REFLEXÃO SEM ESPINHAS


 

Cobna Nhaga

cobna.nhaga@gmail.com

08.07.2013

Cobna NhagaNuma das reiteradas discussões que sempre mantenho com os meus amigos e pessoas chegados, debruçamos sobre um assunto que não posso deixar de partilhar aqui: Como pode a Guiné-Bissau alcançar a Paz que sempre almeja?

Como uma vez falava um dos melhores professores que já tive, Amine Saad, ‘‘Os Grandes espíritos discutem as ideias, os espíritos médios debruçam sobre os acontecimentos e os pequenos espíritos falam dos outros‘, os intervenientes digladiam-se em discussões sobre as personalidades e os acontecimentos que entravam a paz. Sem pretender significar que sou, de entre os amigos participantes, o mais lúcido ou inteligente, mas talvez o mais atento no que ao assunto diz respeito, eis o que profiro aquando da minha intervenção:

Para identificarmos o caminho que nos leva a alcançar a paz de que todos falamos e almejamos, não devemos manter o foco na atribuição das responsabilidades nem restringir na descrição dos acontecimentos vividos, mas sim, devemos concentrar os esforços na identificação dos factores que a impedem, até porque se aprofundamos a análise sobre a quem pertence a responsabilidade, chegaremos à conclusão de que todos nós (classe política, forças armadas, organizações da sociedade civil, o próprio povo e até a comunidade internacional), possuímos as nossas quotas de responsabilidades. Sem alongar muito na descrição das responsabilidades dos actores acima descritos para não cair na armadilha de cingir a análise na atribuição das responsabilidades, vou, em poucas palavras, para também não deixar de justificar tal afirmação, descrever em que medida são responsáveis pela situação de instabilidade constante.

(i) A classe política é responsável na medida em que não tem conseguido conceber e executar políticas sociais, económicas e culturais que orientam a actuação de todos os actores nacionais e internacionais; (ii) as forças armadas são responsáveis porque todas as sublevações militares não conseguem resolver os problemas levantados e o país regressa ao mesmo jogo, com novos jogadores apenas; (iii) as organizações da sociedade civil têm a responsabilidade por não terem conseguido orientar as suas acções na prevenção de conflitos, com intervenções junto à liderança política no sentido de manterem uma postura política que garanta a justiça, a equidade social, a igualdade de oportunidades, a inclusão social, entre outras dimensões armazenadas num armazém chamado paz; (iv) o próprio povo é responsável, pois nunca conseguiu identificar o que quer, para onde pretende ir e até onde quer chegar. Não consegue identificar e defender os seus direitos nem conhecer e cumprir os seus deveres, chagando, às vezes a premiar os prevaricadores e usurpadores do bem público, ao invés de os ridicularizar e denunciar; (v) a comunidade internacional tem igualmente a sua quota de responsabilidade tendo em conta que persiste na imposição de modelos importados que nunca resolvem os reais problemas do país por não ser adaptável à nossa realidade, condicionando-as às ajudas de que o país necessita.

Como se pode constatar, cada actor é responsável pelo status quo. O importante, do meu ponto de vista, é conseguir o mais difícil que é a saída para alcançarmos a paz. Para qualquer observador, seja ele mais atento ou não, a resposta seria a realização de reformas. Ora, reformar o quê? Todo o Estado ou uma parcela dela? Se a resposta for todo o Estado, com que meios? Se, pelo contrário a resposta for uma parcela do Estado, qual/quais dela(s) reformar? É ali que reside a verdadeira dor de cabeça.

Emerge na teoria de Modernização Administrativa um princípio denominado de ‘’Princípio do Radicalismo Selectivo’’. Em que consiste tal princípio? Este princípio parte do pressuposto de que é sempre custoso e moroso reformar uma instituição, um Estado ou qualquer unidade administrativa no seu todo. Por isso, apresenta com alternativa, uma espécie de ‘’Golpe de Mestre’’, ou seja, escolher dentre os diferentes compartimentos da instituição, Estado ou unidade administrativa, reformar aquele que, uma vez reformado, vai produzir efeitos similares em todos os restantes compartimentos e assim reduzir o tempo e o custo da reforma, tendo em consideração as necessidades administrativas da racionalidade, eficiência e eficácia dos gastos públicos. No nosso caso, se optarmos por este princípio, o desafio seria a escolha do sector ideal a ser reformado. De certeza que se esta questão for posta para a escolha de um elevado número de guineenses haveria uma chuva de sectores diferentes, cada uma das escolhas com a sua justificação.

Na minha opinião, este sector seria o da justiça. Justiça, porque qualquer sociedade é regida por regras cujo incumprimento acarreta a uma devida sanção. A necessidade da justiça na sociedade é de garantir o equilíbrio entre os interesses pessoais de cada membro desta sociedade com os interesses colectivos da mesma sociedade e o primeiro deve submeter-se ao segundo, pois na vivência em sociedade, os interesses subjectivos são descartados em proveito dos interesses colectivos. Tudo o que acontece na Guiné-Bissau, é fruto de um sistema de impunidade construído ao longo de muitos anos até aqui. Não há critério para nada e todos são habilitados para tudo. Nenhuma sociedade, por mais pequeno ou grande que seja, consegue alcançar a paz nestas condições. Num ecossistema anarquista como o nosso, o perigo é ser legalista, ordeiro, honesto, cumpridor, servidor público. É um habitat ideal onde sobressaem os corruptos, prevaricadores, mafiosos, oportunistas e, portanto a violência é o seu alimento.

As necessidades sociais como a educação, saúde e o acesso ao alimento tornam-se escassas porque a liderança política não tem a lei como base, critério e fundamento para as suas actuações administrativas, pois sabem que essas actuações não serão objecto de apreciação e sanção judicial. Não necessitam, pois conceber e executar políticas públicas para eliminar o analfabetismo ou reduzir a mortalidade porque ele e sua família têm acesso a esses serviços noutros países, fruto do dinheiro pertencente ao povo, mas que foi usurpado em proveito próprio.

Daqui nasce a desigualdade porque o pobre tende a ficar sempre mais pobre e o rico a mais rico. É neste tipo de circunstância que aparecem a outra parte que, dotado de força, vem reivindicar, não para uma distribuição equitativa de rendimentos, para o desenvolvimento dos sistemas de saúde e educação ou para o combate à fome, mas sim, para que seja incluído no círculo do privilegiados para que a situação volte à normalidade e assim sucessivamente.

Até quando?

Quanto tempo é preciso para usarmos todos a força e ter acesso ao círculo dos privilegiados?

Francamente, com este método nunca alcançamos a paz. O caminho mais curto e menos pedregoso é a justiça! Com a justiça, todos têm que escolher entre trabalhar para um país pacífico e desenvolvido e abandonar, indo à procura de um outro ambiente anarquista.

Se a justiça funcionar (i) ninguém apoderará de recursos de todos para o proveito próprio pois será perseguido e punido pela justiça; (ii) ninguém utilizará a força para se auto-incluir no círculo dos privilegiados pois será punido pela justiça; (iii) as organizações da sociedade civil serão automaticamente mobilizados a participar activamente na prevenção de conflitos, influenciando as decisões políticas susceptíveis de produzir efeitos na vida social do povo; (iv) o povo terá acesso à educação e será capaz de criar uma consciência colectiva na que reflicta claramente os seus desideratos e saberão defender os seus direitos e cumprir com os seus deveres bem como proteger o interesse público e (v) a comunidade internacional terá a consciência de que está a lidar com uma sociedade organizada e que tem as suas próprias fórmulas para resolver os problemas que lhes surge e assim, todas as dimensões (a equidade social, a igualdade de oportunidades, a inclusão social, entre outras) serão recolhidas no armazém chamado de paz.

Bem Haja

Nhaga Cobna

 

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