Valentim quer reforçar na Guiné, mas garanto desde já de que não terá êxito, porque encontrará em mim e no povo guineense obstáculos intransponíveis. O senhor, ao afirmar que houve durante o reinado kumbista (e que há através da actual cúpula militar) uma ditadura Balanta, não me caberá a mim dar resposta a tal afirmação, mas ao querer extrapolar o seu ódio aos Fulas, dir-lhe-ei desde já que não terá qualquer benevolência da minha parte.

 

POS SCRIPTUM: Remeteria ao senhor Inácio a leitura de alguns autores anglo-saxónicos, que tratam de forma objectiva e isenta a problemática do terceiro império português. Aí veria o papel que coube a cada grupo étnico na história do nosso país, até porque se tivesse o cuidado de ler alguma coisa, não cairia no ridículo de desancar contra os Fulas.

 

PS 2: Estou na expectativa de ver a sua resposta, pois tenho muitos elementos com que o presentear.

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