«  Vivi a experiência vitoriosa de um regime revolucionário que tinha por ambição mudar o mundo.  De uma maneira, isso surgia como uma viagem para fora deste mundo.  O projeto falhou.  Há quem pense que isso sucedeu por traição.  Acredito que essa explicação é muito simplista.  Houve traições, sim, mas elas não explicam o desfecho falhado.  Neste livro, está presente essa impossibilidade de renascermos do zero e da absoluta negação do que já fomos.  Talvez a paixão e o amor (temos quase medo da palavra « amor ») sejam a única possibilidade de nos reinventarmos no tempo que nos foi dado viver »

 

* Palavras de Mia Couto  em entrevista ao jornal  « O Estado de S.Paulo» em 25/06/2009

 

 

 

Por: EL KADY

orfeus@rogers.com

01.08.2009

 

**Renascer para sempre             

 

E nesse tempo…

me ilumino divinamente

nos teus lampiões que servem de luz clandestina e matutina

aos olhos tristes mas belos dos nossos miúdos da graxa :

 

No Xipamanine, na Rotunda do Musseque de Luanda ou no mercado escancarado de Bandim.

 

A nova ponte atravessou o rio…

mas as cicatrizes de violências sem razão não sararam os «ais» dos nossos corações.

Deixando-os abandonados e sangrando no tempo surdo e mudo dos latejos de cada soluço incógnito

e nos gargalhares sórdidos…

aquando dos funestos «entrudos».

 

Ergueram uma estátua mas espantaram os pássaros

descortejaram ramos plantas e árvores

fizeram chorar flores e musgo velho só para excitarem o umbigo.

 

Mas  «Os camaradas»…

Deixaram e esqueceram-se de fora o Cão amigo

coitadinho…

Que só pedia guarida e paixão no seu viver sozinho

para fecundar amorosamente o seu Latido Presente.

 

 

El Kady

Agosto de 2009

 

** À memória de Viriato da Cruz – poeta angolano

 

 

VIRIATO DA CRUZ: O HOMEM E O MITO

 

VIRIATO DA CRUZ

 

 

Poeta angolano, Viriato da Cruz nasceu em 1928, em Porto Amboim, e veio a falecer em 1973, no exílio, em Beijing (Pequim).
Considerado um dos mais importantes nomes da geração de poetas pré-angolanos, Viriato da Cruz procurou as suas raízes africanas, sem, no entanto, perder as referências culturais portuguesas. Através do uso da língua portuguesa, se bem que polvilhada de palavras dialectais e adaptando a escrita à fala crioula, buscou incessantemente os símbolos da civilização africana perdida, como elementos regeneradores de todo um povo em busca da sua identidade. Essa ideia está bem expressa no poema Namoro, onde o apaixonado só consegue conquistar a sua amada quando se liberta das símbolos europeus e dança com ela uma rumba bem africana.
Os seus poemas tanto são um grito de esperança (veja-se Mamã Negra , onde clama pelo «dia da humanidade») como um olhar nostálgico sobre os valores africanos (considerem-se os versos de Makèzú: «Todo esse povo / Pegô um costume novo / Qui diz qué civrização: / Come só pão com chouriço / Ou toma café com pão... (...) Pruqué qui vivi filiz / E tem cem ano eu e tu? // - É pruquê nossas raiz / Tem força do makèzú!...»).
Em 1948, Viriato da Cruz lançou o mote: «Vamos descobrir Angola». A frase tornou-se lema para os intelectuais angolanos que, dois anos depois, fundaram o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, com Viriato da Cruz como um dos elementos mais activos. Esse movimento foi responsável pela publicação da revista Mensagem , onde o grupo exprimiu o seu entusiasmo pela redescoberta da História e arte popular africanas, como contraponto a uma colonização que, fruto do endurecer da repressão por parte do regime ditatorial de Salazar, estava a sofrer uma contestação cada vez mais exacerbada. Nessa revista foram publicados alguns dos mais conhecidos poemas de Viriato da Cruz, tais como Makèzú ou Mamã Negra .
Vítima dos seus ideais, numa altura em que se intensificava a repressão, Viriato da Cruz publicou apenas poemas dispersos em várias publicações na década de 50, antologiados em 1961 no livro Poemas . A década de 60 foi marcada em Angola pelo início da Guerra Colonial e pelo exílio de grande número de intelectuais angolanos, o que ocasionou o desvanecimento da criação literária que, apenas uma década antes, parecia florescer. A publicação de poemas de Viriato da Cruz - que então circulavam abundantemente de boca em boca - cessou.

 

Como referenciar este artigo:
Viriato da Cruz. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2009. [Consult. 2009-08-01].
 http://www.infopedia.pt/$viriato-da-cruz

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